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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 9 DE MARÇO DE 1864

PRESIDÊNCIA Do EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE PRESIDENTE

Secrotarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde da Fonte Nova

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presente numero legal de dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta.

O sr. Silva Cabral: — Parece me que a acta, quando trata da proposta apresentada pelo digno par o sr. Miguel Osorio, diz que posta a votação foi approvada. Parece me que diz isto assim, talvez seja equivoco meu, ou falta de attenção da minha parte; mas o que, em todo o caso, é certo é que a proposta não foi approvada e unicamente admittida á discussão.

O sr. Presidente: — N'esse caso manda-se emendar a redacção da acta, no ponto a que o digno par te refere. Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando uma proposição sobre a revogação do decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, relativo á organisação do exercito. — Foi remettido á commissão de guerra.

-Do ministerio do reino, participando que para satisfazer o pedido do digno par Miguel Osorio, sobre a remessa das posturas das camaras municipaes do reino, vão pedir-se aos governadores civis estes esclarecimentos e opportunamente serão remettidos a esta camara.

O sr. Marquez de Vallada: — Expoz que, tendo-se dado por habilitado na outra casa do parlamento o sr. ministro da justiça, para responder a uma interpellação igual aquella que n'esta casa elle orador annunciára, não sabe que até então se haja promptificado a responder na camara alta, do que infere pouca vontade no sr. ministro, e como que uma especie de desconsideração para esta camara. Não querendo o exponente de fórma alguma contribuir para que tal desconsideração continue, julga dever protestar solemnemente contra este procedimento.

Aproveita a occasião para fazer um requerimento igual a outro já. apresentado n'esta camara ha muito tempo, e que não sabe o motivo por que se lhe não deu solução, pois não vieram os documentos que pedíra. O requerimento tinha por fim rogar ao sr. ministro enviasse á camara o maço n.º 16 que diz respeito á moeda falsa. Parece que esta questão da moeda falsa acabou completamente, desde que saiu do ministerio o sr. Mártens Ferrão! Elle orador está intimamente convencido de que tal questão não acabou, e sabe tambem que na occasião em que foi amplamente tratada, te produziram documentos, alguns dos quaes não estão no maço n.º 16, documentos occultos que não se patentearam, não sabe porquê. Não quer enfiar tia apreciação d'este facto, mas é certo e altamente conveniente que a lei seja igual para todos.

O sr. Conde d'Avila: — Peço a palavra. O Orador: — Se o digno par pediu a palavra para lhe responder, declara-se sempre prompto a ouvir s. ex.ª com toda a attenção.

O sr. Conde d'Avila: — Não é para combater as considerações do digno par.

O Orador: — Tanto melhor, sendo como s. ex.ª declarou em reforço dos seus argumentos e em reforço tão importante como é o digno par, necessariamente lhe ha de servir de muito.

N'uma das passadas sessões legislativas (eram então ministros os srs. duque da Terceira, Fontes Pereira de Mello e outros cavalheiros) pedíra elle orador uma sessão secreta para se tratar de certo assumpto de alta importancia, e entendêra que não devia ser discutido em sessão publica. E provavel que em breve peça tambem uma sessão secreta; por ser notavel que, tendo-se fabricado moeda falsa, tendo-se fabricado notas, tendo-se fabricado até libras dentro das prisões, nenhuma d'estas cousas se remedeiem. Ha tambem a fabricação do papel, e que se tem feito? É preciso ter coragem para castigar, para dar exemplos e exemplos que sejam profícuos e salutares.

O sr. ministro da justiça declarou, havia muito, que a criminalidade ía diminuindo. Não sabe como s. ex.ª d'isso tem conhecimento, pois que não ha estatisticas criminaes! Pois não ha tantos crimes, e não se vêem todos os dias os tribunaes cheios de criminosos e os jornaes dando noticias de latrocínios e homicídios praticados em todo o reino?! O orador desejava acabar com os roubos, mas como lhe não é possivel tanto, contentar-se-ha, pelo menos, em pedir que sejam os ladrões devidamente castigados, quaesquer que elles sejam.

Também ha um outro objecto de que o governo se deve seriamente occupar; é das casas de jogo que existem por toda a parte e sobre tudo na capital do reino, casas para onde são induzidos muitas vezes filhos de familia, os quaes se lançam na carreira do crime, porque outros que não têem officio nem beneficio procuram locupletar-se despojando aquelles. Ha casas de jogo nas ruas mais populosas da capital, das quaes têem saído muitos homens que podiam ter hoje grandes fortunas e que se acham pobres e talvez entregues ao crime, porque essas fortunas passaram das suas algibeiras para as dos criminosos, para as dos que os roubaram! Já chamou a attenção de um cavalheiro, que fazia ha tempos parte do ministerio, sobre estes escandalos que se estão dando em Lisboa, e novamente ha de tambem pedir ao actual sr. ministro da justiça que dê providencias energicas a respeito d'este objecto.

Pede desculpa á camara d'esta diversão e renova a iniciativa do seu requerimento sobre os documentos do maço n.º 16. Não estando presente nenhum dos srs. ministros, julga prudente e politico não continuar com mais reflexões e aguarda as explicações do digno par, o sr. conde d'Avila, as quaes está certo que hão de ser mui proveitosas.

O sr. Eugenio de Almeida: — Fez largas considerações ácerca do direito de interpellação, do modo pelo qual este direito é exercido nos paizes constitucionaes, dos abusos que tem causado n'este paiz a desconsideração de tão valioso direito; e citou exemplos para confirmar estas observações. Terminou pedindo que se officiasse ao sr. ministro da justiça para que designasse dia em que a interpellação de que se trata podesse verificar-se.

(S. ex.ª ainda não restituiu o seu discurso, que será publicado logo que o restitua.)

O sr. Presidente: — Eu devo informar a camara da resposta do sr. ministro da justiça ao officio que acompanhou a note de interpellação. Depois de lido a camara resolverá como entendei.

O sr. Secretario: — Leu.

O sr. Presidente: —.Quando se accusar a recepção d'este officio, pergunta-se da parte da camara se o sr. ministro póde marcar o dia em que ha de vir assistir a esta interpellação.

O sr. Eugenio de Almeida: — E melhor que se diga — se digne marcar o dia.

O sr. Conde d'Avila: — Eu começarei por este incidente, se bem que não era para este fim que eu tinha pedido a palavra.

Parece me que o officio, redigido nos termos que V. ex.ª acaba de indicar, não póde deixar de satisfazer ao digno par o sr. marquez de Vallada. Effectivamente alguns dignos pares desejarão estar na camara no dia em que essa interpellação ha de ter logar, mas não podia deixar de considerar-se uma falta de attenção se se prescrevesse ao sr. ministro da justiça o dia em que deve vir responder á interpellação. Eu declaro que votaria contra, se a proposta do digno par fosse concebida n'este sentido; mas a idéa do seu auctor é por certo que se convide o sr. ministro a marcar o dia...

O sr. Eugenio de Almeida: — Perfeitamente. O Orador: — Eu tinha pedido a palavra quando o meu collega e amigo, o digno par o sr. marquez de Vallada, faltando sobre a moeria falsa, disse que parecia que depois que saíu do ministerio o sr. Mártens Ferrão não houve n'este paiz mais questão nenhuma de moeda falsa, isto é, o governo não se occupou mais da moeda falsa...

O sr. Marquez de Vallada: — Eu disse que parecia ter acabado a moeda falsa.

O Orador: — Ora eu tive a honra de fazer parte do ministerio que succedeu aquelle em que o sr. Mártens Ferrão regia a pasta dos negocios ecclesiasticos e de justiça, e eu acredito que o digno par não teve em vista censurar nenhum dos ministerios passados, nem fazer a menor observação desfavoravel ao cavalheiro que regeu a pasta da justiça no ministerio subsequente ao de que fez parte o sr. Mártens Ferrão, mas podia-se inferir isto das palavras de s. ex.ª Como não vejo presente aquelle cavalheiro, que é o meu digno collega e amigo o sr. Moraes Carvalho, pedi a palavra para dizer ao digno par o sr. marquez de Vallada que n'aquelle gabinete, durante o tempo em que s. ex.ª esteve á testa do ministerio da justiça, se empregaram todos os meios de que o governo podia dispor para continuar na repressão efficaz do crime da moeda falsa. Devo acrescentar, por esta occasião, que tendo-me occupado muito deste assumpto, quando tive a honra de ser ministro da justiça em 1857, 1858 e 1859, ganhei a convicção de que tinha havido exageração nas accusações que se tinham feito ao nosso paiz, em relação a este assumpto, por parte de uma potencia alliada com a qual temos relações internas e de parentesco, dando-se a entender n'essa occasião que o crime de moeda falsa tinha grande apoio, e mesmo grande sympathia em todo o paiz. Infelizmente os documentos officiaes apresentados no parlamento d'essa potencia pareceu darem a entender que essa era a opinião do seu governo.

Tendo eu tido a honra de gerir a pasta dos negocios estrangeiros em 1860, entendi que devia habilitar o nosso representante n'aquelle paiz, o sr. conde de Thomar, com todos os documentos que tinha á minha disposição, para que s. ex.ª podesse combater estas taes exagerações. Effectivamente b. ex.ª com estes documentos, e com a sua reconhecida habilidade, fez ver ao governo imperial o que havia aquelle respeito; e desde esse tempo, nos relatorios do ministerio dos negocios estrangeiros, em que vinham sempre observações muito pouco favoraveis a este paiz, principiou-se a usar de uma linguagem mais conforme com a exactidão dos factos.

Não desejava que das palavras que o digno par o sr. marquez de Vallada disse nas melhores intenções—, e associo-me inteiramente aos desejos que s. ex.ª tem de que o ministro respectivo compareça para dar explicações a este respeito—, não desejava, digo, que d'essas palavras se podesse inferir que essas accusações eram exactas.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra.

O Orador: — O governo não póde de modo algum tolerar tão criminosa industria e é o primeiro interessado em

reprimi-la; e não se creia que sô n'este paiz se fabrica moeda falsa, e que é só aqui que esse crime pratica. Elle existe aqui, como existe em toda a parte. O digno par, que é tão instruido, sabe perfeitamente que em toda a parte se descobrem e perseguem crimes de fabricação de moeda falsa, sem que d'ahi se possa inferir que esses paizes tenham grande tendencia para esse crime e o favoreçam. Julguei dever apresentar estas observações á camara e estou convencido de que o digno par é o primeiro a estimar que eu o tivesse feito, porque creio que interpretei bem as suas intenções.

O sr. Marquez de Vallada: — Declara que seria um absurdo, se tivesse dito que Portugal era o unico paiz que fabricava moeda falsa; e tal absurdo não poderia elle dizer.

O sr. Conde d’Avila: — Não disse isso. O Orador: — Seria tambem absurdo que, constatando que n'este paiz se tivesse perpetrado o crime de moeda falsa, pelo facto de se perpetrarem tambem n'outros paizes o mesmo crime, não devesse ser aqui castigado.

Não lhe assiste o direito, como representante do paiz, de pedir ao governo esclarecimentos sobre um negocio tão importante?

O sr. Conde d'Avila: — Apoiado.

Presume o orador que os crimes do tempo presente têem precedentes nas epochas passadas, porque os crimes começaram com o principio do mundo, com os primeiros habitantes da terra; portanto nas palavras que precedentemente dissera de certo não quer referir um absurdo de ordem similhante.

O sr. Conde d'Avila: — Está claro. O Orador: — O certo é que, se houve exagerações da parte d'aquelles que, não sabe para que fins, consideravam Portugal como moedeiro falso, é certo tambem que por parte d'aquelles que tomaram a defeza do paiz, se disseram cousas gravissimas contra os representantes de Sua Magestade o Imperador do Brazil junto a esta corte. Foi por isso que, tendo interpellado o sr. ministro da justiça, o sr. Mártens Ferrão, julgou dever tambem interpellar o sr. duque da Terceira, como ministro dos negocios estrangeiros, sobre o mesmo assumpto. Por isso, quando lhe foi dada a palavra na ausencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros, disse que não podia usar d'ella sem que o sr. ministro da justiça estivesse acompanhado do seu collega dos estrangeiros o sr. duque de Terceira.

Portanto houve exagerações de todos os lados, mas nem essas exagerações devem prevalecer e influir de tal modo no animo d'elle orador que o obriguem a não insistir e deixar de usar do direito de pedir explicações aos ministros sobre o facto. E por isso que insiste em pedir todas as explicações, todos os esclarecimentos que entende dever pedir ao governo para illucidar questão, que se reserva tratar depois que for enviado a esta camara o maço n.º 16 que pediu ha mais de dois annos, e que ainda não foi remettido.

Formula, pois, e manda para mesa o seu requerimento.

O sr. Miguel do Canto: — Peço licença á camara para mandar para a mesa duas notas de interpellação ao sr. ministro das obras publicas: uma sobre a conveniencia de te completar quanto antes o monumento da Arnoza de Pamplido; outra, sobre a necessidade e urgencia do se melhorar o serviço das linhas telegraphicas do reino, e especialmente das que communicam Lisboa com o Porto.

Agora, sr. presidente, aproveito esta occasião para dizer algumas palavras sobre o incidente suscitado pelo sr. marquez de Vallada. S. ex.ª disse que, dede que o sr. Mártens Ferrão saíu do ministerio, a questão da moeda falsa estava como que morta, que ninguem se occupava d'ella. Esta asserção é de certo pouco agradavel para os ministros que succederam ao sr. Mártens Ferrão, cavalheiros a quem muito considero e respeito. Por isso me pareceram muito justas e acertadas as reflexões que a tal respeito fez o digno par o sr. conde d'Avila.

Pouco tempo depois de saír do ministerio o sr. Mártens Ferrão, tive a honra de ser nomeado governador civil do Porto. Estou pois em circumstancias e posição de poder dar alguns esclarecimentos para reforçar, para assim dizer, o que expendeu o digno par o sr. conde d'Avila. Posso dizer ao digno par, o sr. marquez de Vallada, que recebi do governo ordens muito apertadas e repetidas para com actividade e energia cuidar da questão da moeda falsa.

Devo fazer especial menção do sr. Moraes Carvalho (que sinto não estar presente), o qual, sendo ministro da justiça, me encarregou de diligencias importantes, para descobrir os crimes de moeda falsa e promover a punição dos criminosos. Assevero á camara que empreguei multiplicados esforços para cumprir fielmente as ordens do governo, mas não foi nunca possivel fazer alguma descoberta importante e que mereça mencionar-se aqui. Ultimamente ainda acaba de fazer-se mais uma diligencia administrativa, de que resultou ser apprehendido um operario que se occupava no fabrico de moeda falsa; eis o unico. Não 6ei se d'ahi resultará o conhecimento de factos que revelem a existencia, em ponto grande, dos crimes de que se trata.

Tendo exercido o cargo de governador civil do districto do Porto durante tres annos e meio, julguei do meu dever corroborar com o meu testemunho as mui justificadas asserções do digno par o sr. conde d'Avila.

As notas de interpellação acima referidas são as seguintes:

«Requeiro se participe ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, que desejo interpellar a s.ex.ª sobre a conveniencia de se completar quanto antes o monumento de Arnoza de Pampelido.

«Camara dos dignos pares, 9 de março de 1864. = Miguel do Canto e Castro.»

«Requeiro se participe ao sr. ministro das obras publi-