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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 9 DE MARÇO DE 1864

PRESIDÊNCIA Do EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE PRESIDENTE

Secrotarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde da Fonte Nova

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presente numero legal de dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta.

O sr. Silva Cabral: — Parece me que a acta, quando trata da proposta apresentada pelo digno par o sr. Miguel Osorio, diz que posta a votação foi approvada. Parece me que diz isto assim, talvez seja equivoco meu, ou falta de attenção da minha parte; mas o que, em todo o caso, é certo é que a proposta não foi approvada e unicamente admittida á discussão.

O sr. Presidente: — N'esse caso manda-se emendar a redacção da acta, no ponto a que o digno par te refere. Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando uma proposição sobre a revogação do decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, relativo á organisação do exercito. — Foi remettido á commissão de guerra.

-Do ministerio do reino, participando que para satisfazer o pedido do digno par Miguel Osorio, sobre a remessa das posturas das camaras municipaes do reino, vão pedir-se aos governadores civis estes esclarecimentos e opportunamente serão remettidos a esta camara.

O sr. Marquez de Vallada: — Expoz que, tendo-se dado por habilitado na outra casa do parlamento o sr. ministro da justiça, para responder a uma interpellação igual aquella que n'esta casa elle orador annunciára, não sabe que até então se haja promptificado a responder na camara alta, do que infere pouca vontade no sr. ministro, e como que uma especie de desconsideração para esta camara. Não querendo o exponente de fórma alguma contribuir para que tal desconsideração continue, julga dever protestar solemnemente contra este procedimento.

Aproveita a occasião para fazer um requerimento igual a outro já. apresentado n'esta camara ha muito tempo, e que não sabe o motivo por que se lhe não deu solução, pois não vieram os documentos que pedíra. O requerimento tinha por fim rogar ao sr. ministro enviasse á camara o maço n.º 16 que diz respeito á moeda falsa. Parece que esta questão da moeda falsa acabou completamente, desde que saiu do ministerio o sr. Mártens Ferrão! Elle orador está intimamente convencido de que tal questão não acabou, e sabe tambem que na occasião em que foi amplamente tratada, te produziram documentos, alguns dos quaes não estão no maço n.º 16, documentos occultos que não se patentearam, não sabe porquê. Não quer enfiar tia apreciação d'este facto, mas é certo e altamente conveniente que a lei seja igual para todos.

O sr. Conde d'Avila: — Peço a palavra. O Orador: — Se o digno par pediu a palavra para lhe responder, declara-se sempre prompto a ouvir s. ex.ª com toda a attenção.

O sr. Conde d'Avila: — Não é para combater as considerações do digno par.

O Orador: — Tanto melhor, sendo como s. ex.ª declarou em reforço dos seus argumentos e em reforço tão importante como é o digno par, necessariamente lhe ha de servir de muito.

N'uma das passadas sessões legislativas (eram então ministros os srs. duque da Terceira, Fontes Pereira de Mello e outros cavalheiros) pedíra elle orador uma sessão secreta para se tratar de certo assumpto de alta importancia, e entendêra que não devia ser discutido em sessão publica. E provavel que em breve peça tambem uma sessão secreta; por ser notavel que, tendo-se fabricado moeda falsa, tendo-se fabricado notas, tendo-se fabricado até libras dentro das prisões, nenhuma d'estas cousas se remedeiem. Ha tambem a fabricação do papel, e que se tem feito? É preciso ter coragem para castigar, para dar exemplos e exemplos que sejam profícuos e salutares.

O sr. ministro da justiça declarou, havia muito, que a criminalidade ía diminuindo. Não sabe como s. ex.ª d'isso tem conhecimento, pois que não ha estatisticas criminaes! Pois não ha tantos crimes, e não se vêem todos os dias os tribunaes cheios de criminosos e os jornaes dando noticias de latrocínios e homicídios praticados em todo o reino?! O orador desejava acabar com os roubos, mas como lhe não é possivel tanto, contentar-se-ha, pelo menos, em pedir que sejam os ladrões devidamente castigados, quaesquer que elles sejam.

Também ha um outro objecto de que o governo se deve seriamente occupar; é das casas de jogo que existem por toda a parte e sobre tudo na capital do reino, casas para onde são induzidos muitas vezes filhos de familia, os quaes se lançam na carreira do crime, porque outros que não têem officio nem beneficio procuram locupletar-se despojando aquelles. Ha casas de jogo nas ruas mais populosas da capital, das quaes têem saído muitos homens que podiam ter hoje grandes fortunas e que se acham pobres e talvez entregues ao crime, porque essas fortunas passaram das suas algibeiras para as dos criminosos, para as dos que os roubaram! Já chamou a attenção de um cavalheiro, que fazia ha tempos parte do ministerio, sobre estes escandalos que se estão dando em Lisboa, e novamente ha de tambem pedir ao actual sr. ministro da justiça que dê providencias energicas a respeito d'este objecto.

Pede desculpa á camara d'esta diversão e renova a iniciativa do seu requerimento sobre os documentos do maço n.º 16. Não estando presente nenhum dos srs. ministros, julga prudente e politico não continuar com mais reflexões e aguarda as explicações do digno par, o sr. conde d'Avila, as quaes está certo que hão de ser mui proveitosas.

O sr. Eugenio de Almeida: — Fez largas considerações ácerca do direito de interpellação, do modo pelo qual este direito é exercido nos paizes constitucionaes, dos abusos que tem causado n'este paiz a desconsideração de tão valioso direito; e citou exemplos para confirmar estas observações. Terminou pedindo que se officiasse ao sr. ministro da justiça para que designasse dia em que a interpellação de que se trata podesse verificar-se.

(S. ex.ª ainda não restituiu o seu discurso, que será publicado logo que o restitua.)

O sr. Presidente: — Eu devo informar a camara da resposta do sr. ministro da justiça ao officio que acompanhou a note de interpellação. Depois de lido a camara resolverá como entendei.

O sr. Secretario: — Leu.

O sr. Presidente: —.Quando se accusar a recepção d'este officio, pergunta-se da parte da camara se o sr. ministro póde marcar o dia em que ha de vir assistir a esta interpellação.

O sr. Eugenio de Almeida: — E melhor que se diga — se digne marcar o dia.

O sr. Conde d'Avila: — Eu começarei por este incidente, se bem que não era para este fim que eu tinha pedido a palavra.

Parece me que o officio, redigido nos termos que V. ex.ª acaba de indicar, não póde deixar de satisfazer ao digno par o sr. marquez de Vallada. Effectivamente alguns dignos pares desejarão estar na camara no dia em que essa interpellação ha de ter logar, mas não podia deixar de considerar-se uma falta de attenção se se prescrevesse ao sr. ministro da justiça o dia em que deve vir responder á interpellação. Eu declaro que votaria contra, se a proposta do digno par fosse concebida n'este sentido; mas a idéa do seu auctor é por certo que se convide o sr. ministro a marcar o dia...

O sr. Eugenio de Almeida: — Perfeitamente. O Orador: — Eu tinha pedido a palavra quando o meu collega e amigo, o digno par o sr. marquez de Vallada, faltando sobre a moeria falsa, disse que parecia que depois que saíu do ministerio o sr. Mártens Ferrão não houve n'este paiz mais questão nenhuma de moeda falsa, isto é, o governo não se occupou mais da moeda falsa...

O sr. Marquez de Vallada: — Eu disse que parecia ter acabado a moeda falsa.

O Orador: — Ora eu tive a honra de fazer parte do ministerio que succedeu aquelle em que o sr. Mártens Ferrão regia a pasta dos negocios ecclesiasticos e de justiça, e eu acredito que o digno par não teve em vista censurar nenhum dos ministerios passados, nem fazer a menor observação desfavoravel ao cavalheiro que regeu a pasta da justiça no ministerio subsequente ao de que fez parte o sr. Mártens Ferrão, mas podia-se inferir isto das palavras de s. ex.ª Como não vejo presente aquelle cavalheiro, que é o meu digno collega e amigo o sr. Moraes Carvalho, pedi a palavra para dizer ao digno par o sr. marquez de Vallada que n'aquelle gabinete, durante o tempo em que s. ex.ª esteve á testa do ministerio da justiça, se empregaram todos os meios de que o governo podia dispor para continuar na repressão efficaz do crime da moeda falsa. Devo acrescentar, por esta occasião, que tendo-me occupado muito deste assumpto, quando tive a honra de ser ministro da justiça em 1857, 1858 e 1859, ganhei a convicção de que tinha havido exageração nas accusações que se tinham feito ao nosso paiz, em relação a este assumpto, por parte de uma potencia alliada com a qual temos relações internas e de parentesco, dando-se a entender n'essa occasião que o crime de moeda falsa tinha grande apoio, e mesmo grande sympathia em todo o paiz. Infelizmente os documentos officiaes apresentados no parlamento d'essa potencia pareceu darem a entender que essa era a opinião do seu governo.

Tendo eu tido a honra de gerir a pasta dos negocios estrangeiros em 1860, entendi que devia habilitar o nosso representante n'aquelle paiz, o sr. conde de Thomar, com todos os documentos que tinha á minha disposição, para que s. ex.ª podesse combater estas taes exagerações. Effectivamente b. ex.ª com estes documentos, e com a sua reconhecida habilidade, fez ver ao governo imperial o que havia aquelle respeito; e desde esse tempo, nos relatorios do ministerio dos negocios estrangeiros, em que vinham sempre observações muito pouco favoraveis a este paiz, principiou-se a usar de uma linguagem mais conforme com a exactidão dos factos.

Não desejava que das palavras que o digno par o sr. marquez de Vallada disse nas melhores intenções—, e associo-me inteiramente aos desejos que s. ex.ª tem de que o ministro respectivo compareça para dar explicações a este respeito—, não desejava, digo, que d'essas palavras se podesse inferir que essas accusações eram exactas.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra.

O Orador: — O governo não póde de modo algum tolerar tão criminosa industria e é o primeiro interessado em

reprimi-la; e não se creia que sô n'este paiz se fabrica moeda falsa, e que é só aqui que esse crime pratica. Elle existe aqui, como existe em toda a parte. O digno par, que é tão instruido, sabe perfeitamente que em toda a parte se descobrem e perseguem crimes de fabricação de moeda falsa, sem que d'ahi se possa inferir que esses paizes tenham grande tendencia para esse crime e o favoreçam. Julguei dever apresentar estas observações á camara e estou convencido de que o digno par é o primeiro a estimar que eu o tivesse feito, porque creio que interpretei bem as suas intenções.

O sr. Marquez de Vallada: — Declara que seria um absurdo, se tivesse dito que Portugal era o unico paiz que fabricava moeda falsa; e tal absurdo não poderia elle dizer.

O sr. Conde d’Avila: — Não disse isso. O Orador: — Seria tambem absurdo que, constatando que n'este paiz se tivesse perpetrado o crime de moeda falsa, pelo facto de se perpetrarem tambem n'outros paizes o mesmo crime, não devesse ser aqui castigado.

Não lhe assiste o direito, como representante do paiz, de pedir ao governo esclarecimentos sobre um negocio tão importante?

O sr. Conde d'Avila: — Apoiado.

Presume o orador que os crimes do tempo presente têem precedentes nas epochas passadas, porque os crimes começaram com o principio do mundo, com os primeiros habitantes da terra; portanto nas palavras que precedentemente dissera de certo não quer referir um absurdo de ordem similhante.

O sr. Conde d'Avila: — Está claro. O Orador: — O certo é que, se houve exagerações da parte d'aquelles que, não sabe para que fins, consideravam Portugal como moedeiro falso, é certo tambem que por parte d'aquelles que tomaram a defeza do paiz, se disseram cousas gravissimas contra os representantes de Sua Magestade o Imperador do Brazil junto a esta corte. Foi por isso que, tendo interpellado o sr. ministro da justiça, o sr. Mártens Ferrão, julgou dever tambem interpellar o sr. duque da Terceira, como ministro dos negocios estrangeiros, sobre o mesmo assumpto. Por isso, quando lhe foi dada a palavra na ausencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros, disse que não podia usar d'ella sem que o sr. ministro da justiça estivesse acompanhado do seu collega dos estrangeiros o sr. duque de Terceira.

Portanto houve exagerações de todos os lados, mas nem essas exagerações devem prevalecer e influir de tal modo no animo d'elle orador que o obriguem a não insistir e deixar de usar do direito de pedir explicações aos ministros sobre o facto. E por isso que insiste em pedir todas as explicações, todos os esclarecimentos que entende dever pedir ao governo para illucidar questão, que se reserva tratar depois que for enviado a esta camara o maço n.º 16 que pediu ha mais de dois annos, e que ainda não foi remettido.

Formula, pois, e manda para mesa o seu requerimento.

O sr. Miguel do Canto: — Peço licença á camara para mandar para a mesa duas notas de interpellação ao sr. ministro das obras publicas: uma sobre a conveniencia de te completar quanto antes o monumento da Arnoza de Pamplido; outra, sobre a necessidade e urgencia do se melhorar o serviço das linhas telegraphicas do reino, e especialmente das que communicam Lisboa com o Porto.

Agora, sr. presidente, aproveito esta occasião para dizer algumas palavras sobre o incidente suscitado pelo sr. marquez de Vallada. S. ex.ª disse que, dede que o sr. Mártens Ferrão saíu do ministerio, a questão da moeda falsa estava como que morta, que ninguem se occupava d'ella. Esta asserção é de certo pouco agradavel para os ministros que succederam ao sr. Mártens Ferrão, cavalheiros a quem muito considero e respeito. Por isso me pareceram muito justas e acertadas as reflexões que a tal respeito fez o digno par o sr. conde d'Avila.

Pouco tempo depois de saír do ministerio o sr. Mártens Ferrão, tive a honra de ser nomeado governador civil do Porto. Estou pois em circumstancias e posição de poder dar alguns esclarecimentos para reforçar, para assim dizer, o que expendeu o digno par o sr. conde d'Avila. Posso dizer ao digno par, o sr. marquez de Vallada, que recebi do governo ordens muito apertadas e repetidas para com actividade e energia cuidar da questão da moeda falsa.

Devo fazer especial menção do sr. Moraes Carvalho (que sinto não estar presente), o qual, sendo ministro da justiça, me encarregou de diligencias importantes, para descobrir os crimes de moeda falsa e promover a punição dos criminosos. Assevero á camara que empreguei multiplicados esforços para cumprir fielmente as ordens do governo, mas não foi nunca possivel fazer alguma descoberta importante e que mereça mencionar-se aqui. Ultimamente ainda acaba de fazer-se mais uma diligencia administrativa, de que resultou ser apprehendido um operario que se occupava no fabrico de moeda falsa; eis o unico. Não 6ei se d'ahi resultará o conhecimento de factos que revelem a existencia, em ponto grande, dos crimes de que se trata.

Tendo exercido o cargo de governador civil do districto do Porto durante tres annos e meio, julguei do meu dever corroborar com o meu testemunho as mui justificadas asserções do digno par o sr. conde d'Avila.

As notas de interpellação acima referidas são as seguintes:

«Requeiro se participe ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, que desejo interpellar a s.ex.ª sobre a conveniencia de se completar quanto antes o monumento de Arnoza de Pampelido.

«Camara dos dignos pares, 9 de março de 1864. = Miguel do Canto e Castro.»

«Requeiro se participe ao sr. ministro das obras publi-

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cas, commercio e industria, que desejo interpellar a s. ex.ª sobre a necessidade urgente de se melhorar o serviço das linhas telegraphicas do reino, e com especialidade das que communicam Lisboa com o Porto.

«Camara dos pares, 9 de março de 1864. = Miguel do Canto e Castro.»

O sr. Osorio de Castro: — Mandei um destes dias para a mesa um projecto de lei sobre a creação de cadeiras de desenho, e desejava saber a que commissão V. ex.ª o mandou dirigir. Creio que foi á commissão de instrucção publica; e pedia a V. ex.ª que convidasse a illustre commissão a que desse o seu parecer, porque póde muito bem ser que haja nelle alguma materia, que deva ser de iniciativa da outra camara; e então queria separar essa materia para ver se passa n'esta sessão, que já está muito adiantada.

Aquelle projecto é um projecto importante, e portanto parece me conveniente recommendar á commissão toda a brevidade. Eram estas as considerações que me levaram agora a pedir este favor á commissão, para ver se podia dar andamento ao meu projecto.

O sr. Presidente: — Os membros da commissão acabam de ouvir o que disse o digno par, e é natural que s. ex.ª seja chamado á commissão, como é sempre a pratica.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Ha um requerimento do sr. Miguel Osorio que se mandou expedir.

O digno par, o sr. Silva Cabral, reclamou contra a acta, em relação á proposta do sr. Osorio, mas parece me que o digno par fez esta reclamação porque não ouviu bem o que o sr. secretario leu. Por isso vou lêr novamente o paragrapho era questão, para s. ex.ª ver se effectivamente exprime bem os factos que se passaram na ultima sessão (leu).

O sr. Silva Cabral: — Eu reclamei hypotheticamente contra a inexactidão da acta. Se n'ella se diz que com effeito foi approvada a proposta, reclamo contra esse facto, porque não é exacto. Mas, se não se trata senão da admissão, é esse o ponto que se discutiu; e é claro que está exacta. Ora, eu chamei a attenção da mesa sobre este ponto hypotheticamente, mas estou satisfeito desde que, pela leitura, vejo que se trata só da admissão á discussão. E fiz esta reclamação simplesmente por desejar a exactidão da acta.

O sr. Presidente: — A camara estará lembrada que na ultima sessão havia um requerimento do sr. Augusto Xavier da Silva, para que se não discutisse a proposta do sr. Osorio sem estar presente o sr. ministro da fazenda. O auctor d'este requerimento não se acha presente, mas se estivesse aqui havia de reclamar pelo seu requerimento...

O sr. Conde d'Avila: — Eu creio que o adiamento proposto pelo er. Xavier da Silva foi approvado pela camara...

O sr. Presidente: — Está approvado. E então, como não ha outros negocios para tratar, nem objecto algum para discussão, vou levantar a sessão...

O ar. Conde de Thomar: — Pedindo a palavra, disse sentir que se chegasse ao terceiro mez da legislatura sem a camara ter negocio algum importante para discutir. Seguramente não se póde attribuir este acontecimento á camara (apoiados). Todos reconhecem que no systema representativo, desde que o governo abandona o seu logar no parlamento e não segue os negocios nas commissões é absolutamente impossivel que as camaras possam desempenhar as funcções de que estão encarregadas (apoiados). É com espanto que vê, em muitas sessões consecutivas, deserto o logar dos srs. ministros; e assim não é possivel que tal estado continue, podendo presumir se que venha a acontecer o que se tem verificado em muitas legislaturas, que é adiarem-se para o fim os negocios importantes, votando se sem se discutirem.

Não presume que a camara dos dignos pares esteja disposta a consentir actos de tal natureza. E preciso que se acabe com tal systema. São muitos os ministros, dividam se por uma e outra casa do parlamento, e assistam ás discussões. Não se diga não ser possivel este modo de dividir os trabalhos, pois ha trinta annos que existe o governo representativo, e nunca se deu o que actualmente succede; ainda mesmo em epochas em que as discussões eram muito agitadas, e as opposições mui fortes, por exemplo, quando elle, orador, e o sr. presidente eram ministros da corôa. Então, os ministros combinavam entre si o modo de entrar nas discussões, e o parlamento tinha sempre uma entidade responsavel com quem discutia. Porque se não ha de seguir agora o mesmo systema? Permitta-se lhe dizer com franqueza que o modo com que hoje se procede, não é o conveniente ao systema parlamentar (apoiados).

Desculpe lhe a camara o ter feito estas reflexões, que são filhas do sentimento profundo com que vê marchar-se no descredito do systema parlamentar e constitucional.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, assistimos a um triste espectaculo! Depois de trinta annos de systema constitucional negámos na pratica a verdade do mesmo systema. O que é a nossa politica di-lo, em epilogo, esta sessão (apoiados).

Antes da ordem do dia levanta se um digno par, pede a palavra e prova e demonstra, em termos incisivos, que o direito de interpellação é nullo. Entra-se na ordem do dia, e é V. ex.ª quem declara, do alto da mesma cadeira, tres mezes depois de aberta a sessão, que nos podemos retirar, porque não ha sobre a mesa nenhuma materia para os nossos trabalhos!

Sr. (presidente, assistimos, repito, a um triste expectaculo, depois de trinta annos de systema constitucional; desconhecemos todos os principios que regem este systema. O direito de interpellação caducou, está nullo; o direito de iniciativa nada vale, porque o não exerce o governo. Mais ainda, tolhera-nos no regimen de publicidade todos os meios de illustração. Interpelamos o governo, e o governo não se dá por habilitado para responder; annuncia-se qualquer medida, e tão raras ellas são, de iniciativa governamental, pedimos quaesquer esclarecimentos que, como elementos de estudo, não são necessarios, e o governo fecha os ouvidos aos nossos requerimentos e não os satisfaz!

Sr. presidente, ha trinta e tres dias que o digno par, o sr. Eugenio de Almeida, apresentou a esta camara um requerimento, pedindo esclarecimentos indispensaveis para a apreciação rigorosa da proposta de lei sobre a liberdade do tabaco, esclarecimentos que se podem obter em tres, quatro ou oito dias, e comtudo até hoje ainda aquelle requerimento não foi satisfeito! Que significa isto? O governo não nos dá que discutir, e quando suppomos que póde vir aqui uma medida importante e nos queremos prevenir, requerendo e: exigindo as habilitações necessarias para apreciar bem essa medida, até isso nos é negado! Notavel e repugnante antithese! O governo, que se diz progressista e liberal, sophismando os principios sobre que assenta este regimen! O governo, que se diz dotado de uma iniciativa vigorosa, permittindo que por falta de trabalho não funccione esta camara no intervallo de tres mezes, se não em rarissimas sessões e para discutir projectos de mero interesse individual.

E não se diga que estão affectos ás commissões quaesquer projectos importantes, o que lá ha são projectos antigos, mas da iniciativa do governo não ha nada, absolutamente nada!

O sr. Presidente: — Peço perdão. Para informação da camara devo dizer que ha projectos nas commissões e projectos importantes. Ha um sobre a contribuição predial e pessoal e diversos outros.

O sr. S. J. de Carvalho: — Isso prova a não comparencia dos ministros.

O Orador: — Digo isto só para informação da camara.

O sr. S. J. de Carvalho (continuando): — Eu acredito na honrada palavra de V. ex.ª Mas porque não hão de vir os ministros pedir ás commissões que dêem andamento a esses projectos, se são instantemente reclamados pelas necessidades publicas?"Pois esses projectos têem a importancia que V. ex.ª lhes liga, e o governo, com uma incuria injustificavel, deixa que as commissões adiem indefinidamente a apresentação dos respectivos pareceres? (Apoiados.) Isto é incrivel! Seja-me licito notar esta contradicção, e protestar solemnemente contra este facto.

Eu desejava que a camara tomasse uma resolução que significasse precisamente um voto de censura ao governo, mas não o proponho, porque, se o propozer, dizem todos que é fazer uma questão politica; o que eu quero é que se saiba que a camara dos pares, contra a qual os proprios órgãos da politica ministerial se têem manifestado, proclamando a sua reforma, não trabalha porque esse governo, cuja iniciativa é tão rasgada, nada faz, nem mesmo aquillo a que está obrigado pelos compromissos que tomou para com os homens do seu partido.

Em uma das passadas sessões na outra casa do parlamento o sr. ministro da marinha, referindo-se á lei de ensino, declarou que a proposta de lei estava affecta a uma commissão; mas essa commissão ainda se não reuniu, e não me consta que o ministerio pedisse que ella desse o seu parecer sobre esse negocio. Foi essa uma questão maxima, foi uma questão importante, emquanto convinha apresenta-la como tal por mera especulação politica (apoiados); mas, preenchido o fim, o governo não pediu ás commissões que dessem parecer sobre ella. Assim como estas muitas outras; quer dizer, este governo da iniciativa vigoro-a só apresenta as suas medidas para especular com o effeito que possam produzir no espirito publico. Ahi vem a questão da liberdade do tabaco; se esta camara se pronunciar contra ella, não a havemos de votar, porque o governo ha de recuar tambem como tem recusado em todas as outras questões. E não é por satisfação aos principios, é porque tem medo.

O inquerito sobre os acontecimentos de Villa Real foi adoptado pelo governo, não pelo desejo de inquirir d'esses factos, e proceder em consciencia e rigorosamente contra o funccionario que tivesse delinquido, roas porque se levantaram clamores e apprehensões assas graves. O governo approvou a nomeação da commissão de inquerito, transigindo assim n'esta questão, como tem feito na dos vinhos, na do ensino, na da liberdade do tabaco e em todas as outras; é um governo que encontrando reluctancia cede, quando não encontra essa reluctancia, se trabalha, é apenas por destruir, sem pretender edificar. Não comprehende as palavras do Deuteronomio o — destruam et edificabo.

Um governo d'estes é um governo essencialmente negativo, e o governo de um paiz livre deve ser essencialmente activo. Tudo que não for isto é reduzir a mesquinhas proporções o governo do estado. Isto é uma irrisão para o paiz e para os poderes publicos! Assim pois, fazendo eu parte d'esta camara, como ella o faz dos poderes publicos, desde que bem me convença que o governo não trata seriamente dos negócios do estado, que o regimen constitucional não é o que deve ser na applicação rigorosa de seus principios, hei de pegar no meu chapéu e saír por aquella porta fóra (apoiados); porque isto é uma questão de dignidade tanto para os poderes publicos como para os proprios individuos que os compõem.

Não digo mais nada a este respeito.

O sr. Visconde de Soares Franco (sobre a ordem): — É para declarar a V. ex.ª e á camara que na commissão de marinha não ha projecto nenhum: o unico que ha tres ou quatro dias veiu á minha mão, era um projecto que assentava sobre proposta da iniciativa do governo, para a venda do forte de S. Paulo; eu, na qualidade de relator da commissão, redigi logo o parecer, que foi assignado pelos membros da commissão, de modo que não existe agora lá mais nada.

O sr. Presidente: — O digno par acaba de dizer que não ha projecto nenhum na commissão de marinha; mas s. ex.ª, como relator d'essa commissão, mandou para a commissão de fazenda dois projectos, a fim de ver se esta se conformava, ou se tinha sobre elles alguma duvida. (O sr. Visconde de Soares Franco: —exacto.) Ora, parecendo, do que V. ex.ª acaba de affirmar, que contradizia o que eu havia dito, devo declarar que da propria commissão de marinha estão ainda pendentes esses dois projectos.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Os projectos que são remettidos á commissão de marinha, obtêem logo parecer e são immediatamente expedidos. Sendo isto assim, no momento em que parecia fazer se ás commissões a accusação do que não davam pareceres sobre os projectos que lhes eram submettidos, eu, na qualidade de relator d'aquella commissão, não podia deixar de declarar, como declarei, que na commissão de marinha não havia lá actualmente projecto algum, pela rasão que acabo de expor.

Pedi unicamente a palavra para fazer essa declaração por parte da commissão de marinha, pois tendo-me ella honrado com o encargo de seu relator, não quiz que se dissesse que os, projectos que lhe são remettidos dormiam na commissão, porque os seus membros não trabalhavam.

O ar. Presidente: — O meu dever n'este logar é concorrer para que não haja desharmonia entre as declarações que se fazem; sabendo por consequencia que nas commissões havia projectos a examinar, entendi que tinha obrigação de declarar á camara a existencia d'esse facto. Agora dou a palavra ao sr. marquez de Niza. O sr. Marquez de Niza: — O sr. visconde de Soares Franco acaba do dizer que, como relator da commissão, faz os pareceres e os envia aos outros membros para o assignarem. Ora, como eu tenho a honra de fazer parte da commissão de marinha, devo declarar que s. ex.ª tem auctorisação de fazer os pareceres, mas não m'os manda unicamente para eu assignar; manda m'os para os lêr, examinar e ver se me conformo com elles, e só depois é que os assigno. Eu tenho muita consideração pelo digno par, mas entendo que devo fazer estas reflexões para que se não supponha que os pareceres são por mim assignados de chapa.

O sr. Visconde de Soares Franco: — O digno par que acabou de fallar não percebeu de certo a intenção com que me quiz exprimir. O que é certo é que os projectos que mando aos membros da commissão já assignados por mim, é para serem lidos e estudados e até mesmo já muitas vezes temos tido discussão sobre alguns; mas o que eu quero fazer ver á camara é que da parte da commissão não tem havido demora em expedir todos os negocios que lhe são affectos.

O sr. Presidente: — Creio que todos os dignos pares, que têem pedido a palavra, têem-o feito sobre a ordem, nem isto é outra cousa senão ordem. Tem portanto a palavra o digno par o sr. Rebello da Silva sobre a ordem.

O sr. Rebello da Silva —Nós estamos tratando da nossa dignidade.

Os dignos pares que me precederam, preveniram-me em tudo o que eu queria notar a este respeito. O que desejo e estimei muito foi que ficasse bem declarado que, se a camara era obrigada a reunir-se e a retirar-se sessão sobre sessão, sem poder empregar a sua actividade no exame de assumptos importantes, a culpa não era sua, mas de quem a não habilitava a trabalhar (apoiados). Facto tanto mais importante quanto muitas vezes esta casa do parlamento tem sido injustamente apreciada, ou por omissões que não procedem do actos seus, ou pela maneira por que ajuiza dos actos do poder executivo nas discussões e na votação.

Não sou devoto, nem zeloso defensor das perfeições orgânicas da camara actual, não sustento com fanatismo a sua ' superioridade, pelo contrario já disse aqui o que me pareceu opportuno a este respeito, e não occultei o desejo vehemente de que a camara tomasse, ella propria, a iniciativa da sua reforma constitucional de accordo com o governo,: dando os primeiros passos sem hesitação, e com desassombro, em harmonia com os principios que hoje prevalecem na Europa liberal; mas entendo tambem que não ha abuso ou excesso da nossa parte, quando pronunciámos o nosso voto com plena independencia e approvâmos ou rejeitámos as propostas que nos são apresentadas. Este exame é da nossa competencia e concedeu-o a carta em nome do interesse publico e da conservação das instituições. Estou convencido de que a camara não recuará no desempenho das suas funcções diante da calumnia, do ultrage e da injuria, venha o golpe d'onde vier, seja qual for o braço que o vibre. Aos reparos sisudos, ás advertências sensatas, deve-se attenção e benevolencia; ás verrinas desgrenhadas, ás orgias da palavra escripta, aos repentes phreneticos de uma ambição delirante e funesta a tudo o que a rodeia... deve-se compaixão... e nada mais. O precipício que chama por ella e que similhantes armas estão rasgando mais a cada hora cedo a punirá, e as quedas irremediáveis e profundas são o maior castigo dos que as provocam e merecem. Baixar ao lodo para subir a quaesquer eminências e escorregar dellas outra vez ao lodo, só em tempos infelizes se ha de ver, e assim, mesmo por um lance casual e depressa emendado.

É costume, é uso de todas as nações regidas pelo systema representativo, que ás sessões de cada uma das camaras assistam os ministros da corôa. O motivo d'esta não interrompida tradição explica-se facilmente. Os trabalhos parlamentares não são puras sabbatinaa, nem theses disputadas entre arguentes applaudidos. Discutem se na tribuna negocios praticos, precisa-se a cada momento de ouvir informações oraes e verídicas, e podem suscitar se de -uma hora para outra duvidas ou difficuldades que só a voz e a presença do governo cortam ou decipam inteiramente. E de proposito não quero alludir a outros objectos que têem de ser tratados, e que de antemão todos sabem que não dispensam a resposta dos agentes do executivo. Refiro me ás interpellações pendentes.

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As cousas devem entrar no verdadeiro caminho. Espero que de hoje em diante sejam prevenidos os srs. ministros, enviando-se lhes a nota doa projectos dados para ordem do dia, e a das propostas mandadas ás commissões e dependentes da sua cooperação.

É essencial que o governo compareça e nos salve da triste posição de nos vermos obrigados a discutir na sua ausencia ou de encerrarmos a sessão por falta de assumpto. São seis os membros do gabinete e podem muito bem repartir-se por ambas as camaras.

Quanto á falta de projectos, qualquer que seja o seu numero nas commissões, não podem ter andamento sem os ministros serem ouvidos ácerca d'elles; porque, ou se derivem da iniciativa do governo ou da iniciativa de algum dos dignos pares, os pareceres não podem lavrai-se emquanto a opinião do governo não for sabida. Comtudo creio e ousarei aconselhar ás commissões que se reunam e conferenceiem; e, se os ministros convocados por ellas não cumprirem o seu dever, facilmente lavarão as mãos de toda a responsabilidade expondo a verdade toda, e só a verdade. Porque o governo não caminha, ou caminha pouco, não deve seguir-se o mal ainda maior de nos paralysarmos a esperar por elle.

O sr. Ministro das Obras Publicas (que, entrára emquanto o orador fallava): — Peço a palavra.

Desejo pois que seja remettida aos membro» do poder executivo a nota dos projectos que se hão de discutir, e a dos que jazem nas commissões e dependem da sua opinião. Prezo-me de Ber sempre justo, e de não me cegar com parcialidades. O sr. ministro da marinha é zeloso e efficaz e a prova deu a o sr. visconde de Soares Franco, asseverando que a commissão de marinha já expediu todos os seus pareceres; o sr. presidente do conselho não demora tambem por sua parte os trabalhos da commissão de inquerito a que está sendo chamado; e o sr. ministro das obras publicas timbra, segundo vejo, em não desamparar nas camaras nenhum negocio da sua repartição.

Annunciei a e. ex.ª uma interpellação ha pouco tempo, e d'ahi a quatro ou cinco dias o nobre ministro teve a bondade de declarar que te achava habilitado para me proporcionar os esclarecimentos que desejo. O exemplo é tanto mais honroso, quanto nem sempre tem sido imitado.

Pedia ao governo, á camara, e a todos que influem sobre os negocios publicos, que se lembrassem de que a regularidade e o decoro externo das funcções legislativas é de interesse geral, porque tanto aproveita á maioria como á opposição.

O mais interessado na verdade das instituições é o systema representativo, porque o esquecimento voluntario das suas regras e máximas tende a destruir a confiança do paiz; e, se ella se perder, a base do edificio ficará minada e vacillante.

Não tratemos este ponto de leve. O fructo de trinta annos de esforços, de sacrificios e de conquistas laboriosas, não se arrisca a vãos caprichos pessoaes ou a arremeasos facciosos. O sangue derramado em tantas lutas cairia sobre nós, pesado de remorsos, se fossemos complices no attentado de deixar escarnecer, por aquelles que as devem respeitar, as cousas terias. As formas não são indifferentes n'esta Índole de governos. Não acostumeis o povo a ve-las desprezar, porque na vereda do erro e da ruina o primeiro passo é o que custa.

Outra rasão ainda. O momento em que nos achámos é grave para a Europa; e sem me aventurar a allusões que me levassem maia longe do que a prudencia pede, lembrarei á camara que as lutas que pareciam extinctas entre o principio da liberdade e o despotismo parecem imminentes, renascem, e ameaçam tornar a ensanguentar a terra. Talvez em breve vejamos discutir outra vez nos campos de ha talha a sorte das nacionalidades e o futuro das instituições modernas. Talvez Be ouça troar de novo a voz do canhão, que nem sempre é a voz de Deus e da verdade, e emquanto o futuro não responder, lembremo-nos que a força está com os inimigos doa progressos liberaes, e contra a rasão e o direito dos povos.

O sr. Marquez de Vallada: — Muito bem.

O Orador: — Em momentos taes unem-se as fileiras, desviam-se todos os pretextos maus, aplacam se as paixões fogosas, e põe se veto ás violencias de todos os arsenaes políticos. Governa-se com a lei, com a persuasão e com a palavra, não se escandalisam os principios e as crenças sinceras com votos sacrílegos, e não se triumpha a golpes seccos de numero da consciencia, da evidencia e da moralidade.

As victorias fecundas são as que se ganham na tribuna, á luz do sol, defendendo os principios do verdadeiro progresso e prestigio da auctoridade.

Só assim se eleva e exalta a causa publica, só assim se enraizam as instituições pelo amor e o respeito no coração dos subditos; só assim se vigora, esclarece e retempera o espirito publico, de modo que, se a mão de algum inimigo te levantasse contra ellas dentro ou fóra do paiz, o paiz todo seria como um só homem a cobri las com o seu peito e attesta las com o seu sangue.

As nações pequenas não têem outra defeza senão esta, que é invencível, contra a ambição dos grandes collossos. Olhemos para a Belgica. Que nobres exemplos! Contemplemos a Suissa. Fitemos a Dinamarca, sobretudo n'esta hora suprema, em que ella peleja pela sua independencia e integridade.

Entre as armas que a suffocam, de duas grandes potencias, que mais detestam n'ella as instituições livres do que o direito que lhe disputam, hasteia nos ultimos reductos o seu estandarte roto de balas; e o throno rodeado de todo um povo não receia levantar a luva, que lhe lança ao mesmo tempo o orgulho da nacionalidade germânica e o antagonismo politico dos gabinetes.

Nação pequena e cercada tambem de vizinhos poderosos, nós tambem já por mais do uma vez respondemos aos invasores repellindo-os com a espada e desenganando-os, pela nossa união, de que a autonomia que tem por si como soldados todos os filhos da mesma terra, não póde ser riscada do mappa da Europa.

Mas, não o ignoremos, sobretudo não o olvidemos! A força, o segredo da nossa autonomia reside no accordo intimo, no abraço estreito de todos os que nasceram no mesmo berço e amam e querem a mesma patria. A data de 1580 não é menos memorável como lição, do que a de 1385, a de 1640 ou de 1810. As virtudes, as crenças e a fé viva do paiz, ião a guarda fiel e irresistível das instituições. Se o edificio estiver minado, um sopro será de mais para o derrubar!

O cr. Visconde de Fonte Arada: — Já tudo está minado.

O Orador: — Não posso acreditar que tudo esteja minado. Tenho fé nos principios, tenho fé no futuro, na consciencia do dever e na santidade do direito. Estou certo de que havemos de conseguir todos que o prestigio das instituições liberaes, a obra gloriosa do imperador se aperfeiçoe e amplie.

Sejamos superiores a pequenos interesses, liguemo-nos para que a iniciativa dos verdadeiros progressos não se paralyse nem desvaire. Ministérios, opposições e maiorias, podemos separar nos e divergir nos pontos secundários, a discussão é livre; mas acatemos todos os principios e a lealdade das instituições, a integridade da idéa liberal! A união faz a força. O estandarte hasteado nas praias do Mindello, qualquer que seja a luta triumphará, com tanto que todo o paiz se una em volta d'elle. Isto porém não se alcança por meio de palavras vãs, de imprecações, de violencias physicas ou moraes, vence-se e confirma-se pela força da rasão, pela efficacia dos principios e pelo testemunho dos beneficios grangeados á sombra da paz e da liberdade.

Tenho concluido.

O sr. Marquez de Ficalho: — E unicamente para dar um testemunho da minha lealdade.

A lei do ensino está na commissão ha já algum tempo. O sr. Anselmo José Braamcamp, quando ministro do reino, fez altas diligencias para que se desse parecer sobre este projecto, a fim de ser discutido na camara; foram porém inuteis todos os seus esforços, porque a commissão, reunindo-se muitas vezes, nunca poude chegar a uma conclusão.

Eu entendi que era do meu dever prestar este testemunho de lealdade ao sr. Braamcamp, quando as suas opiniões são de mais a mais adversas ás minhas. Eu porém, que respeito muito as convicções de toda a gente, não posso deixar de fazer esta declaração.

A commissão pois não tem dado andamento a este negocio porque não sabe se o actual sr. ministro do reino concorda com esta lei, nem sabe as suas opiniões a este respeito. As minhas idéas sei eu quaes ellas são, e desejava até que este projecto viesse á discussão para eu as apresentar.

Visto achar-me de pé peço, sr. presidente, a V. ex.ª licença para fazer uma pequena declaração politica.

Eu sinto profundamente que os dignos pares que acabam de fallar não attendam ás circumstancias em que se acha a discussão. Parece-me que não posso deixar de fazer esta declaração, assim como julgo dever expor o meu modo de pensar n'esta questão. Sinto profundamente o estado a que se tem chegado. São tres mezes, não são quinze dias, são tres mezes os decorridos depois que está aberta esta camara, e não se sabe quaes tenham sido os seus trabalhos. Será a culpa das commissões, será do governo? Não o sei; mas o que entendo é que as commissões não podem trabalhar sem o governo, que é o verdadeiro interessado nos negocios que têem a sua iniciativa, e mesmo nos que são da iniciativa da camara. O trabalho verdadeiro e proficuo é o que se faz nas commissões, e portanto o governo não concorrendo a ellas não attende aos negocios publicos, e estes por conseguinte deixam de ter o seu curso regular. Faço esta declaração para de algum modo me associar ao protesto que se fez em favor da dignidade da camara, e ao mesmo tempo para que todos saibam qual é o meu modo de pensar, porque estamos n'uma epocha em que um homem, que se conserva silencioso e tranquillo no meio d'estas lutas da palavra, é logo accusado de ter as suas opiniões mais modificadas. Desejo primeiro que tudo a conservação da dignidade d'esta camara, porque entendo que a camara dos dignos pares, essencialmente conservadora, como o tem sido sempre, precisa conservar a liberdade até rias suas proprias formulas, por isso que no respeito que se guarde para com estas vae enlaçada a garantia da firmeza da nossa veneração para com aquella.

Faço estas declarações porque entendi que assim m'o pedia a minha dignidade.

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — Sr. presidente, os grandes principios que acaba de invocar o digno par o sr. Rebello da Silva, são os principios que o governo respeita e segue. Pela minha parte, e a leal declaração do digno par que muito lhe agradeço, poupa me de insistir sobre esse ponto; quando tenho sido convidado para vir a esta camara explicar os actos do governo pelo ministerio a meu cargo, não tenho faltado em vir prestar esta homenagem, não só ao systema representativo, mas tambem á camara dos dignos pares. Mas não é só em vir a esta camara que me parece tenho demonstrado, como igualmente o têem feito os meus collegas, que presto tal homenagem; ainda ha poucos dias tive a honra de concorrer com o digno par o sr. Rebello da Silva n'uma commissão para que fui convidado, e estou certo que os meus collegas não deixam igualmente de assistir ás sessões das commissões desta casa quando a isso são convidados. Em verdade que os trabalhos da camara dos dignos pares têem estado por assim dizer quasi suspensos; isso porém é consequencia necessaria da natureza essencialmente conservadora da camara, como reconheceu o digno par o sr. marquez de Ficalho.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Conservadora do bom.

O Orador: — Em virtude dessa natureza conservadora, os projectos vem aqui sempre mais tarde, pois têem pela maior parte iniciativa na outra camara onde tem começo a sua discussão; e sendo essa discussão demorada é natural que nos principios da sessão desta camara e por um certo tempo, aqui escaceie o trabalho, o que não aconteceria se pelo contrario esta camara tivesse iniciativa na maior parte dos projectos.

Por ultimo tenho a declarar que o governo está sempre prompto a concorrer aos trabalhos d'esta casa, e aos das tuas commissões, e eu pela minha parte tenho manifestado a minha boa vontade a tal respeito, nas occasiões em que tem sido solicitado o meu concurso.

O ar. Visconde de Fonte Arcada: — Estimo muito ver o caminho que tem tomado esta discussão. Parecia no começo da sessão que a camara não tinha cousa alguma em que occupar-se; mas os dignos pares souberam encher o tempo, proveitosamente, tratando de um objecto da maior importancia, da maior magnitude para o paiz.

O sr. Rebello da Silva fez uma rapida e eloquente resenha de tudo que se está passando, e mostrou quanto temos a receiar da maneira por que nos levam. Eu não tinha desejo algum de fallar, mas entendi que era uma tal discussão não podia ficar calado, e que devia dizer a minha opinião sobre o que nós estamos vendo, sobre o que está passando por nós. Effectivamente, sr. presidente, os fundamentos do governo representativo estão minados, continuamente estão a mina los: Villa Real que o diga, que o testemunhem todas essas suspeições politicas, todos esses actos governativos que se estão vendo e que não têem outro fim senão de superar por uma vez toda a iniciativa generosa, quer de alguns membros do parlamento, quer da nação, para se oppor a este diluvio de arbitrariedades que se commettem, cujo resultado será a propinqua destruição do governo representativo. Vê pouco quem isto não vê, e tem os olhos bem cerrados quem não enxerga os attentados que se estão praticando contra o systema que nos rege, attentados que as maiorias parlamentares podem absolver, roas que nem por isso deixam de ser menos condemnaveis; attentados que outras maiorias, que têem estado caladas, não deixam de registar e considerar devidamente, pois são golpes mortaes dados nos principios da liberdade, que nós todos queremos, e que outros dizem querer (riso); mas...

Sr. presidente, disse o sr. ministro das obras publicas que as idéas do illustre membro d'esta camara, que o precedeu com a palavra, são as mesmas que o governo tem — o sr. ministro não podia dizer outra cousa; mas, se essas são as idéas do governo, os seus actos são contrarios a ellas. Do que se segue que os srs. ministros, para salvar as! apparencias, invocam uns principios quando fallam, mas de modo nenhum os seguem nos seus actos, porque estes são inteiramente contrarios áquelles. Se alguma cousa nos póde salvar no meio das luctas de principios mais ou menos remotas, é sem contestação o respeito pelos verdadeiros principios constitucionaes; porque sem elles se seguirem o que havemos nós de dizer quando estiverem em perigo e forem atacados? E que confiança poderão ter as nossas palavras defendendo-os, quando na pratica consentimos que se desprezem? Nenhuma e assim não podemos dar resposta alguma áquelles que nos digam que falíamos em principios constitucionaes, mas que não fazemos caso d'elles, nem obter a confiança de outros para que connosco os defendam.

O governo só trata de impor a sua vontade, desprezando a opinião de auctoridades ainda as mais respeitaveis, desprezando o que se oppõe á sua vontade, ainda quando se sigam todas as formas constitucionaes. Isto é preciso que acabe por uma vez — e estimo muito ver a, attitude que a camara tomou n'esta sessão de hoje, que ha de ter grande importancia não só para que os srs. ministros parem no caminho desastroso que seguem, mas tão bem para que a nação portugueza saiba que tem aqui quem zele os seus interesses e defenda a sua liberdade.

O sr. Marquez de Niza (sobre a ordem): — Sr. presidente farei uso da palavra nesta altura, porque não vejo que se esteja tratando de uma materia seguida, mas de varias idéas que têem apresentado alguns dos dignos pares. Portanto, sem querer interromper esta discussão, desejo mandar para a mesa duas notas de interpellação, ambas dirigidas ao sr. presidente do conselho, uma na qualidade de presidente do conselho, e a outra na qualidade de ministro dos negocios do reino, e as quaes vou passar a lêr:

«Requeiro que pela mesa seja avisado o sr. presidente do conselho de que tenciono interpellar a 8. ex.ª, quando para isso se declarar habilitado, sobre o andamento da proposta de lei, aqui votada, relativa á indemnisação da pensão dos condes de Penafiel. = Marquez de Niza

«Requeiro que pela mesa seja avisado o sr. ministro do reino de que tenciono interpellar s. ex.ª com urgencia, quando para isso se declare habilitado, sobre o estado actual do conselho de saude publica e necessidade da sua reforma. = Marquez de Niza.»

O sr. Presidente: — Vão ser expedidas.

O Orador: — Direi duas palavras para justificar a rasão d'esta segunda nota de interpellação. Parece uma cousa insignificante á primeira vista, mas creio que quando se trata da saude publica não é uma cousa insignificante (apoiados).

Existe uma molestia no gado cavallar que se tem transmittido aos homens, tem havido já alguns exemplos gravissimos; o conselho de saude tem pedido ao governo que faça algumas reformas na sua propria organisação, que julga de absoluta necessidade, como é augmentar os seus membros, e haver maior numero de veterinários. O governo a

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nada se move! Esta molestia póde invadir, de um momento para o outro, não só os cavallos que existem em Lisboa, e que são uma riqueza dos particulares, e tambem transmitir-se a alguns homens, do que já tem apparecido alguns casos. Fallo na transmissão do mormo, porque existe um foco desta molestia nas cavallariças dos omnibus. Portanto desejo chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre este objecto com a maior solicitude que s. ex.ª poder.

(Entrou o sr. ministro da marinha.)

O sr. Presidente: — Tem o sr. Vellez Caldeira a palavra.

O sr. Vellez Caldeira: — Pedi a palavra por parte da commissão de legislação para declarar á camara que na mesma sessão em que lhe foram mandadas duas indicações para que d'esse o seu parecer sobre ellas, o sr. presidente convocou a commissão para o dia seguinte, reuniu se a maioria da commissão e tratou logo d'estas indicações, mas não póde dar lhes seguimento porque os dignos pares que as fizeram não vieram á camara n'aquelle dia. Quanto a outro objecto foi convidado o sr. ministro da justiça para dar a sua opinião.

Faço e»ta declaração por parte da commissão de legislação, para que a camara saiba que, se ella não tem dado seguimento a estes negocios, não é por sua culpa.

O sr. Osorio de Castro: — Sr. presidente, eu estava mais disposto a desistir da palavra, do que a usar della, especialmente para não tomar mais tempo á camara com esta questão. Se no meio termo consiste a virtude, muitas vezes tambem no meio termo consiste a verdade, se a camara me permitte sirvo-me de um provérbio; se isso não ataca de modo algum a dignidade da camara, direi — cá e lá mais fadas ha.

Eu vou explicar-me: se o governo tem até certo ponto culpa em não ser muito assíduo em assistir ás sessões das commissões, tambem alguns membros das commissões não vão a ellas. Disse o digno par que o governo deve ir ás commissões dar explicações, estou de accordo n'esta parte com s. ex.ª, mas parece-me que ás commissões tambem incumbe convidar os srs. ministros para virem dar explicações sobre os objectos que estão a seu cargo.

Sr. presidente, as commissões são uma delegação d'esta casa a quem ella entrega um ponto sobre que foi chamada a attenção da camara, e á commissão que tem de tratar este objecto é que pertence chamar o governo para ouvir a sua opinião, e o governo não deve vir todos os dias ás commissões para saber o que se lhe não indicou.

Ora, sr. presidente, parece-me que esta culpabilidade do governo, em não comparecer nas commissões, caduca uma vez que elle não é convidado para vir dar explicações. Pergunto— quantas vezes o governo tem sido chamado ás commissões e não tem comparecido? Pela minha parte não tenho a honra de pertencer a commissão alguma permanente d'esta camara; mas digo que quando fui convidado pela illustre commissão de legislação para assistir por duas vezes ás suas sessões, tambem foi convidado o sr. ministro da justiça e appareceu a ambas. O sr. ministro dos negocios do reino foi convidado por parte da commissão de inquerito, de que tenho a honra de fazer parte, ha poucos dias; s. ex.ª não se fez esperar nem um instante, officiou-se-lhe e apresentou-se immediatamente. Parece-me por consequencia que póde haver alguma falta de solicitude da parte das commissões em não convidar os srs. ministros para compare cerem ás suas sessões.

Agora quanto aos ministros, eu sinto não poder apoiar o sr. Eugenio de Almeida na sua expressão, porque s. ex.ª sabe que eu o respeito muito, e tenho estado em harmonia com o seu modo de pensar, mas tambem não me parece n'esta occasião que possa caber censura alguma ao governo a este respeito.

Nós chegámos ao momento de dizer que não ha trabalhos, porque uma resolução da camara assim o determinou. O sr. ministro da marinha promptificou-se, como costuma sempre, a responder não só por si mas pelo governo, e digo isto porque são factos; o nobre ministro veiu aqui para dar explicações sobre o projecto que estava em discussão, e sabendo que o seu collega da fazenda estava doente e que aquelle projecto entrava em discussão na sua generalidade, declarou que se podia discutir na sua presença. Sr. presidente, não basta ainda isto para tirar toda a responsabilidade do governo? Parece-me que a camara é que a tem, e entendo que não ha responsabilidade n'este ponto. O sr. ministro da marinha entrava aqui quando estava em discussão— se era conveniente que s. ex.ª respondesse; eu fui de opinião que nós deviamos antes requerer a presença do sr. ministro da fazenda do que a do sr. ministro da marinha; e a camara approvou, não sei se foi por unanimidade de votos ou não, mas foi por grande maioria, um requerimento do sr. Xavier da Silva para não continuar aquella discussão sem estar presente o sr. ministro da fazenda. Parece-me que n'esta parte tambem as censuras apresentadas contra o governo não são bem cabidas.

Agora quanto ao sr. ministro das obras publicas já algum dos dignos pares o declarou ao abrigo de toda a censura, e declararam que s. ex.ª tem comparecido nas commissões todas as vezes que é convidado para vir dar explicações.

Quanto ao desejo de que as formulas parlamentares se conservem, eu sou da mesma opinião do sr. marquez de Ficalho, desejava muito que o systema constitucional fosse mantido plenamente, e talvez não me caiba n'este ponto um pequeno papel na camara dos dignos pares. Mas, sr. presidente, parecia-me muito mais conveniente que todas estas cousas que têem o caracter de interpellações, tivessem seguido o caminho marcado no nosso regimento (apoiados), e nós estivemos hoje fazendo censuras ao governo sem elle estar nas suas cadeiras.

O sr. S. J. de Carvalho: — Não eram censuras.

O Orador: — Eu achava melhor que se fosse á outra casa saber se algum dos srs. ministros podia comparecer aqui, não se fez isto, e não obstante isso poz-se em discussão o proceder do governo.

Pois, sr. presidente, a maneira mais conveniente de manter o direito de todos os corpos politicos, é cada um d'elles respeitar e manter o dos outros, e conservar-se nos caminhos e praxes que lhe marcam os seus regimentos orgânicos, n'esse caso esta materia deveria ser tratada de outra fórma para manter este principio.

Sr. presidente, quanto ao perigo em que se acha a liberdade, não entrarei agora n'esta materia, não vejo motivo para ter receios. Eu respeito muito a opinião do sr. Rebello da Silva, e talvez que seja por defeito da minha intelligencia, tão distante da de s. ex.ª, que eu não tenha receios pela liberdade, mas entendo que a liberdade está cada vez mais estimada dos homens, o que seria muito difficil o querer distrui-la. Mas o que eu desejo, e desejo muito, é que se falle n'um objecto em que o sr. Sebastião José de Carvalho fallou duas vezes, é a reforma da camara dos dignos pares. S. ex.ª disse que — este era um objecto de que os jornaes se tinham occupado, e disse que era uma necessidade. Eu tambem a reputo uma necessidade, e uma necessidade importantissima, e desejaria muito que o governo se pozesse á frente d'esta questão para a tratar com toda a attenção. Mas, sr. presidente, se o governo não se occupa d'este objecto, qual é a rasão porque os dignos pares que querem tambem esta reforma não tratam de a promover por todos os meios que têem ao seu alcance para excitar uma discussão sobre este ponto tão importante? Porque não tratam d'esta questão sem ser por incidente? Eu pela minha parte declaro que o desejo fazer, mas o papel que represento n'esta camara sempre respeitoso, d'ella e dos meus collegas, e o pouco tempo que n'ella exerço funcções, a pouca auctoridade que a minha curta carreira me dá não me permittem faze-lo, não sendo o mais competente para exercer essa iniciativa, não sou de certo quem devo excitar esta discussão, mas excita-se uma discussão a este respeito na imprensa, e excita-se tambem aqui, e vamos a ver até que ponto esta questão deve ser tratada, e desde já declaro que hei de entrar n'ella com franqueza, e apoiar qualquer governo que ponha á frente de tão importante e tão urgente reforma, urgente muito principalmente depois da reforma vincular.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, o digno par que me precedeu está era erro; nós não dirigimos interpellações ao governo, nem lhe dirigimos accusações, entretemos os ócios parlamentares n'estas divagações politicas, que aliàs não são estereis, por isso que nos conduziram já ao resultado que vemos. Não accusámos o governo, pomos apenas n'um relevo saliente, apresentando em toda a transparência da verdade os factos que observamos. Não somos nós que accusâmos são os factos que accusam o ministerio. E tanto o não accusâmos que os proprios apologistas obrigados da causa governamental ainda não pediram a palavra para o defender.

O digno par que diz estar entre os dois extremos como a virtude, e está muito bem, não é de certo o mais competente para vir inspirado pela ingenuidade de seus sentimentos, quebrar lanças a favor do governo, quando os seus defensores obrigados emudecem.

Pois entre esta maioria não haveria quem, com o vigor da eloquencia e com a força da rasão, zelando a dignidade do governo que apoia, viesse dizer-nos, apontando para os factos — é energica, é fecunda a iniciativa do governo, se o accusassemos de inerte!

Oh! sr. presidente, pois este governo que se sustenta pelo prestigio de uma tão grande popularidade, que se honra com o apoio de duas maiorias, que reforça as fileiras da que tem n'esta camara, com os mais esforçados campeões da sua politica, estaria tão desajudado da fortuna que quando os seus adversarios o aggredissem, se conservassem tenazmente silenciosos os seus amigos?

Não o creio, ninguem o crerá; é que não accusavamos o governo; repito, divagávamos; entretinhamos n'estas diversões de espirito os ócios da vida parlamentar, estes eternos mas aborridissimos ócios, dos quaes eu renego e do deus que no-los dá. Deus nobis haze otia fecit. Renego de taes ócios e de tal deus, que é o deus da inércia que não julgo que possa ser nunca a divindade tutelar de qualquer governo (apoiados).

Sr. presidente, eu pedi a palavra para explicações, e oxalá que V. ex.ª m'a tivesse dado na mesma occasião em que a pedi, ter me ía limitado apenas a declarar ao sr. marquez de Ficalho, que eu não podia irrogar censura á commissão especial encarregada de dar o seu parecer sobre a lei do ensino, porque sou relator d'essa commissão, e de certo não irrogarei censura a mim mesmo; o que eu quiz significar, com o que disse a esse respeito, foi que aquelle negocio não caminha, porque o governo não quer que elle se resolva. Ainda não ouvimos a opinião do governo.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Oh! O Orador: — Oh! e o illustre ministro admira-se! Pois s. ex.ª não sabe que não convinha ao governo que tal projecto se discutisse, e que por isso se não tem discutido! Oh! Não é o illustre ministro quem se deve admirar, quem se deve surprehender é quem o ouviu declarar perante a outra casa do parlamento, que a proposta de lei de ensino se não convertia em lei porque caíra no lymbo da commissão da camara dos pares. Pois o ministro competente que desça ao lymbo, que visite a commissão, que lhe diga o que pensa sobre a proposta que lá jaz, e que inste para que ella se apresente. Não o faz, não o quer fazer porque a lei da liberdade de ensino, ou antes a lei do monopolio do ensino, nada valia aos olhos do governo, senão como expediente politico para fazer rejuvenescer uma situação caduca. Era necessario especular com as apprehensões exageradas, com as idéas falsas, e com a exaltação dos espiritos; era necessario, fez-se; e em nome da liberdade proclamou-se o monopolio! E isto o que todos sabemos, é o que o illustre ministro, como todos, sabe e conhece, ainda que com a sua interjeição pareça surprehendido. Oh! exclama o nobre ministro com fingida surpreza; oh! devo eu exclamar casando a sua interjeição com a que é natural que eu solte quando ouço, como ha pouco ouvi, ao digno par o sr. Miguel Osorio pedir as condições da reforma da camara dos pares á opposição, quaes são as suas idéas a tal respeito. Para que! Quer a reforma peça a ao governo; eu secundo-o tambem nesse empenho; tambem quero a reforma não só desta mas da outra casa do parlamento.

Quero a reforma na lei eleitoral, que póde ser a mais conforme com os principios, mas que não condiz com a educação constitucional que o paiz possue; quero a reforma na organisação interna do parlamento; mas isto não é a opposição quem o faz, é o governo quem o tenta, quando tem iniciativa para fazer vingar as suas idéas.

E estará este governo n'essas condições? Penso que não; e permitta-me o digno par, na sinceridade de cuja candura eu acredito, que eu declare a s. ex.ª que se a reforma d'esta camara está nas idéas de s. ex.ª, não o está ainda assim nas idéas do governo que s. ex.ª apoia. Este governo só proclama a reforma d'esta camara quando não governar com ella por lhe faltar a maioria (apoiados), só então manda propalar a idéa de que é necessaria a reforma que todos sabemos em que tem consistido.

E se não é assim, se entendeis que é necessaria e excellente a reforma d'esta camara, se entendeis que ella está nas idéas dos homens que apoiam a vossa politica, se a mandaes propalar pelos vossos jornaes, porque não apresentaes uma lei n'esse sentido? Ahi (apontando para os logares dos ministros) não se vive de evasivas, vive-se de idéas (apoiados). Se esta reforma é necessaria, tenham a coragem de proclamada; eu tambem insto por ella. Foi para a fazer vingar que aconselharam ao poder moderador estas sucessivas nomeações de pares? Que diz a isto o governo? Tem duvida em responder? Necessita, segundo o expediente indicado pelo sr. Osorio, que lhe seja mandada uma nota de interpellação, e ó porque por esta fórma se adia indefinidamente a resposta?

Sr. presidente, divagámos, mas não perdemos o tempo, porque o sr. ministro da marinha que vejo tomando notas sobre as minhas palavras, de certo aproveita esta occasião para poder responder ás accusações, que não eu, mas o espirito publico formula ao governo; e se s. ex.ª não o puder fazer hoje, zeloso como é da sua dignidade, não póde deixar de aproveitar o primeiro ensejo para vir dar a esta camara as respostas que lhe têem sido provocadas.

Concluo pois, mesmo porque a meu ver pouco tempo falta para dar a hora, e desejo que o illustre ministro da marinha responda precisamente ás preguntas que acabo de formular a s. ex.ª

O sr. Presidente: — Creio que o digno par o sr. marquez de Vallada insta agora pela palavra que me pediu para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha.

O sr. Marquez de Vallada: — Presume que o sr. ministro deseja primeiro responder ao digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, e talvez isso seja mais regular, porque lhe não prejudica o direito de fallar depois para fazer algumas observações á allusão que s. ex.ª lhe dirigiu na penultima sessão.

O sr. Ministro da Marinha: — Allusão de certo que não foi, mas apenas a citação de um facto.

O sr. Presidente: — Em tal caso dou agora a palavra ao sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha: — Agradece mui particularmente a benevolencia dos dignos pares que permittem que emfim o governo possa fallar.

Vozes: — Emfim!..

O Orador: — Expoz ter dito, e dito bem: emfim, porque depois de tanto que se havia dito em desfavor do governo, só n'aquella occasião lhe chegava o ensejo de poder fallar.

O sr. S. J. de Carvalho: — Já tinha foliado o sr. ministro das obras publicas.

O Orador: — Pede perdão ao digno par, mas fallava assim, porque já havia muito que pretendia justificar o governo, e particularmente a si proprio, visto que lhe fez a honra de uma menção especial, que sempre julgou não merecer, como ainda o julgava, e muito menos fallando-se do espirito publico, ao qual não podia jamais pensar, nem pensava de fórma alguma que desse tanto nas vistas como o digno par figurou, referindo se ás accusações que são feitas ao ministerio de que está encarregado.

Espera mostrar depois ao digno par como as suas prevenções o levam a concluir contra si mesmo, e como é que as suas divagações têem o perigo que ordinariamente não póde deixar de ser reconhecido em qualquer divagação.

Pede-se a presença do governo, estranha se que haja alguma demora na comparencia dos ministros, e quando o governo, se faz representar e diz que está prompto para responder, impede se lhe que responda, continuando nas mesmas accusações! Como é que se póde exigir que responda um certo e determinado ministro, quando se sabe que esse está de cama enfermo, e quando em consequencia d'isso já outro seu collega se tem offerecido para substituir aquella falta...

Vozes: — Não é isso.

O Orador: — Reporta-se ao que todos ouviram expor o digno par o sr. Miguel Osorio. Pois se elle orador se tinha offerecido, e o seu collega continua doente, como é que se adiam os trabalhos dizendo que não ha quem responda porque só devia responder aquelle que não póde comparecer?! Realmente que tal proceder é uma cousa sem precedente.

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Vozes: — Não é isso. O Orador: — Pois não se disse que não havia que discutir por não estar o governo, e depois havendo quem respondesse, não se impediu que se desse a resposta? O sr. S. J. de Carvalho: — Não é esse o caso. O sr. Osorio de Castro: — Se o nobre ministro dá licença.

O Orador: — Declara que ouvirá com muito gosto a exposição do digno par.

O sr. Osorio de Castro: — Eu disse que me parecia que a accusação feita ao governo não tinha cabimento n'esta occasião, por isso mesmo que se porventura não tinhamos hoje cousa alguma a discutir na ordem do dia, era em consequencia da resolução que se tinha tomado para haver um adiamento do projecto, que ficou interrompido para se esperar pela presença do sr. ministro da fazenda, adiamento que aliàs não trato de justificar, com quanto tambem me parecesse muito proprio o exigir-se a presença do ministro da repartição competente, mas emfim s. ex.ª acha-se doente e o seu collega, o sr. ministro da marinha, já se tinha offerecido para o substituir, como effectivamente fez no dia em que se nos fez a communicação do impedimento, de modo que eu nada digo agora sobre esse adiamento, mas o facto é que a camara assim deliberou, e por isso mesmo que tomou essa resolução, é que eu disse que não me parecia muito justo accusar o governo de não termos hoje que discutir. Pela minha parte é que já declarei, e repito ainda, que se por ventura não houvesse impedimento da parte do sr. ministro da fazenda preferia a sua presença para o caso dado, mas se não fóra a ultima resolução do adiamento, uma vez que o sr. ministro da marinha se apresentasse novamente para supprir a falta do seu collega, não teria a menor duvida em annuir a que continuasse o debate, até mesmo para se não dizer mais que não temos que discutir, porque se effectivamente não temos a culpa, pertence á camara e não aos ministros, e V. ex.ª, sr. presidente, fez bem notar que a culpa pertence, pelo menos em parte, ás commissões.

O sr. Ministro da Marinha: — Continuou fazendo sentir que a narrativa do digno par confirma completamente o que elle, orador, dissera, o que provava que tinha ouvido bem; e tanto era assim que na passada segunda feira, quando vinha a entrar n'esta camara, tinha-se levantado a sessão justamente sobre a proposta do adiamento. Podia por consequencia ser convidado e interrogado, até se ver se tinha alguma difficuldade. De sorte que se dá um caso sem exemplo nos fastos parlamentares, e todas as aberrações têem seus perigos! Ha deveres do governo e ha deveres dos corpos politicos. Quando um ministro vem responder em nome ou por parte do governo, entende-se que responde o governo (apoiados). E pela vez primeira que se diz que não póde satisfazer que um ministro responda por outro quando esse outro está doente! Não ha de ser facil citar precedente igual! Se a discussão pois não continua porque a camara se não satisfaz com a resposta de um ministro, e quer esperar pelo outro, com que direito se imputa ao governo a culpa de não poder a camara trabalhar?...

O sr. S. J. de Carvalho: — A maioria tambem votou o adiamento.

O Orador: — Faz sentir ao digno par que o deixou fallar, conservando-se em perfeito silencio; que ouviu assim todo o seu discurso, e as suas vehementes conclusões, que eram outras tantas accusações; vehementes, disse, mas algumas vezes mais do que vehementes. Entretanto, apenas alterado aquelle seu religioso silencio por uma interjeição, que não póde omittir, e que vinha tanto a proposito, essa mesma interjeição, foi logo objecto da mais viva apostrophe! Parece-lhe que não havendo igualdade da sua parte nos raciocínios, da parte do digno par não havia igualdade, ou antes não houve desta vez igualdade na moderação. E nesta correspondencia de que vivem os parlamentares, com mais ou menos liberdade, segundo querem usar, fez-lhe s. ex.ª uma serie de preguntas; mas, a dizer a verdade, a primeira cousa que elle orador tem a responder é—que não sabe o que se discute. (Vozes: — Nada.) Cousa nenhuma; e porque nada se discute, discute-se tudo (apoiados). Eis-ahi o perigo das divagações.

O governo é accusado de não trabalhar nem deixar trabalhar! Isto quando um dos membros do gabinete declara que está prompto a responder pelo seu collega cuja presença era reclamada!

Tendo, como ministro, deveres a cumprir na camara, de si póde dizer que os tem tomado a serio, sempre e inteiramente a serio. Assim pediria á benevolencia dos dignos pares, designadamente dos que são membros da commissão de marinha é ultramar, declararem se alguma vez solicitaram a sua presença, ou para a discussão, ou para as conferencias das commissões, ou finalmente se pediram qualquer esclarecimento ou explicação que não mostrasse logo da sua parte todo o cuidado e empenho em satisfazer (muitos apoiados).

Pois bem, isso que acontece com elle orador ainda havia pouco se ouvira confirmado pela bôca do digno par, o sr. Miguel Osorio, em relação a outros ministros, e s. ex.ª não foi contradictado na demonstração que fez de casos em que os ministros têem sido promptos em responder; o virem ás commissões. Com que direito pois, com que fundamento e razão se fazem taes accusações, figurando que os ministros não comparecem nem prestam esclarecimentos, e se oppõem ao andamento regular dos trabalhos?! Isto só póde servir para entreter polemica de argumentos nas folhas periódicas.

O sr. S. J. de Carvalho: — Temos factos provados.

O Orador: — Pediria ao digno par que o não incitasse á citação de factos, porquanto, avançando-os e apresentando-os, elle orador, poderia mostrar que os factos não são esses,

mas sim outros, e s. ex.ª mesmo parecia ir indica-los quando ainda havia pouco levou as suas censuras mais longe talvez de que queria, e podia ser sua intenção.

E d'ahi, responda o governo. Mas o governo eó póde responder quando lhe chega a sua vez, já depois de extincta uma longa inscripção, n'uma fileira de oradores, todos contrarios, accumulando sempre orações contra o governo. Que ha de n'estas circumstancias fazer o governo se elle não póde responder senão por obra de misericordia.

O sr. S. J. de Carvalho: — É uma vantagem.

O Orador: — Deseja ao digno par essa vantagem sempre que falle n'esta casa. Quando s. ex.ª veja alterar os factos, transtornar os argumentos, viciar o raciocínio, e não poder responder, ha de gostar muito de estar atado a esta especie de rochedo, sentindo para assim dizer devorarem-se-lhe as entranhas.

O sr. S. J. de Carvalho: — Aqui não se abafam as discussões.

O Orador: — Abafa-se a camara, que em chegando a hora retiram-se os dignos pares. Veja pois o digno par se quer essa vantagem para si. De mais a mais os ataques dirigem se muitas vezes na ausencia dos ministros, e depois quando estes chegam ainda os dignos pares vão gosando do beneficio da inscripção e os ministros mesmo pedindo a palavra estão sem saberem quando lhe chega! O que é costume em todos os parlamentos, o que se faz em toda a parte, é apresentar as notas de interpellação para os ministros serem prevenidos, e sobretudo o que de certo se pratica inalteravelmente, é o evitar sempre qualquer discussão a respeito dos ministros quando elles se não acham presentes para responder, defenderem-se ou darem as devidas e necessarias explicações conforme o caso o pede. Emquanto ás interpellações é manifesta a differença; sempre em desvantagem para os ministros, porque emquanto o interpellante tem toda a liberdade para tirar o ponto, estuda lo, e preparar-se pelo espaço de tempo que quizer, o ministro não tem tão extensa liberdade. Deve porém ser prevenido e indicar quando se acha habilitado. Isto é o que se faz em toda a parte; mas n'esta camara por muitas vezes acontece, que debaixo de pretexto de uma simples pergunta, se faz uma interpellação em fórma, e se exige a resposta, ou o ministro mesmo, segundo as circumstancias que se dão, se vê obrigado a responder alguma cousa, embora mal preparado!

A isto tambem elle, orador, chama perigos para a liberdade, porque importa em alterar, transviar e afastar dos seus effeitos naturaes as discussões parlamentares, promovendo mesmo explicações contradictorias. Se acaso se deseja que o governo responda sobre determinados pontos de administração, formulem-se então as interrogações; convide-se claramente o governo a responder, e este obdecendo e acatando os principios constitucionaes procurará satisfazer, por quanto póde asseverar ao digno par, que os ministros têem tanto desejo de responder, como s. ex.ª póde ter de perguntar. O que o governo não tem nem póde ter é a condescendência de acompanhar n'estas excursões casuaes e eventuaes áquelles que destreem assim os ócios parlamentares, como pouco antes ouvira dizer. Suppunha que os parlamentos não tinham ócios, nem os deviam ter quando quizessem trabalhar deveras; mas em fim s. ex.ª entende que sim, e d'ahi as excursões, digressões e divagações; para o que não foram os parlamentos estabelecidos, e sim para trabalharem com ordem e methodo. A maneira de alterar isto é justamente a divagação...

O sr. Marquez de Vallada: — As digressões são permittidas.

O Orador: — Observa que não falla nas digressões do discurso; falla nas divagações. Aquellas podem até ser explicativas, mas estas têem um caracter o fim muito diverso...

O sr. Marquez de Vallada: — Eu digo que tambem faço digressões no sentido de Quintiliano.

O Orador: — Embora as faça no sentido de Quintiliano ou de outro qualquer auctor...

O sr. Marquez de Vallada: — Agora é com o sr. Sebastião José de Carvalho.

O Orador: — Do mesmo modo o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, que elle, orador, presume não pretenderá ser tão extenso como Quintiliano (riso)...

O sr. S. J. de Carvalho: — Pelo contrario, eu sou preciso.

O Orador: — Se o digno par pois deseja que o governo responda sobre determinados pontos, formule, e será satisfeito.

O sr. S. J. de Carvalho: — Já vejo que não quer.

O Orador: — Quem disse ao digno par que não quer? Quer-se, segundo as regras parlamentares; queira o digno par sujeitar-se a essas regras.

O sr. S. J. de Carvalho: — O governo é que não se sujeita.

O Orador: — Como?

O sr. S. J. de Carvalho: — Recebe as notas das interpellações e não vem.

O Orador: — Pois ha alguma nota de interpellação sobre que o governo se eximisse? O digno par formulou alguma cousa n'este sentido?

O sr. S.J. de Carvalho: — Se me dá licença.

O Orador: — Pois não.

O sr. S. J. de Carvalho: — Não formulei nem formulo porque desconfio que o governo tarde ou nunca se daria por habilitado para me responder; estou auctorisado a dizer isto fundado nos precedentes, e porque vejo que o governo tendo, como agora, occasião para se explicar, se não explica, auctorisando as diversões, que podia ser uma evasiva com os preceitos de Quintiliano, que tão familiar me parece ao nobre ministro.

O Orador: — Observa ao digno par que foi o sr. marquez de Vallada quem citou Quintiliano. Se o digno par não quer sujeitar-se ás prescripções parlamentares, observadas em toda a parte onde ha parlamentos, o governo é que, em observancia do seu dever, não póde acompanhar o digno par nas suas divagações.

O sr. S. J. de Carvalho: — Se me dá licença pela ultima vez.

Orador: — Muito bem.

O sr. S. J. de Carvalho: — Assevero ao sr. ministro da marinha (aceitando o seu convite) que eu na sessão mais proxima formularei uma interpellação, a que espero que o governo, em vista da declaração formal feita pelo nobre ministro, se apresentará a vir responde.

O sr. Ministro da Marinha: — Assegura ao digno par, que o governo estimará muito, e que longe de não querer, deseja responder a qualquer pergunta regularmente feita. S. ex.ª verá que o governo não quer fugir a debate algum e elle orador pela sua parte, uma vez que s. ex.ª lho fez a honra de declarar que devia responder não só pelo ministerio a sua cargo mas por qualquer outro, aceitará sempre que possa esse encargo; mas é notavel que uma vez um ministro não deve responder por qualquer seu collega, ainda que venha expressamente para o substituir e outras vezes, até sobre a questão, por exemplo, da instrucção publica, ha de responder por força o ministro da marinha! Descance porém o digno par, que se elle orador for incumbido desse papel ha de aceita-lo. O que lhe parece comtudo que se não deve fazer é estar sempre com estas divagações, e com estes pretextos de entreter ócios figurados.

Muito mais teria vontade e necessidade de dizer, mas não quer cansar a camara, nem lhe parece seja opportuno prolongar demasiadamente esta questão, sobretudo tendo o digno par o sr. marquez de Vallada, desejos de dar uma explicação em relação não a uma allusão d'elle orador, mas á citação de um facto, pois não deseja, da sua parte, que a benevolencia do digno par com elle orador cedendo-lhe a palavra, se converta em prejuizo do mesmo digno par.

O sr. Presidente: — Como o sr. marquez de Vallada cedeu da palavra, tem agora o sr. Rebello da Silva a palavra sobre a ordem.

O sr. Marquez de Vallada: — Eu queria usar da palavra, mas cedi ao sr. ministro da marinha por delicadeza, significando comtudo que desejo fallar.

O sr. Rebello da Silva: — Cedo da palavra para fallar o sr. marquez de Vallada; mas desejo primeiro fazer um requerimento. É que a camara conceda aos ers. ministros a mesma preferencia na inscripção, já usada na outra casa (apoiados). Faço este requerimento porque entendo, que os ministros quando pedem a palavra é para responder em nome do governo e n'esta hypothese fallou sempre no logar que escolheu, segundo o costume de todos os parlamentos (apoiados).

«O requerimento que enviou para a mesa é do teor seguinte:

Os ministros quando pedirem a palavra em nome do governo terão o direito de preferencia, não se podendo dar por finda a discussão sobre o discurso do ministro. — Rebello da Silva.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. marquez de Niza sobre a ordem.

O sr. Marquez de Niza: — Eu tambem cedo da palavra para fallar o sr. marquez de Vallada.

O sr. Rebello da Silva: — Não cedo da palavra, cedo do logar que me cabia. Desejo ouvir primeiro o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Niza: — Eu é tambem exactamente o mesmo.

O sr. Presidente: — O sr. Xavier da Silva tambem pediu a palavra.

O sr. Xavier da Silva: — É para uma explicação.

O sr. Rebello da Silva: — Pedi a palavra para uma pequena explicação. Não estava na sala quando o digno par, o sr. Miguel Osorio, teve a bondade de se referir a mim; entrei depois, e preciso dizer á camara que pouco depois de eu estar fallando chegou o sr. ministro das obras publicas, e expuz na sua presença as reflexões com que enfadei a camara. Até citei o exemplo de s. ex.ª e de alguns dos seus collegas. De mais este debate não teve, nem podia ter o caracter de interpellação; foi uma conversação parlamentar, como lhe chamaria o sr. duque de Palmella ou o er. conde de Lavradio, que entendiam que a tribuna se não rebaixa ou desacata com estas leves escaramuças (apoiados). Hoje estamos muito escrupulosos, e já estranhamos até que se suscitem incidentes e se discorra a proposito d'elles. A ferula regimentaria parece que não quer as ferias, que deplorámos nos negocios. Ainda outra explicação, e acabo já. Não disse que a liberdade corria perigo entre nós, como o digno par o sr. Osorio Cabral pareceu entender. Não o supponho, não o receio; mas olhei para o futuro, que não se nos pinta côr do rosa, e affirmei que o apoio do paiz é a melhor e mais fiel guarda da liberdade (apoiados). Não creio que a camara esteja concorrendo para o naufrágio das instituições, segundo asseverou o sr. Osorio. A opinião do digno par, alem de severa, é menos justa. Deprehendo que, a seu ver, tudo desaba ou ameaça ruina desde que votámos a abolição dos vinculos. Pelo contrario, foi um acto honroso d'esta casa, acto que responde eloquentemente ás injurias mandadas estampar contra ella hoje nas folhas que defendem o governo. Longe de ser um obstaculo aos progressos legitimos, a camara sabe desprender-se de interesses e de preconceitos aliàs respeitaveis, e acompanhar a sociedade. Votei pela abolição dos vinculos, e faço gloria d'isso 1 Se vier a discussão sobre o ensino das corporações religiosas, declaro já que hei de tambem ser um de seus defensores e vota-lo desde o primeiro artigo até ao ultimo.

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O sr. Marquez de Vallada: — Então approva o projecto em todas as suas partes?

O Orador: — Seguramente. Approvo o projecto todo. São as minhas opiniões, o que não me impede de respeitar as do digno par.

O sr. Xavier da Silva (sobre a ordem): — Pareceu me que o sr. ministro da marinha disse que a camara tinha resolvido que se não discutisse o projecto das reformas dos empregados das alfandegas senão quando viesse o sr. ministro da fazenda; e que tendo s. ex.ª declarado por parte do governo que estava prompto para entrar n'esta discussão, a camara mostrou que queria discutir aquelle projecto só com o sr. ministro da fazenda. Peço licença á camara para lêr as poucas palavras que pronunciei n'essa sessão, e que me foram agora entregues (leu).

Foi esta a explicação que queria dar, a camara não resolveu que queria discutir o projecto com o sr. ministro da fazenda, o que a camara resolveu foi que a discussão do projecto não continuasse sem estar presente o sr. ministro da fazenda, ou o sr. ministro da marinha ou outro sr. ministro que quizesee entrar na discussão por parte do governo.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto sobre este incidente, e então tem o digno par o sr. marquez de Vallada agora a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: — Começo por agradecer aos dignos pares, os srs. Rebello da Silva e marquez de Niza a condescendência que tiveram deixando-o tomar a palavra em primeiro logar para um facto pessoal. Havia dito, elle orador, que o sr. ministro da marinha, na penultima sessão d'esta casa, tinha feito uma allusão a que queria responder. Não era allusão má, e presume que as allusões não estão prohibidas na sociedade de que s. ex.ª faz parte, mas o nobre ministro não gosta da palavra allusão, e portanto empregará a phrase de um facto pessoal.

Occupando a tribuna tinha-se reportado ás suspeições, negocio que tem sido tratado pela imprensa e não é novo entre nós, porque toda a gente sabe que as suspeições que tiveram logar em Villa Real têem um precedente.

Também nas eleições para o reconhecimento do Senhor D. Miguel se dizia n'um documento official —que as pessoas que viessem votar para defensoras provadas do throno e da legitimidade; o que lhe parece que era desnecessario vir n'aquelles documentos, porque já se sabia que todos aquelles que vinham votar n'aquellas côrtes partilhavam aquellas opiniões dynasticas, e desde que algum individuo não estivesse de accordo, lançava-se lhe a suspeição de malhado, e não votava. Sendo portanto uma cousa idêntica, presume que exprimiu uma verdade e referiu um facto historico. Disse que não desejava que no tempo da liberdade a liberdade fosse uma palavra vã escripta n'uma bandeira para illudir os povos, e sim que a liberdade fosse uma verdade.

- Ora, a esta allusão sobre as suspeições, o nobre ministro julgou dever responder, e confesso a verdade que não pude attingir ao fim que s. ex.ª teve em vista, tratando-se de suspeições com o facto a que se referiu relativamente ao congresso de Malines.

O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra.

O Orador: — E verdade que o sr. ministro não Be referiu ao illustre conde de Montalembert, mas de certo havia referir-se a algum acto praticado por elle...

O sr. Ministro da Marinha: — Se V. ex.ª dá licença?...

O Orador: — Faz-me muito favor.

O sr. Ministro da Marinha: — Expoz que a respeito das suspeições unicamente dissera, que por tres de um lado se tinham do outro lado imposto tantas, que até se havia suspeitado dos mortos. Para isso não vinha pois o conde de Montalembert, e quando fallou a respeito d'esse personagem, foi referindo-se á escola politica de que o digno par faz parte e igualmente o conde de Montalembert.

O sr. Marquez de Vallada: — Quanto ás suspeições o sr. ministro, depois de referir o facto de um morto que foi dado por suspeito, passou a dar tambem por suspeitos os sentimentos d'esse nobre, desinteressado e verdadeiro liberal.

O sr. Ministro da Marinha: — Nada.

O Orador: — Havia fallado em opposição aos principios que expendeu o sr. Joaquim Filippe de Soure, e depois d'isso divagando alguma cousa, o sr. ministro fallou nas suspeições, e deu por suspeito o conde de Montalembert.

O sr. Ministro da Marinha: — Fallei na sua escola.

O Orador: — Disse s. ex.ª que fóra condemnada aquella doutrina, e elle, orador, concluiu d'ahi que um homem tão notavel, como chefe da sua escola, fóra dado por suspeito.

O sr. Ministro da Marinha: — Peço perdão, eu não disse isso, e protesto. Referi-me á escola e não ás suspeições.

O Orador: — Proseguiu expondo que o sr. ministro, depois de dizer que aquelle illustre personagem pertencia á escola do preopinante, alludiu á avaliação que diz feita pela santa sé a um discurso do illustre conde de Montalembert. Presumindo portanto ser uma allusão á sua escola, pedíra immediatamente a palavra para responder ao nobre ministro, dizendo não saber se effectivamente essa avaliação tivera logar; sendo comtudo assim, está convencido de que o conde de Montalembert, que tantos serviços tem prestado em favor da liberdade, sem ambição nem interesse nas lutas em que se ha empenhado, não terá duvida em modificar a sua opinião. Esse homem tão notavel poderia ter proferido uma expressão que ferisse as idéas catholicas, sem o querer; mas é um homem que tem provado a santidade de seus sentimentos; e portanto se n'alguma asserção sobre pontos de dogma elle errou, ha de ser o primeiro a explicar e a abandonar o que se apresente em contradicção de toda a sua vida, que tem sido a sustentação dos verdadeiros principios do catholicismo. Não deve surprehender a declaração, feita em boa fé, de se ter errado e de sujeição a melhor juizo; e então porque motivo isto que sé concede a todos, se não ha de permittir ao conde de Montalembert? Aqui em Portugal quantos e quantos não têem modificado as suas opiniões? E a estes não póde o sr. Mendes Leal censurar, porque o nobre ministro é um d'aquelles que têem dado exemplo de modificar as suas opiniões. S. ex.ª, ainda que moço, tem uma vida publica—publica ou politica, se entenda; que na particular não entra. Ora, assim como s. ex.ª alludiu ao conde de Montalembert que não estava presente, ou alludiu a outro poder mais alto, tambem se póde alludir á sua vida publica.

O sr. Ministro da Marinha: — Eu posso responder.

O Orador: — Sendo o sr. ministro um homem novo, os seus precedentes estão na memoria de todos; e por esses mesmos precedentes deve conceder aos outros homens publicos que possam modificar as suas opiniões, como s. ex.ª o ha feito.

Terminava pois estas suas explicações pedindo desculpa de as ter dado com algum calor, o que necessariamente proveiu de haver sempre acompanhado com enthusiasmo as diversas phases da vida do conde de Montalembert, e se espantar portanto de ver suspeitar de um homem tão notavel e despido de toda a ambição, que têem recebido mesmo dos seus inimigos os applausos que são devidos a um caracter tão desinteressado, tão honesto e tão illustre. Permitta-se-lhe portanto dar tambem este testemunho do seu enthusiasmo, porque está persuadido que esse homem tão honrado se por ventura errou em alguma apreciação que fez, o seu coração está puro, porque era o homem que errava, mas o seu coração está limpo de toda a mancha como tem sido em a sua vida o chefe da escola liberal catholica na qual, elle orador, teve a honra de se alistar, contando n'ella illustres companheiros que têem defendido o principio da liberdade. De si o tem dito repetidas vezes n'esta camara, e ainda n'esta occasião o declarava, que detesta o absolutismo, venha dos aulicos ou venha donde vier; porque não quer o despotismo debaixo de nenhuma fórma, e muito menos coberto com o manto da liberdade. Protesta contra toda a especie de despotismo; porém aquelle que se pratica em nome da liberdade é o peior de todos, que ao menos o despotismo do knut e das fogueiras é franco e descoberto, e com a necessaria cautela póde ser evitado. E pela liberdade pura que tem elevado sua voz; é pela conservação dos bons principios, pela dynastia e pela propria consciencia, que tem combatido sempre, e o derradeiro grito da sua vida será tambem pela fé professada por seus paes, e pela liberdade e independencia d'este paiz.

O er. Presidente: — A primeira sessão será no sabbado, e a ordem do dia a mesma que estava para hoje e os pareceres de commissões que se apresentarem...

O sr. Ministro da Marinha (sobre a ordem): — Pedia a V. ex.ª que desse tambem para ordem do dia os pareceres da commissão de marinha e ultramar, sobre alguns projectos que vieram da outra camara e que estão sobre a mesa.

O sr. Presidente: — Ainda não estão.

Está fechada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 9 de março de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Cardeal Patriarcha, Duque de Palmella (Antonio); Marquezes, de Ficalho, de Niza, de Vallada, de Sabugosa; Condes, das Alcaçovas, de Alva, de Avilez, d'Avila, de Fonte Nova, da Louzã, de Paraty, de Peniche, do Sobral, de Thomar; Bispo de Lamego; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Soares Franco; Barão de Foscoa, Mello e Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Custodio Rebello de Carvalho, Ferrão, Margiochi, João da Costa Carvalho, Soure, Braamcamp, Pinto Basto, Silva Cabral, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Silva Sanches, Luiz de Castro Guimarães, Vellez Caldeira, Pessanha, Osorio e Castro, Miguel do Canto, Menezes Pita e Sebastião José de Carvalho.

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