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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 9 DE FEVEREIRO DE 1866

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios, os dignos pares

Jayme Larcher

Marquez de Vallada

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 22 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Marquez de Vallada): — Mencionou um officio do digno par o sr. Vellez Caldeira, participando que por encommodo de saude não tem comparecido ás sessões e trabalhos d'esta camara, o que fará logo que o seu estado de saude o permitta.

Inteirada.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, eu tenho de chamar a attenção do governo sobre um facto importante, relatado por um jornal d'esta capital. Esperava que se acharia presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que me consta estar na outra casa do parlamento; mas como s. ex.ª se não acha aqui, eu pediria a v. ex.ª que o mandasse convidar a comparecer. Supponho que s. ex.ª não terá difficuldade de vir aqui, pois já n'outra occasião fez saber, que quando se tratasse de qualquer negocio que dissesse respeito aos ministerios a seu cargo, s. ex.ª compareceria immediatamente se lhe fizesse pela mesa d'esta camara algum aviso.

O sr. Presidente: — Eu mando fazer a devida participação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, e logo que s. ex.ª venha, darei a palavra ao digno par.

(Pausa.)

(Entrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Presidente: — Está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, tem a palavra o digno par o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: — Tomei a liberdade de pedir ao sr. presidente annunciasse a v. ex.ª, que eu desejava a sua presença, por me parecer que o objecto de que vou tratar demanda algumas explicações da parte do governo.

Sr. presidente, um jornal d'esta capital, começa o seu artigo do fundo de antes de hontem pelas seguintes palavras:

«Temos um novo escandalo da curia romana apoiado, ao que parece, pelo representante de Portugal junto da santa sé, e sobre o qual não consta que até agora o nosso governo tenha tomado providencia alguma.»

O facto de que se trata n'este periodo é a confirmação do bispo eleito de Macau, que se diz ter sido feita com restricções. Se o facto se passou como diz este jornal, descuidando-se o governo de sustentar a dignidade e prerogativas da corôa, e não só isso, mas até os tratados solemnes que existem com a santa sé; se o encarregado dos negocios de Portugal n'aquella côrte, não cumpriu o seu dever, protestando, ou por acto espontaneo, ou em virtude das instrucções que tivesse recebido do governo, e exigindo a execução d'esses mesmos tratados; então, sr. presidente, entendo não só que o governo é digno das censuras acres, fortes, pungentes até que são formuladas n'este artigo, mas que tambem o encarregado dos negocios n'aquella côrte merece igual censura, e não só isso, mas ainda mais, merece que seja immediatamente retirado do seu logar e que seja punido como se exige no mesmo artigo, de que li o primeiro periodo.

Para eu formar o meu juizo a respeito do procedimento do governo, e do nosso encarregado de negocios na côrte de Roma, preciso que s. ex.ª tenha a bondade de me dizer, se effectivamente teve logar no ultimo consistorio a confirmação do bispo eleito de Macau; em segundo logar, se essa confirmação foi feita com restricções de jurisdicção; por ultimo, se da parte do governo ou do encarregado de negocios houve alguma declaração de não aceitar, por modo algum, essas restricções, pugnando se pela execução inteira e completa dos tratados solemnes feitos entre a santa sé e a corte de Portugal.

Depois de ouvir a resposta do sr. ministro a estas tres perguntas, aliás muito simples, peço desde já a v. ex.ª que tenha a bondade de me conceder de novo a palavra.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Conde de Castro): — Sr. presidente, pergunta-me o digno par, conde de Thomar, se o santo padre confirmou a nomeação do sr. bispo eleito de Macau, e se essa confirmação foi feita com restricções, limitando a sua jurisdicção quanto á extensão do territorio da sua diocese. É verdade que assim foi, o que eu estranhei muito, por ser certo que se sabia em Roma perfeitamente, que o governo não aceitava restricções algumas ao que se achava estabelecido pela concordata. Por este modo tenho portanto respondido aos dois primeiros quesitos.

Que a confirmação foi feita com restricções, não ha duvida, mas tambem não a ha, que o nosso encarregado de negocios n'aquella corte, de cujos bons serviços eu me regosijo de poder aqui fazer sincera e franca declaração, porque effectivamente é um dos nossos empregados diplomaticos mais dignos, e que mais confiança merece ao governo, immediatamente fez constar ao cardeal Antonelli, do modo o mais solemne, que as bullas não podiam ser aceitas pelo governo portuguez, senão quando fossem passadas na fórma da concordata; e que, por consequencia, era inutil o que se tinha feito.

É o que tenho a responder, e diria mais se este objecto não me tivesse tomado de surpreza, pois até acontece que não li o jornal a que s. ex.ª se referiu. Se tivesse vindo preparado, poderia apresentar aqui os proprios officios d'este empregado, relativamente ao importante negocio de que se trata, officios que justificam plenamente o procedimento d'este habilissimo empregado. Se s. ex.ª quizer mais alguns esclarecimentos a este respeito, eu os prestarei até onde poder.

O sr. Conde de Thomar: — A camara não estranhará de certo que eu tome tanto interesse por este negocio, porque alem dos motivos geraes que podem levar qualquer digno par a occupar-se das questões que interessem a dignidade do governo e as prerogativas da corôa, ha para mina um bem grande, qual o de que o encarregado dos negocios em Roma é meu filho. Tenho portanto rigorosa obrigação, visto que é accusado na sua ausencia e de um modo tão atroz, que até se chega a exigir a sua immediata e prompta retirada de Roma, por ter faltado aos seus deveres, e assim eu, como pae, na sua ausencia, tenho restricta obrigação de o defender (apoiados).

Agradeço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a satisfactoria resposta que acaba de dar á simples pergunta que lhe fiz; essa resposta veiu demonstrar que são felizes os governos, aos quaes a opposição tem sómente puras falsidades para lhes dirigir ataques (apoiados). Felizes são os governos, cujos empregados são atacados por terem feito aquillo mesmo que os accusadores entendem que deveriam ter feito para merecerem os seus elogios! Estamos exactamente n'este caso; este jornal que tenho na mão (era o Portuguez de 7), entende que no momento em que appareceu a confirmação com restricções, offendendo os direitos e prerogativas da corôa, faltando ao disposto na concordata, devia desde -logo protestar o nosso encarregado de negocios: e foi o que este fez. E não obstante have-lo feito, accusa-o de ter faltado aos seus deveres, compromettido assim a dignidade da corôa, exigindo que a seu respeito se faça o mesmo que se fez com outro representante em outra epocha, quando se tratou do arcebispo de Evora; e chamando-lhe uma creança, que não entende nada de direito publico nem ecclesiastico, e que não póde nem deve em circumstancias tão desfavoraveis exercer aquelle alto cargo.

Sr. presidente, permitta-me a camara que lhe diga, sentir em mim um certo orgulho por ter educado aquelle filho de uma maneira que espero prestará serviços muito importantes ao seu paiz (apoiados). Se aqui estivessem os srs. duque de Loulé e conde d'Avila, começaria por appellar para o seu testemunho, e para os officios honrosos que lhe expediram durante a sua administração, elogiando-o pela maneira como elle dirigia os negocios; mas está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros e o sr. presidente da camara, para cujo testemunho appello cheio de confiança, a fim de que digam se aquelle empregado merece ser taxado de creança e de ignorante, e de ser retirado, porque cumpriu com o seu dever, fazendo aquillo que o jornal a que alludi, entende que deveria ter feito.

Felizes os governos, repito, e os empregados que têem inimigos que os combatem por tal fórma.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Peço ao digno par que queira juntar á citação que fez dos elogios dirigidos ao encarregado de negocios em Roma, pelos srs. duque de Loulé e conde d'Avila, os officios de louvor e de elogio mui bem merecidos, que já tive a satisfação de lhe dirigir.

O sr. Conde de Thomar (continuando): — Eu disse que sentia muito não se acharem aqui os srs. duque de Loulé e conde d'Avila, mas disse tambem que se achava presente o sr. conde de Castro, e que appellava para o seu testemunho e para o do sr. presidente d'esta camara.

Pois quê! Um homem que possue um diploma de habilitação, passado pela universidade de Coimbra, e que serve ha muitos annos na diplomacia em differentes legações, sempre com louvor de seus chefes e dos governos (apoiados), merece ser tratado por este modo? Um paiz onde por tal modo se agradece aos que bem o servem, quasi que faz perder a vontade de bem servir... (O sr. Baldy: — Entrega-se ao desprezo.) Eu bem sei que accusações d'esta ordem é melhor entrega-las ao mais completo desprezo, mas o amor de pae não me permitte que, na ausencia do accusado, as deixe passar despercebidas (muitos apoiados); e tanto mais porque supponho virem estas arguições de mão de quem tinha rigoroso dever de ser mais verdadeiro.

Concluindo, sr. presidente, dou-me por satisfeito inteiramente com a resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros. Verifica-se que o governo andou regularmente, e que o encarregado de negocios em Roma procedeu com todo o zêlo e diligencia como era do seu dever; assim como se verifica que os factos pelos quaes ambos são accusados, não existem, mas sim outros mui differentes, que não podiam deixar de lhes fazer muita honra, porque pugnaram pela dignidade e sustentação das prerogativas da corôa, e pela observancia dos tratados. (Vozes: — Muito bem.)

(O orador não pôde rever o seu discurso.)

O sr. Presidente: — Eu peço licença á camara para dizer d'este logar duas palavras, visto ter sido invocado o meu testemunho.

Eu acho-me n'uma posição especial, porque o sr. conde de Thomar (Antonio), nosso encarregado dos negocios em Roma, serviu muito tempo debaixo das minhas ordens na legação de Londres; por consequencia é do meu dever dar tambem aqui um testemunho que já dei, como se póde ver dos meus officios então dirigidos ao governo, da muita capacidade e grande aptidão de que aquelle joven deu provas incontestaveis, juntando a ellas uma conducta realmente irreprehensivel. Eu nunca tive occasião de lhe fazer nem sequer uma observação, porque no seu comportamento e grande zêlo pelo serviço do estado foi sempre digno do maior elogio. (O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Apoiado.) Eu não tinha necessidade de dizer isto, depois do que disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que fez plena justiça a esse empregado, dizendo que elle é um dos melhores funccionarios do corpo diplomatico; mas tendo-se appellado para o meu testemunho, não podia deixar de o dar como o dou com grande satisfação. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Conde de Thomar: — Dou a v. ex.ª os mesmos agradecimentos que já dei ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, eu direi apenas duas palavras.

Eu entendo que os governos procedem sempre com bom aviso, seguindo os dictames da consciencia e tendo em vista as informações officiaes a respeito dos seus empregados; e não devem, nem podem receber intimações dos periodicos. (O sr. Conde de Cavalleiros: — Apoiado.) O governo do estado não consiste em obedecer ás estultas e desarrasoadas intimações de um periodico, nem proceder em vista de pasquins de especuladores.

Sr. presidente, o governo do estado é uma cousa muito séria; e os homens d'estado, e aquelles que se occupam dos negocios publicos do seu paiz, devem esquecer-se de odios e não attender a intrigas mesquinhas; mas caminharem desaffrontados pela estrada do bom governo, que é a estrada da imparcialidade e da justiça. Infelizmente, apesar do que se diz na tribuna parlamentar e na imprensa, esses odios não estão de todo extinctos. Agora acabámos de ver uma prova irrefragavel no caso que se acaba de dar em relação ao muito digno representante de Portugal na côrte de Roma, o sr. conde de Thomar (Antonio). Eu, sr. presidente, pela minha parte estou costumado ha muitos annos a fallar n'esta camara, importando-me pouco, e menos que nada, com as injurias que me liberalisam os homens de certa escola, porque tenho de mim para mim que é uma verdade o que disse Rochefoucault — ha louvores que valem vituperios e vituperios que valem louvores.

Sr. presidente, a camara dos pares ha muitos annos que é atacada por uma certa imprensa, que nas vesperas de uma votação importante, em que tem de resolver-se qualquer negocio vindo da camara dos senhores deputados, diz em todos os tons, que todas as esperanças estão postas na camara dos pares, tudo depende d'ella, e confia-se muito na sua illustração e patriotismo; quando porém esse negocio se resolve em sentido contrario ao que desejam, mudam os seus escriptores de linguagem: a camara dos pares carece de ser reformada; é necessario tomar um machado de destruição, e applicar-lhe vigorosos golpes que a façam cair, porque o machado de destruição é a unica arma que esse partido sabe manejar; nunca edificou, e gasta as suas forças em estar sempre a demolir. Mas os demolidores não são os verdadeiros progressistas, não são os amigos do progresso, não são os que o desejam na maior ou menor escala, e mais ou menos apressadamente; porque ha progressistas que desejam caminhar com mais rapidez, e outros que desejam caminhar, não direi com mais circumspecção, mas com mais vagar; mas quanto aos demolidores, esses só fazem politica de interesse proprio; o que elles querem é chegar aos seus fins sem se importarem com os meios, que todos acham bons uma vez que os levem a esses fins. D'estes homens não se póde esperar nada bom.

Esta é a linguagem que tenho usado sempre, não por odios, porque entendo que os homens que estão collocados na posição de entenderem no governo do seu paiz, não devem inspirar-se de odios pessoaes, nem occupar-se de intrigas mesquinhas, porque se tornam impossiveis para o bem do seu paiz.

O homem politico não póde ter odios, já se sabe que como christão não os póde ter, mas abstrahindo d'esta idéa, que é a mais segura, e encarando a questão unicamente por o seu lado politico, entendo que o homem publico não póde alimentar no seu espirito odios e malquerenças, porque do contrario o seu logar é junto á banca de um periodico, ou deixar-se ficar em casa. Homem de governo é que elle não póde ser. Os governos têem uma missão mais elevada e mais illustre, que é a de encaminhar a opinião publica; mas desde que deixam de governar para serem governados tornam-se então despreziveis. Isso é que deseja certo partido, que gosta muito de apoiar governos pouco seguros de si, porque então as leis não se fazem nas casas do parlamento (Entrou o sr. conde d'Avila), mas são o resultado das lucubrações importunas e impertinentes de um