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Discurso proferido pelo digno par visconde de Algés, na sessão de 26 de fevereiro, publicada no Diario de Lisboa n.° 53, de 7 de março; e que deveria ter entrado a pag. 468, lin. 1.ª, no logar onde se acha um resumido extracto

O sr. Visconde de Algés: — Sr. presidente, o que significa este apparato parlamentar? Vejo as forças todas em armas e não só as forças effectivas, porque se chamou tambem a reserva para engrossar as fileiras do exercito! Mas que é isto! Periclita a patria, a liberdade, a dynastia, a fórma do governo? Tremem as bases fundamentaes da sociedade com os repellões irados do vulcão socialista? Vem ahi os Proudhons e os Fouriers arrancar-nos dos braços as esposas e os filhos? Que é isto que yejo, o susto e o pavor debuxado no semblante de todos?! É um projecto para converter em receita publica o producto dos emolumentos consulares, applicando as sobras, satisfeitos os respectivos vencimentos, a melhorar o proprio serviço consular, o serviço diplomatico e a secretaria dos negocios estrangeiros.

Eu canto o bispo e a espantosa guerra,

Que o hyssope excitou na igreja de Elvas!

Não se infira d'estas minhas palavras, que é para mim pouco importante o projecto que n'este momento se discute, importante pelo contrario o considero eu, mas importante porque tende a melhorar serviços importantes, e não pela parte que tem sido o alvo das exclamações altisonantes e dos vaticinios aterradores, que é precisamente a parte financeira do projecto.

Sr. presidente, eu concordo que a situação financeira do paiz, comquanto não seja desesperada é certamente melindrosa; eu concordo que devemos evitar todas as despezas com uma restricção apenas — que não forem notoriamente reproductivas; eu concordo que devemos realisar todas as economias com uma restricção tambem — que não affectarem serviços em que interesse a conservação e desenvolvimento da sociedade em que vivemos; eu concordo que a palavra economia estava inscripta no programma inaugural da situação, como tambem estava a palavra reforma.

No que eu não posso porém concordar é que o governo engeitasse o seu programma, apresentando o projecto actualmente em discussão, e digo — o governo, e não o sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque o projecto não é do sr. ministro dos negocios estrangeiros, o projecto é do governo (apoiados), é de responsabilidade collectiva e solidaria do governo, que primeiro o approvou em conselho de ministros, como todos os projectos de iniciativa ministerial.

Não sei pois para que se pretende isolar de seus collegas o sr. ministro dos negocios estrangeiros, como se a elle só coubesse precipua a responsabilidade do projecto que é igualmente quinhoada por todo o gabinete. Não digo isto, sr. presidente, porque a minha voz possa destoar dos encomios justamente dirigidos ao sr. ministro da fazenda, s. ex.ª bem sabe o alto conceito que formo de suas distinctas qualidades politicas e de suas nobilissimas qualidades particulares; o que digo é que preciso não obliterar da mente a idéa de responsabilidade solidaria. Repetirei pois, o governo apresentando o projecto que n'este momento se discute não engeitou o seu programma, porque o projecto não obriga a despeza, e se não realisa economia, é porque esta se não acha em condições realisaveis.

Sr. presidente, dada a determinação de converter em receita publica o producto dos emolumentos que até agora constituíra o estipendio exclusivo dos consules, a não querer supprimir todas as instituições consulares que temos nos pontos commerciaes mais notaveis do mundo, o que a camara certamente não pretende, porque é muito illustrada e conscienciosa para o pretender, é consequencia irrecusavel, visto que a verba do orçamento não contára com a retribuição do trabalho consular, augmentar a verba respectiva. D'esta proposição, cuja verdade ninguem poderá contestar, já eu deduzo dois importantes corrolarios: primeiro que a receita descripta no projecto com a qual se propõe fazer face ao augmento da despeza não é receita phantastica, porque, se o fosse, os consules que até agora têem vivido das forças d'essa receita não seriam consules, mas phantasmas consulares; o segundo é que a questão, perdendo as volumosas proporções que se lhe tem dado, começa a revelar-se nos seus verdadeiros e legitimos termos, que são, dada a necessidade impreterivel de augmentar a verba da despeza, determinar o quantum d'esse augmento. Ora o quantum póde oscillar entre dois pontos: ou augmentar a verba da despeza em tanto quanto bastasse para traduzir em vencimentos fixos os vencimentos até agora variaveis do exercicio consular, ou aproveitar o pouco avultado remanescente, satisfeitos os indicados vencimentos, para aperfeiçoar o serviço consular, o serviço diplomatico e o serviço da secretaria dos negocios estrangeiros. O governo adoptou este ultimo alvitre, e eu sustento que adoptando-o não infringiu o seu programma, porque não creou despeza nova, e porque, se não realisou economia, foi porque essa economia imponderável em relação ao desequilibrio financeiro importaria na hypothese presente em infecundidade de serviços nos quaes interessa, a meu ver, a conservação e desenvolvimento da sociedade em que vivemos.

Para demonstrar que do projecto resulta despeza, fôra mister demonstrar, visto que a receita e a despeza se ajustam integralmente, ou que a despeza era effectivamente maior do que a que se vê indicada no projecto, ou que a receita era menor, ou que ambos este phenomenos se davam simultaneamente. Provar que a despeza é maior é impossivel na hypothese, porque é impossivel em these que haja um ministro da corôa que, apresentando a cifra indicativa da despeza geral, apresente ao mesmo tempo o quadro dos serviços com os respectivos vencimentos, sendo a somma das verbas parcelares superior á expressão numerica da despeza geral, para isto era preciso suppor que se ía sentar n'aquellas cadeiras um homem que não conhecia as operações fundamentaes da arithmetica, o que é, a meu ver, um impossivel moral. É verdade que no projecto ha uma certa vacuidade na despeza, vacuidade que ha de ser preenchida pelos gastos da representação, e aqui temos a questão da auctorisação, da qual adiante fallarei; porém' como no projecto esta prefixado o limite maximo da despeza, e como ainda ninguem demonstrou nem poderá demonstrar que as despezas elementares hão de forçar e dilatar esse limite, é para mim incontroverso que a despeza não poderá transpor as fronteiras que o projecto lhe demarca.

Quanto á receita tenho ouvido, é verdade, apprehensões sobre a sua eventualidade, mas apprehensões vagas, apprehensões indecisamente formuladas, apprehensões emfim, e eu pergunto á camara se o meu espirito solicitado de um lado por meras apprehensões, e do outro pela fé que merece um trabalho consciencioso e reflectido, effectuado por homens competentes e versados no estudo e no exercicio de funcções consulares, premunidos alem d'isto com todos os esclarecimentos e informações que lhes foram ministradas para os conduzir com segurança na investigação da verdade; eu pergunto se o meu espirito solicitado ao mesmo tempo por estes dois agentes contrarios, poderia ter um momento sequer de perplexidade?

Que a receita é eventual, d'isso não tenho eu apprehensões, tenho certeza; a receita é eventual como eventuaes são todas as receitas, mas d'aqui a concluir que a receita se não poderá realisar integralmente no futuro, e que ha de portanto desabrigar o orçamento contra grande parte da despeza, vae muito longe, e tão longe que ainda lá não chegou nenhum dos eloquentes impugnadores do projecto. E é preciso acrescentar que a receita não só foi calculada

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escassamente, mas que ainda do resultado assim obtido se cortou por cautela uma parte consideravel para com essa margem proteger contra qualquer eventualidade adversa á integridade da expressão numerica descripta no projecto.

E possivel que a receita se não realise integralmente no primeiro anno, mas o que não é possivel é que ella deixe de realisar-se em proximo tempo e de transpor muito até os limites que no projecto lhe estão demarcados, se o commercio, que tende a desenvolver-se, verificar o seu desenvolvimento, condição de que dependem, não digo só a prosperidade mas a existencia e conservação do paiz (apoiados).

Se pois não ha despeza, dir-se-ha por parte da opposição, porque não aproveita o governo esse embora pouco avultado remanescente para com elle attenuar, ainda que levemente, as gigantes proporções do deficit.

Sr. presidente, cada arvore dá seu fructo, o o fructo do ministerio dos negocios estrangeiros e das corporações que lhe estão sujeitas não é immediatamente dinheiro, o fructo d'esta arvore é boas relações politicas e boas relações com merciaes (apoiados)- é verdade que este fructo assimilado pelo paiz dá dinheiro e dá saude, e mais Saude e mais dinheiro do que essa insignificante economia, realisada á custa do rigor e da fecundidade das funcções diplomaticas e consulares.

Eu não posso comprehender como viva hoje uma nação encerrada no ambito severo da sua rude nacionalidade como as nações da civilisação primitiva de que ainda resta um simulacro no celeste imperio, supprimir ou entibia as relações, politicos, commerciaes, intellectuaes e moraes com os diversos estados em cujo meio respira e palpita uma nação, fôra supprimir a atmosphera que circunda o planeta que habitamos, porque o complexo d'essas relações é a atmosphera internacional onde é mister apropriar-se as substancias gazeiformes que a constituem, para com ellas renovar o sangue e com o sangue alimentar os tecidos e os orgãos da constituição nacional.

(Apoiados designadamente repetidos pelo sr. presidente da camara e pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

Não é como se disse para nos engrandecer vaidosamente aos olhos das potencias estrangeiras, emquanto a miseria domestica nos vae consumindo as entranhas que se apresentou o projecto que discutimos, é para nos engrandecer a nossos proprios olhos, é para assimilar pelos orgãos diplomaticos e consulares as materias necessarias á conservação e desenvolvimento da sociedade em que vivemos.

Sr. presidente, ha um sentimento latente, latente pelo menos até agora n'esta camara, que é, a meu ver, a causa eficiente da opposição a este projecto, digo da opposição a este projecto, porque eu não sei se a opposição que se tem manifestado n'esta conjunctura é opposição singular ao projecto que discutimos ou opposição definitivamente politica; em politica as affeições de hontem não garantem as affeições de ámanhã; ás vezes debaixo de uma superficie plana e horisontal ha taes diabruras subterraneas, que forçando, as camadas concêntricas da terra levantam uma cordilheira de montanhas, que separam aquelles que pouco tempo antes se davam a mão em intimo convivio. Mas seja politica ou não politica, o que pouco me importa investigar, como o que é de certo é opposição de boa fé, ella não procede, quanto a mim, senão de um sentimento de que eu não posso partilhar, porque a idéa que o suscita é, a meu ver, errada, é o sentimento de desdém de menos preso pelas funcções diplomaticas e consulares, e pelo ministerio dos negocios estrangeiros que as dirige e centralisa, ministerio considerado como uma excrecencia politica que apenas se deixa viver por tolerancia, arrastando aquella existencia difficil e penosa em que tem vegetado apenas desde 1852 até agora.

Sr. presidente, eu não tomei parte no acto restaurador do ministerio dos negocios estrangeiros; quando o respectivo projecto veiu a esta camara estava eu soffrendo uma longa e perigosa enfermidade que me afastou por muito tempo do exercicio de funcções publicas. Não tomei parte n'elle, mas applaudi-o com íntimo jubilo, e honra seja ao digno par, o sr. duque de Loulé, a quem pertence a gloria da iniciativa, porque era tempo de chamar á vida, após uma syncope de quatorze annos, um ministerio que nos paizes mais notaveis do mundo é considerado, senão como o primeiro ao menos como um dos mais importantes da governação do estado (apoiados). Eu sei a objecção com que se ataca esta doutrina, mas tambem sei como se lhe responde; diz-se: «o ministerio dos negocios estrangeiros tem grande importancia n'esses paizes gigantes do mundo, porque dispõem de grandes massas de exercito, com as quaes podem dar á palavra do diplomata a força da intimação, emquanto as nações pequenas desprovidas d'esse poderoso instrumento mal poderão fazer ouvir a voz de seus representantes no congresso das nações». Esta objecção que se acha prevenida e respondida no parecer das commissões reunidas, onde se diz que supprimir ou reduzir a funcções quasi consulares as legações que nos representam, seria um erro que cedo a experiencia convenceria de funesto, esta objecção ou prova de mais ou não prova nada.

Eu creio, sr. presidente, que se não somos ainda chegados áquella epocha tão afagada e presentida pelos sociologistas, em que a força do direito ha de ser a unica força actuante do universo, tambem já não estamos no tempo em que o direito da força era o arbitro supremo dos destinos dos povos. Mas se estamos ainda n'esse tempo, se a idade em que vivemos é ainda a idade de ferro, então o alvitre judicioso não é amesquinhar as nossas relações externas, é suprimi-las absolutamente, visto que a nossa voz não póde ser escutada onde sómente se escutam as detonações do canhão; e vou mais longe, se é só o direito da força que reina absoluto no mundo, tambem as grandes nações devem supprimir a sua representação diplomatica, pois que para declarar a guerra e celebrar tratados de paz, basta que tenham um corpo de funccionarios como eram os feciaes da velha Roma.

Se porém a voz do direito já é executada e attendida no areópago contemporaneo, então, sr. presidente, a consideração de que as nações grandes dispõem de grandes massas de exercito, longe de avolumar a importancia da sua diplomacia parece-me que torna mais facil a sua missão e mais difficil a das nações pequenas, que precisam supprir com a sagacidade e dom o engenho o que lhes falta da força material que assiste a esses colonos do mundo. Hoje, antes de se dar a batalha de Magenta ou de Sadowa andam as respectivas potencias por tempo de mezes e de annos pleiteando o seu direito perante o tribunal da opinião publica, redigindo manifestos, escrevendo notas, provocando conferencias, tentando mediações, ensaiando emfim todos os meios de convencimento e de conciliação, e só ao cabo de todos estes esforços, só depois de esgotados todos os reclusos da rasão é que se desdobram no campo essas formidaveis legiões que fazem o pasmo e o assombro da nossa idade. E ainda assim, quando a sentença dos combates é contraria á sentença do direito a opinião ainda se reserva a competencia de conhecer em revista da materia d'esse processo Hoje não se invade um paiz com a sem ceremonia com que Annibal entrava em Roma ou com que Filippe invadia os estados da Grecia. O mundo caminha, o mundo caminha apesar do poeta melancolico do Sena dizer que não, o mundo caminha e na esteira do progresso cada vez se espalha com mais brilho a luz esplendida da verdade. E emquanto a questão se debate no campo do raciocinio não terá importancia o ministerio dos negocios estrangeiros, mormente sendo servido por diplomatas cuja palavra ungida pela respeitabilidade do seu caracter e auctorisada pela profundidade do seu saber possa intimar á opinião o direito e a justiça do paiz que representa? Se fallei das qualidades do diplomata não foi para arredondar um periodo, foi muito de industria que o fiz para fazer sentir quanto escrupulosa deve ser a eleição de taes funccionarios, de cujas qualidades depende quasi exclusivamente a proficuidade da instituição que representam (apoiados).

Dizem os francezes com relação ao exito das producções dramaticas l'acteur fait la moitié du success, e eu digo o mesmo com relação ao funccionalismo; o funccionam é metade da instituïção, e se isto é verdade com respeito ao funccionalismo mterno, maiores proporções attinge com respeito ao funccionalismo externo, exercido sempre a grande distancia do paiz que se apresenta, desprovido muitas vezes de instrucções que possam guiar o diplomata na solução de um problema imprevisto, abandonado sempre aos recursos intellectuaes do funccionario no tão impraticavel como difficil meneio de importantes pendencias internacionaes (apoiados). E não teremos nós, nações pequenas, como as nações grandes, interesses a promover e direitos a tutelar no conselho internacional? Se nada vive isolado no mundo, porque o universo inteiro á um systema onde as agitações polyformes da multiplicidade são regidas e harmonisadas pela força da unidade, de cujo seio se espandem, e a cujo seio alternadamente se recolhem, como ha de viver isolada uma nação situada na Europa, na Europa berço e throno da civilisação moderna d'essa filha amoravel do christianismo, que de dia para dia vae approximando e colligando e apertando com mais estreitos e mais doces vinculos os diversos membros da familia europea, em cujo regaço ella abriu os olhos á luz do mundo? Quod Deus conjumxit homo non separei, não separe o homem o que Deus uniu; e se unidas por Deus forem todas as nações mais conjuntas, são de certo as que prende o mesmo cordão dynamico ao sol da civilisação, que é o astro regedor do systema planetario chamado Europa.

As funcções diplomaticas não valem nada.. As nações têem como as individualidades animadas alem das funcções de nutrição e de reproducção communs a todas as feituras organicas da natureza, outra ordem de funcções em que não interessa menos a sua vida e o seu desenvolvimento, outra ordem de funcções que lhes assignala uma posição mais alta na hierarchia da creação, outra ordem de funcções que se multiplicam e se desenvolvem parallelamente ao desenvolvimento da individualidade, são as funcções de relação, são as funcções que nos poem em communicação com o mundo exterior, são as funcções que nos abrem o commercio moral, intellectual e material com os diversos estados, em cujo seio vivemos, são portanto as funcções diplomaticas e consulares, e é portanto o ministerio dos negocios estrangeiros como apparelho central do exercicio d'essas funcções.

As funcções diplomaticas não valem nada... Aqui tenho na máo um jornal estrangeiro que ha minutos apenas me foi prestado por um de nossos collegas, é a Independencia belga, onde vem a seguinte noticia: a Peninsula iberica. — Lisboa, 22 de fevereiro. — A reforma do ministerio dos negocios estrangeiros foi mal recebida na primeira camara!» Peninsula iberica!... Como soa bem a ouvidos portuguezes... Já não vale a pena escrever Portugal. O nosso passado mais glorioso sim, porém não mais zeloso do que o presente da sua independencia, como o vae tragando o olvido do estrangeiro! E não se ha de avigorar a nossa representação externa para fazer sentir alem das fronteiras que vive aqui um povo livre e independente, que tem vida e calor proprio, que sente no pulso cada vez mais forte o rebate da arteria nacional!

As funcções diplomaticas não valem nada.. Pois se não valem nada, para que fizestes resurgir o ministerio dos negocios estrangeiros? Não fôra melhor aviso conserva-lo n'aquella humilde posição de filho segundo, vivendo das sopas do morgado e das travessuras que fazia fóra da casa orçamental? Quem votou a restauração do ministerio dos negocios estrangeiros votou implicitamente a importancia do mesmo ministerio, A que vem pois estes assombros ante a reorganisação de um serviço, de um serviço importante, e de um serviço que todos os cavalheiros que o têem dirigido reconhecem unanimemente que se achava em condições que demandavam instantemente uma reforma que lhe désse a actividade que elle não tinha? Restabelecido o ministerio dos negocios estrangeiros entremos com o cavalheiro nomeado para gerir singularmente os negocios d'esse departamento, entremos com elle no respectivo ministerio e vejamos em que condições se achava o serviço, condições constatadas por todos os personagens que o precederam na direcção d'aquelles negocios, os quaes se não obviaram ás necessidades que reconheceram, foi porque a gerencia simultanea de negocios estranhos os forçara a partilhar a auctoridade, como succedeu ao actual ministro quando conjunctamente com o ministerio dos negocios estrangeiros tomára a bí a difficil tarefa de gerir os negocios da fazenda. Vejamos pois, ainda que em leve esboço, a situação do serviço, e depois perguntarei se a sua reorganisação não era uma determinação necessaria do espirito que despreoccupado contemplasse aquelle quadro.

O corpo diplomatico distribuido por legações, das quaes algumas não teem rasão de ser fundada nas indicações do serviço; os respectivos funccionarios mesquinhamente retribuidos quando no exercicio de suas funcções, e prodigamente estipendiados quando cora licença ou sem ella se retiravam da séde da sua actividade official; e o mesmo defeito nas situações de aposentação e de disponibilidade, em que o estado, sem colher vantagem do funccionario, era sensivelmente gravado com o encargo de seus vencimentos. O corpo consular, que não era corpo consular, porque não tinha nem systema nem organisação, compondo-se de membros espalhados aqui e acolá, sem vinculos, sem unidade, sem actividade, e sem responsabilidade. E finalmente a secretaria, comquanto servida por distinctos funccionarios, desprovida todavia de empregados proprios e bastantes, em numero e habilitações para effectuar o serviço que o desenvolvimento das attribuições do respectivo ministerio necessariamente ha de avolumar. E com esta machina sensivelmente deteriorada, o thesouro a consumir, alem da verba consignada no orçamento, as verbas supplementares que o parlamento é todos os annos solicitado para legalisar.

Pergunto agora — seria esta situação manutenivel? Não seria a reforma uma determinação necessaria do espirito do observador? Conviria manter aquella oscillação na despeza, aquella anemia no serviço? Ninguem o póde sustentar.

Reformemos, disse pois o governo; mas reformemos, se é possivel reformar, sem affectar nem levemente que seja a situação financeira do paiz.

O deficit foi parte litigante no processo d'esta reforma; foi elle que deu voz de sentido ao espirito reformador, e que suspendeu a execução do designio até se descortinar o meio de o praticar sem detrimento da bolsa publica. Exploremos o emolumento consular, e para este fim commetteu o governo a uma commissão composta de homens competentes a tarefa de rever e modificar a respectiva tabella, encarregando-a simultaneamente de avaliar, com reflectida segurança, o producto annual dos indicados emolumentos. Fixado e convertido este producto em receita publica, que restava? Addiciona-la á verba consignada no orçamento, e á somma d'estas parcellas afeiçoar a despeza que demandava a instante reformação do serviço. Esbanjamento, prodigalidade, ostentação luxuosa no meio da miseria foram logo os brados da opposição. Que não ha esbanjamento, que não ha prodigalidade, penso que de sobejo o tenho demonstrado. Onde estará pois a ostentação luxuosa? Na organisação diplomatica não é por certo, os vencimentos constantes do respectivo quadro não são para assustar o mais apaixonado zelador dos dinheiros publicos.

No corpo consular tambem se me afigura que ninguem pretendera amesquinhar a exigua retribuïção que se lhe prefixa. Onde esta pois o luxo? O luxo está na secretaria. A secretaria conta, é verdade, no seu quadro vinte e cinco empregados apenas, e agora, nos termos do projecto que discutimos, virá a ter quarenta e dois; mas é preciso attender a que o serviço da secretaria, o mesmo serviço prestado ao exercicio de attribuições pouco desenvolvidas não se fazia só com o trabalho dos seus vinte e cinco empregados, porque na mesma secretaria funccionavam ha muito tempo nove empregados pertencentes a outros ministerios que as necessidades do serviço tinham aggregado á secretariados negocios estrangeiros. Temos pois em vez de vinte e cinco trinta e quatro, e com estes mesmos, note a camara, que o serviço era tão morosa e deficientemente prestado que, segundo o governo affirma, para obviar á expedição opportuna dos negocios era mister impor tarefas extraordinarias tambem extraordinariamente retribuidas.

Se pois trinta e quatro empregados não bastavam para effectuar um serviço menos exigente do que o serviço que o projecto avoluma e desenvolve, parece me que o augmento, e augmento que se reduz a oito empregados, não merece a qualificação de ostentação luxuosa. Se em vez de oito, bastaria augmentar seis ou sete, é essa uma questão que eu me declaro incapaz de apreciar e não me parece que a camara esteja mais habilitada do que eu para conhecer de perto a precisa indicação do serviço n'esta hypothese. Onde estará pois o luxo? O luxo, ia-me esquecendo, esta no ajudante do procurador geral da corôa, o verdadeiro objecto de luxo é este apparatoso funccionario.

Agora sou forçado a referir-me ao documento exigida pelo digno par e meu nobre amigo o sr. Miguel Osorio documento que s. ex.ª reclamou para conhecer qual o numero de processos relativos a negocios estrangeiros em que havia sido consultado o procurador geral da corôa e seus ajudantes ou qualquer advogado da capital. Declaro, sr.

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presidente, que não vi o tal documento, e que se me refiro a elle sem o ter visto, é porque eu sabia antecipadamente que o numero de negocios submettidos directamente á consulta dos fiscaes da corôa pelo ministerio dos negocios estrangeiros havia de ser necessariamente diminutíssimo. Mas que se pretende concluir d'este phenomeno? Que o logar de ajudante do procurador geral da corôa é inutil no ministerio dos negocios estrangeiros, porque raro será o negocio em que elle tenha de interpor o seu parecer? Pois não sabem todos que os negocios pertencentes ao ministerio de que se trata eram até agora devolvidos segundo a especialidade da materia a differentes secretarias, que ouviam os seus fiscaes e com seu parecer se habilitavam para informar o ministerio dos negocios estrangeiros, o qual na parte caracteristicamente internacional do negocio não tinha jurisconsulto especial a cujas luzes de direito podesse recorrer? Se todas as secretarias têem hoje a seu privativo serviço um ajudante do procurador geral da corôa, funccionarios que têem prestado importantes e valiosos serviços tanto pelo subsidio de seus conhecimentos, como pela celeridade que imprimem á expedição dos negocios; porque se ha de fazer excepção para o ministerio dos negocios estrangeiros, mormente quando suas attribuições vão ter o desenvolvimento que o projecto em discussão lhes proporciona?

Sr. presidente, não me detenho mais em accentuar a necessidade d'este serviço porque nem a causa o demanda, nem o estado da minha saude me permitte entrar em considerações mais amplas, posto que estivesse habilitado para as fazer pela posição official que occupo fóra d'esta casa. Por ultimo direi com respeito á inconstitucionalidade da auctorisação, que oxalá que todas as auctorisações se movessem em uma esphera tão cautelosamente delimitada como esta, auctorisação apenas para distribuir uma parte da receita dentro dos limites rigorosos da verba geral da despeza, parece-me que é auctorisação que não deve inquietar o animo a quem a confere, nem attribular a consciencia a quem se propõe exercita-la. Voto pois o projecto em discussão, terá o meu voto porque tende a melhorar serviços em cuja proficuidade eu creio firmemente, sem aggravar as condições melindrosas da fazenda publica.

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