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« Requeiro que pelo ministério da fazenda seja remettida, com toda a brevidade possivel a esta camará, uma informação estatística a respeito do commercio entre Portugal e as suas possessões de Africa nos últimos dez annos, sobre os seguintes quesitos:

1. ° Numero de navios e sua tonelagem, entrados dos portos da Africa, designando o numero de pessoas de tripulação e o de passageiros, a nação a que pertenciam os navios, e os portos d'onde vieram.

2. ° Uma» nota idêntica relativamente aos que saíram de Portugal para os portos da Africa portugueza.

3. " Qual foi o valor das cargas e a importância dos direitos cobrados pela importação.

4. ° Idem relativamente á exportação.

5. ° Uma nota dos vinte artigos mais importantes da importação e exportação, designando os seus valores e direitos cobrados.

Sala da camará dos dignos pares, 9 de março de 1861. =Conde do Bomfim t.

O sr. Presidente: — A camará ouviu o conteúdo de cada um dos requerimentos que acaba de ler o digno par conde do Bomfim; uns com urgência e outros sem ella; vou portanto pôr á votação os dois que o digno par deseja que sejam mandados com urgência, e emquanto aos outros, na conformidade do nosso regimento, ficam para segunda leitura.

Approvou se a urgência dos indicados assim.

O sr. Visconde de Balsemão:—Mandou para a mesa uma representação de Manuel Bernardo Barreiros, e Filippe José da Silva Landal, officiaes de marinha, em que pedem algumas providencias a esta camará. Pede que esta representação vá á commissão de marinha para ella dar o seu parecer.

Aproveito a occasião de estar de pé para fazer o seguinte requerimento.

«Requeiro que pelo ministério competente, se remetta a esta camará as informações que têem dado os governadores civis, sobre a existência de cereaes nos seus districtos, ou se ha n'elles falta actualmente. =Visconãe de Balsemão ».

O Orador:—Como esta questão tem relação directa com a agricultura, pois diz respeito é admissão de cereaes, desejo que estes documentos venham á camará para serem examinados ; a fim de que, quando vier esta medida, se possa estar habilitado para a discutir; e não aconteça o que tem suc-cedido nos annos anteriores, que é — pedirem-se documentos, e responder-se que não os ha.

É pois qara prevenir estes inconvenientes que fazia este requerimento.

O sr. Visconãe de Castellões: — Mandou para a mesa uma representação da camará municipal do concelho de Murça, pedindo que esta camará não adopte o projecto que está para ser discutido acerca do livre commercio dos vinhos do Douro.

Pediu que fosse distribuída á commissão competente, para que se observe a respeito d'esta representação o que se tem observado a respeito de outras, nas mesmas circumstancias.

O sr. Visconde de Gouveia: — Mandou para a mesa uma representação da camará municipal de Moimenta da Beira, em que se pede a prompta constru cção da estrada de Lamego a Trancoso. Já elle, orador, tem apresentado varias representações de algumas camarás municipaes sobre este objecto. Esta estrada era uma das comprehendidas no numero d'aquellas que, por lei, se mandariam pôr em praça logo que os estudos estivessem feitos, e para as quaes se votaram as quantias necessárias. Consta-lhe que os estudos já estão feitos, não lhe consta porém que fosse posta em praça esta estrada, no todo ou em parte. Os povos d'aquelle sitio vêem com desgosto que tendo feito tantos sacrifícios para terem estrada, não se faça esta, estando ella, como já disse, decretada por lei. Agora que se vão pôr em pratica as leis tributarias, os povos as receberão com mais satisfação, se porventura se der incremento a estes trabalhos.

Esta representação torna-se por si mesma recommenda-vel, porque é sobre um objecto justo, e não pede senão que se cumpra a lei do estado.

O sr. Visconde ãa Luz: — Sr. presidente, a r • sposta, ou antes explicação que tenho a dar ao digno par pertencia ao sr. ministro das obras publicas, como porém s. ex.* não está presente, eu direi muito pouco, mesmo porque me não acho sufficientemente habilitado.

O projecto está feito quasi todo, não se tem posto a concurso porque está pendente da publicação do regulamento para o concurso, e do regulamento para os empreiteiros. Acha-se já na imprensa, e estou certo que hoje ou amanhã será publicado não só este mas outros que dizem respeito a differentes estradas. Não sei se satisfiz ao digno par.

O sr. Visconãe ãe Gouveia: — Folga muito de saber que se vae já tratar d'este objecto, pela necessidade que ha de pôr em socego aquelles povos que se acham bastante descontentes, pela grande demora que vêem na resolução d'este negocio. Mas é necessário que s« note, que emquanto se não realisar o que tem pedido, não cessará de apresentar representações de outras camarás municipaes que sabe se estão fazendo.

O sr. Felix Pereira ãe Magalhães: — Mandou para a mesa o parecer n.° 131 da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei n.° 159.

O sr. Presidente: — Ha de ser impresso e distribuído competentemente.

(Entrou o sr. ministro da fazenãa.)

O sr. Visconãe ãe Gouveia:—Expoz que tinha mandado havia poucos dias para a mesa, uma nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda, a respeito de um requerimento do asylo da mendicidade do Porto. Não sabe se s. ex.* já se acha habilitado para responder; no caso de se achar habilitado, pedia ao sr. presidente que lhe reservasse a palavra para fazer a sua interpellação.

O sr. Ministro ãa Fazenãa (Avila): — Sr. presidente, eu devo declarar ao digno par que ainda não pude conferenciar com o meu collega do reino a tal respeito, e por isso me não acho habilitado para responder; espero porém poder faze-lo dentro em poucos dias.

ORDEM DO DIA

COXTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO NA GENERALIDADE DO PARECER N.° 113 SOBRE O PROJECTO DE LEI N.° 100 RELATIVAMENTE k DESAMORTISAÇÃO DOS BENS DAS FREIRAS, ETC.

O sr. Presiãente: — Continua em discusssão o parecer n.° 113 sobre o projecto de lei n.° 100, na generalidade.

Tem a palavra o digno par o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Sr. presidente, o espirito de partido substituindo o facto ao direito, a licença ao dever, o cahos á ordem tem obrigado a sciencia politica nos estados a abandonar a sua elevada esphera de acção para descer á arena miserável dos prejuízos, dos interesses e das paixões. Condição tremenda da humanidade quando, nos momentos'de supremo desvario, nega o mundo invisível e as suas relações com o mundo visivel, aceitando e reconhecendo todos os factos consummados como a legitima expressão do direito. Amargos fructos das revoluções, que todos se resumem n'esta horrível doutrina de fatalismo inteiramente impregnada da matéria completamente vasia de espirito.

Sr. presidente, quando o espirito revolucionário, em toda a hediondez do seu orgulho, pretende avassallar o mundo propagando as máximas damnadas do seu credo, cujos artigos no presente são uma repetição manifesta de todas as soberbas negações, com as quaes através os séculos têem constantemente perturbado os estados, eu comprehendo a necessidade, o dever como patriota, como politico, como portuguez, e sobre tudo e antes de tudo, como catholico apostólico romano, de correr com ardor ao campo da lide para | ahi pelejar a boa peleja munido do escudo da fé, e brandindo as armas da rasão, do direito e da justiça.

Felicitar-me-hei toda a minha vida de ter podido consagrar as primeiras acentuações da minha voz á defeza da minha fé, reclamando com energia para a minha pátria a liberdade da igreja e a liberdade de consciência; liberdades que podem e devem sem duvida regenera-la.

Felicitar-me-hei igualmente de que ao entrar na vida publica, ao alvorecer da minha carreira politica, foi-me dado poder logo prestar homenagem na minha mocidade ao Deus da minha infância.

O pouco que valho, o ténue e apoucado talento que possuo consagro-o todo á causa santa que sempre tenho defendido; e quando a ella abandono o meu futuro eu não hei de fugir a nenhuma das suas consequências, a nenhum dos seus perigos. Causa gloriosa e santa; chamo-lhe gloriosa, porque ella" é a da justiça; chamo-lhe santa, porque ella é de Deus.

Trata-se pois de defender o direito da propriedade da igreja, que me parece ver menosprezado e atacado no projecto de lei que se discute, e que está affecto a esta camará. Quero dar entre os meus pares as rasões em que me estribo para votar contra elle. Espero pois demonstrar que a igreja tem direito de possuir demonstração philosòphica; que a igreja tem constantemente possuído, e que este direito lhe tem sido reconhecido, .embora combatido ou em tempos de despotismo real quando o sangue manchava a purpura inodoando o régio sólio, ou de despotismo popular quando em altos brados uma plebe desenfreada e insana, ao som dos clamores por a liberdade, descarregava o cu-tello do carrasco sobre a cabeça dos martyres da justiça — demonstração histórica.

Apresentadas estas minhas proposições tratarei de demonstra-las, e vou já entrar em matéria.

Sr. presidente! O direito social universal não é outra cousa senão uma modificação do direito natural. A verdadeira theo-ria do direito natural é o fundamento do direito positivo, a regra para fazer as leis humanas e para as apreciar segundo o seu justo valor. Se ella é necessária para as explicar, e para corregir as suas imperfeições, se ella nos ensina a distinguir o que ha de divino nas instituições humanas, de eterno no que é passageiro, e de constante no que é sujeito ás variações, se ella combate igualmente o desprezo de toda a justiça, e o culto superiticioso de leis ou decretos puramente humanos, é incontestável que o estudo d'esta theoria não seja para todos os homens políticos de uma alta importância. Em uma palavra, sr. presidente, a necessidade e a utilidade do estudo da verdadeira alta politica, ou metapo-litica como lhe chamam os allemães, e em particular o muito notável, e muito conhecido auctor allemão mr. Wronsky, isto é a arte de conservar em estado de força e de vigor as ligações benéficas da sociedade humana, e d'ella afastar todo o perigo interno ou externo, não carece de mui longas provas.

Sr. presidente antes do christianismo, ou quando os chris-tãos soariam as torturas houve jurisconsultos que para agradar ao senhor do império tiveram o insigne impudor de querer aggravar o jugo que pesava sobre todas as cabeças attri-buindo a Cesar as propriedades de todos os romanos. Era a divinisação do despotismo! O christianismo baniu do seu ensino esta baixa adulação. No século xvi o chanceller Duprat resuscitou esta doutrina, applicando-a primeiramente aos bens do clero, e depois a todas as propriedades. Esta opinião excitou á indignação geral. Mais tarde, e no século xvm Paulmy seguiu a mesma opinião, ainda que o fraco Rei Luiz XV desprezou a sua adulação chamando ao seu systema Machiavelico.

Sr. presidente não ha direito universal que não seja fundado sobre a natureza mesma das cousas. É a regra de Cicero, e de todos os philosophos que tratam da origem e primeiros fundamentos das leis: ha comtudo publicistas que sustentam como principio que os seres moraes não existem

senão em virtude da lei que os institue e os destroe. Pôde admittir-se esta proposição emquanto ao direito que os governos tem de julgar da utilidade ou do perigo que apresentam as corporações, mas não pôde nenhum governo impedir os homens de formar uma associação util, porque n'este caso não usa de um direito, mas abusa do direito.

Sr. presidente, para que uma lei possa ser respeitada, acatadas as suas decisões, e geralmente recebida como a expressão da verdade, cumpre que ella tenha o dobrado cunho da legalidade e da legitimidade; e o decreto humano não será legitimo, embora revestido da sua forma externa que é a legalidade, quando não for a expressão da justiça.

Façamos applicação d'estes principios em relação á religião e á igreja.

E que é a igreja? Senão uma sociedade divina, cujas leis, dogma e moral são preexistentes a todas as sociedades modernas; cujos dogmas e moral, repetirei, são anteriores á sociedade civil. Ora sendo Deus o supremo legislador, e todo o direito fundando-se na moral divina, e não podendo haver lei que seja legitima sem que ella exprima a verdade em qualquer das suas manifestações, segue-se que toda a lei que for de encontro ao dogma ou á moral é um attentado contra Deus, por isso que não é a expressão da força do direito, mas um resultado do direito da força.

Sr. presidente, todo o ser physico ou moral tem o direito e o dever de procurar conseguir os fins para os quaes existe. O ser moral chamado igreja tem o direito de existir como sociedade espiritual; portanto é evidentemente capaz de possuir; pois que a lei que reconhecesse uma corporação e que lhe negasse o direito de existir seria absurda.

Constituem-se sociedades para propagar os conhecimentos das sciencias, das letras e das artes, e a igreja que propaga a moral que é a legitima guarda d'ella, que é a depositaria da maior auctoridade moral na sociedade, deve estar acima de todas as sociedades humanas. Assim o quer a philosophia do direito fundada na rasão pura.

Sr. presidente, ouvi eu a um digno par, meu amigo como pessoa particular, mas n'esta parte meu adversário, como politico, o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, apresentar uma certa ordem de proposições, as quaes s. ex.* me ha de permittir, e eu julgo que me é licito combater, com a mesma franqueza com que s. ex.* as expoz, com o mesmo denodo que o digno par patenteou no discurso que pronunciou n'esta tribuna. Quizera eu, sr. presidente, e seja dito por incidente, mas seja dito, quizera que nós não viéssemos aqui recordar certas epochas, e eom essa recordação desenterrar velhos ódios que deveriam jazer hoje sepultados debaixo dessa lousa funerária sob a qual deveriam jazer para sempre também todos os velhos caprichos, todas as velhas intrigas, e todas as nefastas ambições que em eras que já lá vão semearam a discórdia entre as familias, geraram a sisania entre os cidadãos, e amotinaram o povo com Ímpias theorias que só o ambicioso calculo de falsos apóstolos do patriotismo podéra apresentar, sustentar e defender. Em outro logar, que não este, disse um illustre jurisconsulto, digno das nossas attenções pelo seu talento e sciencia, e pediu com instancia que nào levantássemos esse véu que devia esconder para sempre um passado de triste e dolorosa recordação. Esse véu porém levantou-se, e eu terei de descer a considerações que bem quizera omittir. Sentirei, pois, sr. presidente, e sentirei sempre quando não poder concordar com pessoas as quaes em outras oceasiões têem merecido as minhas attenções, e que por outros titulos são credoras á minha consideração, amicus Plato sed magis arnica veritas.

Vou pois passar em revista os argumentos do sr. Aguiar.

Vejo eu, sr. presidente, que a opinião do digno par a que me refiro está de accordo com aquella que eu vejo enunciada em um livro de Kant quando elle affirma, na sua obra intitulada: Elementos methaphysicos ãe jurispru-ãencia, que toda a lei é justa porque é lei, que o estado dispõe das propriedades e das pessoas, porque as instituiu. Esta opinião coaduna-se e accorda-se com outra do mesmo auctor contida na mesma obra, e é a seguinte:=Que toda a propriedade é provisória actualmente, e que todo o direito privado se deve abolir =. Também eu li as obras de Thomas Hobbes, e entre diversas opiniões extravagantes, extraordinárias e curiosas que n'ellas encontrei, notei uma que agora apresentarei á camará para mostrar o accordo que existe n'este ponto, entre o auctor a que me refiro e o digno par a que respondo. Diz Thomas Hobbes: Sum-mos imperantes peccare non posse neque cum ratione unquam culpandos esse. Sustenta elle pois, que tudo que os soberanos ordenam é justo ou legitimo, porque os soberanos sendo os delegados da multidão, exprimem a vontade geral; doutrina revolucionaria e tremenda esta, que destroe pelas suas bases a soberania da intelligencia, e faz emanar todo o direito apenas da vontade; doutrina nefasta, repetirei eu, aquella que, desterrando todas as idéas de moral dos livros das leis, acata uma soberania tyranica, qual a da rasão infallivel, mas que eu chamarei tremenda, e tantas vezes desvairada das multidões. A quantos desatinos não tem conduzido os homens 6 seguimento d'estas doutrinas? Se nós lançamos um golpe de visto retrospectivo sobre a historia do direito publico, nós vemos espiritos elevados, e aliás illustrados, desvairarem-se no meio da sua carreira, por isso que se apartaram no seus propósitos dos verdadeiros principios da moral, que devem presidir a todos os empenhos. Nós vemos, sr. presidente, o sábio Bocehmer, á similhança de Grotius, e de Pufendorf, fundar as leis de successão, as tutellas, etc, sobre a vontade real ou presumida do povo. Em alguma de suas obras encontra o pensador politico uma continua luta entre a verdade e o erro, entre o sentimento e o systema, prova cabal dos perigos e das contradicções que produz a idéa de uma sociedade civil arbitrariamente estabelecida.