DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 129
temer e acautelar, nascidos do arrebatamento, da precipitação, do ardor e da violencia das paixões da politica; e estes perigos são muito mais a receiar quando ha só uma assembléa unica, filha do suffragio popular, accessivel a todas as impressões do momento, susceptivel e facil de se deixar dominar pelas impaciencias da occasião e da hora presente. Não deve conceder-se tudo á força impulsiva: cumpro que á força da resistencia seja dada a sua parte correspondente, para que da acção d'estas duas forcas resulte um regimen devidamente ponderado, que permitta todas as reformas uteis e evite as revoluções.
É precisa, pois, uma segunda camara, uma assembléa, que menos sujeita ás influencias externas e ás paixões, mais pacifica e socegada, mais estavel, mais reservada, menos disposta ás mudanças e ás innovacões, que reprimindo o ardor da camara popular quando intempestivo, e moderando-lhe os movimentos irreflectidos, prepare a opinião publica para receber as leis e as instituições que parecerem uteis ao paiz, e sirva, ao mesmo tempo, de intermediario conciliador entre o poder executivo e a camara electiva.
Esto principio da divisão da acção legislativa não é privativo dos governos monarchicos nem dos republicanos. Em todos os povos onde a liberdade se pratica regularmente no antigo e no novo mundo, tem sido sempre assim comprehendido e observado, constituindo-se um corpo intermediario, destinado a fazer contrapeso á opinião popular representada na camara dos deputados. A antiguidade praticou-o e tirou d'elle proveito, pois entre os senados de Sparta, de Roma e de Carthago, o areópago o senado de Athenas, e as modernas camaras altas existem grandes similhanças e muitas anaogias. No tempo presente é só a Grecia na Europa, o Mexico, Bolivia e o Honduras na America que fazem excepção á regra geral; mas as convulsões politicas por que tem passado, e que ainda agitam ou destroem estes estados infelizes, não podem convidar a que taes exemplos sejam seguidos e imitados.
Reconhecida a necessidade de uma segunda assembléa politica e legislativa é claro que nem as duas camaras podiam confundir-se na mesma origem, nem a composição da primeira podia coherentemente ser confiada aos mesmos elementos que concorrem para a composição da camara popular. - Duas assembléas que emanassem do mesmo principio e tivessem a mesma origem seriam sempre dominadas pelo mesmo espirito ou pelas mesmas paixões, e o principio da estabilidade, ficaria privado dos seus defensores naturaes, dos seus alliados indispensaveis.
Alem de que, na sociedade existem muitos interesses que devem ser protegidos contra a dominação exclusiva do suffragio popular, ao qual concorrem a titulo igual quasi todos os cidadãos sem diffcrenca alguma, quarquer que seja a sua capacidade, a sua educação, as suas luzes, e a situação social adquirida pelo emprego util do talento, do trabalho, e da fortuna. - As assembléas assim nascidas são sempre o reflexo e a imagem da maioria numerica que as creou, e não dão representação proporcional nem ao merito, nem aos serviços, nem, áquillo que por qualquer titulo se eleva acima do vulgar.
Foi por isso que o nosso legislador, seguindo os exemplos e tradições dos estados monarchicos da Europa, e as idéas que dominavam entre os publicistas mais notaveis da epocha, repellindo a intervenção do principio electivo na designação e escolha dos membros da primeira camara, admittiu e sanccionou a combinação do dois elementos distinctos, mas homogeneos - a nomeação regia, com livre accesso para todos sem excepção algum a, para premiar o merito e os serviços - e a herança, para prudentemente contrabalançar a influencia do poder executivo, e produzir o respeito que é devido á tradição e á independencia da opinião -.
Não quiz o legislador constituinte confiar a constituição da primeira camara nem á exclusiva e directa eleição popular, nem á indirecta ou mixta pela apresentação de candidaturas nascidas da mesma eleição. - Da eleição directa nasceria inevitavelmente a repetição da camara dos deputados, da camara popular, e portanto a duplicação da mesma representação. Seria a mesma camara repartida em duas secções. - E a apresentação de candidaturas electivas, na opinião e parecer do mesmo legislador, não serviria senão para, frouxa e fracamente, dissimular a origem commum das duas assembléas, ou a identidade do principio, valeria o mesmo que a eleição directa, seria a sua reproducção sob outra fórma. - O systema das candidaturas, mais seductor que o da eleição directa e exclusiva, importaria a imposição ao chefe do estado de candidatos emanados do mesmo principio, dominados pelo mesmo espirito e pelos mesmos interesses; e, encerrado - dentro de um circulo apertado, o Rei seria coagido a constituir um corpo homogeneo com a camara popular. Este systema, não seria mais que uma formalidade, vã e illusoria, que não deixava a ninguem nem o merito da escolha, nem a responsabilidade da nomeação.
A camara alta ou senatorial foi assim constituida para ser a alliada natural do principio da auctoridade; para ser o seu baluarte e fortaleza contra a invasão successiva e immoderada do espirito de innovação; - para ser o corpo politico destinado a defender a corôa contra as aggressõos da demagogia; - á corôa, portanto, devia pertencer a escolha dos membros d'essa camara, a designação dos seus defensores. - E na verdade, que poderia dizer-se, ou como deveria ser considerada uma camara de deputados que fosse escolhida com a intervenção do Rei, e para a qual ou a corôa propozesse candidatos entre os quaes unicamente o suffragio popular podesse ser exercido, ou em que ella nomeasse d'entre os que lhe fossem propostos pelos comicios eleitoraes?!
A nomeação de pares ou senadores, não importava para o legislador constituinte, uma questão de pariato unicamente, - era tambem questão de realeza e de monarchia. Privar o Rei da faculdade de nomear os membros da primeira camara seria o mesmo que decretar o seu isolamento e collocal-o entre duas eleições,- entre duas democracias. N'este caso, dizia Cazimiro Perier, o throno não seria mais que uma cadeira, o Rei seria um presidente, e a monarchia seria uma republica.
Ao Rei, a este ser que não morre, a esta instituição que é permanente, e o apoio de todos os interesses permanentes da sociedade, não podia ser negada, pelo legislador da constituição, a faculdade da nomeação dos membros da camara alta. Só elle, pela elevação em que está, póde bem discernir quaes os cidadãos que, pelo seu caracter, pela sua posição, pelos seus antecedentes, e pelos seus serviços, devem ser chamados a exercer a alta magistratura politica confiada aos membros da camara dos pares; - e foi por isso que sabiamente se estabeleceu na carta que a nomeação dos pares fosse attribuição exclusiva da corôa, e que não ficasse limitada, nem fosie restringida, pela fixação de numero certo e determinado. - A illimitação do numero era uma condição essencial para poder conservar-se a harmonia entre as duas camaras, e o unico meio de pacificamente se resolverem os conflictos que entre ellas podessem occorrer.
Effectivamente; quando, no jogo regular das instituições constitucionaes, a camara dos deputados deixa de representar a opinião da nação, ou de corresponder ás necessidades do paiz, o Rei póde dissolvel-a. Se é o ministerio que não corresponde ás exigencias do estado, o Rei póde demittil-o. Mas se é a camara dos pares que, tornando-se facciosa, impossibilita ou impede o regular andamento do governo, não podendo ser dissolvida, não ha outro meio, para restabelecer, a harmonia e deslocar uma maioria intransigente, senão a faculdade de nomear novos pares.
Sem a faculdade de dissolver a camara dos deputados, a de demittir os ministros, e a de nomear novos pares, o governo representativo seria impossivel. - Em casolde conflicto, ou de desaccordo entre alguma d'estas rodas essenciaes,