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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 131

e officio da minoria. O povo, - a generalidade dos cidadãos, sem distincção de fortuna, de capacidade e de situação, nunca constituiu, nunca foi capaz de constituir governo estavel. A democracia pura nunca existiu, nem mesmo nas republicas as mais igualitarias da antiguidade. Os cidadãos que ahi exerciam direitos politicos eram muito poucos, e as classes que formavam aquillo a que hoje chamamos povo estavam privadas de direitos, até mesmo dos civis. - eram escravos. Em Athenas havia 20:000 cidadãos para 300:000 escravos, e em Roma os cidadãos estavam divididos em classes ou categorias, de modo que a plebe exercia uma parte minima do poder publico. Nas florecentes republicas da idade media, em Genova, em Veneza e nas cidades Hansiaticas o poder estava na mão de uma minoria pouco numerosa, mas forte pela intelligencia e pela riqueza, a qual ainda hoje serve de base e de alicerce aos modernos governos constitucionaes. Assim, a direcção dos negocios do estado pertenceu e pertencerá sempre á minoria, á classe que possue capacidade politica, e que dá garantias de ordem e de independencia.

Tal é a natureza das cousas. Este phenomeno observa-se sempre, e sob o imperio dos governos os mais differentes, e e tal a sua força, que nem as revoluções são capazes de o destruir e eliminar, pois logo que a tempestade passa, esta primeira classe, esta classe directora, reconstrue-se e organisa-se, sob bases mais largas ás vezes e juntando novos elementos, mas ficando sempre minoria.

A camara alta, esta camara conservadora, deve ser recrutada exclusivamente entre essa minoria, entre essa aristocracia do merito, da riqueza e dos serviços que em toda a parte é constituida pelos homens distinctos e pelas summidades sociaes. - Assim pois; como poderão negar-se as vantagens, ou desconhecer-se as conveniencias, tanto para o estado como para o proprio soberano, de se indicarem, por meio de regras geraes previamente estabelecidas na lei, quaes são essas summidades que devem ter entrada na camara alta, em fórma a prevenir o erro ou a surpreza, a impedir as nomeações de favor, e a moderar as ambições que não têem justificação possivel nos serviços?

É certo que com exactidão mathematica não é possivel fixar, nem delimitar, onde começa e onde acaba essa classe superior e distincta a que aqui nos temos referido; mas quando se trata de factos moraes e politicos não é precisa a exactidão mathematica, bastam as approximações: - por isso, e como regra geral podemos dizer, que as summidades sociaes para constituir a primeira camara, a camara dos próceres do reino, devem procurar-se entre os representantes de todas as forças que dão vida á sociedade; - nos representantes dos interesses materiaes, e principalmente da propriedade territorial, a qual offerece sempre garantia solida de ordem e de conservação; - nos representantes dos interesses moraes, entre os quaes, e em primeiro logar, figura a religião, que moralisa o homem, e que é capaz de preserval-o contra a seducção das doutrinas
anti-sociaes; - veem depois as letras, as sciencias e as artes, que fazem o brilho e o esplendor da nossa civilisação, e que são o titulo mais bello da sua gloria; - em seguida, vem o exercito e a magistratura, que são a nossa salvaguarda;- a agricultura, que é o fundamento de todas as instituições estaveis; - o commercio e a industria, finalmente, que fazem a prosperidade das nações.

O que fica dito relativamente aos pares nomeados pela corôa, procede a respeito d'aquelles que adquirem esta dignidade pelo direito hereditario. - Muita mais rasão ha para que seja preciso estabelecer condições de garantia para o exercicio do pariato áquelles que por titulo de herança são chamados á mais alta magistratura de estado, do que áquelles que são escolhidos e nomeados pelo Rei. Emquanto a estes poderia dizer-se que existe a garantia da escolha do soberano e da responsabilidade dos ministros, mas quanto aos pares hereditarios, nem essa ténue e insufficiente garantia existe; por isso, mais, muito mais, indispensavel é que sejam acautelados os perigos que podem resultar ao estado, e á propria instituição, do principio incondicional e illimitado da hereditariedade.

Porque o pariato é hereditario não póde seguir-se, necessaria e inevitavelmente, que todo e qualquer herdeiro de par fallecido deva ser admittido a tomar assento na camara alta, sejam quaes forem as suas condições pessoaes e sociaes, - tenha, ou não tenha, meios de subsistencia, - seja rico ou proletario, - tenha, ou não, vida honesta e costumes probos,- quer seja bem considerado na opinião publica, quer-seja por ella stigmatisado, - seja habil e apto para exercer as altas funcções do pariato, ou seja inhabil e inepto, - quer esteja no goso e uso completo das faculdades intellectuaes, quer seja imbecil ou sandeu.

Se a lei constitucional exigiu nos artigos 65.° e 66.° condições de independencia e de capacidade para qualquer cidadão ser eleitor e elegivel para uma junta de parochia, para uma camara municipal, para uma junta de districto, e finalmente para a camara dos deputados, como poderia o mesmo legislador ter a intenção e o pensamento de dispensar proporcionaes condições de garantia para o exercicio da mais alta e da primeira magistratura do estado?

Acresce que, se o principio de hereditariedade do pariato está sanccionado na carta, não estão ahi especificadas as regras e a ordem da successão. E, se não se organisava uma lei regulamentar, como poderia dizer-se se o pariato deve ser transmittido por herança testamentaria ou só pela successão legitima, se deve seguir a linha recta da successão ou se tambem a collateral, se n'elle succedeu as femeas ou só os varões, se ha de seguir todos os graus de successão in infinitum ou se para em algum, e aonde?

Todas estas duvidas e incertezas, naturalmente nascidas da generica e apparentemente incondicional disposição da lei, appareceram na pratica logo que a carta foi promulgada, a resolução das quaes não podia deixar de competir ao legislador ordinario porque, de outro modo, o principio de hereditariedade seria inapplicavel e ficaria suspenso. - Tanto mais necessarias eram estas providencias que, estando admittidas pela legislação, da epocha em que foi promulgada a carta, differentes ordens de successão, taes como a dos vinculos, a dos bens da corôa, a dos prazos, e a dos bens allodiaes, era forçoso que por medida legislativa se declarasse qual d'estas ordens de successão devia seguir-se e ser observada na hereditariedade do pariato, e que ao mesmo tempo se estabelecessem todas as mais condições indispensaveis para o exercicio do pariato, prevenindo-se por este modo, ou quanto possivel attenuando-se, os inconvenientes que resultariam do principio absoluto e illimitado da hereditariedade. - Foi o que effectivamente fez a lei de 11 de abril de 1845, na qual a experiencia de mais de trinta annos tem mostrado que é urgente introduzir modificações e additamentos accommodados ás circumstancias do tempo e ás necessidades da occasião, e é o que nós, n'esta occasião, somos chamados a fazer.

Admittida a conveniencia, a utilidade, e a necessidade de se marcarem regras certas, pelas quaes se deva dirigir o poder moderador na nomeação dos pares, e por que deva regular-se o direito successorio do pariato, qual é a auctoridade que tem poder e jurisdicção constitucional para legislar essas regras?

Podemos nós, em legislatura ordinaria, estabelecer essas regras ou decretar taes preceitos?

Acaso, attribuindo-nos poderes para tanto, não ultrapassaremos os limites da nossa jurisdicção e competencia constitucional marcada no artigo 15.° da carta?

Não serão precisos poderes especiaes e extraordinarios de revisão, nos termos do artigo 142.°?

Não desconhecemos que no animo e no espirito de muitos e mui respeitaveis homens publicos tem havido, e ha ainda, duvidas e incerteza a este respeito, opinando alguns que, para se legislarem as regras a que nos temos referido, para!se estabelecerem categorias dentro das quaes unicamente o po-