DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 135
poder ser admittido ao exercicio das funcções, legislativas, politicas e judiciaes, que pertencem á camara dos pares, era logico e consequente que, n'uma lei organica do pariato, se declarassem tambem as causas que fazem perder a qualidade de par, e aquellas por que se suspende o exercicio das suas funcções. - Tal é o destino dos dois ultimos artigos do projecto.
A carta estabeleceu que o pariato fosse vitalicio e inamovivel para o tornar forte e independente: - mas, parecendo ao legislador que isto só não bastava, tornou ainda os pares legalmente irresponsaveis pelas opiniões e pelos votos que emittissem no exercicio das suas funcções, e inviolaveis, ao mesmo tempo, quanto ás suas pessoas, não permittindo que podessem ser presos sem ordem da camara, nem processados ante outros juizes que não fossem os seus proprios pares constituidos em tribunal de justiça. - A taes direitos e prerogativas não podem deixar de corresponder deveres e obrigações, a primeira das quaes é a de comparecer e assistir ás sessões da camara; por isso, todo aquelle que, por acto seu proprio e voluntariamente, se colloca na situação e em circumstancias de não poder cumprir as obrigações do cargo e os deveres da dignidade, é consequencia inevitavel, que perca a posição politica que occupa no estado, ou que fique suspenso, pelo menos, das funcções que lhe correspondem.
Nenhuma disposição expressa existe na carta a similhante respeito; mas a rasão, a consciencia, e os principios geraes da sciencia sobre a organisação dos estados indicam incontroversamente que ha, ou póde haver, causas justas de perdimento inevitavel da qualidade de par e de suspensão das suas funcções. - Assim; é principio de direito publico universal que nenhum estrangeiro póde tomar parte no exercicio do poder ou da auctoridade publica no estado; e tambem que o natural do paiz que, por facto seu proprio é por causa legal, perde a qualidade de. cidadão, perde igualmente o direito a exercer direitos politicos. - D'estes principios resulta, não só, que nenhum estrangeiro póde ser nomeado par ou succeder no pariato, mas tambem que o natural portuguez que perder esta qualidade não póde continuar a ser par, nem a exercer as altas funcções sociaes que correspondem ao pariato.
É esta a doutrina estabelecida no projecto, declarando-se alem d'isto que a nacionalidade não deve ser interrompida por acto ou omissão propria. - Era preciso que assim fosse determinado, não só para collocar o pariato nas mesmas condições de igualdade, que pelo artigo 68.° da carta estão estabelecidas para os deputados, mas tambem para prevenir duvidas de futuro, e poderem resolver-se, por meio de regras geraes, as questões que podem occorrer ainda, em rasão de factos preteritos.
Outra causa de perdimento do pariato é a condemnação a alguma das penas criminaes que importem a perda dos direitos politicos. É obvia a rasão d'esta disposição, porque resulta do systema geral da nossa legislação politica e criminal, e é a consequencia logica das disposições dos artigos 53.°, 54.° e 57.° do codigo penal.
O abandono voluntario e não justificado das funcções do pariato não póde deixar de ser tambem outra causa legitima por que se deve perder a dignidade de par do reino. Se ao pariato correspondem direitos e prerogativas importantissimas, - se o par do reino gosa das immunidades que estão santificadas na constituição do estado para servirem de garantia segura ao preenchimento das obrigações e dos deveres que correspondem ao pariato, é consequencia logica e inevitavel que, quem não cumpre os deveres e não satisfaz as obrigações do cargo e da dignidade, não póde gosar d'essas prerogativas e immunidades.
Assim, o par do reino que, sem causa legitima e motivo justificado, admittido pela camara, deixar de cumprir os seus deveres de comparencia ás sessões da camara, e de exercer as funcções do pariato, resigna por isso o logar, e demitte-se da dignidade que lhe havia sido conferida por causa do bem e do interesse publico, e não por motivo de satisfação á vaidade pessoal.
N'estas circumstancias os membros da camara dos pares ficarão collocados na mesma situação que os membros da camara dos deputados, que os magistrados de justiça, que os officiaes militares, e que todos os mais empregados do estado em geral.
O que fica exposto quanto á perda do pariato pelo facto de condemnação a alguma das penas que importam o perdimento dos direitos politicos, é applicavel em tudo para a suspensão das mesmas funcções quando existir pronuncia definitiva por algum dos crimes que importam a suspensão dos direitos politicos, e tambem quanto ás condemnações a penas cotreccionaes que importem a suspensão d'esses mesmos direitos.
O par do reino inhibido de exercer direitos politicos, não poderá, por necessaria consequencia, exercer as funcções do pariato.
Taes são, senhores, as rasões principaes que, no nosso entender, justificam o projecto submettido á deliberação da vossa sabedoria, e indicando-as com a clareza e com o desenvolvimento que nos foi possivel, pomos termo á tarefa que por vós nos foi incumbida. A importancia do assumpto não precisa ser demonstrada. A vossa commissão entregou-se com dedicação a trabalhos reflectidos, porque nunca o estudo e a meditação são mais precisos do que quando se trata de completar a constituição de um dos orgãos essenciaes do poder legislativo. - Propondo-vos unanimemente, e de accorde com o governo, que adopteis, as disposições do projecto que submettemos á vossa approvação, somos determinados pelo desejo de que a camara dos pares seja objecto do maior respeito e consideração para todos; de que conserve a auctoridade real e moral necessaria para concorrer utilmente para a formação das leis; e para que, finalmente, possa concorrer tambem com os outros orgãos dos poderes sociaes para assentar em bases seguras e firmes os direitos do estado e a liberdade dos cidadãos.
Projecto de lei n.° 57
Artigo 1.° A camara dos pares é composta de membros vitalicios e hereditarios nomeados pelo Rei e sem numero fixo. (Carta constitucional, artigo 39.°)
Art. 2.° O Principe Real e os Infantes são pares por direito, e terão assento na camara, logo que cheguem á idade de vinte e cinco annos. (Carta constitucional, artigo 40.°)
Art. 3.° Tambem são pares por direito o patriarcha de Lisboa, os arcebispos e bispos do reino pelo simples acto da sua elevação ás referidas dignidades. (Decreto de 30 de abril de 1826.)
Art. 4.° Só podem ser nomeados pares do reino os cidadãos portuguezes que, tendo nascido taes, nunca perderam nem interromperam por acto ou omissão propria a sua nacionalidade, e provarem que têem trinta e cinco annos de idade, que estão no pleno goso de seus direitos civis e politicos, e que se acham comprehendidos em algumas das seguintes categorias:
1.ª Conselheiro d'estado;
2.ª Ministro d'estado com dois annos de effectivo serviço;
3.ª Presidente da camara dos deputados em quatro sessões legislativas ordinarias;
4.ª Deputado da nação em oito sessões legislativas ordinarias;
5.ª Marechal do exercito ou almirante;
6.ª General de divisão ou vice-almirante;
7.ª General de brigada ou contra-almirante com cinco annos de exercicio n'este posto;
8.ª Embaixador em missão ordinaria;
9.ª Ministro plenipotenciario com cinco annos de exercicio em missão ordinaria;
10.ª Governador geral de possessões ultramarinas com cinco annos de exercicio;
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