DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 137
A primeira, a mais importante questão que n'este projecto, cumpre apreciar, é a da constitucionalidade da reforma da camara dos pares em legislatura ordinaria.
Esta questão é gravissima, e para ser bem tratada requer competencia e auctoridade mui superiores aos mingoados recursos de que disponho.
Sei que n'esta camara alguem ha que tenciona propor a questão previa, e por essa occasião não deixaremos de ouvir certamente dignos membros d'esta assembléa elevar a questão á altura que merece, seguindo assim um costume inalteravel e de antiga data n'esta casa do parlamento..
Sr. presidente, as instituições humanas não são essencialmente perfectiveis, e a carta, por excellente que seja, não faz excepção á regra geral; mas eu entendo que devemos na sua reforma proceder com summa prudencia, e usando só dos meios que ella mesma indica e determina para seu aperfeiçoamento, em harmonia com as necessidades do tempo, com as modificações na opinião, nos costumes, e finalmente de accordo com a utilidade publica.
Sem me declarar inimigo de toda e qualquer reforma, nem comprometter inconsideradamente o meu voto no futuro, confesso que na epocha que atravessamos receio muito do zêlo reformador.
Cabe aqui perfeitamente o dito de Talleyrand - Surtont point de zele!. ..
Quem reclama, e quem applaude esta reforma da camara dos pares?
Os partidarios das idéas mais avançadas, inimigos da hereditariedade e tambem da nomeação regia, não acceitam o projecto como significativo e consoante ás idéas do progresso que desejam; e certamente por elle ser approvado, não desistem de combater a instituição, e de querer reformal-a mais, em conformidade com os seus principios.
Os conservadores; os amigos da camara dos pares, os que entendem que ella tem prestado e póde continuar a prestar bons serviços ao paiz, esses, ou acham esta lei inutil por lhes parecer que em nada modifica a situação presente, ou a rejeitam, como eu, por inconstitucional e inopportuna, trazendo como consequencia, dado este passo na escorregadia e perigosa senda das reformas, uma outra muito mais radical.
Vejamos agora a questão pelo lado constitucional.
Diz o relatorio:
"Admittida a conveniencia, a utilidade, e a necessidade de se marcarem regras certas, pelas quaes se deva dirigir o poder moderador na nomeação dos pares, e por que deva regular-se o direito successorio do pariato, qual é a auctoridade que tem poder e jurisdicção constitucional para legislar essas regras?
"Podemos nós, em legislatura ordinaria, estabelecer essas regras ou decretar taes preceitos?
"Acaso, attribuindo-nos poderes para tanto, não ultrapassaremos os limites da nossa jurisdicção e competencia constitucional marcada no artigo 15.° da carta?
"Não serão precisos poderes especiaes e extraordinarios de revisão, nos termos do artigo 142.°?
"Não desconhecemos que no animo e no espirito de muitos e mui respeitaveis homensv publicos tem havido, e ha ainda, duvidas e incerteza a este respeito, opinando alguns que, para se legislarem as regras a que nos temos referido, para se estabelecerem categorias dentro das quaes unicamente o poder moderador possa exercer a sua prerogativa, e se verifique o direito successorio do pariato, não são bastantes os poderes ordinarios da legislatura, mas se precisam poderes extraordinarios e especiaes, como para os casos de revisão constitucional."
A isto observarei que, se no animo de muitos e mui respeitaveis homens publicos tem havido, e ha ainda, duvidas e incertezas a este respeito, não admira que no meu espirito menos illustrado existam iguaes duvidas, embora proposta esta reforma e acceite por pessoas tambem de summa competencia, mas que reconhecem que nas suas opiniões são contrariadas por muito valiosas auctoridades.
Existe, pelo menos, a duvida e a discrepancia entre essas auctoridades e opiniões.
N'este caso, perguntarei se é politico e prudente fazer-se uma reforma cuja constitucionalidade é duvidosa?
Entendo que não, creio que não serei o unico que pense d'este modo.
Diz mais o relatorio:
"Repetindo, pois, diremos - que de todas as faculdades constitucionaes que a carta confere aos differentes poderes politicos do estado só uma, a de nomear os ministros da corôa, é que não comporta regulamentação; e foi para isso que na carta se declarou, explicita e terminantemente, que o Rei nomeia livremente os ministros; declaração que não se encontra em mais parte alguma, o que designa uma especialidade, privativa e unicamente applicavel á nomeação dos ministros.
"Apesar do que, bem podemos dizer, ainda que esta faculdade do Rei não póde ser exercida arbitraria e incondicionalmente, porque desde que ás camaras legislativas pertence e compete a votação do imposto, e desde que a confiança das camaras é tão essencial ao exercicio do po.-der com a confiança do Rei, póde sustentar-se que esta attribuição da corôa está realmente limitada, está sujeita a regras e a condições que excluem, o arbitrio."
"Por consequencia, a lei organica que se nos propõe, creando certas categorias entre as quaes deve recair a escolha regia, não ataca nem cerceia a prerogativa, por isso que não faz mais do que evitar legalmente que o Rei faça o que já moralmente lhe não era licito fazer.
"Aquillo que ao Rei não era licito moralmente fazer, fica-lhe defezo legalmente. O que era impossivel moral, fica sendo tambem impossivel legal.
"Nem com isto ficam mais restringidas as suas faculdades constitucionaes, porque a liberdade do erro, a liberdade do engano, a liberdade do abuso não se comprehende, não se admitte, não póde suppor-se que estivesse na mente ou na intenção do legislador constituinte."
A isto responderei facilmente, mostrando com exemplos, que este caso não era para receiar, e que nada adiantamos com esta inutil precaução, como dizia Beaumarchais.
Folheando a nossa historia parlamentar, e deixando correr a vista em de redor de nós mesmos, vejamos o que se tem passado até hoje.
N'esta camara vejo eu sentados os reverendos prelados do reino, na conformidade da lei; vejo tambem alguns, não muitos, cavalheiros, representantes da antiga aristocracia, que alguns serviços prestou ao paiz e ao throno constitucional, e entre estes alguns nomeados em 1826 pelo proprio dador da carta constitucional, por exemplo, o meu nobre amiga marquez de Fronteira. Vejo conselheiros d'estado, magistrados, ministros d'estado honorarios, talentos admiraveis em tão grande numero, que não posso mencionar uns, sem fazer injustiça a outros, que, porventura, deixasse de citar. Sem ir mais longe, vejo o auctor d'este projecto, cuja modestia espero não oifender, mencionando o seu nome como o de um brilhante ornamento da camara dos pares.
Então para que receiâmos, para que duvidâmos do futuro, quando o presente e o passado nos mostram que a preoccupação de perigo imaginario e remoto passou apenas como nuvem negra, na mente dos membros da commissão?
Lerei agora outro ponto importante do relatorio, ao qual desejo responder:
"Effectivamente, quando, no jogo regular das instituições constitucionaes, a camara dos deputados deixa de representar a opinião da nação, ou de corresponder ás necessidades do paiz, o Rei póde dissolvel-a. Se é o ministerio que não corresponde ás exigencias do estado, o Rei póde demittil-o. Mas se é a camara dos pares que, tornando-se facciosa, impossibilita ou impede o regular andamento do governo, não