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140 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pariato, e passa a discutir os outros projectos que estejam dados para ordem do dia. = Conde de Rio Maior.»

Catilina não bate ás portas de Roma; mas apresentado o projecto que se discute, e o relatorio que o precede, no qual longa e calorosamente se procura justificar a necessidade de modificar a constituição d’esta camara, ha direito de perguntar se os signatarios do parecer, dotados, sem duvida, d’aquella dupla vista, que é um dos attributos dos altos engenhos dos grandes homens de estado, e que tanto distinguia a superioridade de espirito do illustre mr. Thiers, se s. exa., digo, descobriram no nosso horisonte politico alguns terriveis pontos negros, e se estamos prestes a passar pelos perigos de uma convenção?

Poderia perguntar isto, sr. presidente, porem, reflectindo mais pausadamente, ponderando bem os termos e phrases que se encontram no documento a que alludo, projecto e relatorio, vê-se que não é a idéa de um perigo imminente que dominou no espirito dos nobres cavalheiros, membros da commissão; mas que o seu illustre relator, levado pelo desejo de nos deleitar com os recursos da sua muita erudição, e na amplitude dos seus profundos conhecimentos, quiz, depois de ter mostrado a instituição politica da antiga Grecia, e mesmo nos nossos dias, a forma de governo da republica de Honduras, na America, quiz, repito, colher um ramo de esperança no projecto do sr. conde do Casal Ribeiro, e que é com este novo talisman que s. exa. espera dar lustre e energia á camara dos dignos pares.

Sr. presidente, no projecto trata-se da nomeação regia dos pares, trata-se do seu direito de successão, trata-se finalmente de determinar os casos em que se póde perder ou suspender o exercicio d’este alto cargo.

Tenho de examinar estas questões complexas; mas antes d’isso farei uma outra divisão da materia, abandonando os pontos secundarios, attenderei a questão previa, á questão de principios, e, examinando a doutrina, verei se ha ou não offensa dos artigos constitucionaes, se a carta é atacada votando nós uma lei da natureza da que estamos discutindo?!

Isto é o que devemos estudar primeiro. Depois hei de julgar a questão da conveniencia e opportunidade d’esta reforma, e nesta parte permittam-me os illustres membros da commissão que eu, embora a importancia politica de s. exa. seja grande, abstraia della completamente para me dirigir ao sr. presidente do conselho, e perguntar categoricamente ao governo se toma inteira responsabilidade da discussão d’este projecto e da opportunidade da lei, se porventura ella for approvada em ambas as casas do parlamento.

Na questão de doutrina que neste momento considero, tratarei de demonstrar dois pontos, em presença dos quaes considero todos os outros de ordem secundaria.

Pergunto: ha ou não offensa á constituição no estabelecimento de categorias para a nomeação regia dos pares? Entendo que não.

Ha ou não offensa á constituição na restricção do direito hereditario pelas categorias? Entendo que sim.

O illustre auctor do projecto, o sr. conde do Casal Ribeiro, foi fundamentar a sua doutrina nas largas discussões que houve n’esta casa desde 1842 até 1840.

É com essas mesmas discussões que eu procurarei provar até á evidencia que os homens eminentes, os abalisados politicos e jurisconsultos que então faziam parte d’esta camara nunca entenderam que devia ser cerceado o direito de hereditariedade pelo estabelecimento de categorias.

A camara desculpará se eu for extenso nas minhas considerações preciso referir-me largamente aos discursos a que acabo de alludir, para mostrar que interpreto os artigos da carta constitucional do mesmo modo por que os interpretavam os duques de Palmella, os condes de Lavradio, os marquezes de Sá da Bandeira, e tantos outros homens notaveis d’essa epocha.

Foi em 2 de agosto de 1842, a proposito de uns papeis que vieram a esta camara para se resolver se o marques de Abrantes devia succeder no pariato ao seu avô o marquez D. Pedro, que pela primeira vez se propoz nomear-se uma commissão que determinasse as regras indispensaveis para regular as admissões d’aquelles individuos que julgassem ter direito a entrar n’esta assembléa.

Estas observações suscitadas pelo sr. conde de Villa Real, foram tomadas na devida conta e a commissão foi nomeada.

Passados dias, em 9 de agosto, voltando o assumpto á téla do debate, disse o sr. Margiochi que era util estabelecer condições para regular o direito de successão no pariato, mas que não era menos justo determinar os principies que servissem de norma ao livre exercicio da prerogativa regia indicada no artigo 74.° do codigo fundamental, isto é, convinha marcar os casos em que podiam ser nomeados novos pares, e o sr. Margiochi lembrou o principio das categorias.

Levantou-se o sr. conde de Lavradio, e observou que lhe pareciam acceitaveis e sensatas as ponderações apresentadas, mas que á sua adopção se oppunha o artigo 140.° da carta, e que á camara dos pares apenas cumpria agora regular o modo de successão e declarar em que condições podiam ser admittidos os novos pares.

Este pensamento do sr. conde do Lavradio mereceu o voto da camara, e a commissão foi encarregada de fazer um trabalho n’este sentido.

Em 20 de janeiro de 1843 a referida commissão, composta dos srs. duque de Palmella, conde de Villa Real, Silva Carvalho e Barreto Ferraz apresentou um projecto, no qual, estabelecendo a differença entre pares hereditarios e pares vitalicios, dizia que para os pares serem vitalicios era necessario que a nomeação regia os designasse como taes, e que estes deviam ter os requisitos exigidos pela carta, trinta e cinco annos de idade, a graduação de conselheiro d’estado, embaixador, ministro plenipotenciario, presidente de tribunal do reino, general ou governador civil por espaço de dez annos; igualmente podiam ser pares d’esta qualidade aquelles que se tivessem tornado illustres pelos seus serviços ou merecimento. Quanto aos hereditarios, que eram todos os que fossem nomeados sem designação alguma na carta regia, os seus successores provariam as qualidades designadas na carta constitucional, a idade completa de vinte e cinco annos, e uma renda propria de 2:000$COO réis pelo menos.

Levantou-se larga controversia sobre os principios consignados n’este projecto, e o sr. Barreto Ferraz referiu que tinha assignado com declarações o parecer da commissão, porque entendia que a commissão excedera o seu mandato e violara o artigo 39.° da carta, atacando flagrantemente a prerogativa real.

O sr. visconde de Laborim, dissertando sobre a questão com aquella sua notoria prolixidade, fez excellentes considerações sobre o modo de interpretar o citado artigo 39.°, e sobre se a carta fallando em membros vitalicios e hereditarios tinha empregado o e conjuncção copulativa ou disjunctivamente.

O sr. Manuel de Serpa Machado, um dos jurisconsultos mais distinctos que então havia na camara e que fazia parte do professorado de Coimbra, sustentou que no projecto entravam artigos que se podiam julgar constitucionaes, que o artigo 144.° da carta sendo expresso, embora a doutrina do projecto fosse sensata, não podiam estes artigos merecer approvação, e que o artigo 140.° bem explicava a quem compete a iniciativa n’este caso.

O sr. Serpa propunha que o projecto voltasse á commissão, porque á camara não pertencia limitar poderes.

O digno par o sr. Serpa Machado declarou mais que tinha o maximo escrupulo em acceitar a doutrina de pares hereditarios e pares vitalicios, porque julgava claro e evidente o decreto do Imperador de 30 de abril de 1826, que determinou que fossem hereditarios os pares de reino de Portugal.