240 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
com justiça ou sem ella, de dar azas á existencia de um partido republicano.
Eu não deploro a existencia d'esse partido, e não creio tambem que se possam inventar partidos, porque não são, cousas que se inventem.
Os partidos começam, vivem e formam-se, segundo as conveniencias publicas e em harmonia com o estado das sociedades.
Escusado é pretender crear partidos, se elles não têem rasão de ser.
Apparece uma idéa: se ella não é sympaihica, por mais que trabalhem para a fazer vingar, o partido não se formará; ao contrario, se a idéa é sympathica, se o estado social carece d'ella, por mais que a combatam, ha de formar partido; e, se não for em vinte, trinta ou quarenta annos, ha de ser em noventa ou cem.
Christo não fez partido; apresentou a idéa, morreu, e, comtudo, o christianismo existe ha seculos.
É verdade que era Deus, ninguem o nega, mas tambem era homem, e tambem sabia qual era o poder da sua idéa e da convicção, quando dizia que a fé fazia mudar montanhas.
Eu não quero dar a honra ao governo de fazer um partido republicano, mas o que sei é que lhe cabe grande responsabilidade n'aquelle facto, porque cria com o seu procedimento grandes difficuldades á corôa. Não cria partidos, mas cria situações proprias para elles se desenvolverem. É este para mira o ponto melindroso que me errata estar a esmerilhar, e peço á camara e a todos os meus collegas, sem excepção de nenhum, e a v. exa. sobretudo, que me chamem á ordem se eu não tratar esta questão com acautela precisa, como é meu intuito.
Sr. presidente, quando se quiz combater o partido progressista, ou o seu detestado programma, começou a estabelecer-se o partido do rei, e esta designação, que não passaria de uma asserção jornalistica, começou em todos os adeptos do partido regenerador a ter uma certo, força, quasi a tomar-se como uma bandeira; bem podia o sr. Fontes na sua imprensa corrigir este erro, não o fez e fez mal, aonde o rei é chefe de partido está proximo a deixar de ser rei; tal não se dava, mas a imprensa do governo imprudentemente o affirmava.
Diz-se que uma certa imprensa tem feito aggressões ao monarcha, e que o governo não tem perseguido os jornaes onde ellas têem vindo. Creio que tem feito muito bem n'isso, porque a intolerancia não é o que salva a monarchia. O que salva a monarchia entre nós é ser ella um elemento essencial para a nossa vida independente como nação, e uma garantia da nossa nacionalidade; o que salva as monarchias é não confundir a personalidade que as representam com os actos de um partido ou de um governo, e quando essa confusão se dá não é a perseguição aos jornaes, que se atrevem a dizer que ella existe, que podo salvar as monarchias, mas fazer cessar as causas, que dão origem a taes apreciações, porque acabando ellas cessam os effeitos; estabelecendo-se francamente a rotação constitucional dos partidos, todas estas accusações deixariam de ter rasão de ser; não ter sido chamado um partido ao poder, e de não se terem revesado na governação publica os partidos organisados, foi, e é uma grave difficuldade que póde affectar a corôa.
É certo que a passagem dos partidos pelo poder, revesando-se, é uma cousa vantajosa para a administração e para as instituições; mas a isto responde o sr. presidente do conselho: como havemos nós sair d'estas cadeiras se temos maioria em ambas as casas do parlamento? Têem maioria porque a fazem nesta camara por meio de forna das, e na outra porque mandam aos administradores do concelho que façam as eleições!
Por consequencia olhem os srs. ministros para a coroa, e vejam se a estão cobrindo de estrellas brilhantes, ou se a estão obscurecendo com phantasmas que lhe criam para a dominarem.
Dito isto n'esta linguagem nebulosa, que para o esclarecido espirito do sr. presidente do conselho me parece mais que sufficientemente clara, e respeitando a corôa, a camara e o governo, entendo que não devo dizer mais nada.
Robustecida a instituição monarchica, o sr. Fontes Pereira de Mello ha de ser chamado ao poder, e deve sel-o. Mantida a tenacidade do governo em não attender aos conselhos dos seus amigos, com relação á administração publica, receio que a historia lembre ao sr. presidente do conselho a historia do sr. conde de Thomar. Eu não sei se o desenlace d'aquella historia poderá repetir-se com tanta felicidade para a corôa como foi então.
É isso o que eu temo, porque a atmosphera, democratica era então insignificante, e hoje é grande em toda a Europa. É isto o que eu receio. Não é o partido democratico do nosso paiz, que o sr. presidente do conselho anima protegendo-lhe as candidaturas, que eu temo. Póde o sr. presidente do conselho animar como-lhe aprouver essas candidaturas, o que não será um acto de boa politica, na minha opinião, mas que, segundo e meu modo de ver, não dá mais força ao partido republicano, como lh'a não dá de certo a entrada, na camara dos seus deputados.
Não é isto que eu receio, como disse, mar sim e influencia, da atmosphera politica externa, n'um dado caso, pois temo que o governo não sabendo, ou não sabendo, ou não querendo pôr bem alto os olhos para ver os perigos, comprometta com a sua politica e insistencia as instituições.
Sr. presidente, eu vou terminar. A camara está fatigada do me ouvir, e eu tenho de certo abusado da sua benevolencia; e, terminando, vou mandar para a mesa uma proposta, que não é uma emenda ao projecto do resposta ao discurso da corôa, mas que está connexa com a sua discussão.
Eu creio, sr. presidente, que nós podemos, de commum accordo, estudar as difficuldades da administração financeira; e, como eu quero ser hoje ministerial e homem do governo, acompanhando aquelles que têem querido chamar o gabinete ao bom caminho, julgo consentanea com cato proceder a minha proposta.
Eu ía terminar, mas não resisto ainda ao desejo do fazer algumas considerações, e de contar á camara, uma historia, para mostrar quaes são os meus sentimentos para com o governo, apesar de ministerial.
Houve um rei de Jerusalem - eu não vou fallar da minha de Sabá, que foi aqui tão largamente citada pelo sr. Corvo -, houve um rei da Judéa, repito, que era um grande tyranno; vendo um dia tantas, tão constantes e tão repetidas manifestações do povo contra elle, perguntou-lhe: "O que quereis?" "Se nos quereis fazer um favor, disseram elles, morrei". (Riso.)
Ora. eu não peço a morto do sr. presidente do conselho, mas a morte do governo, porque confesso que peior do que isto não reputo cousa alguma. Vejo-lhe, porém, muita vida ainda, e como assim o considere, desejava que esse grupo de homens importantes, que apoiaram o governo e o quizeram guiar, se grupassem em torno d'elle a ver se o desviam do caminho que segue. É nisto que consiste o meu ministerialismo.
Se o governo, tendo tido conselhos tão abalisados, tem procedido como se sabe, o que será faltando-lhe esses conselhos! Queria, pois, vel-o novamente rodeado d'esses homens fortes e conscienciosos, que ha dois annos fallaram n'este sentido, e que vendo desprezadas as suas idéas e os seus conselhos, se manifestam contra o governo.
Eu pedirei, pois, que se lhe faça o que fez o povo ao rei de Jerusalem; o povo padiu ao rei que morresse, escusado será dizer que elle não lhe fez a vontade, não morreu n'aquella occasião, mas não era immortal, morreu depois mais tarde. O facto é, que em signal de regosijo pela morte d'aquelle rei, se fazia todos os annos uma