246 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
nha vida de homem publico como de homem particular lhe tenho provado sempre a larga estima, a consideração, a dedicação de amigo leal, que vale mais que a de irmão.
Permittam-me os meus collegas que eu aqui me refira a uma phrase, que já se tornou historica, de um soberano que ha poucos annos morreu no desterro.
Conta-se que o Imperador Napoleão III, quando o Imperador de um paiz poderoso lhe mandou embaixador, e na carta credencial usou a formula do estylo amigo e, irmão, dissera aos conselheiros, que estranhavam o facto: "Não importa, honro-me com isso, porque cada um escolhe os seus amigos e não escolhe os seus irmãos." (On choisit ses amis, on ne choisit pas ses freres.) Eis aqui porque eu prezo mais a amisade do amigo, que nos considera e aprecia as qualidades que podemos possuir, do que a de irmão, que muitas vezes se fundamenta apenas nos laços de sangue, que podem representar a tradição; mas que tambem circumstancias accidentaes podem tornar menos apertados, se esses laços não se firmam nos transes da vida com a mutua estima o consideração.
Deixemos, porém, este assumpto, que não vem para o caso.
Nada de sentimentalismo nas questões politicas. Para cumprir os nossos deveres não precisamos obedecer aos impulsos do coração. Nem carecemos na vida moderna de imitar a dureza de Lucius Junius Brutus, o qual não hesitou, pela salvação da patria, em sacrificar os proprios filhos, subordinando ao dever patriotico os mais puros affectos do coração.
Não se traia de taes sacrificios, que excedem a força normal da consciencia humana; não se trata de votar á morte nem filhos, nem amigos; trata-se de discutir, de examinar, de pôr acima das affeições individuaes, no rigoroso exame das responsabilidades politicas, os deveres que estão inherentes ao nosso cargo de membros do parlamento.
Sr. presidente, responderei brevemente a algumas das observações apresentadas pelo sr. presidente do conselho, sobre a nomeação de pares, com relação á qual o illustre ministro não fez mais do que repetir agora as mesmas tres rasões, já anteriormente por elle produzidas, e a meu ver completamente improcedentes e contrarias a tudo quanto prescreve o direito constitucional, philosophico e positivo, e improprias para justificar um acto que praticou em opposição ao espirito da constituição, e ainda mais, ao espirito da lei organica do pariato.
Antes de responder a esse ponto capital, e visto como o nobre ministro teve a nimia condescendencia de ceder do uso da palavra sem levantar algumas das mais graves considerações produzidas pelo digno par, o sr. Miguel Osorio, com as quaes não estou de accordo, permitta-me a camara que eu, como homem publico, embora não tenha a honra, nem a deseje, de sentar-me n'aquelles logares (o orador aponta para as cadeiras do ministerio), diga ao meu amigo e collega da opposição os pontos principaes em que não estou de accordo com as suas opiniões. Um é em relação ao registo civil; o outro em relação á attitude de uma certa imprensa, ás consequencias d'essa attitude e aos effeitos politicos que d'ella se podem derivar.
Eu não traria esta ultima questão á camara; mas uma vez que foi trazida, moderadamente, e sem lhe dar mais largas do que o caso exige, direi alguma cousa com relação a esse ponto gravissimo.
Em primeiro logar, porém, quanto ao registo civil. Eu reputo conveniente que elle seja estabelecido nos termos do codigo civil. Não creio que seja esta uma questão de tal urgencia, e de tão immediata necessidade, que periguem os interesses da patria se ella for algum tempo estudada, para ser mais convenientemente resolvida.
Não tenho receio, nem como portuguez, nem como catholico, que me prezo de ser, de que o registo civil seja estabelecido nos termos do codigo. Nem é contrario ao dogma, nem aos preceitos disciplinares da igreja, nem aos seus interesses.
O que eu desejo é que se não tome o registo civil como pretexto para deixar, era um paiz catholico, o clero privado de dotação. Não quero que se tire inteiramente a dotação ao clero. Sou partidario da liberdade dos cultos; entendo que a necessidade religiosa é uma necessidade social, e, porque o entendo, admitto, como na França e na Bélgica, onde a liberdade dos cultos está francamente reconhecida, que os cultos admittidos e reconhecidos pelo estado sejam subsidiados por elle.
Aqui tem o meu nobre amigo o meu modo de ver na questão de que se occupou.
Não tenho repugnancia alguma ao registo civil, torno a repetil o, mas de modo nenhum concordo que elle seja estabelecido por fórma precipitada, e que, a pretexto de urgencia, se prejudique a dotação do clero.
Desde que elle seja estabelecido, como universal e obrigatorio, é preciso procurar logo os meios de dar ao parocho os rendimentos de que ha de ficar privado com o estabelecimento do registo. Procurem-n'os onde melhor os encontrarem.
Passando ao outro ponto, a que se referiu o meu nobre amigo, o sr. Miguel Osorio, eu não desejo incriminar ninguem. Não desejava mesmo que tal assumpto se levantasse; preferia que se esquecesse.
Sinto que se recordassem aqui as demasias de uma imprensa pouco justa, completamente injusta, que tem atacado quem não póde nem deve ser atacado.
Eu não queria levantar a questão, nem tencionava fazel-o; mas encontrando-a no meu caminho, não recuo diante d'ella.
Do facto, sr. presidente, d'esse facto que lastimo, eu não posso tirar as inferencias que tirou o meu nobre amigo, e ainda menos posso desculpar em vista d'elle o procedimento do sr. presidente do conselho.
Não. Não concordo. Não comprehendo, nem approvo a falsa tolerancia, nem a resignação da debilidade perante a injustiça e a gravidade da offensa.
Eu só comprehendo n'este momento tres caminhos a seguir - transigir, resistir, ceder.
Mas um governo não póde, nem deve nunca ficar impassivel perante taes factos.
Um governo não deve nunca supportar que as leis do paiz sejam menosprezadas e ludibriadas em ponto tão importante. Isso nunca. Persista, portanto, ou ceda, se não póde transigir rasoavelmente, como o deveria ter feito em tempo.
Callar-se, soffrer, ou antes por commodidade propria deixar soffrer a corôa, isso nunca, nunca!
Nada mais tenho a dizer sobre este ponto, e lastimo que o sr. presidente do conselho não tenha entendido o seu dever n'esta grande simplicidade, nem considero explicavel o seu procedimento ha um anno, a esta parte, sobre ponto tão importante.
Tolerar, como governo, o procedimento que observámos, toleral-o com indifferença, assistir a elle impassivel, não, nunca, mil vezes não. (Apoiados.)
Aqui tem o sr. presidente do conselho o facto principal que decidiu a minha profunda divergencia, a causa principal porque estou na opposição.
Eis como um governo, constitucionalmente nomeado, se collocou pela debilidade do seu proceder em condições anormaes, em que não póde sustentar-se sem offensa da dignidade do poder que representa...
O sr. Visconde de Chancelleiros: - São as consequencias da restauração.
O Orador: - Essa é a opinião do digno par; elle a sustentará; eu manifesto, e sustento a minha.
Não entendo que seja precisamente consequencia da restauração dos ministros em 1878.
Não a approvei. Se me consultassem, não aconselharia