DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 249
lor politico d'esta camara; e portanto não podia auctorisar o alargamento das nomeações de membros para esta camara, ao arbitrio do governo, sem necessidade politica, por junto, em massa, nas vesperas da abertura do parlamento, como indicou e pretendeu o sr. presidente do conselho.
Ao contrario, o espirito d'essa lei era justamente revestir esta camara de maior auctoridade e força moral, tanto pelo que respeita ao principio de hereditariedade, como pelo que toca á faculdade da nomeação, porque isso convinha, não a nós, mas aos interesses publicos. Não a nós, porque se um dia nos mandar d'aqui embora a evolução ou a revolução, podemos ir tranquillos na nossa consciencia para os nossos lares, para o seio das nossas familias, occupar-nos dos nossos campos; mas nos interesses publicos, porque se estes interesses estão essencialmente ligados ás instituições, porque estão presos á manutenção do principio monarchico-constitucional, porque é uma verdade tambem, ser extremamente perigosa a utopia formulada no programma de Lafayette, que pretendia cercar a monarchia de instituições republicanas.
E assim o creio e digo, porque é minha convicção que a monarchia constitucional é o systema que mais nos convem na actualidade, e por um tempo que excede as humanas previsões.
Póde este systema não ser aquelle que possa servir d'aqui a cem ou duzentos annos (e eu lamento os espiritos que voando tão longe nos seus prognosticos de futuro, descuram o presente ou o estragam); mas hoje é uma necessidade para este paiz, porque esse systema está essencialmente ligado á conservação da nossa independencia como nação, á existencia da nossa nacionalidade.
É indispensavel, pois, que o principio monarchico-constitucional se ache cercado d'aquellas instituições que são seu natural anteparo, e que não se oppõem ao progresso natural das idéas, quando essas idéas tendam a modificar o modo de ser das sociedades, em vista das sociedades novas, e não a subverter e arruinar os sãos principios que as regem.
Por consequencia, a conservação d'este corpo politico que nós aqui representamos, corpo conservador das instituições e não dos individuos, bem como a de outros corpos politicos, como o conselho d'estado, e os mais que representam esses principios conservadores das instituições, é de alta conveniencia para a monarchia constitucional, mantidos que sejam na altura que lhes compete; e tanto mais o é, que, nos, tempos que correm, o tal chamado espirito do seculo se introduz ás vezes, de uma maneira demasiadamente sorrateira nas nossas instituições, sob a fórma de opportunismo. E d'isso é que eu tenho receio, pois d'aquelles que dizem francamente a sua opinião, que declaram sem disfarce donde vem e para que vem, d'esses não temos que nos acautelar, porque são adversarios nobres e leaes, não se introduzem no nosso campo, como desleaes alliados.
Esses não fazem emboscadas, como os outros, que não acceitam os nossos principios, mas que acceitam do governo a protecção nas suas eleições, a protecção nos seus empregos, a protecção nas suas influencias.
Esses não recorrem, ás ciladas para destruir as nossas instituições, mas atacam cavalleirosamente á viva força.
Sr. presidente, a hora está a soar, não sei o que v. exa. determina, se devo continuar ou pôr termo aqui por hoje ás minhas observações. Entretanto, e visto o silencio da camara, ainda direi que houve uma circumstancia incidental no debate, que me provocou a pedir a palavra, mas que não foi esse incidente que me obrigou a tomar parte n'esta discussão. A camara sabe que eu desde o principio revelei o intuito em que estava de entrar n'esta discussão. Nunca disse o contrario, e ninguem de boa fé o, podia entender das expressões que proferi aqui, tratando um incidente, e nem podia falsear esse intuito, como o falsearam extractos menos correctos de alguns jornaes, e se asseverou nos commentarios ainda menos correctos de certos boletineiros ao serviço do governo:
Eu nunca disse que não havia de tomar parte na discussão da resposta ao discurso da corôa; antes sempre mostrei o proposito contrario.
Talvez, porém, não tivesse pedido a palavra n'este logar, se não fosse uma referencia do meu illustre amigo, o sr. Costa Lobo, por quem tenho muita sympathia, e que admiro pelo, seu talento e intelligencia, a respeito de uma situação que terminou em fins de 1867, ou antes em principios do anno de 1868. O digno par disse que o ministerio d'aquella epocha tinha fugido do poder.
Tratarei de mostrar que a phrase não foi fiel á historia, nem perfeitamente exacta.
Não foi esta circumstancia incidental que me determinou a intenção de tomar parte no debate; a intenção estava feita desde que tive a honra de assignar este documento, este compendio de sabias doutrinas, magistralmente redigido pelo meu nobre amigo, o sr. Mártens Ferrão.
Não era possivel, não se podia seguir agora o exemplo de epochas em que se votava a resposta ao discurso da corôa como um mero comprimento. Cada epocha tem suas necessidades. Para se apresentarem taes argumentos de analogia, é necessario mostrar que ella existe entre as epochas que se comparam. Algumas vezes pôde-se proceder assim; hoje não.
A vista dos actos politicos do governo, do estado da fazenda publica, e de muitas outras circumstancias, seria proprio d'esta casa, quando se lhe apresenta um documento d'esta ordem, limitar-se a um mero e simples comprimento á corôa? Pois a corôa não merece mais? Não lhe devemos mais do que uma solemnidade? Cumprimos o nosso dever levando-lhe apenas uma homenagem, uma côrtezia?
Eu creio que ella merece mais, e que nós devemos-lhe mais; levemos-lhe esta exposição de doutrinas aqui compendiadas pela reconhecida intelligencia e larga proficiencia do sr. Mártens Ferrão.
E devemos á corôa esta. exposição, e devemos ao paiz os devidos commentarios, porque tão arredados andam os conselheiros responsaveis da corôa da boa doutrina constitucional, que a cada passo é licito e opportuno relembraria.
Este documento, que eu tenho presente, não contem censuras ao governo, mas ainda menos contem a approvação dos seus actos. Esta é a verdade toda.
Se contivesse a approvação de todos os actos do governo (e digo todos, porque alguns tem com respeito á polica externa), se contivesse uma approvação completa de todos os seus actos politicos, não o tinha eu assignado.
Não contém, pois, este documento, nem approvação, nem censura, contém doutrina, e esta doutrina é opportuna, é correcta, é santa.
Eu disse, em certa occasião, que a consulta do sr. Mártens Ferrão, ácerca de uma concessão no ultramar, merecia ser esculpida em bronze.
Sem repetir agora a phrase, porque não é preciso, nem devo estimal-a tanto que a repita á camara, direi que tambem n'este documento está, tanto quanto é preciso, a demonstração de quanto vale o conselho d'aquella recta intelligencia, que os ministros da corôa nunca deviam deixar de procurar e ouvir, e que, tanto os actuaes, como os que podem vir a sel-o, deveriam acercar-se d'aquella consciencia recta, ouvirem a sua doutrina e seguirem o seu auctorisado parecer.
Sr. presidente, se é licito aferir por este documento, que se está discutindo, os actos e omissões do governo, muitos ha pelos- quaes, á luz de tão sã doutrina, o governo está condemnado, perfeitamente condemnado, como tratarei de mostrar na sessão seguinte, visto como hoje não chega o tempo.
Antes de terminar por hoje peço licença para me referir