Página 235
N.º 23
SESSÃO DE 14 DE FEVEREIRO DE 1879
Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama
Secretarios – os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 25 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta, a sessão.
Lida a acta da sessão precedente; julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
O sr. Presidente: — Deviamos entrar na ordem do dia, mas como não está presente nenhum membro do governo, parece-me que a camara concordará em esperar alguns minutos até que compareça algum dos srs. ministros. (Apoiados.)
(Pausa.)
(Entra o sr. presidente do conselho.)
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa
O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, visto achar-se presente o sr. presidente do conselho. Pela ordem da inscripção, tem primeiramente a palavra o sr. conde do Casal Ribeiro, mas como s. exa. me está presente dou a palavra ao sr. Miguel Osorio, que é quem se segue.
(Entram os srs. ministros dos negocios estrangeiros, e da justiça.)
O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, não julgava que me coubesse ainda hoje a palavra, porque se tinha inscripto, antes de mim, um orador de maior vulto e importancia, a quem seguramente a camara havia de prestar mais attenção, porque aquelle digno par necessariamente ha de elevar o debate á altura a que os seus talentos e incontestaveis dotes oratorios lhe permittem. As disposições melancolicas do meu espirito, attribulado ha muito tempo com golpes profundos na vida domestica, não consentem que eu possa dar a esta discussão o attractivo nem a elevação que lhe teem dado outros oradores, assim como não consentiram que eu me podesse entregar aos estudos precisos que auxiliassem os meus fracos recursos intellectuaes. Portanto, hei de estar muito abaixo da discussão e das elegancias oratorias que podem attrahir a attenção; por isso muito preciso n’esta occasião, mais do que nunca, da benevolencia da camara, e a delicadeza esmerada dos meus collegas faz-me esperar que não me recusarão mais uma vez essa benevolencia com que tantas vezes me têem honrado.
Releve-me, pois, v. exa. e todos os meus collegas, a fórma das breves considerações que vou expor, porque o meu espirito, infelizmente, foge já para a melancolia do que está preoccupado: e servir-me-ha tambem esta declaração para justificar as faltas que tenho commettido no cumprimento dos meus deveres perante esta camara.
Nunca deixei de ser benevolo n’esta camara para com todos os meus collegas, e quando tenho arguido o governo tenho-o feito sempre de maneira que nunca passei, por o desgosto de merecer censura, e espero não sair d’esta linha de procedimento; mas só porventura as minhas considerações poderem o offender o melindro de qualquer dos cavalheiros a quem me dirijo, desde já, sem seguir o dictado de me querer sangrar em saude, espero que s. exas. as não tomem como má expressão, e nunca porque eu tenha desejo de os offender.
O sr. presidente do conselho disse, e disse muito bem, que os partidos não podem ir ao poder senão em virtude dos seus principios, e quando a opinião estivesse disposta a recebel-os. É exacto, e por isso eu entendo que este governo ha muito devia ter largado poder, por isso que se o actual ministerio não se tem esquecido completamente d’esses principios, tem comtudo aberto um abysmo onde os principios constitucionaes se acham em grave risco de se sepultarem. Este ponto é de sua natureza melindroso, e eu hei de procurar tratal-o com a cautela que elle merece, e com o respeito que nós devemos aos poderes publicos; mas não posso em consciencia eximir-me do dever de dizer sobre elle alguma cousa.
O partido progressista, a que tenho a honra de pertencer, porque felizmente não tenho mudado de situação, e o que sou hoje era hontem, militando debaixo da mesma bandeira, assim como em relação ao governo tenho sido sempre opposição desde o primeiro dia em que elle se constituiu; o partido progressista, digo, não póde ir ao poder senão com as suas idéas. E com ellas, e por ellas que ha de subir ao poder, e se n’essa occasião os homens que occuparem aquellas cadeiras abandonassem essas idéas, desde esse dia eu, pela minha parte, deixaria de pertencer a esse partido; espero que tal não ha de succeder.
O partido progressista tem o seu programma, que o sr. presidente do conselho disse que detestava; ahi estão exaradas as suas idéas, ahi estão os seus compromissos com o paiz; tenho fé que os homens honrados que estão á frente do. partido não são capazes de se esquecerem d’elle, e que procurarão executal-o, não digo de uma vez, que as reformas, para serem duradouras, teem de ser encetadas com prudencia, mas pouco e pouco, e conforme as necessidades e as conveniencias publicas o permittirem.
É isso que espero, e cabe aqui dizer, que não póde um partido, que teve a abnegação de formular um programma fóra do poder, que porventura o tem affastado d’elle por muito tempo, esquecer esse programma quando a opinião o acceita, e quando chega o momento de o executar, espero que tal não acontecerá.
Chegará n’um dia a hora em que o partido progressista suba ao poder, e é-lhe indifferente que esta ou aquella situação politica se prolongue; não desejamos o poder pelo poder, mas sim para satisfazer as necessidades publicas; o partido tem á justa aspiração de occupar as cadeiras do governo, mas em condições de poder governar e fazer progredir a civilisação do paiz, emendar os erros das situações que temos combatido, e alliar o progresso com a ordem.
Temos cumprido religiosamente os nossos deveres de partido como opposição, temos direito a não se suspeitar de nós que havemos de faltar a elle quando poder.
N’esta parte estou perfeitamente de accordo, e ainda que nem o sr. presidente do conselho, nem o partido que s. exa. dirige, nem as pessoas que infelizmente aconselham a corôa, achem em tempo algum a situação propria para que os seus adversarios subam ao poder; elles lá vão indo, pela força das suas idéas, muito embora s. exas. se supponham
26
Página 236
236 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
sempre indispensaveis, parece-me que está breve a hora de não poderem com o peso das responsabilidades, que tão imprudentemente têem acarretado com a sua pessima administração.
Espero que o meu partido irá ao poder com as suas idéas e sem allianças que prejudiquem o seu programma; isto não ha de succeder, e se tal caso succedesse ao meu partido, eu seria o primeiro a abandonar as suas fileiras. (Apoiados.)
Sr. presidente, cabe-me n’este momento repetir aqui uma asserção, que, posto muitas vezes aqui tenha sido dita, nem por isso tem deixado de nos ser lançada em rosto como accusação; cabe-me já explicar um facto de que temos sido tão accusados.
Dizem os nossos adversarios que nós rasgámos o nosso programma quando apoiámos lealmente, como é sempre costume do partido progressista, o governo que v. exa. presidia. (Apoiados.)
Mas porque rasão o apoiámos nós?
Porque v. exa. não desmereceu, nem um apice, no conceito publico em quanto esteve no governo; porque nunca faltou áquillo a que se tinha compromettido, que tinha dito ao partido progressista, ao parlamento e ao paiz. (Apoiados.)
Porque v. exa., comquanto collocado no meio de uma situação bastante difficil, veiu ao parlamento e disse: «eu venho ao poder, mas o meu programma é o respeito ás leis e á moralidade». (Apoiados.)
Repito, pois, ainda, v. exa. fez o que tinha promettido, apesar das difficuldades que o rodeavam, e que lho tinham sido creadas peles seus antecessores. (Apoiados.) V. exa. teve sempre como lemma, como principal fundamento do seu programma, o exacto cumprimento das leis e o respeito pela moralidade. (Apoiados repetidos.)
Por que rasão, pois, se accusa o partido progressista de ter quebrado o seu programma apoiando a v. exa.? Accusa-se, porque esse partido deseja o respeito pela lei e pela moralidade? Eu creio que por esse facto não podemos ser accusados, e antes, pelo contrario, devemos ser applaudido?. (Apoiados.)
Nós não podiamos exigir de v. exa. que cumprisse o nosso programma, nós não estavamos no poder, nem n’elle podiamos estar com v. exa.; mas seguia-se por isso que desconhecessemos os serviços que v. exa. podia fazer ao paiz, e fez no pouco tempo que ali esteve? Não.
Moralidade e exacto cumprimento das leis é o fundamento de toda a governação; estou certo que o sr. presidente do conselho não ha de escrever o contrario na sua bandeira, faço-lhe mesmo a justiça de suppor que seja a sua intenção seguir este preceito; mas o que é certo é que esse lemma que v. exa. procurou seguir tem sido desprezado por esta administração, e é para sentir que assim seja, e como desejo ser exacto, ainda que severo, direi que a culpa não é tanto dos ministros como da que os cercam. Os ministros são os que menos governam este paiz. Exas. são victimas de pequenos tyrannetes de provincia, dos ambiciosos de quem se servem para terem maiorias parlamentares, e a quem têem depois de ceder em todas as pretensões, por mais absurdas que sejam, e ai d’elles, que se não forem attendidos, vem depois descobrir todas as chagas de uma administração miseravel.
O sr. presidente do conselho cerca-se de uma atmosphera de lisonjas, que lhe faz obscurecer a vista para não poder chegar aos limites do horisonte, onde se encontram as necessidades do paiz.
O que digo, sr. presidente, poderia justifical-o, mas não gosto de apontar factos, porque não gosto de citar nomes.
O sr. presidente do conselho disse que não era facil aos governos exonerarem-se quando queriam, e disse tambem que não pedia obrigar as maiorias a fazerem a vontade de s. exa.
Não é tanto assim, notarei eu. Se o systema parlamentar entre nós estivesse posto em pratica, de maneira que a representação nacional fosse e resultado effectivo da verdade eleitoral, ou da consciencia publica, de certo eu acharia rasão ao sr. ministro; mas infelizmente não se dá esse facto. E devo aqui alludir ás repetidas nomeações de pares do reino feitas por esto governo. Todos os oradores precedentes que teem apreciado essas nomeações, abstrahiram dos nomes dos novos dignos pares, e creio que os meus collegas me hão de fazer a justiça de suppor que, se porventura não tivesse a convicção do quanto merecem da patria os cavalheiros nomeados, eu guardaria completo silencio a esse respeito; mas devo dizer que, posto não conheça particularmente alguns d’elles, a todos conheço todavia pelos seus actos na vida publica e por terem os dotes necessarios para pertencer a esta camara.
O sr. presidente do conselho sustentou que não tinha nada de notavel a nomeação dos novos pares, porque, depois de votada a lei, que difficultava a admissão ao para até per direito hereditario, era indispensavel estar constantemente a nomear pares por categorias, conformo ella determina. Isto é um sophisma, perdôe-me s. exa. D’aquelle modo parece que a responsabilidade da recente nomeação de pares do reino cabe mais ao sr. conde do Casal Ribeiro e aos outros cavalheiros que promoveram a reforma da camara, do que ao governo, que julgou existir agora a necessidade de a reforçar, augmentando o numero dos seus membros.
Eu entendo que aos corpos legislativos competem funções mais elevadas do que a de serem o Pantheon glorioso dos homens que se distinguem na carreira publica; essas funcções regulam se por principies que devemos estudar com um excellente mestre de direito constitucional, o reino de Inglaterra. Se o sr. Fontes fosse ministro d’aquella grande nação, e considero-o digno disso, por certo que não havia de ousar dizer em pleno parlamento que todos os annos nomearia a seu arbitrio o numero de pares que julgasse estarem na categoria precisa para poder alcançar essa dignidade.
Com esta doutrina de s. exa., a que fica reduzida a representação das maiorias das duas casas do parlamento, taes como se acham constituidas?. Pois acaso póde dizer-se que a camara dos senhores deputados só por si representa o sentir da nação? Pois as eleições d’aquella camara são tão cautelosamente feitas, e o governo abstem-se tanto de influir n’ellas, que possamos consideral-as a genuina expressão da vontade popular, e que se deva ter por completamente dispensavel este elemento da camara dos pares?
Pois algum de nós ignora as influencias que mesmo em circumstancias ordinarias rodeiam os governos quando se trata de eleger a camara dos srs. deputados?
Acaso não sabemos que essas influencias premiram em alto grau a opinião durante a existencia do actual ministerio, por isso que o paiz está cheio de centenares de tyranetes, que são como que representantes não officiaes, mas extra officiaes do governo?
Mas, dado mesmo o caso disto assim não ser, como ha de a camara avaliar do estado da opinião que quizer ter uma bitola para medir a importancia das graves accusações que se fazem ao governo na imprensa; a eleição deu maioria ao governo, a camara dos pares foi preparada para a dar ainda antes de se manifestar a opposicão, e pelo systema do sr. Fontes sel o-ha todos os annos, de maneira que os remedios que a constituição deixou ao poder moderador para conservar o equilibrio do poder, ficam por esta fórma inutilisados e inefficazes. Isto não póde ser; o sr. Fontes devia dizer-nos qual era e motivo constitucional que obrigava o poder moderador a nomear pares, e não se desculpem com a natureza da escolha e o merito dos individuos nomeados, e que não vem nada para o caso, e quanto a liberdade de eleições, lembra-me o que ha pouco tempo me dizia um cavalheiro muito da minha amisade, pertencente
Página 237
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 237
ao partido regenerador, que não nomearei, por. não ter assento em nenhum a das casas do parlamento.
Antigamente, disse-me aquelle meu amigo, faziam-se as eleições da seguinte fórma.
Em 1828, por exemplo, quando se mandou proceder á eleição dos tres estados, o governo expediu uma circular, que se acha impressa, em que só recommendava aos juizes de fóra que tivessem por bem proceder ás eleições, mas que deviam attender que os individuos suspeitos não era conveniente que fossem admittidos a votar.
De maneira que os juizes de fóra, no momento da eleição, tinham que dizer a qualquer individuo, de cujas idéas politicas desconfiavam: "O senhor é suspeito, e da parte de El-Rei intimo-o a não votar."
Na actualidade acontece quasi o mesmo. Agora é o administrador do concelho que deve entender nas suspeições, e o ministro do reino (ou quem faz as suas vezes, quando exerce estas funcções o sr. Sampaio) procede de modo que não destoa senão pela fórma do antigo regimen, haja vista a maneira por que se procedeu na eleições de Aveiro, mandando-se proceder duas vezes á eleição de certas corporações, em condições extra-legaes, mandando mesmo suspender a execução das leis, praticando emfim os actos, que aqui e na outra camara se discutiram com relação ás eleições de Belem; e depois de tudo isto, preparado o terreno, diz-se ainda ao administrador do concelho: "olhe que os povos hão de dar o seu voto a fulano, arranje-se como quizer; mas esse fulano é que ha de ser eleito; d'isso dependerá a sua carreira, o seu adiantamento n'ella".
E ahi tem v. exa. armado o campo da corrupção e da violencia; os que têem interesses dependentes da auctoridade, e são muitos; os que têem de lhe prestar contas de confrarias, como administradores; os que têem filhos recenseados ou a recensear; e os que, por pouco esclarecidos, temem demasiadamente a acção da auctoridade, e, mais ainda, as vinganças dos tyranetes ou mandões, que em grande escala se têem creado á sombra d'este governo, buscara o seu socego, abatendo a sua dignidade perante elles; concorrem com o seu voto para virem essas maiorias, que não são a expressão da vontade popular, mas sim da vontade ministerial.
E o que digo com relação a este governo póde applicar-se, em grande parte, a outros governos.
Hei de procurar sempre ser justo, e, por isso direi que quando os governos, sejam quaes forem, quando usam de taes meios para trazerem uma maioria ao parlamento, a camara electiva não representa verdadeiramente a escolha da nação, o remedio para isto está em grandes reformas, que o partido progressista menciona no seu programma, e que agora não seria opportuno desenvolver, mas que é sempre conveniente lembrar.
A constituição, imperfeita como é, procurou a correcção d'esse facto n'esta casa.
Não trato agora de saber se é efficaz ou não este meio de correcção, mas se a maioria da camara dos pares for todos os annos alterada para o governo ter, permitta-se-me a expressão, uma maioria de benevolencia e gratidão, então a efficacia do remedio constitucional desapparece, e creio que estaremos muito proximos de nos acharmos nas condições de um governo pessoal, e, longe de se poder considerar este corpo legislativo um elemento da representação nacional, será um poder pessoal de um homem ou quando muito de uma politica.
Não posso, por consequencia, adoptar a doutrina do sr. presidente do conselho, pelo contrario, rejeito-a e combato a com todas as insignificantes forças da minha intellicia.
Agora devo dirigir-me ao meu nobre amigo, o sr. Mártens Ferrão, para lhe dizer que tambem não concordo com a opinião de s. exa. ácerca do direito que temos do discutir as eleições da camara dos senhores deputados.
Sempre respeito a grande intelligencia, saber e elevação de caracter de s. exa., e quando houver duvidas sobre materia de direito, necessariamente me hei de sujeitar ao criterio do meu illustre amigo e collega; mas em materia politica permitta-me que discorde, pois não posso concordar com a sua doutrina.
Vejo que o artigo 139.° da carta constitucional, que não sei se já foi executado alguma vez n'este paiz, nos dá o direito de apreciar por esta fórma a politica do governo quando a não façamos de modo mais efficaz como devia ser.
Esse artigo diz assim:
"As côrtes geraes, no principio das suas sessões examinarão, se a constituição politica do reino tem sido exactamente observada, para prover como for justo."
Creio que nós ainda não cumprimos este preceito da carta.
Parece incrivel que desde a sua outorga, esteja sem ser cumprido um artigo d'ella.
Mas, se olle não foi cumprido, não nos prohibam ao menos o exercicio do direito incontestavel que temos de apreciar a politica de qualquer governo, no exercicio mais ponderoso das suas funcções, qual é o de manter illeso o suffragio do povo, fundamento de todo o nosso direito constitucional.
Desculpe-me o digno par e meu amigo esta minha franca exposição, mas não posso deixar de ver a questão por esta fórma.
O meu amigo, o sr. Costa Lobo, citou hontem aqui um exemplo da mestra constitucional - a Inglaterra - eu quizera que ali fossemos aprender a salvaguardar a liberdade da urna, e tornando a referir me á nomeação de pares lembra-me uma anedocta, que não posso dizer precisamente aonde vem, mas que é exacta.
Quando a camara dos lords n'uma questão altamente importante estava empenhada n'um debate em que o governo se via em perigo de largar as pastas perante ella, houve um ministro que teve a imprudencia de dizer á camara, que ella podia receber em seu seio, por nomeação regia, um certo numero de pares, que alterasse a sua feição.
Foi combatida altamente esta lembrança, e até se duvidou, que o governo podesse n'uma occasião d'estas fazer entrar uma porção de pares na camara, a fim de alterar a sua feição, antes da votação; levantou-se então um dos membros da opposição e disse: "é tão ponderoso este acto, e é tão perigoso para a causa publica, que eu lembro á camara a conveniencia de antes fazer a vontade ao governo do que collocar a corôa na triste posição de alterar a nossa feição politica antes de uma votação e portanto sem condições politicas que justifiquem o exercicio do poder moderador." Lembro isto, não á esclarecida intelligencia do sr. presidente do conselho; mas para auxiliar a sua memoria, a fim de não continuar a abusar d'esta elevação ao pariato de caracteres aliás muito conspicuos, porque póde attribuir-se ao governo o desejo de querer nomear a sua maioria todos os annos, unicamente pelo facto de irem arrefecendo as disposições dos seus amigos mais dedicados. E já que fallo na disposição que vão tomando os amigos mais dedicados do governo, devo dizer, que não estranho esta posição; o quando eu disse que a posição que tinha hoje era a que tinha hontem disse a verdade, porque tenho sido sempre opposição a este governo desde o primeiro dia da sua existencia. Com isto não quero irrogar censura áquelles cavalheiros, que num dia apoiam dedicadamente qualquer situação, e que nobremente desareigados das affeições que os ligavam aos ministros, e da dedicação partidaria de que por tantos annos foram a força mais possante da situação, saltam por cima d'estas considerações, e cheios de vigor pelo amor da patria, e attendendo ao grito da sua consciencia, depois de terem feito digna e nobremente todas aquellas reflexões que a amisade aconselha, e a politica exige, rasgam essas conveniencias politicas, porque acima dos partidos está a patria, acima d'essas convenien-
Página 238
238 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
das está a consciencia. Não quero com isto lançar censura áquelles que têem opiniões diversas, pois que seguem os dictames da sua consciencia tambem; mas o que quero é justificar a minha posição pouco aggressiva em frente do governo; fallam vozes mais auctorisadas, as dos amigos do governo, calo a minha.
Peço desculpa á camara por trazer este assumpto para a discussão, mas não podia deixar de fazer sensivel este facto notavel de vermos, por motivos de consciencia, afastarem-se estes ou áquelles amigos dedicados do governo, que são coherentes com o que têem tantas vezes repetido.
Á camara por certo está lembrada do celebre parecer sobre o orçamento de 1876, assignado pelos srs. Casal Ribeiro, Mártens Ferrão, Custodio Rebello de Carvalho, Carlos Bento, Augusto Xavier Palmeirim, Barros e Sá, e conde de Valbom, que diziam em 14 de março de 1876, em um tão notavel documento official, qual era o parecer da commissão de fazenda d'esta casa, que aqui tenho presente, o mesmo que lhe ouvimos agora pela bôca do sr. Carlos Bento, e esperamos ouvir dizer ao sr. Casal Ribeiro, como s. exa. já o fez annunciar mais de uma vez.
O que diz esse documento? Diz o seguinte.
(Leu.)
Sr. presidente, seria demasiadamente longo ler tudo quanto diz este documento. Todavia, não posso deixar de pedir licença á camara para ler mais algumas, ainda que poucas, palavras.
(Leu.)
Parece-me, portanto, que não basta fazer bons orçamentos; é necessario mostrar mais clara e francamente a verdade d'elles.
O governo, porém, afastou-se d'esta norma administrativa, pois durante dois annos nem sequer ao menos mostrou em palavras, nos seus relatorios, que seguia estas mesmas doutrinas. Esqueceu-se totalmente d'ellas, e veiu dizer ao parlamento que não podia fazer economias!
Tenho pena que o sr. Serpa, ministro da fazenda, não esteja presente, porque desejava responder á asserção que s. exa. avançou, de que não póde haver grandes economias sem grandes emprestimos. De sorte que é necessario estarmos a contrahir emprestimos para fazermos economias!
Ora isto, sr. presidente, está abaixo, muito abaixo do merito de s. exa., e d'ahi vem o podermos dizer que tal é a posição do sr. ministro, que força a sua intelligencia robusta, a ponto de avançar proposições d'estas, e faz-nos suppor que nada poderemos esperar deste governo, que é alcunhado de esbanjador pelo proprio ministro da fazenda, que já não acha economias a fazer senão nas percentagens dos emprestimos. A palavra esbanjador foi aqui trazida pelo sr. Serpa. Ninguem lha lembrou; lembrou-a s. exa., vindo buscar á opposição uma palavra que lhe tinha sido dirigida. Se lha não indicasse a consciencia, não a vinha cá buscar.
Desculpe-me, portanto, o sr. presidente do conselho, em empregar a mesma palavra do seu collega. Mas, nós de certo que não podemos ficar estaticos diante d'estes esbanjamentos e despezas extraordinarias, e do desprezo pelos conselhos dos homens que entendem dever mais a si proprios e ao paiz do que ao seu partido; dos homens de governo, como disse o sr. Carlos Bento, os quaes se têem afastado d'aquelles que desprezaram os seus conselhos.
A esta opposição que tem dirigido o debate chamo-lhe tutela ministerial, como aqui lhe chamei em 1876. E esta opposição que tem os meus fracos recursos á sua disposição, a fim de ver se póde tirar das mãos dos srs. ministros a tutela d'este paiz.
Vou, pois, procurar um meio de conciliação entre o goveno e sua antiga maioria.
(Interrupção de alguns dignos pares.)
Não sei se cáe, mas ninguem deseja mais do que eu que elle cáia, porque desde o primeiro dia em que o governo sé organisou eu fui logo opposição, por isso mesmo que sabia que o principio fundamental da politica do sr. presidente do conselho era "que o povo póde e deve pagar mais", e s. exa., ainda ha poucos dias, teve a bondade de o repetir. E certo que s. exa. disse que as lições da historia, o tinham amostrado, e mostrou-se arrependido.
Perdoe-me s. exa. que lhe diga que não acreditei na sua penitencia, ainda mesmo quando alguns acreditavam no seu arrependimento, porque acima d'este está a sua vontade o estão os elementos que o cercam.
S. exa. com muito boas intenções pôde suppor que eu ia trilhar outro caminho; mas eu que tinha a experiencia dos factos não acreditei na sinceridade dos actos, posto que acreditasse na sinceridade da palavra.
Sr. presidente, quantas vezes nós confessâmos as nossas culpas, imploramos o perdão e promettemos a emenda? Quantas vezes nos tem isto acontecido? São mais poderosas as paixões e as Índoles do que a rasão e a vontade. Eu, sr. presidente, não acreditava na penitencia por causa das más companhias, o sr. presidente do conselho continuava a servir-se de todos os elementos politicos e a empregar todos os meios que empregava nas anteriores administrações.
Eu agora não sou opposição, sete annos me têem feito ver que por este caminho nada consigo para o paiz; demais, alterada constantemente a feição politica d'esta camara a favor do governo, que fazer? Vou tentar por um momento ser conciliador; quero ver, sem quebra da minha dignidade politica, se me chamo ministerial (Interrupção de varios dignos pares,); vou fazer um esforço em favor do meu paiz. Vou já apresentar uma moção, que me parece me colloca ao lado do sr. presidente do conselho, e que me ha de fazer considerar ministerial.
Sr. presidente, deploro bastante a ausencia do sr. Serpa, e tanto mais, quanto todos sabem da affeição intima que nos liga desde tenra infancia; apesar d'isso, não deixarei de dizer algumas palavras, que lhe constarão pelo Diario d'esta camara, visto que esta proposta mais se dirige a elle do que a outro qualquer ministro.
Sr. presidente, com bastante mágua o digo, não ha nada mais triste na vida do homem do que a desillusão ácerca, das qualidades das pessoas que nos honram com a sua amisade.
Quando o sr. Serpa subiu ao poder, felicitei-me e felicitei o paiz. Era o cavalheiro que, pela imprensa e por muito tempo nas cadeiras da opposição, tinha combatido a politica do sr. Fontes. Era o cavalheiro, cuja illustração, eu, que com elle lidava desde creança, não podia desconhecer. Era o cavalheiro, que, occupando uma das cadeiras do ministerio, por mais de uma vez mostrou ser grande auctoridade para governar.
Dizia-se e sabia-se que s. exa. tinha entrado violentamente para o ministerio, encarregando-se da pasta da fazenda, e que o sr. Fontes tinha saído d'ella sem violencia nenhuma, porque não podia arcar com as exigencias que todos os dias lhe faziam, para despezas extraordinarias.
Dizia se que sr. Fontes tinha ido procurar este auxiliar para lhe lembrar as taes lições da experiencia.
As palavras do sr. Serpa estavam em harmonia com esta opinião. Sei que s. exa. no seu relatorio mostrou querer acabar com a divida fluctuante e auctorisára-se em aconselhar a mais stricta e severa economia no governo do estado, não se compromettendo a apresentar um saldo positivo da receita sobre a despeza, como o sr. presidente do conselho tinha feito, mas procurando por meios mais praticos que theoricos o equilibrio da fazenda.
Opposição e governo não podiam deixar de lhe reconhecer a capacidade precisa para tão momentoso fim.
Eu, com as melhores disposições de amigo, acreditei que aquelle cavalheiro havia de realisar tudo quanto o sr. presidente do conselho tinha promettido, e que estava até nas suas idéas e nas suas aspirações. Mas, oh! sr. presidente, que desillusão! O sr. Carlos Bento já aqui mostrou em lin-
Página 239
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 239
guagem mais brilhante e mais eloquente do que eu posso fazer, como foi grande essa desillusão! O sr. Serpa até fez esquecer ao sr. Fontes aquellas aspirações de economias, a necessidade de acabar a divida fluctuante e o compromisso do saldo positivo. Essa desillusão fez com que eu visse que o meu amigo o sr. Serpa não ora aquillo que eu suppunha.
O meu illustre amigo o sr. conde de Rio Maior alludiu aqui á situação triste da agricultura. Peço desculpa de tão perfunctoria e ligeiramente tratar estas questões; mas entendo que a occasião do debate á resposta ao discurso da corôa é a melhor para se discutirem os differentes assumptos relativos á politica e á administração publica, e é preferivel fazel-o neste campo, do que por meio de interpellações, que podem conduzir a actos politicos mais caracteristicos, que não comporta a indole d'esta camara. Este é o ensejo proprio para ligeiramente lembrar ao governo quaes são as necessidades publicas, e isso, sem o menor caracter de aggressão, nem. esse caracter tem documento que seja discutivel. É essa a vantagem d'esta discussão, permitta-me que o diga o sr., relator da commissão, e tambem o sr. presidente do conselho, e folgo que a camara haja abandonado essa norma obsoleta que ss. exas. invocaram, para condemnar o facto da mesma discussão. Felicito a camara por isso, e tambem por ver que antigos amigos do governo venham n'esta opportunidade fazer apreciação dos actos do gabinete.
Dizia eu que se havia fallado aqui na agricultura; e a proposito d'este assumpto devo declarar que não posso concordar com a opinião de que se deve evitar a entrada de pão só para que o lavrador possa vender os seus productos.
Deus me livre de tal doutrina, que não posso acceitar de fórma nenhuma, posto queira que o governo protegesse como devia a agricultura (Apoiados.),
fazendo-lhe ensinar o caminho que- tem a seguir para melhor produzir, ou se os nossos mercados não comportam o que ella hoje produz, impellindo-a a fazer produzir outros generos, que satisfaçam as nossas necessidades.
Disse o digno par o sr. Mártens Ferrão que o governo deve auxiliar a agricultura, como todas as outras industrias. Mas é preciso notar que a agricultura é a mãe das industrias, e nós estamos sujeitos a deixar de existir como paiz, se a industria vinicola, a industria principal, e, por assim dizer, a industria mãe, desapparecer.
Um flagello terrivel Vae annullando esta industria, este flagello é a phyloxera, que o governo manda estudar, quando o unico estudo que ha a fazer é o que fez a Hespanha, a destruição e a queima das vinhas atacadas do mal, depois de indemnisar os proprietarios, porque outro qualquer remedio não produz resultado.
Medidas d'esta natureza eram mais necessarias do que o excesso dos caminhos de ferro, do que os armamentos para um exercito, que não póde ser organisado pelo sr. presidente do conselho, que não satisfaz as- nossas necessidades militares, e é apenas um elemento esplendoroso.
E já que fallei n'este ponto, devo dizer que entendia ser pouco o dinheiro gasto com o exercito, sé s. exa. tivesse apresentado uma lei que organisasse, não só a primeira linha, mas a reserva, e de accordo com o sr. ministro da marinha, fizesse com que o exercito, em logar de servir para figurar em paradas ou em espectaculos no campo de Tancos, podesse correr a qualquer ponto das nossas colonias onde fosse necessario.
Dir-se-ha: este serviço não é da indole do exercito.
Pois organise-se para isso, porque para defender a patria das aggressões da Hespanha, não o precisamos, logo que saibâmos governar-nos.
Assim, sr. presidente, não me opporia a que se gastasse mais dinheiro com o exercito.
Por esta occasião, devo dizer que eu, apesar de combater o sr. presidente do conselho, desde que entrei na vida politica, não obstante nunca, ter recebido offensa nem desfavor da parte de s. exa., não posso deixar de o elogiar, por ter mandado um corpo do exercito para o ultramar, quando perigava uma das nossas colonias, mas quero isto como medida permanente e como actividade do exercito.
Sr. presidente, não é com a venda dos terrenos da Zambezia, não é com companhias em projecto, que havemos de remediar os males das- nossas colonias; (Apoiados.) é com a regularisação da fazenda publica, e com uma organisação do exercito no sentido que, acabei de indicar.
Tenho dito ácerca da organisação do exercito mais do que comportam os meus conhecimentos, e por isso não podia tratar d'este assumpto em uma interpellação, e só perfunctoriamente, como o tenho feito.
Ahi ficam as minhas palavras, para serem tomadas na consideração que merecerem.
É a vantagem da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, em que, mesmo os que sabem pouco, podem expender as suas idéas.
Já vê o sr. presidente do conselho que eu quero exercito, e que não lhe nego os meios para o organisar; mas desejo que essa organisação seja feita com mais vantagem para o paiz, de que se tem feito até hoje.
Fallou tambem o sr. presidente do conselho no desenvolvimento que tem dado á instrucção publica, " disse n'essa occasião que tinha amor aos grandes commettimentos e queria que o seu paiz se engrandecesse e não ficasse estacionario.
São louvaveis as aspirações de s. exa., e acredito firmemente na sua boa vontade; mas os factos mostram-nos que o caminho que o governo vae seguindo não nos conduz ao engrandecimento em que s. exa. nos falla, e que tanto parece desejar.
Disse-se que o partido regenerador tem creado algumas escolas, mostrando assim quanto deseja que a instrucção se diffunda.
Eu não sei, sr. presidente, que escolas tenha creado o partido regenerador; o que sei é que este governo está no poder ha sete annos, e que, durante todo este tempo nenhuma medida se tem apresentado relativamente á instrucção secundaria.
Poderão dizer que foi nomeada uma commissão encarregada de apresentar um plano de reforma de instrucção secundaria, commissão composta de cavalheiros cujo merecimento sou o primeiro a reconhecer; mas o facto é que até hoje nada se tem feito.
Temos uma lei de instrucção secundaria; mas essa lei está suspensa, acontecendo que ha sete annos o governo está despachando professores interinos e provisorios para os logares que vão vagando, sem que haja concurso, parecendo que está á espera de ver em que param as modas.
Lembro-me a este respeito d'aquella conhecida anecdota de Bocage, na qual este poeta conta do louco que andava com o panno debaixo do braço, á espera de ver em que paravam as modas.
Nós estamos da mesma fórma; vamos nomeando professores sem saber se têem ou não competencia para as cadeiras que vão reger.
O que se vê é que o sr. ministro do reino se arvorou em jury de concurso, preenchendo os logares que vagam com individuos que podem ter muita capacidade e ser professores muito distinctos, mas ninguem póde negar que tambem se póde dar o contrario.
Aqui está, sr. presidente, o estado a que b governo levou a instrucção secundaria.
Houve em tempo uma lei a este respeito, que creio ter sido apresentada pelo sr. bispo de Vizeu, mas essa lei suspendeu-se, deitou-se para o lado como prejudicial, e n'esta suspensão temos estado ha sete annos.
Agora passarei a tratar de um outro assumpto, em que já aqui se fallou.
Sr. presidente, tem-se increpado o governo, não sei se
Página 240
240 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
com justiça ou sem ella, de dar azas á existencia de um partido republicano.
Eu não deploro a existencia d'esse partido, e não creio tambem que se possam inventar partidos, porque não são, cousas que se inventem.
Os partidos começam, vivem e formam-se, segundo as conveniencias publicas e em harmonia com o estado das sociedades.
Escusado é pretender crear partidos, se elles não têem rasão de ser.
Apparece uma idéa: se ella não é sympaihica, por mais que trabalhem para a fazer vingar, o partido não se formará; ao contrario, se a idéa é sympathica, se o estado social carece d'ella, por mais que a combatam, ha de formar partido; e, se não for em vinte, trinta ou quarenta annos, ha de ser em noventa ou cem.
Christo não fez partido; apresentou a idéa, morreu, e, comtudo, o christianismo existe ha seculos.
É verdade que era Deus, ninguem o nega, mas tambem era homem, e tambem sabia qual era o poder da sua idéa e da convicção, quando dizia que a fé fazia mudar montanhas.
Eu não quero dar a honra ao governo de fazer um partido republicano, mas o que sei é que lhe cabe grande responsabilidade n'aquelle facto, porque cria com o seu procedimento grandes difficuldades á corôa. Não cria partidos, mas cria situações proprias para elles se desenvolverem. É este para mira o ponto melindroso que me errata estar a esmerilhar, e peço á camara e a todos os meus collegas, sem excepção de nenhum, e a v. exa. sobretudo, que me chamem á ordem se eu não tratar esta questão com acautela precisa, como é meu intuito.
Sr. presidente, quando se quiz combater o partido progressista, ou o seu detestado programma, começou a estabelecer-se o partido do rei, e esta designação, que não passaria de uma asserção jornalistica, começou em todos os adeptos do partido regenerador a ter uma certo, força, quasi a tomar-se como uma bandeira; bem podia o sr. Fontes na sua imprensa corrigir este erro, não o fez e fez mal, aonde o rei é chefe de partido está proximo a deixar de ser rei; tal não se dava, mas a imprensa do governo imprudentemente o affirmava.
Diz-se que uma certa imprensa tem feito aggressões ao monarcha, e que o governo não tem perseguido os jornaes onde ellas têem vindo. Creio que tem feito muito bem n'isso, porque a intolerancia não é o que salva a monarchia. O que salva a monarchia entre nós é ser ella um elemento essencial para a nossa vida independente como nação, e uma garantia da nossa nacionalidade; o que salva as monarchias é não confundir a personalidade que as representam com os actos de um partido ou de um governo, e quando essa confusão se dá não é a perseguição aos jornaes, que se atrevem a dizer que ella existe, que podo salvar as monarchias, mas fazer cessar as causas, que dão origem a taes apreciações, porque acabando ellas cessam os effeitos; estabelecendo-se francamente a rotação constitucional dos partidos, todas estas accusações deixariam de ter rasão de ser; não ter sido chamado um partido ao poder, e de não se terem revesado na governação publica os partidos organisados, foi, e é uma grave difficuldade que póde affectar a corôa.
É certo que a passagem dos partidos pelo poder, revesando-se, é uma cousa vantajosa para a administração e para as instituições; mas a isto responde o sr. presidente do conselho: como havemos nós sair d'estas cadeiras se temos maioria em ambas as casas do parlamento? Têem maioria porque a fazem nesta camara por meio de forna das, e na outra porque mandam aos administradores do concelho que façam as eleições!
Por consequencia olhem os srs. ministros para a coroa, e vejam se a estão cobrindo de estrellas brilhantes, ou se a estão obscurecendo com phantasmas que lhe criam para a dominarem.
Dito isto n'esta linguagem nebulosa, que para o esclarecido espirito do sr. presidente do conselho me parece mais que sufficientemente clara, e respeitando a corôa, a camara e o governo, entendo que não devo dizer mais nada.
Robustecida a instituição monarchica, o sr. Fontes Pereira de Mello ha de ser chamado ao poder, e deve sel-o. Mantida a tenacidade do governo em não attender aos conselhos dos seus amigos, com relação á administração publica, receio que a historia lembre ao sr. presidente do conselho a historia do sr. conde de Thomar. Eu não sei se o desenlace d'aquella historia poderá repetir-se com tanta felicidade para a corôa como foi então.
É isso o que eu temo, porque a atmosphera, democratica era então insignificante, e hoje é grande em toda a Europa. É isto o que eu receio. Não é o partido democratico do nosso paiz, que o sr. presidente do conselho anima protegendo-lhe as candidaturas, que eu temo. Póde o sr. presidente do conselho animar como-lhe aprouver essas candidaturas, o que não será um acto de boa politica, na minha opinião, mas que, segundo e meu modo de ver, não dá mais força ao partido republicano, como lh'a não dá de certo a entrada, na camara dos seus deputados.
Não é isto que eu receio, como disse, mar sim e influencia, da atmosphera politica externa, n'um dado caso, pois temo que o governo não sabendo, ou não sabendo, ou não querendo pôr bem alto os olhos para ver os perigos, comprometta com a sua politica e insistencia as instituições.
Sr. presidente, eu vou terminar. A camara está fatigada do me ouvir, e eu tenho de certo abusado da sua benevolencia; e, terminando, vou mandar para a mesa uma proposta, que não é uma emenda ao projecto do resposta ao discurso da corôa, mas que está connexa com a sua discussão.
Eu creio, sr. presidente, que nós podemos, de commum accordo, estudar as difficuldades da administração financeira; e, como eu quero ser hoje ministerial e homem do governo, acompanhando aquelles que têem querido chamar o gabinete ao bom caminho, julgo consentanea com cato proceder a minha proposta.
Eu ía terminar, mas não resisto ainda ao desejo do fazer algumas considerações, e de contar á camara, uma historia, para mostrar quaes são os meus sentimentos para com o governo, apesar de ministerial.
Houve um rei de Jerusalem - eu não vou fallar da minha de Sabá, que foi aqui tão largamente citada pelo sr. Corvo -, houve um rei da Judéa, repito, que era um grande tyranno; vendo um dia tantas, tão constantes e tão repetidas manifestações do povo contra elle, perguntou-lhe: "O que quereis?" "Se nos quereis fazer um favor, disseram elles, morrei". (Riso.)
Ora. eu não peço a morto do sr. presidente do conselho, mas a morte do governo, porque confesso que peior do que isto não reputo cousa alguma. Vejo-lhe, porém, muita vida ainda, e como assim o considere, desejava que esse grupo de homens importantes, que apoiaram o governo e o quizeram guiar, se grupassem em torno d'elle a ver se o desviam do caminho que segue. É nisto que consiste o meu ministerialismo.
Se o governo, tendo tido conselhos tão abalisados, tem procedido como se sabe, o que será faltando-lhe esses conselhos! Queria, pois, vel-o novamente rodeado d'esses homens fortes e conscienciosos, que ha dois annos fallaram n'este sentido, e que vendo desprezadas as suas idéas e os seus conselhos, se manifestam contra o governo.
Eu pedirei, pois, que se lhe faça o que fez o povo ao rei de Jerusalem; o povo padiu ao rei que morresse, escusado será dizer que elle não lhe fez a vontade, não morreu n'aquella occasião, mas não era immortal, morreu depois mais tarde. O facto é, que em signal de regosijo pela morte d'aquelle rei, se fazia todos os annos uma
Página 241
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 241
festa nacional celebrando a. (Riso.) Ora, é exactamente o que eu não quero é que tenha de se instituir a tal festa nacional quando este governo morra (Riso.), e a rasão é porque as festas n'estes casos são commemorações de revoluções, e para evitar estas é que eu desejava ver morrer o governo sem ser preciso a tal festa. (Riso.)
Não fazia tenção de levantar aqui a questão da saída do sr. Barjona do ministerio, outros porem a levantaram. Estou tão habituado a inconstitucionalidade da formação dos ministerios, que já não investigo as causas; applaudo-me da mudança de collega como o doente quando muda de cama. Saindo o sr. Barjona de Freitas contentei-me em dizer: d'este já nós estamos livres. (Riso.)
Dizendo isto por esta fórma, sabe perfeitamente s. exa. que eu sou seu amigo e que não o digo com sentido algum de o offender. S. exa. explicou a sua saída e em virtude d'isso, e pela resposta que o seu successor deu ás suas perguntas, eu espero que s. exa., professando as idéas liberaes que diz professar, se veja obrigado a, dentro em pouco tempo, votar contra o governo. Não digo que seja hoje, nem ámanhã, nem mesmo para a semana que vem, s. exa. ha de fazer mesmo os maiores esforços para que tal me succeda, ha de estar-lhe muito a arrancar este grito á sua consciencia, mas ha de ser forçado a passar á opposição. Esta é a minha opinião, e aqui lhe deixo este prognostico.
Sr. presidente, eu não fazia tenção de fallar no registo civil, nem tão pouco perguntar aos ministros que saem do ministerio porque saíram, nem aos que lá estão porque entraram; porque da fórma inconstitucional porque as coisas se passam, a saída ou entrada de um ministro é mero negocio, que deve ser liquidado pela maioria, e desde que ella o acceitou, a nota de incompetente para se lhe confiar a qualquer dos individuos que a compõem a pasta da justiça, nada tenho a dizer.
Tambem todos sabem como o sr. Fontes saiu do ministerio na ultima vez por lhe doer um dente, e quando ainda me occupava em perguntar as rasões da saída de s. exa., por me ter parecido extraordinario o motivo, foi-me logo respondido pelos seus amigos: elle fui tomar ares, vem já. E quando v. exa., sr. presidente, dissolveu uma camara municipal e ordenava que se fizesse outra eleição: tambem logo. os amigos do sr. Fontes disseram: elle já ahi está, está bom, já poz um dente novo (Riso.), e n'esse caso já podia ir para o governo, porque é este o systema constitucional como os regeneradores o entendiam. Por consequencia não me occuparei tão pouco em perguntas como e porque se formou o ministerio, nem como o anterior se desfez; mas o que me admirou bastante foi que o sr. ministro da justiça, que eu não tinha a honra de conhecer, mas a quem presto a homenagem devida ao seu caracter e aos seus conhecimentos, que todos reconhecem, que s. exa. viesse aqui dizer que esperava estudar a questão do registo civil, que havia de ver se podia pôr em pratica as idéas do sr. Barjona de Freitas, mas que havia cincoenta annos que esta questão estava na tela e ainda se não tinha podido resolver.
Sr. presidente, pois porventura o sr. ministro ignorava quaes foram as difficuldades que terminaram a sahida do sr. Barjona?
S. exa. saíu porque teve o capricho de abandonar aquellas cadeiras, ou por não poder cumprir, como elle entendia, a promessa que tinha feito de estabelecer o registo civil? O sr. Couto Monteiro entrou no gabinete sabendo quaes as difficuldades e responde que vae estudar? Isto não é serio.
Confesso que não comprehendo as explicações dadas.
O sr. ministro da justiça, respondendo a um argumento do digno par, o sr. conde de Rio Maior, com respeito a dever o parodio acceitar as declarações feitas pelos pães, embora casados civilmente, disse que a igreja devia acceitar os que a procuram, porque é tolerante, escudando-se para isto com a auctoridade de uma grande dignidade ecclesiastica.
Confesso que me desagradou esta resposta, e preferia antes que s. exa. com a maxima franqueza tivesse declarado que se não póde obviar a essas difficuldades senão com o estabelecimento do registo civil, obrigatorio para todos, sem distincção de religião; embora mesmo s. exa. não tivesse a coragem de o estabelecer, confessasse o principio, porque esta é que é a verdade.
Estabelecido este registo para todos os actos civis, a difficuldade estava perfeitamente sanada. Os não catholicos contentavam-se apenas com esse registo, ao passo que os catholicos iriam buscar o da igreja. Isto é simples e perfeitamente racional. Eu não sou casado, e provavelmente já não caso, mas se casasse faria o meu registo civil, e como catholico que sou iria á igreja para sanccionar o contrato consignando-o pelo sacramento.
Teme o sr. conde de Rio Maior que este registo possa fazer propaganda
anti-catholica; eu não quero que se faça propaganda anti-catholica, mas numa quadra como aquella que se atravessa, em que não ha, infelizmente, crenças profundamente arreigadas, principalmente em materia de religião, a maneira de se fazer com que as cousas se harmonisem, o modo de sair de todas as difficuldades é, quanto a mim, o registo civil obrigatorio (Apoiados.) e por esta fórma é, que se obvia a propaganda anti-catholica. Hoje é que os que têem crenças pouco firmes se abalançam a ir fazer o casamento civil, por ser mais barato ate, mas quando elle for obrigatorio a propaganda cessa.
Esta é a minha opinião, e senti profundamente que um homem da illustração de s. exa. desprezasse este argumento para recorrer a outros, e entrando, pela saída nos conselhos da corôa do sr. Barjona de Freitas, esperava eu que s. exa. nos indicasse, mas por um modo categorico, a maneira por que as difficuldades hão de ser resolvidas.
Eu estou certo de que, apesar de tudo, a opinião do s. exa. é tambem a minha, e embora a não manifestasse, não é natural que deixasse hoje de a partilhar quem, como s. exa. já a manifestou, segundo creio.
Eu na é tinha a honra de conhecer s. exa., conheci-o apenas quando entrou pela primeira vez n'esta camara, mas pelo alto conceito que formo de s. exa., sei que não póde da certo pensar de dois modos differentes só por serem differentes as suas situações.
Desculpe-me a camara o ter cansado a sua attenção por tanto tempo.
Termino, sr. presidente, mandando para a mesa a minha proposta, que não é uma emenda ao projecto de resposta, e portanto póde ser votada como e quando v. exa. o entender mais conveniente. (Leu.)
Se o governo entender que esta moção, em logar de só discutir agora, deve fazer assumpto de outro debate, ou que, em logar de ser eleita pela camara a commissão que proponho, seja nomeada por elle, não tenho duvida alguma em prestar a minha annuencia. A opinião do sr. presidente do conselho n'este caso e a minha. Como sou ministerial, n'este caso, concordo com quaesquer modificações que a maioria ou s. exa. entenderem necessarias a respeito d'esta proposta.
Leu-se na mesa a proposta do sr. Miguel Osorio e, é do teor seguinte:
Proposta
Proponho que a camara dos dignos pares eleja uma commissão, para estudar o estado da fazenda publica e os meios que possam levar, no periodo mais curto possivel, ao equilibrio da receita com a despeza; devendo a mesma commissão, investigar quaesquer abusos que se tenham introduzido nos differentes ramos da nossa administração publica, e propor, de accordo com o governo, os projectos que lhe parecerem conducentes a evitar taes abusos, se os houver, e as redacções nas despezas que possam fazer-se, sem prejuizo
Página 242
242 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
dos serviços, quer tenham de ser effectuados immediatamente, quer de futuro. = Miguel Osorio.
Ficou sobre a mesa.
O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara e a do sr. Miguel Osorio.
O digno par, ao apresentar esta moção, disse que ella devia ser submettida á votação da camara quando eu julgasse conveniente; por consequencia vou indicar a s. exa. o que entendo que, para regularidade dos nossos trabalhos, convem fazer a este respeito.
Esta proposta não é nem uma emenda, nem um additamento, nem uma substituição ao projecto que se discuto.
Se o digno par concordar, depois de votada a resposta ao discurso da corôa, consultarei a camara sobre se admitte essa proposta á discussão e então a camara resolverá o que entender.
O sr. Miguel Osorio: - De accordo com o governo.
(Entra o sr. ministro das obras publicas.)
O sr. Presidente: - Perguntarei á camara se admitte á discussão a proposta do digno par, e, admittindo-a, terá o governo occasião de declarar se está de accordo com ella.
Vae-se ler um officio que acaba de chegar do ministerio dos negocios da marinha.
Leu-se na mesa um officio do ministerio da marinha, remettendo documentos pedidos pelo digno par conde do Casal Ribeiro no requerimento apresentado em sessão de 10 do corrente.
O sr. Presidente: - Estes documentos ficam sobre a mesa para poderem ser examinados pelo sr. conde do Casal Ribeiro e por qualquer outro digno par.
Vae-se ler tambem um officio do sr. bispo de Bragança, agora mesmo recebida.
Leu-se na mesa um, officio do digno par bispo de Bragança, participando á camara, que por incommodo de saude não comparece á sessão de hoje.
Ficou a camara inteirada.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Pedia a v. exa. que mandasse ler na mesa a lista dos oradores que estão inscriptos.
O sr. Presidente: - Achavam-se inscriptos para hoje os dignos pares os srs. conde do Casal Ribeiro, Miguel Osorio, visconde de Chancelleiros e marquez de Vallada.
O sr. Miguel Osorio acaba de fazer uso da palavra que lhe concedi, porque não estava presente o sr. conde do Casal Ribeiro quando se passou á ordem do dia. Agora pertencia a palavra a este digno par, mas o sr. presidente do conselho,, que tambem a pediu, tem preferencia.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Apoiado. Estou satisfeito.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Não fatigarei demasiadamente a camara, porque estão inscriptos distinctos oradores que desejo ouvir, e aos quaes precisarei naturalmente de responder; porém quero quebrar a monotonia do debate e provar aos dignos pares que mo precederam, que se não lhes tenho respondido, a cada um de per si, ácerca dos assumptos da publica governação por s. exas. tratados, foi pela completa impossibilidade em que me vejo de usar da palavra logo depois de cada um dos dignos pares que tomam parte n'esta larga discussão.
Sei perfeitamente qual é o dever de um ministro constitucional, sei que me cumpre dar ao parlamento conta dos meus actos, justificar as medidas que o governo adoptou e bem assim a politica por elle seguida. Preciso .responder aos illustres oradores, mas essas respostas não podem ser dadas separadamente, em seguida a cada um d'elles, sob pena de levar um tempo impossivel e de fatigar a camara, o que não desejo. Sirva isto para justificar o meu procedimento, e para mostrar aos dignos pares que têem fallado n'esta discussão, que não é por falta de consideração para com s. exas. que eu tenho deixado de usar da palavra por mais vezes.
Ao ouvir os dignos pares que interpellam e accusam o gabinete, parece que este se dá por desgostoso de ter sido encetada a presente discussão, de continuar largamente, e de ter a camara entendido o contrario do que a este respeito era costumo fazer n'outras epochas, e como ainda ultimamente praticou a outra casa do parlamento, resolvendo deixar de discutir a resposta ao discurso da corôa. O governo não se insurgiu nem insurge contra a resolução adoptada pelos dignos pares. Pertence á opposição fixar o terreno do debate. A opposição n'esta camara entendeu que devia discutir a resposta ao discurso da corôa. Entendeu como lhe convinha.
Ao governo cumpre seguir a opposição n'esse terreno, batendo-se com ella, usando de armas leaes, e procurando justificar as rasões do seu procedimento. E se fiz algumas observações a este respeito em outra sessão, não foi porque desconhecesse o direito dos dignos pares, mas pela recordação de outros tempos, pela reminiscencia de uma era em que eu, e muitos membros do parlamento, que hostilisavam o governo de então, e constituiamos uma opposição numerosa, entendemos, no proprio interesse da opposição, que não deviamos dar batalha ao governo na resposta ao discurso da corôa.
Nós praticámos assim n'essa occasião, e a opposição d'esta, camara julgou no momento actual proceder de outro modo, e fez muito bem usando do seu direito, porque ás opposições é que compete, e não ao governo, abrir debate sobre a resposta ao discurso da coroa, e discutil-a como entender opportuno.
O meu antigo amigo, que acaba de fallar, o sr. Miguel Osorio, que me faz opposição ha muitos annos, e que ha muito tambem me honra com a sua amisade particular, fez o epilogo do seu discurso, não com a proposta que mandou para a mesa, mas com a manifestação sincera e leal do desejo que o anima de ver morrer politicamente este gabinete; e esse epilogo foi perfeitamente lógico e rasoavel, perfeitamente de accordo com as primicias que s. exa. apontou ao começar a expor as suas considerações.
O digno par entende que a politica d'este governo é prejudicial aos interesses do paiz, e por isso deseja que os actuaes ministros cessem quanto antes de estar á frente dos negocios publicos.
Isto é incontestavelmente lógico; dando-se a circumstancia imprevista, ou pelo menos inesperada de estarem os desejos do digno par inteiramente de accordo com os meus, porquanto eu não podia ter satisfação maior do que a de deixar as cadeiras do poder, para que homens de mais recursos nos viessem substituir, e podessem, como de certo hão de poder, estar á altura das circumstancias, não no desejo de servir o melhor possivel a sua patria, porque esse desejo tambem é o nosso, mas por terem superiores meios e mais faculdades para o conseguir.
Entretanto os homens publicos têem deveres impreteriveis, e v. exa. que ha longos annos tem exercido n'este paiz os primeiros cargos na direcção dos negocios publicos em diversas situações, sabe muito bem que os ministros não sobem ao poder ou saem d'elle quando querem (Apoiados.); têem obrigações a cumprir no governo, o nós havemos de cumpril-as até o fim (Apoiados.), e emquanto as indicações constitucionaes não nos aconselhem a depositar nas mãos do augusto chefe do estado o poder, que nos foi confiado, não podemos abandonar estas cadeiras. (Muitos apoiados.)
Logo temos que cumprir com o nosso dever até ao fim, e se não fosse isso, com que prazer eu não obtemperaria aos desejos do digno par, com que prazer não me retiraria d'estes logares! Não estaria mais aqui a ouvir constantemente incriminarem-me pelas mais innocentes acções, a accusarem-me pelos actos que reputo mais uteis ao paiz; a ver que, de certo sem desejo voluntario, pois acredito na leal-
Página 243
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 243
dade dos meus adversarios, se transtornam os meus argumentos e os meus conceitos, para se transformar em armas que se voltam contra o governo.
De que me servia ouvir e ver fazer isso tudo? Para que?
Pelo gosto de estar n'estes logares por mais alguns mezes, por mais alguns dias, ou por mais alguns annos; para gastar a saude e a vida, que empregâmos com dedicação no serviço publico?
Creia o digno par que de boa vontade, repito, annuiria aos seu s desejos, mas não o posso fazer.
Sr. presidente, tenho entrado no ministerio por diversas vezes, e diga-se a verdade, tenho entrado como a camara, sabe; par droit de conquête, porque tenho sempre aberta e francamente tomado no parlamento a posição que se deve tomar em frente dos ministerios quando se entende que é conveniente á causa publica hostilisal-os.
É assim que tenho sempre praticado.
V. exa. dirigiu, com a illustração, o zêlo e a prudencia que. lhe são proprios, uma situação politica que antecedeu aquella a que tenho a honra de presidir, e sabe que eu passei a maior parte do tempo que durou essa administração, fóra do paiz.
Quando cheguei aqui, sr. presidente, fui recebido nos escudos pelos meus amigos politicos; foram elles que me incitaram a tomar a posição politica que actualmente occupo foram elles que na camara dos senhores deputados promoveram uma votação, que deu em resultado a substituição do governo.
Não fui eu que conquistei este logar; não fui eu que dirigi os meus amigos, e deixei-me estar tão afastado dos negocios como quando estava em Berlim, visto que não desejava occupar tão cedo estas cadeiras.
V. exa. sabe perfeitamente que eu não vim aqui uma unica vez, que não dirigi ao governo uma unica palavra, que não dei um passo; e quando, em virtude de circumstancias que eram estranhas á minha acção politica e pessoal, eu me achei investido novamente na direcção dos negocios publicos, tratei de corresponder, quanto em mim cabia, á confiança da coroa, ás necessidades da nação e aos sentimentos dos meus amigos politicos.
Sou um homem politico, governo com o meu partido, e sairei d'aqui quando não poder governar com elle, porque os partidos devem ter a coragem de estar á frente dos negocios publicos emquanto as necessidades constitucionaes o determinam, mas devem tambem retirar-se quando as circumstancias o exijam.
Esta é a historia da minha vinda para o ministerio e da minha permanencia n'este logar.
Que culpa tenho eu, se depois d'isto, amigos antigos, valiosos, e que prezo como a irmãos, têem entendido dever retirar-me o seu apoio? Estão no seu direito. Não terão da minha parte uma palavra de censura, sobre tudo uma palavra amarga.
Não o posso fazer; não tenho direito de o fazer. Cada um segue o seu destino.
Mas, sr. presidente, eu é que não posso faltar aos meus deveres para com a coroa, para com as maiorias parlamentares, e para com o meu partido; não posso retirar-me d'estas cadeiras a um simples aceno de quem quer que for. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu tenho assistido a esta discussão desde o principio, tenho ouvido as observações mais ou menos benévolas que me têem dirigido alguns dignos pares que se acham na opposição parlamenter, e ouvi manifestar ao sr. Miguel Osorio, meu antigo amigo, o desejo de que novas capacidades venham robustecer o governo, que elle tambem disse que queria ver caír.
Não pude perceber bem, diga-se de passagem, porque, desejando s. exa. ver caír o ministerio, póde desejar que o robusteçam, principalmente capacidades de cuja existencia ninguem póde dmvidar.
Não pude perceber, repito, salvo se a aspiração de s. exa. querendo ver robustecidas as forças do governo com intelligencias reconhecidas, tem por fim livrar o campo politico, no qual occupa um logar tão distincto, de personalidades, que talvez lhe não agradem; mas, o que não me parece é que s. exa. quizesse que essas intelligencias robustecessem o governo.
Sei que se tem tocado em varios pontos, aliás importantes, a alguns dos quaes tenho respondido já; mas sei tambem que as minhas respostas não servem senão para tranquillidade da minha consciencia e para uma parte d'esta assembléa, porque, para os meus illustres contradictores de nada valem; porquanto eu respondo aos argumentos que se apresentam e quando julgo ter satisfeito, tendo dito tudo quanto da minha parte sei e posso, elles voltam de novo aos mesmos argumentos, e exigem-me as mesmas respostas. Assim ficaremos n'uma eterna discussão, respondendo eu ao que já tenho respondido, e sendo aggredido com os mesmos argumentos com os quaes fôra já tambem aggredido. Refiro-me, por exemplo, á nomeação de pares.
A nomeação de pares, que o governo aconselhou á coroa, não teve por fim, como já por mais de uma vez aqui o disse, reforçar a maioria, porque essa não carecia de reforço. Quando respondi ao sr. conde de Rio Maior, declarei que o governo em nenhuma occasião, mesmo até ao momento de entrada dos novos dignos pares, havia perdido a maioria, e por consequencia não precisava de robustecel-a. O governo entendeu, como tinham entendido outros governos anteriores, e este mesmo, e em outras occasiões, que devia propor ao augusto chefe do estado a nomeação de alguns cavalheiros para membros d'esta camara, os quaes pelos seus talentos, serviços e capacidade não desmereciam dos outros cavalheiros que têem aqui logar.
Por essa occasião disse eu que me parecia que a ultima lei votada por esta casa sobre o pariato tinha naturalmente essa tendencia, que forçava indirectamente a aconselhar o poder moderador a usar mais largamente da faculdade de nomear pares, augmentando o seu numero, e ainda estou d'isto convencido. Ninguem póde duvidar, e foi mesmo expresso aqui no debate d'aquella lei, proposta pelo meu nobre amigo o sr. conde do Casal Ribeiro, de que o que se teve em vista foi procurar restringir o direito de hereditariedade e diminuir o numero de pares que possam entrar n'esta casa em virtude do mesmo direito. Foi essa a tendencia manifesta da referida lei; e como esta camara não póde acabar, como é necessario que se mantenha na altura que lhe compete, é indispensavel que se preencham as lacunas que desgraçadamente a morte vae deixando n'este corpo politico do estado, arrebatando alguns dos nossos collegas. Assim, pois, a nomeação de novos pares ha de necessariamente fazer-se, ou então ha de acabar a camara por falta dos seus membros.
Digo a verdade, não esperava que aquelles que pertencem ao partido historico, partido illustre pelas suas tradicções, partido que tem as condições precisas para ir ao poder, fossem exactamente os primeiros a incriminarem-me pela nomeação de pares que aconselhei ultimamente á corôa, quando é certo que esse mesmo partido, a que pertence o digno par o sr. Miguel Osorio, usou mais de uma vez da mesma faculdade, como estava perfeitamente no seu direito, fazendo entrar n'esta casa, não seis ou sete pares, mas vinte ou trinta de uma vez. E é s. exa., membro do partido que aconselhou uma nomeação em tão grande escala, que accusa o partido regenerador de promover a nomeação de tão pequeno numero dos seus amigos para membros d'esta camara, quando o fizemos sem o intuito, nem disso havia necesssidade, de modificar a opinião d'esta casa do parlamento, com cuja maioria contavamos já no momento de aconselharmos aquella nomeação?
Acho estranho argumentar com a Inglaterra. Pois ha alguma paridade entre o nosso systema e o systema inglez? É só por se chamar uma camara hereditaria e vitalicia, porque, de resto, em Inglaterra a condição de hereditarie-
23 *
Página 244
244 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
dade está de tal modo organisada e mantida, que dá sufficientemente para alimentar a camara dos lords. E, ainda assim, uma ou outra vez ha algumas nomeações de lords, que entram de novo na camara respectiva.
As circumstancias silo differentes. Não ha paridade nenhuma entre a nossa camara dos pares e a camara dos lords em Inglaterra.
O digno par póde querer, e mais alguem, constituir aqui uma oligarchia, e dizer: aqui estamos nós, não entra mais ninguem n'esta, camara! Isto não póde ser.
Eu tenho tambem a honra de pertencer á camara dos pares, e, por muito respeitaveis que sejam os seus membros, não podem aspirar á infallibilidade, e quererem resolver, elles sómente, e mais ninguem, os negocios publicos.
Entendo, portanto, que a nomeação de sete pares, e note bem a camara, dos quaes nem todos ainda tomaram assento, que foram nomeados pelo poder moderador, aconselhado pelo actual governo, não contrariou os principios, não saíu fóra da lei, nem prejudicou de modo algum a situação politica da camara, porque não alterou, não altera, nem modifica a sua maioria.
Ora, sr. presidente, tambem discutirei a questão financeira, na qual se tem tocado mais do uma vez, e a que têem alludido os dignos pares que me precederam, citando factos que lhes pareceram dignos de censura, e accusando o governo, mais ou menos benevolamente, por esses factos.
Sinto que a questão de fazenda seja tratada por este modo; mas espero que todos nos empenharemos para que ella o seja de maneira completa, definitiva e cabal, em occasião opportuna.
Não é de passagem, nem respondendo ao discurso da corôa, que se póde rasoavelmente tratar e discutir a questão de fazenda. Este assumpto é muito complexo, e precisa de todo o nosso exame e attenção.
O que deploro, sr. presidente, é que da questão de fazenda se faça uma questão politica. E permitia me a camara que lhe exponha a minha impressão pessoal, não só de agora, como de ha muito tempo. Não sei se é arriscada a proposição que vou soltar.
A questão de fazenda não está resolvida n'este paiz, porque se tem feito d'ella uma questão politica.
Emquanto se proceder assim havemos de ter o deficit e vermos sem resolução este ponto muito importante, que não póde nem deve ser questão politica.
Todos os partidos que vão ao poder, todos os governos que dirigem os negocios do estado, carecem, de ter uma, fazenda bem organisada, para poderem prover ás necessidades da publica administração. Esta necessidade não é d'este governo, nem do que nos antecedeu, nem do que ha de succeder-nos, é de todo o paiz.
Se quizermos fazer da questão de fazenda uma questão politica, teremos o que temos tido até agora. E como rara excepção á regra, que os partidos geralmente têem seguido, permitta-me v. exa., e permitta-me a sua modestia, que eu cite o seu exemplo, como uma d'essas raras excepções.
Eu era ministro conjunctamente com o meu amigo o sr. conde do Casal Ribeiro. S. exa. occupava a pasta da fazenda, e apresentou na camara electiva um trabalho o mais completo de quantos têem vindo a lume. O sr., conde do Casal Ribeiro saíu do ministerio quando eu saí, quando saíram todos os nossos collegas. V. exa. succedeu-nos, encarregou-se- da pasta da fazenda, o declarou á camara que acceitava todas as propostas do seu antecessor. Este exemplo honra a v. exa.; mas, infelizmente, não tem sido sempre seguido. E nós continuámos a fazer quasi sempre da questão de fazenda questão politica!
Sr. presidente, já se passaram vinte e seis annos depois que eu disse ser preciso pagar mais. E peço aos dignos pares que me accusam por isso ainda hoje, no fim de tanto tempo, mais de um quarto de seculo, que me respondam cem a mão na consciencia, se eu dizia ou não a verdade? Mas foi só o partido regenerador que exigiu sacrificios ao paiz? Fomos só nós? Não os têem pedido todos os partidos, quando á frente dos negocios publicos? Não os pediram elles em virtude da força irresistivel das circumstancias do paiz? Pois quando todos os partidos têem procedido d'este modo, havemos nós de ser incriminados por dizer ao paiz que, se elle quer os melhoramentos do que precisa, tem do pagar mais?
Ponderava aqui não sei qual dos meus illustres antagonistas: não façamos emprestimos para pagar o deficit, mas para realizar os melhoramentos materiaes.
Mas o que é o deficit? Não é, em grande parte, o resultado dos melhoramentos materiaes? Não tem elle augmentado pela falta de decisão e coragem para propor ao paiz as necessarias reformas? Assim eu dizia no meu relatorio de 1872, e repito agora. Não julgue a camara, não julgue ninguem que renego as palavras que escrevi então como ministro de, fazenda: o deficit, ou acaba de uma, vez, ou ameaça de nunca acabar. Eu não disse que elle não acabaria nunca.
E sabe v. exa. para quem escrevi aquellas palavras? Não foi para os meus illustres adversarios. Devo comtudo advertir que não tenho rasão de queixa de nenhum d'elles; todos se mostram muito amaveis para commigo, a todos sou agradecido, mas estou na convicção profunda de que se me torna absolutamente impossivel convencel-os. Discute unicamente para satisfazer a um preceito a que a minha posição obriga, mas não o faço com a pretensão de convencei os, repito.
Portanto, eu escrevi aquellas palavras, em primeiro logar, para o meu paiz, e, em segundo logar, para os meus amigos politicos, porque desejava que elles se compenetrassem da necessidade impreterivel de recorrer ao imposto; porque é indispensavel um profundo convencimento d'essa necessidade para poder levar os membros do corpo legislativo a prestarem o seu voto. Isto é uma cousa natural, sempre aconteceu, sempre ha de acontecer emquanto houver systema representativo.
Eu queria convencer os meus amigos da instante necessidade de acabar com o deficit, e propunha um imposto verdadeiramente impopular, que era o imposto sobre o sal, apesar de saber que encontrava resistencias dentro do parlamento e da propria maioria; porque estou persuadido que não podemos resolver a questão de fazenda sem recorrer largamente ao imposto indirecto.
Eu dou armas á opposição; não tenho empenho em me conservar, mas tão sómente em cumprir com o meu dever; digo-o com uma profunda convicção, certo de que digo a verdade; não creio que a fazenda se organise só com os impostos directos. Não creio que a propriedade, que paga muito desigualmente, possa por si só servir para resolver a questão financeira.
Essa importante questão ha de ser resolvida por um conjuncto de medidas de administração, e recorrendo aos diversos impostos.
Entendo que o imposto sobre certos generos ha de fatalmente vir, e eu desde já me guardo para o dia em que for apresentado por uma administração, de que ou não faca parte, pois quero vir aqui commemorar a minha prophecia, eu que não sou propheta, e que muito monos o posso ser na minha terra. Quero vir aqui commemorar esta minha prophecia, como já commemorei a que em tempo fiz da necessidade de se pagar mais. Muita gente não quer ter a coragem de ser impopular; eu, porém, digo o que entendo, o que a consciencia me dicta, sem cuidar do effeito das minhas palavras, e sem medo algum de o fazer, apesar de já aqui só dizer que o tinha.
Sr. presidente, um homem illustre, que não tem logar n'esta casa, que é meu adversario politico, mas adversario lealissimo, a quem presto as devidas homenagens, o sr. Anselmo Braamcamp, apresentou, como ministro da fazenda, uma serie de medidas que honram a sua capacidade e in-
Página 245
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 245
telligencia. S. exa., levado pelas idéas que predominam no partido a que pertence, appellou para os impostos directos, e mandou proceder aos arrolamentos.
E o que conseguiu com essa providencia? Cousa alguma. E se continuasse a estar á testa dos negocios publicos a administração de que s. exa. fazia parte, o resultado seria o mesmo.
Se assim é, póde objectar-se, porque não vindes aqui propor-nos desde já todo esse conjuncto de medidas que devem acabar o deficit?
Por uma rasão muito simples, respondo eu, porque ninguem póde recorrer ao impossivel; não se póde governar contra a corrente das opiniões.
Governar não é resistir sempre, é resistir umas vezes e transigir outras, fazendo todavia sempre alguma cousa, e quanto a mim, o erro dos que nos combatem é não querer pôr de parte a questão politica para tratar da questão de fazenda e resolvel-a.
O erro, e erro grave, repito, é fazer da questão de fazenda questão politica.
Eu não ouvi bem a proposta do digno par, não sei bem os termos em que está redigida, mas se se trata só de estudar a questão de fazenda, eu estou perfeitamente de accordo, e não posso deixar de estar de accordo em que se estude uma questão para que tantas vezes tenho chamado a attenção dos poderes publicos, e para que a chamou tambem, no documento official a que se responde, o augusto chefe do estado.
N'esse logar, sr. presidente, sentou-se um homem illustre, que a morte arrancou cedo, e que não arrebatou sem grande e fundo pesar para os seus, e sem inconvenientes graves para o futuro d'este paiz. Fallo do sr. duque de Loulé.
( Apoiados.)
S. exa. apresentou uma proposta para que fosse nomeada, uma commissão externa, a fim de estudar o nosso estado da fazenda, e indicar os meios de a melhorar. Eu então, que estava no ministerio, levantei-me immediatamente e de clarei que acceitava a proposta.
A commissão nomeou-se e constituiu-se, mas não me recordo do resultado que deu. Posso, porém, asseverar que não foi da parte do governo que se apresentou o menor obstaculo para ella funccionar e apresentar á camara o resultado do seu estudo.
Sem me comprometter a acceitar sem restricções a proposta do digno par, eu desde já declaro que acceito todo o estudo e exame que se quizer fazer da questão de fazenda, e que concorrerei quanto possivel para que se possam apresentar á camara alguns trabalhos.
O sr. Miguel Osorio: - Eu acceito qualquer modificação.
O Orador: - Então dá-se o caso de eu ser opposição e v. exa. ficar sendo ministerial, o que é realmente curioso.
Sr. presidente, tenho apontamentos tomados sobre muitos outros assumptos em que tocaram os dignos pares que me precederam; tenho desejo, tenho mesmo necessidade de me explicar á camara sobre outros pontos que, nem da primeira vez que tive occasião de fallar, nem agora tratei; mas vejo que a camara está impaciente por ouvir um orador distincto, que está inscripto depois de mim, esse a camara o não está, estou eu, porque gosto de o ouvir, e elle sabe a attenção com que o escuto e a consideração que tenho pelo seu elevado talento e pelas suas qualidades de espirito e coração; mas aqui não se trata d'isso, e sim do exame de uma questão e da opinião que elle vae emittir.
Limito as minhas reflexões, e debaixo d'este ponto de vista, se v. exa. e a camara me concederem, eu pedirei a palavra novamente para responder, não só ao digno par, mas a todos os pontos sobre os quaes tem sido chamada a attenção do governo por outros oradores que me precederam e a que ainda não respondi.
(O orador não reviu as notas d'este discurso.)
O sr. Presidente: - O nosso regimento prescrevo que os srs. ministros têem sempre direito de pedir a palavra, sendo preferidos em qualquer altura do debato, e portanto o presidente não póde negar-lhes a palavra.
Pareceu-me dever dar esta explicação ao sr. presidente do conselho, depois do que s. exa. acaba de dizer.
Tem a palavra, o sr. conde do Casal Ribeiro.
(Entra o sr. ministro da fazenda.)
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Tomo a palavra n'esta discussão importante, não no logar em que estava inscripto, mas em outro mais adiantado, e tambem em tal adiantamento de hora, que não creio me seja possivel, embora muito o desejasse, concluir hoje todas as considerações que tenho a fazer.
Dou graças á benevolencia do meu nobre, amigo o sr. Miguel Osorio, que tomou o logar que me competia na inscripção; porque circumstancias que não vem para aqui referir; me impediram de vir mais cedo dou graças; digo á benevolencia do meu nobre amigo, que fez considerações importantissimas, com parte das quaes não estou de accordo, principalmente no que se refere ao passado, porque o passado não se renega, como tambem não estou de accordo com parte das que se referem á actualidade.
Devo agradecer tambem ao meu illustre amigo o sr. presidente do conselho a condescendencia exagerada com que, tendo ainda que responder aos pontos mais graves dos discursos proferidos pelos nobres oradores, que me precederam, julgou dever calar-se para que a camara tivesse, não o prazer, mas a condescendencia de ouvir-me.
Sr. presidente, antes de entrar em materia e de seguir aquella ordem de idéas que me propunha seguir, direi algumas palavras provocadas pelas do illustre presidente do conselho, que acaba de sentar-se.
Disse o nobre ministro: "eu fui recebido nos escudos dos meus amigos". E disse o com espanto de ver que alguns dos que o receberam nos escudos, para se repetir a phrase, quando elle voltava no outono de 1877 de uma viagem a paizes estrangeiros, façam agora reparos á sua politica e á sua administração.
Eu fui tambem a essa recepção do sr. Fontes. Não levei escudo nem lança, porque não se tratava de uma expedição cavalleirosa; fui e fomos simplesmente nos wagons do caminho de ferro receber um amigo que voltava de terras estrangeiras, um homem d'estado, um companheiro politico que respeitei sempre: E se mais tarde a indicação do parlamento mostrou que o sr. Fontes era o homem mais competente para substituir a administração a que v. exa. tão honradamente presidiu, eu não occultei n'essa occasião a minha opinião a esse respeito.
Eu disse que o sr. Fontes tinha subido ao poder, ou tinha entrado n'elle (porque eu não sei se se sobe quando se entra, sei que mal refletem os que sobem ou entram como triumphadores, porque as responsabilidades do poder são serias, e a serio devem tomar-se), que tinha subido ou entrado, repito, em condições perfeitamente constitucionaes. Entendi isto então; e hoje entendo que nas condições actuaes seria ainda mais constitucional a saída do governo do que foi a entrada.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - É conforme.
O Orador: - Não sei de quem vem o aparte. Conformo, de certo. Trataremos d isso opportunamente, e, quando se tratar darei a resposta, e esteja o digno par convencido que todas as respostas têem resposta.
Sr. presidente, áparte o sentimentalismo, que não cabe n'este logar... guardemos o sentimentalismo para ás relações particulares de amigo para amigo; ahi, sim, é que elle tem cabida; não tratamos aqui de amisades pessoaes; essas creio que estão intactas; creio que o estão os sentimentos de velha amisade do sr. presidente do conselho para commigo (O sr. Presidente do Conselho: - Apoiado.); e n'esta occasião observarei apenas ao sr. Fontes, que, se se referiu a mim quando fallou de um amigo, que tanto na mi
Página 246
246 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
nha vida de homem publico como de homem particular lhe tenho provado sempre a larga estima, a consideração, a dedicação de amigo leal, que vale mais que a de irmão.
Permittam-me os meus collegas que eu aqui me refira a uma phrase, que já se tornou historica, de um soberano que ha poucos annos morreu no desterro.
Conta-se que o Imperador Napoleão III, quando o Imperador de um paiz poderoso lhe mandou embaixador, e na carta credencial usou a formula do estylo amigo e, irmão, dissera aos conselheiros, que estranhavam o facto: "Não importa, honro-me com isso, porque cada um escolhe os seus amigos e não escolhe os seus irmãos." (On choisit ses amis, on ne choisit pas ses freres.) Eis aqui porque eu prezo mais a amisade do amigo, que nos considera e aprecia as qualidades que podemos possuir, do que a de irmão, que muitas vezes se fundamenta apenas nos laços de sangue, que podem representar a tradição; mas que tambem circumstancias accidentaes podem tornar menos apertados, se esses laços não se firmam nos transes da vida com a mutua estima o consideração.
Deixemos, porém, este assumpto, que não vem para o caso.
Nada de sentimentalismo nas questões politicas. Para cumprir os nossos deveres não precisamos obedecer aos impulsos do coração. Nem carecemos na vida moderna de imitar a dureza de Lucius Junius Brutus, o qual não hesitou, pela salvação da patria, em sacrificar os proprios filhos, subordinando ao dever patriotico os mais puros affectos do coração.
Não se traia de taes sacrificios, que excedem a força normal da consciencia humana; não se trata de votar á morte nem filhos, nem amigos; trata-se de discutir, de examinar, de pôr acima das affeições individuaes, no rigoroso exame das responsabilidades politicas, os deveres que estão inherentes ao nosso cargo de membros do parlamento.
Sr. presidente, responderei brevemente a algumas das observações apresentadas pelo sr. presidente do conselho, sobre a nomeação de pares, com relação á qual o illustre ministro não fez mais do que repetir agora as mesmas tres rasões, já anteriormente por elle produzidas, e a meu ver completamente improcedentes e contrarias a tudo quanto prescreve o direito constitucional, philosophico e positivo, e improprias para justificar um acto que praticou em opposição ao espirito da constituição, e ainda mais, ao espirito da lei organica do pariato.
Antes de responder a esse ponto capital, e visto como o nobre ministro teve a nimia condescendencia de ceder do uso da palavra sem levantar algumas das mais graves considerações produzidas pelo digno par, o sr. Miguel Osorio, com as quaes não estou de accordo, permitta-me a camara que eu, como homem publico, embora não tenha a honra, nem a deseje, de sentar-me n'aquelles logares (o orador aponta para as cadeiras do ministerio), diga ao meu amigo e collega da opposição os pontos principaes em que não estou de accordo com as suas opiniões. Um é em relação ao registo civil; o outro em relação á attitude de uma certa imprensa, ás consequencias d'essa attitude e aos effeitos politicos que d'ella se podem derivar.
Eu não traria esta ultima questão á camara; mas uma vez que foi trazida, moderadamente, e sem lhe dar mais largas do que o caso exige, direi alguma cousa com relação a esse ponto gravissimo.
Em primeiro logar, porém, quanto ao registo civil. Eu reputo conveniente que elle seja estabelecido nos termos do codigo civil. Não creio que seja esta uma questão de tal urgencia, e de tão immediata necessidade, que periguem os interesses da patria se ella for algum tempo estudada, para ser mais convenientemente resolvida.
Não tenho receio, nem como portuguez, nem como catholico, que me prezo de ser, de que o registo civil seja estabelecido nos termos do codigo. Nem é contrario ao dogma, nem aos preceitos disciplinares da igreja, nem aos seus interesses.
O que eu desejo é que se não tome o registo civil como pretexto para deixar, era um paiz catholico, o clero privado de dotação. Não quero que se tire inteiramente a dotação ao clero. Sou partidario da liberdade dos cultos; entendo que a necessidade religiosa é uma necessidade social, e, porque o entendo, admitto, como na França e na Bélgica, onde a liberdade dos cultos está francamente reconhecida, que os cultos admittidos e reconhecidos pelo estado sejam subsidiados por elle.
Aqui tem o meu nobre amigo o meu modo de ver na questão de que se occupou.
Não tenho repugnancia alguma ao registo civil, torno a repetil o, mas de modo nenhum concordo que elle seja estabelecido por fórma precipitada, e que, a pretexto de urgencia, se prejudique a dotação do clero.
Desde que elle seja estabelecido, como universal e obrigatorio, é preciso procurar logo os meios de dar ao parocho os rendimentos de que ha de ficar privado com o estabelecimento do registo. Procurem-n'os onde melhor os encontrarem.
Passando ao outro ponto, a que se referiu o meu nobre amigo, o sr. Miguel Osorio, eu não desejo incriminar ninguem. Não desejava mesmo que tal assumpto se levantasse; preferia que se esquecesse.
Sinto que se recordassem aqui as demasias de uma imprensa pouco justa, completamente injusta, que tem atacado quem não póde nem deve ser atacado.
Eu não queria levantar a questão, nem tencionava fazel-o; mas encontrando-a no meu caminho, não recuo diante d'ella.
Do facto, sr. presidente, d'esse facto que lastimo, eu não posso tirar as inferencias que tirou o meu nobre amigo, e ainda menos posso desculpar em vista d'elle o procedimento do sr. presidente do conselho.
Não. Não concordo. Não comprehendo, nem approvo a falsa tolerancia, nem a resignação da debilidade perante a injustiça e a gravidade da offensa.
Eu só comprehendo n'este momento tres caminhos a seguir - transigir, resistir, ceder.
Mas um governo não póde, nem deve nunca ficar impassivel perante taes factos.
Um governo não deve nunca supportar que as leis do paiz sejam menosprezadas e ludibriadas em ponto tão importante. Isso nunca. Persista, portanto, ou ceda, se não póde transigir rasoavelmente, como o deveria ter feito em tempo.
Callar-se, soffrer, ou antes por commodidade propria deixar soffrer a corôa, isso nunca, nunca!
Nada mais tenho a dizer sobre este ponto, e lastimo que o sr. presidente do conselho não tenha entendido o seu dever n'esta grande simplicidade, nem considero explicavel o seu procedimento ha um anno, a esta parte, sobre ponto tão importante.
Tolerar, como governo, o procedimento que observámos, toleral-o com indifferença, assistir a elle impassivel, não, nunca, mil vezes não. (Apoiados.)
Aqui tem o sr. presidente do conselho o facto principal que decidiu a minha profunda divergencia, a causa principal porque estou na opposição.
Eis como um governo, constitucionalmente nomeado, se collocou pela debilidade do seu proceder em condições anormaes, em que não póde sustentar-se sem offensa da dignidade do poder que representa...
O sr. Visconde de Chancelleiros: - São as consequencias da restauração.
O Orador: - Essa é a opinião do digno par; elle a sustentará; eu manifesto, e sustento a minha.
Não entendo que seja precisamente consequencia da restauração dos ministros em 1878.
Não a approvei. Se me consultassem, não aconselharia
Página 247
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 247
que se formasse o gabinete com os mesmos elementos, mas que fosse organisado com elementos diversos, em grande parte do pessoal, e principalmente com grandes modificações no systema administrativo.
Não fui consultado.
Quanto a ser chamado o sr. Fontes a formar gabinete, nada tenho a dizer em contrario, e nada diria se Elle tivesse seguido uma politica mais correcta.
Não lhes havia crear nenhum embaraço, se elles a si proprios os não tivessem creado e aggravado.
Respeito os srs. ministros; respeito os e considero-os todos, e até alguns me devem, antiga amisade, como acontece com o sr. ministro dos negocios estrangeiros, cujo talento e saber me merece grande conceito.
Pela minha parte, tenho respondido, como me cumpria, e quanto em, mim cabia, sem offensa ou injuria, ás observações apresentadas pelo digno par, sr. Miguel Osorio, e com as quaes não concordei.
Sr. presidente, visto como o sr. presidente do conselho se occupou principalmente, entre as questões politicas, da nomeação de novos pares do reino, vou inverter a ordem em que tencionava apresentar as minhas considerações, para, mostrar á camara que tenho de ha muito opinião formada a este respeito, e que plenamente a mantenho.
O sr. presidente do conselho sabe que esta minha opinião está formada desde que o governo resolveu nomear alguns pares. Sabe-o perfeitamente, porque viu escripta esta opinião, e assignada com o meu nome. Não a inventei agora, não a trouxe improvisamento n'este momento, nem é resultado de exaltação, porque não me exalto; e felizmente sinto o moral e o physico em perfeito equilibrio. Podem dizer o que quizerem; tenho demasiada rasão para não me exaltar.
O sr. presidente do conselho sabe melhor do que ninguem, que a minha opinião foi formada logo que foi convocado um alto corpo do estado, porque lhe foi transmittida em um papel, que lhe foi presente.
Eu estava longe d'aqui, e não podia conversar com o sr. Fontes, mas creio que valia a pena que conversasse a tempo com os seus amigos a este respeito. (Apoiados.) Commigo não conversou.
Manifestei por escripto a minha opinião, e esta era contraria á nomeação. Está escripta em uma carta, foi repelida em logar competente, e vae sel-o agora aqui.
Tres são as rasões com que o sr. presidente do conselho pretendo justificar a proposta ácerca dos nomes de sete cavalheiros, aliás muito dignos e respeitaveis, para serem elevados á dignidade de pares do reino. As rasões que apresentou agora são as mesmas que apresentou n'outra occasião.
Nenhuma destas rasões me convence, e parecem-me contrarias á doutrina, constitucional.
Primeira rasão: - que não infringiu nenhuma lei.
Sr. presidente, todos sabemos perfeitamente que se não infringiu a letra da carta constitucional nem a da lei organica d'esta camara; mas, uma cousa é a letra, outra o espirito das leis.
Que confusão esta entre attribuições e o uso que se faz d'estas attribuições!
Pois o sr. ministro do reino não tem as attribuições de nomear livremente os governadores civis? Supponhamos, por hypothese, que o governo nomeia para governador civil um homem que tinha sido condemnado por crimes atrozes.
Póde s. exa. justificar-se d'este acto, dizendo que estava dentro das suas attribuições? Sr. presidente, eu não quero citar factos, e o que apresento é, como disse, puramente hypothetico, mas talvez se de alguma cousa analoga.
Talvez pelo ministerio do reino se tenha consentido a um professor do instrucção secundaria e director de collegio, para ensinar, quando este homem cumpriu pena por crimes infamantes, talvez se de este facto, e peço ao sr. presidente do conselho que recommende á attenção do sr. ministro do reino o que venho de citar e indague se o facto se deu ou não pelo seu ministerio. (Vozes: - Ha outros.)
De um sei eu, e sabe-o um meu illustre amigo, que se senta no banco atraz das cadeiras dos ministros.
Sr. presidente, uma cousa são as attribuições, outra cousa é o uso que d'ella se faz; e os governos não são julgados só pelo que lhes compete, mas pelo que praticam.
Segunda rasão: Que não se tratava de modificar a maioria d'esta camara.
Quando a camara electiva está em antagonismo com a camara hereditaria, é então que as indicações constitucionaes permittem, em restrictos casos, que seja modificada a maioria d'esta casa; é n'essas circumstancias que justamente se deve lançar mão d'este recurso extremo, e é por isso que os pares não são em numero fixo.
Foi precisamente para prevenir um desaccordo entre as duas casas do parlamento, quese não limitou o numero de pares.
Quando as indicações externas levem a crer que a opinião publica acompanha o sentimento da outra camara, é n'essa occasião que se devem nomear pares; e segundo uma phrase de que se tem usado largamente, e de que eu não quero usar, é então occasião de se nomearem por junto ou por atacado.
Não se trata de saber quantos dignos pares morreram; sentimos muito a sua morte, mas não se trata d'isso; não se trata de nomear por cada par fallecido outro par, como se praticaria no recrutamento; porque neste caso póde-se applicar uma phrase que não é minha, mas que é extremamente feliz: "A morte ceifa ao acaso, e o governo escolhe á vontade."
Se o sr. presidente do conselho estava certo que tinha maioria n'esta casa, para que propoz novos pares?
Repito, esta minha opinião é sempre pondo de parte as qualidades muito elevadas dos individuos em quem recaiu a nomeação, porque achei completamente inopportuna a nomeação por atacado. Se cada um tivesse entrado successivamente, hoje um, ámanhã outro, ou mais algum, não se estranharia, mas por junto, por atacado...
(Interrupção do sr. bispo de Vizeu que não se ouviu.)
Isso é do officio de padeiro; póde tratar-se nas questões do pão, que não estão na moda, no sentir do governo, mas que são das mais opportunas.
Taes nomeações por junto, sem necessidade politica que as determine, estão fóra, se não da letra da carta, pelo menos, do seu espirito; e mais ainda, fóra do espirito da lei organica que ha um anno votámos, regulando rasoavelmente a prescripção da carta.
Vou demonstrar o terceiro ponto, contrariando o terceiro argumento com que o sr. presidente do conselho pretendeu justificar o seu acto.
Esto fundamento é o mais contraproducente, porque o sr. presidente do conselho interpretou erradamente as intenções, não digo já do humilde auctor do projecto, que nunca entendeu o projecto assim, e se o entendesse por tal modo não o teria apresentado, mas d'esta camara e da outra, porque esse projecto é hoje lei do estado. Eu rectificarei quaes foram essas intenções, e qual o verdadeiro sentido da lei.
A lei organica do pariato restringiu, e verdade, a entrada nesta casa em virtude do principio hereditario.
É perfeitamente exacto que foi esse um dos nossos intuitos, porque uma das criticas que mais geralmente se fazia á organisação d'esta casa do parlamento, critica theoricamente verdadeira, embora na pratica tivesse menos importancia do que se lhe clava, era a facilidade com que, ainda depois das disposições da lei de 1845, se entrava n'esta casa pelo principio da hereditariedade.
Dizia se com rasão, na apparencia maior do que na realidade, que na Inglaterra se comprehende o principio da
Página 248
248 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
hereditariedade; mas na Inglaterra as leis civis muito ajudam a conservação da propriedade na familia, que é um elemento de força e riqueza, embora não haja ali morgados, porque na Inglaterra a aristocracia é uma grande realidade, não a aristocracia puramente de raça, porque essa aristocracia quasi acabou em toda a parte. Lord Beaconsfield, por exemplo, esse grande homem d'estado, que de certo não representa a aristocracia de raça, é um membro importante da aristocracia ingleza, apesar de uma origem nada aristocratica. Mas a aristocracia ingleza é uma força real na sociedade, porque tem muita propriedade e muita illustração, e os lords educam já os seus filhos para homens d'estado.
Entre nós não acontece precisamente o mesmo, nem acontecia já quando a carta foi outorgada. Entre nós a aristocracia, embora representasse gloriosas tradições, que eu respeito, porque não desprezo nenhuma boa tradição, ainda que essa tradição, no sentir estreito de alguns, não esteja em perfeita concordancia com o chamado espirito do seculo, e porque eu considero as tradições gloriosas como um incentivo para que os homens novos sigam os exemplos aos seus maiores, a aristocracia entre nós, digo, não era igual á de Inglaterra, e estava já em decadencia.
É verdade que tinhamos os morgados, os vinculos, mas estes serviam para arruinar a aristocracia, porque o vinculo é a negação da liberdade de testar, emquanto o praso de livre nomeação era inteiramente o contrario. (Apoiados.) A liberdade de testar é a confiança no poder paternal, o vinculo é a negação d'essa confiança. (Apoiados.)
O codigo civil não mostra demasiada confiança no poder paternal, e eu sinto que não a mostrasse (Apoiados.) como sinto que tivesse acabado com os prazos de livre nomeação e com a subemphyteuse.
Eu não sei se estas questões são mesquinhas, pequenas, insignificantes, rachiticas; mas, permitia-me a camara que me occupe d'ellas, e que por alguns momentos prenda n'ellas a attenção demasiadamente benevola dos que me escutam. Eu entendo que os vinculos foram bem abolidos; mas, repito, sinto quer fossem os prazos de livre nomeação, porque estes representam a liberdade de testar. (Apoiados.)
Ninguem ignora que na provincia do Minho uma grande parte da propriedade era constituida em prazos de livre nomeação, e essa provincia é a parte mais rica e mais formosa do nosso paiz. Bem sei que ha outras cousas de superioridade economica d'aquella provincia; ha a abundancia de agua e de estrumes, e quem tem muitos estrumes tem muitos pastos, e quem tem muitos pastos póde ter muitos gados.
Bem sei que estas questões para aqui não prestam, o que presta é a questão de saber quem ha de estar no governo. (Riso - Apoiados.)
Que importa isso?
Que importa os porquês da riqueza ou da miseria das provincias do reino?
Pois bem, eu creio que o Minho não se dava mal com os prazos de livre nomeação, como não se dá mal com as suas abundantes e feritlissimas aguas e com os seus excellentes pastos; e por isso sinto que o codigo tivesse acabado com os prazos de livre nomeação, e tambem com a subemphyteuse, e tambem com os laudemios nos emprazamentos de futuro, pois que, sem faculdade de estabelecer laudemio, nenhum incentivo tem o proprietario para aforar, sendo como é o aforamento o meio mais conducente a tornar o proletario proprietario, e conseguintemente a desamortisar a propriedade.
Isto que a rasão está ensinando é tambem o que ensina a nossa historia patria.
E a emphyteuse foi por isso, era valiosos escriptos, sustentada e defendida por um sabio, que já não existe! Foi sustentada por um vulto grandioso, a quem Portugal inteiro prestou tributo de respeito pela sua abnegação; historiador dos mais illustres entre os do nosso tempo e de todos os tempos, historiador entro todos rarissimo, pois que, foi elle ao menino tempo o monge que desenterra e traduz os pergaminhos damnificados pelo pó dos seculos, o claro narrador dos feitos de antigas eras, e o critico, o phiiosopho que agrupa os factos, que os condensa e systematisa, e d'elles deduz as leis que no seu progredir regem a humanidade. E alem d'isto, Alexandre Herculano, era mais ainda; era a probidade, a austeridade, a honradez personificada. (Apoiados.)
Veiu tudo isto para dizer que a nossa legislação civil, tal qual foi em outros tempos, e mais tal qual hoje se encontra, é de certo menos favoravel, do certo acompanha menos correctamente o principio da hereditariedade do pariato, do que o acompanha a legislação ingleza.
É claro, portanto, que grande parte de rasão assistia aos que impugnavam entre nós o principio da hereditariedade, não o encontrando em condições analogas áquellas em que se encontra na Inglaterra.
A camara dos pares não esperou pelo espirito do seculo, como imprudentemente disse este governo em 1872; não esperou que esse espirito do seculo lhe descarregado o machado reformador; a camara dos pares tratou de se reformar a si propria, seguindo o exemplo do veneravel D. Fr. Bartholomeu dos Martyres, que aconselhava aos principes da igreja no concilio de Trento: "Comecemos por nos reformar a nós mesmos, porque os reverendissimos cardeaes e os reverendissimos prelados precisam uma reverendissima reforma".
Foi o que nós fizemos, sem sermos cardeaes nem prelados. Para estarmos em maior concordancia com as idéas do progresso, reformarão nos; não precisando que o espirito do seculo viesse aqui peia porta dentro o nos manda-se embora para sermos substituidos por outra camara organisada segundo o principio electivo, principio a respeito do qual tenho grandes duvidas que possa sempre significar a independencia do eleito e a expressão da livra o razoavel vontade do eleitor, duvidas que hei de manifestar, quando me referir ás eleições de deputados ultimamente feitas em Castello Branco, Belem, Torres Vedras, Arruda e n'outros pontos do paiz.
Ha de ser-me permittido, como sempre foi, entrar na discussão d'esse assumpto. Não tratarei da validade d'essas eleições, porque é negocio da competencia da outra casa do parlamento; mas tenho direito de apreciar a responsabilidade do governo pelos actos que n'ellas o por causa d'ellas praticou.
Não cedo um palmo nem uma linha das minhas attribuições como membro d'esta camara, por mais respeitavel que seja o caracter do individuo que n'essa parte me contrarie.
Não olvidei ainda as tradições e os procedimentos do conde de Lavradio, do conde da Taipa, do marquez de Sá, do duque de Palmella, de Rodrigo da Fonseca, e do outros tantos que se occuparam de questões similhantes quando tratavam de apreciar a politica geral do seu paia, e quando impugnavam energicamente, a todo o transe, a situação politica presidida pelo sr. conde de Thomar, situação com que a actual tem grandes analogias, salva a energia da palavra e a energia da acção.
(Movimento do sr. presidente do conselho.)
Sim, porque a energia da palavra vem da energia das convicções, e corresponde á energia da acção. Seria esta, sem convicções profundas, a palavra póde ter abundante e sonora; energica nunca.
Portanto, não retiro a phrase. O sr. conde de Thomar, estadista notavel, revelou grandes qualidades de homem de governo, mas teve tambem a cegueira do poder, deixou-se allucinar pelo seu demasiado espirito conservador de si mesmo. (Apoiados.)
N'isto é que eu vejo a analogia com a situação actual.
O espirito da lei, restringindo na applicação o principio hereditario do pariato, foi acrescentar a força moral, o va-
Página 249
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 249
lor politico d'esta camara; e portanto não podia auctorisar o alargamento das nomeações de membros para esta camara, ao arbitrio do governo, sem necessidade politica, por junto, em massa, nas vesperas da abertura do parlamento, como indicou e pretendeu o sr. presidente do conselho.
Ao contrario, o espirito d'essa lei era justamente revestir esta camara de maior auctoridade e força moral, tanto pelo que respeita ao principio de hereditariedade, como pelo que toca á faculdade da nomeação, porque isso convinha, não a nós, mas aos interesses publicos. Não a nós, porque se um dia nos mandar d'aqui embora a evolução ou a revolução, podemos ir tranquillos na nossa consciencia para os nossos lares, para o seio das nossas familias, occupar-nos dos nossos campos; mas nos interesses publicos, porque se estes interesses estão essencialmente ligados ás instituições, porque estão presos á manutenção do principio monarchico-constitucional, porque é uma verdade tambem, ser extremamente perigosa a utopia formulada no programma de Lafayette, que pretendia cercar a monarchia de instituições republicanas.
E assim o creio e digo, porque é minha convicção que a monarchia constitucional é o systema que mais nos convem na actualidade, e por um tempo que excede as humanas previsões.
Póde este systema não ser aquelle que possa servir d'aqui a cem ou duzentos annos (e eu lamento os espiritos que voando tão longe nos seus prognosticos de futuro, descuram o presente ou o estragam); mas hoje é uma necessidade para este paiz, porque esse systema está essencialmente ligado á conservação da nossa independencia como nação, á existencia da nossa nacionalidade.
É indispensavel, pois, que o principio monarchico-constitucional se ache cercado d'aquellas instituições que são seu natural anteparo, e que não se oppõem ao progresso natural das idéas, quando essas idéas tendam a modificar o modo de ser das sociedades, em vista das sociedades novas, e não a subverter e arruinar os sãos principios que as regem.
Por consequencia, a conservação d'este corpo politico que nós aqui representamos, corpo conservador das instituições e não dos individuos, bem como a de outros corpos politicos, como o conselho d'estado, e os mais que representam esses principios conservadores das instituições, é de alta conveniencia para a monarchia constitucional, mantidos que sejam na altura que lhes compete; e tanto mais o é, que, nos, tempos que correm, o tal chamado espirito do seculo se introduz ás vezes, de uma maneira demasiadamente sorrateira nas nossas instituições, sob a fórma de opportunismo. E d'isso é que eu tenho receio, pois d'aquelles que dizem francamente a sua opinião, que declaram sem disfarce donde vem e para que vem, d'esses não temos que nos acautelar, porque são adversarios nobres e leaes, não se introduzem no nosso campo, como desleaes alliados.
Esses não fazem emboscadas, como os outros, que não acceitam os nossos principios, mas que acceitam do governo a protecção nas suas eleições, a protecção nos seus empregos, a protecção nas suas influencias.
Esses não recorrem, ás ciladas para destruir as nossas instituições, mas atacam cavalleirosamente á viva força.
Sr. presidente, a hora está a soar, não sei o que v. exa. determina, se devo continuar ou pôr termo aqui por hoje ás minhas observações. Entretanto, e visto o silencio da camara, ainda direi que houve uma circumstancia incidental no debate, que me provocou a pedir a palavra, mas que não foi esse incidente que me obrigou a tomar parte n'esta discussão. A camara sabe que eu desde o principio revelei o intuito em que estava de entrar n'esta discussão. Nunca disse o contrario, e ninguem de boa fé o, podia entender das expressões que proferi aqui, tratando um incidente, e nem podia falsear esse intuito, como o falsearam extractos menos correctos de alguns jornaes, e se asseverou nos commentarios ainda menos correctos de certos boletineiros ao serviço do governo:
Eu nunca disse que não havia de tomar parte na discussão da resposta ao discurso da corôa; antes sempre mostrei o proposito contrario.
Talvez, porém, não tivesse pedido a palavra n'este logar, se não fosse uma referencia do meu illustre amigo, o sr. Costa Lobo, por quem tenho muita sympathia, e que admiro pelo, seu talento e intelligencia, a respeito de uma situação que terminou em fins de 1867, ou antes em principios do anno de 1868. O digno par disse que o ministerio d'aquella epocha tinha fugido do poder.
Tratarei de mostrar que a phrase não foi fiel á historia, nem perfeitamente exacta.
Não foi esta circumstancia incidental que me determinou a intenção de tomar parte no debate; a intenção estava feita desde que tive a honra de assignar este documento, este compendio de sabias doutrinas, magistralmente redigido pelo meu nobre amigo, o sr. Mártens Ferrão.
Não era possivel, não se podia seguir agora o exemplo de epochas em que se votava a resposta ao discurso da corôa como um mero comprimento. Cada epocha tem suas necessidades. Para se apresentarem taes argumentos de analogia, é necessario mostrar que ella existe entre as epochas que se comparam. Algumas vezes pôde-se proceder assim; hoje não.
A vista dos actos politicos do governo, do estado da fazenda publica, e de muitas outras circumstancias, seria proprio d'esta casa, quando se lhe apresenta um documento d'esta ordem, limitar-se a um mero e simples comprimento á corôa? Pois a corôa não merece mais? Não lhe devemos mais do que uma solemnidade? Cumprimos o nosso dever levando-lhe apenas uma homenagem, uma côrtezia?
Eu creio que ella merece mais, e que nós devemos-lhe mais; levemos-lhe esta exposição de doutrinas aqui compendiadas pela reconhecida intelligencia e larga proficiencia do sr. Mártens Ferrão.
E devemos á corôa esta. exposição, e devemos ao paiz os devidos commentarios, porque tão arredados andam os conselheiros responsaveis da corôa da boa doutrina constitucional, que a cada passo é licito e opportuno relembraria.
Este documento, que eu tenho presente, não contem censuras ao governo, mas ainda menos contem a approvação dos seus actos. Esta é a verdade toda.
Se contivesse a approvação de todos os actos do governo (e digo todos, porque alguns tem com respeito á polica externa), se contivesse uma approvação completa de todos os seus actos politicos, não o tinha eu assignado.
Não contém, pois, este documento, nem approvação, nem censura, contém doutrina, e esta doutrina é opportuna, é correcta, é santa.
Eu disse, em certa occasião, que a consulta do sr. Mártens Ferrão, ácerca de uma concessão no ultramar, merecia ser esculpida em bronze.
Sem repetir agora a phrase, porque não é preciso, nem devo estimal-a tanto que a repita á camara, direi que tambem n'este documento está, tanto quanto é preciso, a demonstração de quanto vale o conselho d'aquella recta intelligencia, que os ministros da corôa nunca deviam deixar de procurar e ouvir, e que, tanto os actuaes, como os que podem vir a sel-o, deveriam acercar-se d'aquella consciencia recta, ouvirem a sua doutrina e seguirem o seu auctorisado parecer.
Sr. presidente, se é licito aferir por este documento, que se está discutindo, os actos e omissões do governo, muitos ha pelos- quaes, á luz de tão sã doutrina, o governo está condemnado, perfeitamente condemnado, como tratarei de mostrar na sessão seguinte, visto como hoje não chega o tempo.
Antes de terminar por hoje peço licença para me referir
Página 250
250 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
ainda ao incidente de que se occupou o digno par, o sr. Costa Lobo.
Estava elle no seu direito de provocar explicações as mais amplas, mesmo com relação a epochas anteriores de quaesquer actos da vida publica dos homens politicos, que em todo o tempo devem responder pelos seus actos a todas as perguntas que se lhes façam, porque as responsabilidades de vida publica existem sempre, e por ellas se deve responder publicamente e sem allegação de prescripções.
Sr. presidente, limito-me hoje aqui, pedindo a v. exa. me reserve a palavra para a proxima sessão.
O sr. Presidente: - Deu a hora. A primeira sessão terá logar ámanhã, 15 do corrente, e a ordem do dia a continuação da de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 14 de fevereiro de 1879
Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Arcebispo de Braga; Bispo Conde de Coimbra; Condes, de Avillez, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, do Farrobo, da Fonte Nova, da Louzã, de Porto Covo, da Ribeira, de Rio Maior, da Torre, de Bertiandos; Bispos, do Porto, de Vizeu; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Asseca, de Bivar, de Chancelleiros, dos Olivaes, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Sagres, de Seabra, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Carlos Eugenio, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Silva Torres, Maldonado, Moraes Pessanha, Andrade Corvo, Mamede, Pestana, Martel, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, José Lourenço da Luz, Camara Leme, Castro Guimarães, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Dantas, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Serpa Pimentel.