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182 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Eis O que dispõe a nova reforma do codigo administrativo, proposta pelo governo.

Já vê pois que o pensamento do sr. ministro do reino não é o da arrematação, e parece que o que se devia fazer, para não aberrar daquella doutrina, era applicar o regulamento do real de agua de 29 de dezembro de 1879, que organisa a fiscalização para a cobrança do imposto pela administração directa do estado.

Ora o que o sr. ministro da fazenda faz, dando esta administração a particulares e cobrando o estado só o preço da arrematação, está em contradição com o projecto do codigo administrativo. (Apoiados.)

E para isto foi s. exa. achar argumento, e é o argumento capital com que se pretende sustentar este projecto, no facto apontado no relatorio do sr. Mello Gouveia, do que numa ou noutra localidade, onde as camaras municipaes tinham arrematado algumas taxas de consumo, o rendimento havia sido proporcionalmente maior do que o obtido pelo estado, por este ter uma fiscalisação menos eficaz.

Pois não seria preferivel e mais indicado, em vez de recorrer ao vicioso e vexatorio systema da arrematação, tratar de melhorar a fiscalisação para o thesouro poder assegurar um rendimento maior da cobrança do imposto?

A camara de Vallongo, por exemplo, cobrou proporcionalmente mais por arrematação que o governo por administração, logo aquela é preferivel a esta; não se organise a fiscalisação propria, que não existe, nem está portanto experimentada; a grande machina para expremer o povo é o arrematante; abandonemos a fiscalisação e venha esta prensa hydraulica, resuscitemos a rotina do antigo regimen. Fora disto não ha salvação para o thesouro exhausto.

Tal é o admiravel sorites, em nome do qual se vae destruir um dos principies mais racionaes da administração publica, em vez de discutir as rasões pelas quaes a arrematação deu mais em certas localidades.

Não se investigou se é porque a fiscalisação do estado era nulla e a das localidades melhor; não se viu se a s taxas geraes vinham sobrepor-se ás do municipio e aggravar demasiado certos generos, sobretudo aquelles cuja producção havia escasseada: nada disto se quiz saber.

O mais commodo, o mais agradável para o sr. ministro, é declinar todo o trabalho e toda a responsabilidade de executar o regulamento de 29 de dezembro de 1879; entregando os contribuintes aos vexames e ás extorsões do arrematante de odiosa recordação.

Os povos sofrerão moléstia, e o thesouro desfalque; que importa!

A conclusão a que chegou o sr. Mello Gouveia no seu relatorio foi porventura aquella a que chegou o sr. ministro da fazenda, seguindo as doutrinas auctorisadas da camara de Vallongo?

Não. O sr. Mello e Gouveia o que disse foi, que a fiscalisação se não tem organisado regularmente, mas que, estabelecida nas devidas condições, em logar de 800:000$000 réis, deve o real de agua produzir o dobro, isto é, réis 1.600:OOO$OOO.

Aqui está o que disse o sr. Mello Gouveia no seu relatorio, onde chegou a uma conclusão inteiramente diversa daquella que tira o sr. ministro da fazenda. (Apoiados.) Não é do facto de uma camara municipal, duas ou tres, ou quantas são, tirar partido mais vantajoso de uma taxa menor, que se deve concluir que é preferivel dar este imposto por arrematação.

O facto é que a administração está hoje em uma verdadeira anarchia, e assim ha de continuar.

Allega-se que a arrematação é legal, e que as camaras recorriam a ella. Não reputo procedente esta argumentação.

O codigo administrativo vigente auctorisa AS camaras no artigo 103.° n.° 6.° a lançar, nos termos deste codigo, contribuições directas e indirectas para occorrer ás despezas dos concelhos, mas não estabelece em parto alguma a arrematação, como systema de cobrança facultativa. Pelo contrario, no artigo 125.° prescreve que os rendimentos e contribuições municipaes, serão arrecadados, em regra, da mesma forma que os do estado.

Ora a lei do real de agua de 4 de maio de 1878, vigente, dispõe, § unico artigo 2.°, que as camaras poderão fazer cobrar nas barreiras os seus impostos de consumo, pagando ao estado a parte correspondente das despezas de fiscalisação.

Não se auctorisa a cobrança por arrematação, nem della se trata. Se o governo por falta do regulamento daquella lei não estabeleceu as barreiras, fica a cobrança entregue á regra geral de ser feita da mesma forma que a do estado que, segundo o artigo 125.° citado? não admitte a arrematação.

Cita-se como decisivo e fulminante o artigo 370.° do codigo administrativo, diz elle: "serão feitos em hasta publica, precedendo editos, pelo menos de vinte dias, os contratos de alienação arrematação de rendimentos, empreitadas e fornecimentos, em que forem interessados a junta geral do districto, a camara municipal ou ajunta de parochia" pretende-se que a expressão rendimentos abrange impostos, mas isso não parece exacto, porque o artigo 120.° citado quando falla da cobrança, distingue rendimentos de contribuições municipaes, e o artigo 103.° n.° 12.°, quando auctorisa as camaras municipaes a contratar com emprezas individuaes ou collectivas a execução de quaesquer obras, serviços ou fornecimentos do interesse do concelho, não comprehendeu a arrematação de impostos.

Esta é que é a doutrina estabelecida pelo codigo, e portanto a regra é que a cobrança dos impostos ha de ser feita pelo estado, e quando o seja pelas localidades deve ser pela mesma forma, isto é, por administração propria, e directa.

Porque é que continuou a pratica das arrematações?

Porque faltou o regulamento da lei de 4 de maio de 1878, que estabelecesse os meios pelos quaes as localidades cobrariam por intermedio da fiscalisação do estado os seus impostos de consumo. Forçoso foi pois tolerar a pratica estabelecida, por falta de providencias por parte do estado.

Portanto o que existe é uma pratica, e não um principio prescripto pela legislação. Não foi pois a lei que o estabeleceu, mas uma necessidade, filha das circumstancias.

O sr. ministro da fazenda disse outro dia, que a idéa por mim apresentada, de limitar as faculdades tributarias das localidades, já estava consignada no projecto do novo codigo administrativo, que o seu collega do reino tinha submettido á apreciação da camara dos senhores deputados.

Eu li com muita attenção esse projecto de codigo, e vi que lá estava introduzida essa disposição, que está de accordo com a boa doutrina; mas o que é necessario é que essa disposição se torne efectiva, quer dizer, que se harmonisem as finanças locaes com as do estado.

N'esta parte estou de accordo com o projecto do novo codigo, mas não posso dizer o mesmo em relação a muitas das suas disposições. E advertirei agora de passagem, que elle, ostentando ser descentralisador, é muito mais centralisador do que o actual, porque muitas das attribuições que até hoje pertenciam ás localidades, vão passar para o estado, e tira ás juntas geraes a tutela que exerciam sobre as camaras municipaes, para a fazer passar para o poder central.

Não discutirei agora esse projecto, porque não é occasião propria; mas se aqui vier, hei de discuti-lo amplamente, e provar que elle é mais reaccionario do que liberal.

Com relação ao assumpto que se discute, esse projecto de reforma do codigo administrativo diz no artigo 133.° o seguinte:

"Art. 133.° Os addicionaes ao real de agua são cobrados cumulativamente com o imposto do estado; para a cobrança dos demais generos apropriarão as camaras os regulamentos geraes pagando a sua fiscalisação."

Vê-se pois que o sr. ministro do reino, no seu systema.