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N.º 25
SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares, Eduardo Montufar Barreiros, Conde da Ribeira Grande.

SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente.- A correspondencia é enviada ao seu destino. - Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 23. - Discursos dos srs. conde de Valbom e Barros e Sá.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 31 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da guerra, remettendo 60 exemplares da estatistica geral do serviço de saude do exercito, relativa aos annos economicos de 1875-1876 e 1876-1877, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho e ministros da fazenda, marinha e reino.)

O sr. Vasconcellos Pereira Coutinho: - Sr. Presidente, o sr. bispo de Vizeu encarregou-me de participar a v. exa. e á camara, que o estado gravo da sua saude o tem impedido de comparecer ás sessões, o que fará logo que melhore.

O sr. Presidente: - Se nenhum digno par tem a mandar para a mesa pareceres de commissões, vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer n.º 23.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Valbom.

O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente, sou levado a fallar pela segunda vez sobre o assumpto em discussão para responder ao sr. ministro da fazenda, que tratou, com a habilidade que lhe é propria, de combater algumas das minhas asserções e de me collocar numa situação desfavoravel.

Usarei da palavra exactamente nas mesmas condições em que o fiz da primeira vez, isto é, isento do influxo de paixões politicas, porque conservo a convicção de que ás questões- desta ordem, os assumptos financeiros, devem considerar-se á luz dá rasão fria e desapaixonada.

Proseguirei, pois, neste caminho, sr. presidente, apesar de" ter" observado que o sr. ministro da fazenda, na sua replica, recorreu a expedientes politicos e a recriminações pessoaes; e embora o fizesse de um modo melífluo e até seraphico, que é uma feição dó seu carácter, não conseguiu dissimular com a sua apparente doçura o azedume, que estava no fundo das suas palavras.

Eu deveria começar por agradecer a s. exa. as expressões que me dirigiu concordando com as doutrinas que tive a honra de expor á camara, coherentes com as publicadas em um livro que dei á estampa, sobre estes assumptos, de que é mais conveniente entregar ás localidades a exploração da elasticidade da contribuição directa, reservando para o estado a dó imposto de consumo; todavia s. exa. acrescentou que não julgava agora opportuno adoptar está doutrina.

Devo porem observar que s. exa. não se dignou apresentar as rasões em que funda está sua ultima opinião.

Disse tambem s. exa., que estava de accordo com á minha idéa, de tornar mais productivo este imposto, fazenda com que todos o pagassem igualmente, mas entendeu dever pôr de parte o principio para recorrer ao condemnavel e contradictorio expediente da arrematação.

Sinto muito que s. exa. não fosse coherente com as doutrinas que abraça, pois da applicação dellas de certo havia de resultar um maior beneficio para o thesouro, sem ofensa da justiça distributiva. (Apoiados.)

Não posso deixar de regosijar-me vendo sanccionadas por uma auctoridade tão competente as opiniões que tive a honra de emittir, tanto por palavras como por escripto, sentindo todavia que s. exa., por uma incoherencia inexplicavel, não julgue opportuno applica-las.

Disse s. exa. que eu era contradictorio, porque o acusará de pintar com cores demasiadamente carregadas o estado da fazenda publica, ao mesmo tempo que reconhecia a existencia de um déficit de tres mil e tantos contos no actual anno economico, a necessidade de consolidar ã divida fluctuante e a de levantar dois mil oitocentos e tantos contos para pagar a subvenção do caminho de ferro da Beira Alta, e que uma situação com esta perspectiva não merecia que eu a achasse risonha.

S. exa. comparou-se a Zurbaran, que pintou os seus quadros com cores carregadas, fundo escuro, attribuindo-me nestas ponderações artísticas o papel de Ruysdael, que só tira da sua palheta paizagens agradáveis e risonhas.

Permitta-me o nobre ministro que lhe diga que me parecia melhor que, em logar de seguir o espirito demasiadamente ascético e idealmente tenebroso de Zurbaran, se inspirasse antes no amor á verdade de Velasques, e pintasse a situação da fazenda publica tal qual ella é na realidade.

Pela minha parte direi que me lisonjeio de me ter comparado, no methodo por que apresentei a questão, ao celebre paizagista da escola flamenga, que copiou a natureza mas não a idealisou, como Cláudio de Lorena.

Mantive-mo Adentro do real, do verdadeiro, e s. exa. carregou o quadro.

Não se devem pedir sacrificios ao paiz, propor-lhe o augmento dos impostos, debaixo dá acção dó terror, que é mau conselheiro, e que não deixa encarar ás circumstancias serena e placidamente. (Apoiados.)

Sr. presidente, sem negar que seja necessario e conveniente augmentar a receita pública, extinguir o deficit, ou pelo menos reduzi-lo, e consolidar, senão toda, ao menos uma parte da divida fluctuante, entendo que os recursos do paiz e a nossa situação financeira são taes que permitem que estudemos estas questões e lhes procuremos dar uma solução rasoavel sem nos deixarmos dominar pelo terror.
Que s. exa., procurou carregar um pouco o quadro é cousa que transparece no periodo do seu relatorio que se refere a divida fluctuante, como adiante demonstrarei. A respeito d'esta divida recopilarei o que já disse. Sei perfeita-

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mente que em todos os systemas financeiros ha sempre mais ou menos divida fluctuante. Nos systemas regulares essa divida não deve representar senão o adiantamento, necessario para a gerencia, da receita propria do exercicio, e algumas falhas que haja por circumstancias imprevistas nos calculos orçamentaes, mas nunca deve ser um recurso permanente para cobrir um deficit previsto e muito menos chronico.

Tambem sei, sr. presidente, que no estado em que nos achamos não será facil extinguir o déficit de um golpe e ao mesmo tempo a divida fluctuante, que representa o resultado da accumulação successiva dos deficits emquanto se não transformam em divida consolidada.

A nossa divida fluctuante deve subir no fim do anno economico a 16.000:000$000 réis, segundo accusa o mencionado relatorio. Esta divida divide-se em duas partes: divida fluctuante interna e divida fluctuante externa. A divida fluctuante interna, sobretudo, está a um juro mais barato do que a divida consolidada, a 5 por cento, creio, e parece-me que o mesmo se póde dizer com relação a divida fluctuante externa, cujo juro pouco excede aquella taxa.

Ora eu não digo que se não deva consolidar a divida fluctuante para que não estejamos, no fim do praso do vencimento dos bilhetes do thesouro, que representam essa divida temporaria, sujeitos, não só a haver uma corrida ao thesouro, mas a não ter os meios necessarios para pagarmos a, importancia desses bilhetes. Por isso é bom não ter divida fluctuante exagerada, apesar de que nunca se verificou aquelle facto. Temos tido sempre divida fluctuante interna e externa, e nunca se deixaram do reformar os escriptos do thesouro. Todavia é conveniente que o thesouro não esteja na situação de, num momento dado, não ter uma somma disponível, sufficiente para occorrer a pagamentos que lhe possam ser exigidos pelos portadores dos seus bilhetes, e se veja, portanto, na dura necessidade da realisar essa somma, ou de pedir a reforma das letras em condições muito onerosas.

Sou, pois, de opinião que se deve reduzir o quantitativo da divida fluctuante, na proporção que o bom senso o as conveniencias financeiras aconselharem, consolidando de preferencia aquella parte da divida pela qual pagamos maior juro.

Eis-aqui as rasões porque digo que se não deve exagerar a divida fluctuante, e tambem se não deve consolidar toda dum jacto, por isso que não podemos hoje faze-lo com um encargo inferior ao que por ella pagamos; pelo contrario, esse encargo será maior, não baixará do 6 1/2 por cento, virá aggravar o déficit numa somma importante, e pesar de um modo permanente sobre o thesouro. (Apoiados.)

Deve, portanto, haver toda a prudencia em operações d'esta ordem, para que não aconteça ir o governo onerar as despezas do estado com um acrescimo de juro que póde resultar da conversão da divida fluctuante em divida consolidada, numa escala que exceda as raias da bem entendida precaução, ou provada necessidade.

Foi nestes termos que expendi a minha opinião sobro o ponto de que se trata, e mais uma vez recommendarei a maior prudencia ao sr. ministro da fazenda, a fim de que não vá realisar una emprestimo em proporções exageradas, do qual resulte uru acrescimo desnecessario e injustificavel de encargos para o thesouro.

Alguns orgãos da imprensa ministerial, mais caracterisados, têem annunciado com um certo entono de ufania, que o governo realisará a maior operação de credito de que ha memoria nos nossos annaes financeiros.

Tenho lido estes cartazes com desgosto, porque receio tanta fortuna para o meu paiz.

A este proposito direi que, é notavel que o grupo toutiço que fez guerra encarniçada aos emprestimos, sendo essa uma das suas armas de opposição, mostro agora um amor tão intenso e extraordinario pelos emprestimo, e os queira fazer até maiores do que as circumstancias o exijem.

Como se explica que os meamos, sr. presidente, que tinham um profundo odio aos emprestimos, sintam agora por estes um tão entranhado afecto?

O governo já realisou dois emprestimos na sua curta gerencia; um de 5.327:000$000 réis que, segundo creio, está esgotado, e outro de 1.000:000 libras no Comptoir d'Escampte, de que tem levantado já a maxima parte em conta corrente.

O sr. Ministro da Fazenda: - Achei esse ultimo contratado.

Foi uma boa operação que encontrámos realisada.

O Orador: - Mas aproveitaram-no; podiam deixar de o aproveitar, realisaram-no verdadeiramente. (Apoiados.)

Pedirei, pois, ao governo, que se não leve desse enthusiasmo, de fazer grandes emprestimos, como se fosse um dos expedientes mais adequados. É o eco da sua doutrina quando opposição.

A respeito da divida fluctuante devo aqui ratificar uma asserção do meu nobre amigo, o sr. Fontes, que nos deu a prova de que o sr. ministro da fazenda carregara de mais o quadro da nossa situação financeira, figurando-a peior do que ella na realidade se apresenta.

Qual é um dos argumentos que s. exa. costuma empregar para dizer que a situação do thesouro é má, referindo-se nessa occasião ás opiniões do sr. Carlos Bento, que tambem neste ponto acompanha o sr. ministro com os seus apoiados? É a enorme somma que representam os juros da nossa divida.

Uma nação que tem os juros da sua divida tão avultados como nós temos, está em circumstancias bem precarias, exclamam s. exas, e o sr. ministro da fazenda computa esses encargos em 55,7 por cento da nossa receita total ordinaria.

Ora, nisto é que se revela no sr. ministro o proposito de atterrar o publico; porque a sua asserção não é completamente exacta, é um pouco exagerada.

Se compulsarmos o orçamento de 1880-1881, que s. exa. apresentou, o que vemos nós?

Vemos que os juros da divida consolidada interna importam em 5.957:000$000 réis e os da externa em réis 4.986:000$000, no total 10.944:000$000 réis; juros e amortisações a cargo do thesouro 2.888:000$000 réis; abatendo aquella somma 70:000$000 réis, dos bons cancelados de Londres, e a esta 106:OOO$OOO réis de amortisações, que não devem contar-se como juros e que reduzem successivamente o capital, fica uma somma redonda de 13.603:000$000 réis.

Diz o sr. ministro no seu relatorio que os juros e encargos da divida absorvem 14.603:000$000 réis; ora desta importancia temos de abater:

Amortisações 106:891$000
Bonds cancelados 70:516$000
Juros de titulos na posse da fazenda 766:626$000
Total............944:033$000

O que reduz aquelle algarismo á mesma somma redonda de 13.650:000$000 réis com pequena diferença.

De divida consolidada temos, como disse, o encargo total de 10.944:000$000 réis; de divida fluctuante, comprehendendo todas as operações do thesouraria, temos o encargo total de 1.022:000$000 réis, o que perfaz réis 11.956:000$000. Os restantes 1.866:000$000 réis de encargos pertencem a emprestimos com juro e amortisação, representados pelas respectivas obrigações de caminhos de ferro e outras obras, excepto a de 133:000$000 réis que vem incluída no orçamento para occorrer aos encargos da subvenção a pagar em 1880-1881 ao caminho de ferro da Beira.

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É, portanto, uma exageração asseverar que os juros e encargos da nossa divida sobem a 14.603:000$000 réis, pois a verba é menor, não está para o total da nossa receita ordinaria na rasão de 55-,7 por cento, nem representa uma divida que tenha todo o caracter de permanente como se pretende inculcar, para atemorisar o publico, figurando-nos numa situação peior do que ella é na realidade.

Suppor que pagamos em juros mais 944:000$000 réis, do que em verdade se paga, equivale a attribuir-nos uma divida que não temos, na importancia de 18.880:000$000 ou de 15.740:000$000 réis, conforme calcularmos na rasão de 5 ou 6 por cento o capital correspondente.

Bem basta a divida real que nos onera, que é infelizmente bastante pesada, para pretender ainda avoluma-la com uma divida ficticia, cuja existencia se póde deduzir do modo incorrecto e inconveniente pelo qual o sr. ministro apresenta certos algarismos...

O sr. Ministro dá Fazenda (Sarros Gomes): - Peço licença para interromper o digno par, que de certo não estranhará este meu acto, porque não faço senão seguir o exemplo de s. exa., que tambem me interrompeu na occasião que eu fallava, no intuito do esclarecer o debate. Como sei que o digno par argumenta na melhor fé, julgo do meu dever declarar que o calculo que faço na pagina do meu relatorio a que s. exa. se refere, é unicamente para mostrar o que nos ficava disponivel da receita ordinaria para occorrer aos diversos serviços publicos, que duas ou tres paginas antes daquella em que vem esse calculo, lá verá o digno par que eu computo a media do encargo da nossa divida por habitante em 3$000 réis, somma esta que, multiplicada pelos quatro milhões e tantas mil almas de que se compõe a população do reino, dá a cifra exacta dos encargos, comprehendendo, como s. exa. poderá verificar, os juros da divida amortisavel e fluctuante.

O Orador: - Acceito a explicação do sr. ministro da fazenda, que me parece comprometter mais s. exa. Li com muita attenção o seu relatorio, attenção que elle merece, e vi que realmente ali vem a somma de 14.603:000$000 réis, representando os encargos de toda a divida; e quando s. exa. descreve esta importancia, refere-se ao que dissera anteriormente. Portanto apresenta reunidos, e como reaes, encargos que deviam estar separados, e que realmente não existem, porque uma parcella consideravel dos 14.603:000$000 réis não é na verdade um encargo, não representa juros da divida que o thesouro pague, como já mostrei. Pois os 766:000$000 réis que o estado recebe ou deixa de pagar, de juros dos titulos na posse da fazenda constituem porventura um encargo, uma despeza? E os 70:516$000 réis de juros dos bonds que se acham cancellados no banco de Inglaterra, e que serviam de garantia á amortisação suspensa, não estarão no mesmo caso? Pôde, acaso, contar-se como juro a amortisação de 106:891$540 réis, relativa ás obrigações de diversos emprestimos, cuja importancia vae sendo successivamente reduzida? Em boa rasão e calculo exacto, poder-se-ha computar como juro o que se gasta em corretagens, desconto de, letras, commissões, premios de seguros e de vales do correio, despezas de transferencias, differenças de cambios, e outras que vem comprehendidas na tal cifra aterradora de s. exa? Ninguem, imparcial e entendido nestes assumptos, dirá que sim.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros. Gomes): - Não desejo abusar da benevolencia do digno par, interrompendo-o mais uma vez; mas, se me permitte, direi que eu consignei, é verdade, na despeza, a cifra dos juros dos titulos na posse da fazenda, mas tambem essa cifra figura na receita; por consequencia, o methodo que segui não influe no resultado do calculo. Talvez fosse melhor seguir outro methodo; mas, repito, o resultado é o mesmo.

O Orador: - Quer dizer, entre dois methodos, preferiu aquelle que fazia representar como encargo para o thesouro o que efectivamente não o era, isto é, aquelle que mais podia aterrar o publico.

Este proposito é que eu combato, porque não deseja que se illuda o paiz. Quero que se diga a verdade, e só a verdade, e não que se pretenda exigir impostos debaixo da pressão do terror, porque o terror é mau conselheiro. (Apoiados.) Quero que estas questões se tratem com verdadeira imparcialidade, para que se resolva o que for mais conveniente, para a causa publica.

Sr. presidente, eu disse que, antes de se recorrer a novos impostos, se deviam explorar os existentes, a fim de fazer com que elles produzissem tudo quanto comportassem. Havia nisso mais conveniencia, porque o povo já estava acostumado a esses tributos, e pagava mais facilmente qualquer augmento que nelles houvesse. Isto causava menos perturbações e vexames do que ir lançar novos impostos.

O sr. ministro da fazenda disse que adoptara a reforma mais conveniente com relação ás questões de fazenda. Orar eu não posso deixar de observar que está opinião de s. exa. está em completo desaccordo com a opinião do paiz. (Apoiados.) As representações das associações commerciaes de Lisboa, Porto e de outras corporações do reino, a opinião dos homens mais importantes e entendidos nestes assumptos, estão em divergencia com a opinião de s. exa. a respeito de muitas (ou quasi todas) das suas propostas, que têem por fim augmentar a receita. E não se póde dizer que aquelles homens são apaixonados ou inspirados pela politica. São imparciaes. Muitos delles nem pertencem a partido algum politico, e as suas reflexões têem o cunho da verdade quando afirmam ser possivel augmentar a receita sem se crear novos impostos.

Já sir Robert Peel, que s. exa. tantas vezes tem citado, e que eu citarei mais uma vez, dizia que antes de se recorrer a um imposto novo devem-se esgotar todos os recursos que as contribuições existentes podem produzir.

Esta regra, que era a melhor a observar, não se seguiu, e o imposto de consumo não foi explorado como devia ser. Não se poz em pratica este systema; não se tratou de estudar e melhorar o imposto actual; e abandonou-se completamente aquella idéa, apesar de se reconhecer que era uma fonte de receita que devia aproveitar-se, e que muito poderia produzir.

Sr. presidente, um dos defeitos capitães que eu acho neste projecto, é que elle transtorna completamente o systema financeiro do paiz e o systema administrativo.

Diz-se que esta idéa não é senão um mero expediente, parecendo que ha o proposito firme de crear embaraços ao governo em cousa tão pequena. Mas não é assim, porque o negocio é de muito maior importancia e alcance do que se pretende fazer acreditar. O que ha é o desejo de evitar uma perturbação funesta do nosso systema financeiro e administrativo. (Apoiados.)

Pois não é um principio acceito e reconhecido por todos os economistas, por todos os auctores que teem escripto sobre materia administrativa - e que é sanccionado pelo bom senso, - que as finanças geraes do estado se devem harmonisar com as finanças locaes? O proprio sr. ministro do reino mostra comprehende-lo, assim quando, prescreve no seu projecto de codigo administrativo que, nos generos sujeitos ao real de agua, o imposto municipal deve limitar-se a uma percentagem addicional á pauta do estado até ao maximo fixado annualmente pelas côrtes; nos generos que não estão sujeitos ao real de agua só poderão as camaras tributar aquelles que forem designados na pauta decretada pelo governo.

Os addicionaes ao real de agua cobra-os o estado cumulativamente com os seus impostos, e os outros devem as camaras arrecada-los pelos seus meios fiscaes, apropriando-lhes as disposições dos regulamentos do estado para a cobrança do real de agua.

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Eis O que dispõe a nova reforma do codigo administrativo, proposta pelo governo.

Já vê pois que o pensamento do sr. ministro do reino não é o da arrematação, e parece que o que se devia fazer, para não aberrar daquella doutrina, era applicar o regulamento do real de agua de 29 de dezembro de 1879, que organisa a fiscalização para a cobrança do imposto pela administração directa do estado.

Ora o que o sr. ministro da fazenda faz, dando esta administração a particulares e cobrando o estado só o preço da arrematação, está em contradição com o projecto do codigo administrativo. (Apoiados.)

E para isto foi s. exa. achar argumento, e é o argumento capital com que se pretende sustentar este projecto, no facto apontado no relatorio do sr. Mello Gouveia, do que numa ou noutra localidade, onde as camaras municipaes tinham arrematado algumas taxas de consumo, o rendimento havia sido proporcionalmente maior do que o obtido pelo estado, por este ter uma fiscalisação menos eficaz.

Pois não seria preferivel e mais indicado, em vez de recorrer ao vicioso e vexatorio systema da arrematação, tratar de melhorar a fiscalisação para o thesouro poder assegurar um rendimento maior da cobrança do imposto?

A camara de Vallongo, por exemplo, cobrou proporcionalmente mais por arrematação que o governo por administração, logo aquela é preferivel a esta; não se organise a fiscalisação propria, que não existe, nem está portanto experimentada; a grande machina para expremer o povo é o arrematante; abandonemos a fiscalisação e venha esta prensa hydraulica, resuscitemos a rotina do antigo regimen. Fora disto não ha salvação para o thesouro exhausto.

Tal é o admiravel sorites, em nome do qual se vae destruir um dos principies mais racionaes da administração publica, em vez de discutir as rasões pelas quaes a arrematação deu mais em certas localidades.

Não se investigou se é porque a fiscalisação do estado era nulla e a das localidades melhor; não se viu se a s taxas geraes vinham sobrepor-se ás do municipio e aggravar demasiado certos generos, sobretudo aquelles cuja producção havia escasseada: nada disto se quiz saber.

O mais commodo, o mais agradável para o sr. ministro, é declinar todo o trabalho e toda a responsabilidade de executar o regulamento de 29 de dezembro de 1879; entregando os contribuintes aos vexames e ás extorsões do arrematante de odiosa recordação.

Os povos sofrerão moléstia, e o thesouro desfalque; que importa!

A conclusão a que chegou o sr. Mello Gouveia no seu relatorio foi porventura aquella a que chegou o sr. ministro da fazenda, seguindo as doutrinas auctorisadas da camara de Vallongo?

Não. O sr. Mello e Gouveia o que disse foi, que a fiscalisação se não tem organisado regularmente, mas que, estabelecida nas devidas condições, em logar de 800:000$000 réis, deve o real de agua produzir o dobro, isto é, réis 1.600:OOO$OOO.

Aqui está o que disse o sr. Mello Gouveia no seu relatorio, onde chegou a uma conclusão inteiramente diversa daquella que tira o sr. ministro da fazenda. (Apoiados.) Não é do facto de uma camara municipal, duas ou tres, ou quantas são, tirar partido mais vantajoso de uma taxa menor, que se deve concluir que é preferivel dar este imposto por arrematação.

O facto é que a administração está hoje em uma verdadeira anarchia, e assim ha de continuar.

Allega-se que a arrematação é legal, e que as camaras recorriam a ella. Não reputo procedente esta argumentação.

O codigo administrativo vigente auctorisa AS camaras no artigo 103.° n.° 6.° a lançar, nos termos deste codigo, contribuições directas e indirectas para occorrer ás despezas dos concelhos, mas não estabelece em parto alguma a arrematação, como systema de cobrança facultativa. Pelo contrario, no artigo 125.° prescreve que os rendimentos e contribuições municipaes, serão arrecadados, em regra, da mesma forma que os do estado.

Ora a lei do real de agua de 4 de maio de 1878, vigente, dispõe, § unico artigo 2.°, que as camaras poderão fazer cobrar nas barreiras os seus impostos de consumo, pagando ao estado a parte correspondente das despezas de fiscalisação.

Não se auctorisa a cobrança por arrematação, nem della se trata. Se o governo por falta do regulamento daquella lei não estabeleceu as barreiras, fica a cobrança entregue á regra geral de ser feita da mesma forma que a do estado que, segundo o artigo 125.° citado? não admitte a arrematação.

Cita-se como decisivo e fulminante o artigo 370.° do codigo administrativo, diz elle: "serão feitos em hasta publica, precedendo editos, pelo menos de vinte dias, os contratos de alienação arrematação de rendimentos, empreitadas e fornecimentos, em que forem interessados a junta geral do districto, a camara municipal ou ajunta de parochia" pretende-se que a expressão rendimentos abrange impostos, mas isso não parece exacto, porque o artigo 120.° citado quando falla da cobrança, distingue rendimentos de contribuições municipaes, e o artigo 103.° n.° 12.°, quando auctorisa as camaras municipaes a contratar com emprezas individuaes ou collectivas a execução de quaesquer obras, serviços ou fornecimentos do interesse do concelho, não comprehendeu a arrematação de impostos.

Esta é que é a doutrina estabelecida pelo codigo, e portanto a regra é que a cobrança dos impostos ha de ser feita pelo estado, e quando o seja pelas localidades deve ser pela mesma forma, isto é, por administração propria, e directa.

Porque é que continuou a pratica das arrematações?

Porque faltou o regulamento da lei de 4 de maio de 1878, que estabelecesse os meios pelos quaes as localidades cobrariam por intermedio da fiscalisação do estado os seus impostos de consumo. Forçoso foi pois tolerar a pratica estabelecida, por falta de providencias por parte do estado.

Portanto o que existe é uma pratica, e não um principio prescripto pela legislação. Não foi pois a lei que o estabeleceu, mas uma necessidade, filha das circumstancias.

O sr. ministro da fazenda disse outro dia, que a idéa por mim apresentada, de limitar as faculdades tributarias das localidades, já estava consignada no projecto do novo codigo administrativo, que o seu collega do reino tinha submettido á apreciação da camara dos senhores deputados.

Eu li com muita attenção esse projecto de codigo, e vi que lá estava introduzida essa disposição, que está de accordo com a boa doutrina; mas o que é necessario é que essa disposição se torne efectiva, quer dizer, que se harmonisem as finanças locaes com as do estado.

N'esta parte estou de accordo com o projecto do novo codigo, mas não posso dizer o mesmo em relação a muitas das suas disposições. E advertirei agora de passagem, que elle, ostentando ser descentralisador, é muito mais centralisador do que o actual, porque muitas das attribuições que até hoje pertenciam ás localidades, vão passar para o estado, e tira ás juntas geraes a tutela que exerciam sobre as camaras municipaes, para a fazer passar para o poder central.

Não discutirei agora esse projecto, porque não é occasião propria; mas se aqui vier, hei de discuti-lo amplamente, e provar que elle é mais reaccionario do que liberal.

Com relação ao assumpto que se discute, esse projecto de reforma do codigo administrativo diz no artigo 133.° o seguinte:

"Art. 133.° Os addicionaes ao real de agua são cobrados cumulativamente com o imposto do estado; para a cobrança dos demais generos apropriarão as camaras os regulamentos geraes pagando a sua fiscalisação."

Vê-se pois que o sr. ministro do reino, no seu systema.

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não tem a menor idéa de adoptar a arrematação, porque nunca falla n'ella, e dá outros meios ás localidades para organisarem e cobrarem os seus impostos.

Não suggere nunca a idéa da arrematação, pelo contrario, quer que a cobrança se faça segundo o regulamento por. que se fizer a do estado.

Então como se combinam os dois pensamentos? Como está de accordo o sr. ministro da fazenda com o seu collega do reino?

Um condemna um systema, que o outro exalta e elogia,

A opinião do sr. ministro do reino está, em materia de finanças, em diametral opposição com à do sr. ministro da fazenda.

O projecto do novo codigo administrativo quer a administração directa do estado, e empresta os seus empregados ás municipalidades para a cobrança dos impostos locaes, e o sr. ministro da fazenda quer entregar a administração da fazenda publica aos arrematantes!

São duas disposições que se contradizem, e que dão em resultado a desharmonia entre as finanças locaes e as do estado. É uma perturbação lançada na administração publica, (Apoiados.)

O sr. ministro da fazenda citou aqui o exemplo da Hespanha para auctorisar o expediente infeliz que teve idéa de apresentar ao parlamento. Não sou, sr. presidente, daquelles que apreciam injustamente a Hespanha. Faço justiça ás nobres qualidades daquelle povo, aos seus grandes recursos e á illustração dos seus homens d'estado; não me parece, porem, que por circumstancias especiaes, conhecidas de todos, pelas luctas civis de que aquelle povo tem sido victima para fundar o seu systema constitucional, elle tenha podido estabelecer as praticas de administração mais dignas de se imitarem. Isto não é dizer que não haja nada em Hespanha que possa ser adoptado; mas sim que é necessario ter cautela quando se queira apropriar ao nosso paiz qualquer pratica administrativa daquella nação, porque a transplantação em muitos casos póde ser perigosa.

Mas effectivamente em Hespanha não se emprega a arrematação como principio absoluto, não se applica na totalidade dos impostos indirectos. Tenho presentes uns dados com relação á cobrança dos impostos de consumo naquelle paiz. Não são muito recentes, porque dizem respeito aos annos de 1864-1865. Nesse periodo cobrou-se ali por administração do estado 70.000:000 de reales,- e por encabeçamento nas capitães das diversas provindas 102.000:000 de reales, por arrematação só se cobram 7.000:000.

Depois disto a legislação foi modificada prescreveu-se a excepção com referencia a vinte e duas cidades, ás capitães de todas as provindas, estabelecendo-se ahi a administração directa do estado que deu em resultado a cobrança de mais 2.000:000 de pecetas ou 360:000$000 de réis.

Eu leio o nome da cidade onde foi estabelecida a administração directa do estado.

(Leu.)

Já se vê que a tendencia em Hespanha não é para entregar tudo á arrematação.

Todas as vezes que as circumstancias permittem que se estabeleça a administração directa do estado, não se recorre ali á arrematação.

Por consequencia, quando em Hespanha, apesar das difficuldades com que tem luctado, a tendencia é esta, nós abdicando as prerogativas que pertencem aos altos poderes publicos num governo representativo, em logar de manter a administração do estado dentro das boas regras, unico campo onde podem successivamente aperfeiçoar-se a beneficio dos povos, retrocedemos á arrematação! Quando a Hespanha caminha na vereda das idéas illustradas, nós, que temos documentos e estudos que mostram que a administração do estado é mais vantajosa e a unica que se deve adoptar, segundo essas idéas e a, opinião das pessoas mais auctorisadas e habilitadas neste assumpto, voltamos ao arrematante local que não tem outro incentivo senão o interesse, e lança mão de todos os meios ainda os mais vexatorios para não perder.

Vamos tolher o aperfeiçoamento desta contribuição, diminuir o seu rendimento e causar vexames ao povo.

Estes resultados vale a pena serena considerados. (Apoiados.)

Não se diga que ha má vontade, que se pretende embaraçar o governo numa questão desta ordem; pois a verdade é que se precisa ponderar o valor, o alcance da medida proposta.

O sr. ministro quiz achar-me em contradicção.

Quem, como eu, tem vivido alguma cousa não póde ter a pretensão de não haver nunca incorrido num falta dessa natureza.

Profanamente, civilmente, humanamente, ninguem é infallivel.

Se alguma contradicção podessem notar-me, não me ficava isso mal; mas effectivamente, no caso de que se trata, não a houve.

Quando me coube a honra de assignar o parecer da commissão de fazenda desta casa em que eu dizia que um déficit de 1.000:000$000 era negocio grave e indicava certas regras a seguir na gerencia dos negocios publicos, estava de acordo com o que sustento hoje.

Não digo que um déficit maior não seja mais grave do que um déficit menor,- como então havia; o que digo é que esse facto não nos deve induzir a adoptar todo o alvitre, todo o expediente, sem reflexão, e sem meditação. (Apoiados.)

Se é certo que a situação se apresenta um pouco mais embaraçosa, tambem não é menos certo que temos mais recursos do que existiam naquella epocha.

Entendo que é necessario augmentar a receita; não reajo contra essa idéa; não quero levantar na opinião publica indisposição contra o augmento de impostos. Tal proceder seria inconveniente. Mas á opinião publica corre o direito de se manifestar na escolha dos meios que devem ser empregados para conjurar as dificuldades do thesouro. Quando se apresenta um governo propondo medidas que não resolvem a questão de fazenda, conforme a opinião publica entende que ella se deve resolver, esse governo não póde afirmar que tem a seu favor aquella mesma opinião. (Apoiados.)

Não se confundam as questões; não se diga: quereis negar os meios de acabar com o déficit ou, pelo menos, de o attenuar; quereis impedir que cremos receita para melhorar a nossa situação.

Não, senhores, ninguem pensou em tal; todos reconhecem a necessidade do emprego desses meios; mas p que se quer é discutir se elles são convenientes, ou se, em vez de servirem de remedio, vão aggravar o mal.

A associação commercial de Lisboa ahi mandou a sua representação, em que expõe minuciosas e instructivas particularidades sobre contribuições.

Por exemplo, a respeito da contribuição de juros, lá menciona os inconvenientes da alteração que o sr. ministro propoz.

O sr. ministro disse o outro dia que eu me tinha enganado, porque o fim da sua proposta não era augmentar a contribuição de juros, e só melhorar o systema de a fiscalisar e cobrar; mas quem a paga é que sabe bem se o sr. ministro obriga ou não a pagar mais, recorrendo s. exa. para esse fim a diversos expedientes.

O contribuinte encara a medida a que me refiro debaixo do ponto de vista do aggravamento do imposto.

O sr. Anselmo Braamcamp, no seu relatorio apresentado em 1870, condemnou o imposto da decima de juros.

O sr. Braamcamp tinha tido idéa de pôr termo aos vexames e attenuar os inconvenientes desta contribuição; o actual sr. ministro dá fazenda aggrava-a pelo contrario.

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Que diferença entre a sua opinião e a do sr. presidente do conselho!

O illustre ministro disse tambem que o imposto de renda não era uma cousa que se não tivesse tentado estabelecer em nossos dias, porque em 1870 o governo de então havia proposto, entre outros tributos, o imposto sobre o rendimento. Esta asserção foi tambem publicada num jornal, que me attribuiu, com aquella boa fé. que caracterisa as almas candidas, (Riso.) a apresentação do projecto do lei que instituía o referido imposto. Ora a verdade é que eu nunca apresentei tal projecto, não tive essa honra.

O sr. Braamcamp é que apresentou nessa epocha uma proposta de lei, reformando a contribuição pessoal, e foi nessa proposta que o actual sr. ministro da fazenda julgou ver consignado o imposto de renda.

É preciso que se entenda que, sendo eu em 1870 collega do sr. Braamcamp no ministerio, tenho responsabilidade nas medidas propostas por s. exa., responsabilidade que não declino de modo algum; portanto, era escusado dizer que eu tinha apresentado aquelle projecto de lei, para mo imporem uma responsabilidade que não declino, nem quiz declinar nunca.

Posto isto, vamos a ver o que foi que se propoz em 1870.

A proposta do sr. Braamcamp vem no relatorio de s. exa. a que já alludi, e não tem outro fim senão fazer alterações na percentagem complementar da contribuição pessoal, substituindo essa percentagem por uma taxa unica pessoal, que deveria ser vetada annualmente pelas côrtes, e sei distribuida conforme as classes de terras e a renda das casas.

O que o sr. Braamcamp propoz não foi, pois, uma contribuição de renda, como o actual sr. ministro da fazenda quer, contribuição que vae recair sobre todos os individuos que têem de certa renda para cima. No projecto do sr. Braamcamp estatue-se cousa muito diversa, embora requeira para se fazer a distribuição do contingente de cada parochia pelos contribuintes indicações do seu rendimento, como passo a mostrar.

(Leu.)

Que similhança tem isto com o imposto sobre o rendimento? Pois a repartição desta contribuição exige. porventura, essa averiguação minuciosa e vexatoria a que necessariamente se terá de proceder, na hypothese que tal imposto venha a ser um facto? Essa averiguação só póde ter por base dois elementos - a declaração do contribuinte ou a devassa. Ou cada um ha de dizer o que tem, sob pena de multa, ou ha de haver o varejo no interior das casas - a inquisição.

Cada um ha de dizer o que tem, do que vive, dar conta dos seus negocios mais intimos, senão é multado!

Isto nunca se viu, e não poderá nunca estabelecer-se. (Apoiados.)

Na proposta do sr. Braamcamp não havia nada disto; iam-se buscar outros indicadores.

Portanto, a base é inteiramente outra que a do imposto de renda proposto pelo sr. ministro, onde se não considera a percentagem que pertence a cada individuo sobre a base: l.°, da população; 2.°, das rendas das casas; 3.°, da importancia da contribuição predial, da industrial, da de registro, do sello, do real de agua e da decima de juros:; 4.°, do numero de kilometros de estradas e caminhos do ferro abertos á circulação; como acontecia no projecto do sr. Braamcamp, ao passo que no do sr. Barros Gomes é a inquisição, a devassa, o exame directo e a declaração obrigatoria sob pena de multa.

A proposta que o sr. ministro da fazenda apresentou ácerca da contribuição predial tem um grande alcance, segundo disse s. exa; mas eu é que ainda não o pude descobrir. O que descobri foi o alcance contrario ao que s, exa. lhe encontrou. O sr. ministro espera que dahi ha de resultar um augmento de rendimento, e eu espero exactamente o inverso, porque o rendimento ha de ter uma diminuição no futuro.

Como é que s. exa. ha de chegar a tirar mais rendimento da contribuição directa, e distribuir mais equitativamente este encargo por todo o reino? Estabelece a revisão das matrizes, que é de grande conveniencia e tem vantagens incalculáveis, como s. exa. diz no seu relatorio; e por isso espera, no fim de seis annos, quando o rendimento colectável tenha attingido uma importancia superior a réis 31.000:000$000, poder estabelecer a contribuição de quota.

Ora, não é provavel que este facto se de, porque o primeiro incentivo para as matrizes se não fazerem com a exactidão que era para desejar, é estabelecer a contribuição de quota em perspectiva.

Como todos sabem que, estabelecendo-se uma certa quota ou percentagem, cada um paga mais do que pagava até então, quanto maior for a sua renda, o resultado é que se procura diminuir quanto possivel o rendimento collectavel.

Com a contribuição de repartição não se dá o mesmo, porque cada um paga a parcella do contingente que lhe cabe.

Se se colhesse ou obtivesse uma base justa e exacta do rendimento que cada um tem, então a percentagem era bem estabelecida e não merecia critica. Mas como obter essa base exacta?

Isso é uma coisa muito difícil senão impossivel, e portanto digo que não ha nada mais inconveniente do que começar por estabelecer a contribuição de quota, porque é ameaçar que quanto maior for o rendimento, maior é a quota que o contribuinte tem a pagar. N'estas circumstancias, já se vê que o interesse de todos ha de ser necessariamente occultar os seus rendimentos.

Apesar de haver a tal commissão revisora, na qual entram o escrivão de fazenda, que tem voto de qualidade, o delegado do procurador régio, o conservador e mais tres individuos da localidade, não se pede deixar de recorrer ás informações, embora se estabeleça o exame directo. Para se chegar a este exame ha grandes dificuldades a vencer.

Todos sabem quanto um homem de elevado talento e grandes recursos, como foi Fradesso da Silveira, teve de luctar com essa empreza. E homens como aquelle não se encontram facilmente. (Apoiados.)

O exame directo não dispensa as informações; e é necessario muita cautela nesse exame.

Eu não tenho receio das indisposições que ha contra o imposto de consumo, que são muito menores do que as que hão de resultar de um novo imposto. Estou convencido até que haveria menor reluctancia, por exemplo, com a taxa aã valorem. Permitta-se-me este incidente. Effectivamente 7 réis sobre o litro de vinhos verdes, maduros e superiores, que podem valer desde 200 até 2$000 réis, é desigual, e era possivel estudar o meio de graduar este imposto como se fez em França com a taxa sobre a venda a retalho.

Na contribuição directa é preciso caminhar com alguma cautela nesse exame directo; é o que eu tenho lido nos livros, o que não é inutil, porque da experiencia alheia tira-se lição proveitosa, sobre tudo ácerca do que se faz na Bélgica, na Inglaterra e noutros paizes que são modelos de administração financeira; o que eu tenho lido nos livros, repito, e o que a propria experiencia e observação me têem ensinado, é que o que é preciso é estudar as circumstancias do paiz e modificar as cousas conforme essas circumstancias, e não querer trazer da Prussia ou da Saxonia para Portugal uma cousa que lá se usa, como se faz com as modas.

O que se vê em Inglaterra e em Franca é que nos orçamentos das municipalidades avulta consideravelmente a receita proveniente do imposto directo. Ha muita gente que diz que a Inglaterra é o paiz dos proprietarios e que estes não pagam lá quasi nada, leso foi tempo; foi no

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tempo em que o celebre Fox disse, referindo-se ao Statute book, que se fosse possivel fazer subir essa legislação até á lua e lá houvesse habitantes, elles diriam com certeza que ella era boa para um paiz onde só houvesse proprietarios. Mas hoje não; hoje a receita das localidades sobe á quantia de 45.000:000 libras, quer dizer 50 por cento do que lá se paga para o estado; e o imposto directo quasi que fornece o total desta enorme quantia. Em França têem immensa importancia os addicionaes: sobre 180.000:000 francos de principal da contribuição predial ha addicionaes para as localidades na somma de perto de 300.000:000 francos.

Se formos aos Estados Unidos, vemos ainda mais; vemos que o estado vive quasi exclusivamente das contribuições indirectas.

Na Hollanda a contribuição, directa é entregue quasi exclusivamente ás localidades, e entra em muito pequena escala no orçamento do estado.

Em Inglaterra, a taxa que paga a terra é de 2.500:000 de libras; comparando esta verba com o que paga o consumo, que é de 27.000:000 de, libras, temos uma diferença de 24.500:000 de libras; mais do que o rendimento dás alfandegas, que é de 20.000:0OO de libras.

Estes são os factos.

Ora, qual é a rasão porque a contribuição directa não é tão eficaz, explorada pelo estado como pela localidade?

Porque alem de todas as outras, difficuldades, ha a de avaliar o rendimento de cada um: e vem a proposito citar uma observação que fazem quasi todos os economistas, qual é a de que na propriedade immovel o valor do tributo incorpora-se nella formando, parte do seu valor.. O individuo que compra uma propriedade quando o tribuno que a onera é de 10, se a quizer vender, quando esse tributo for de 20, perde, pois tem de efectuar a vencia por um preço menor.

O tributo encorpora-se á terra, emquanto que nos valores moveis, que estão, sujeitos a milhares de transformações, não succede o mesmo. O valor mobiliário é uma cousa quasi que instantânea, como o diz Macleod, pois que ha tantas circumstancias que o modificam, que se não póde fixar a sua duração.

Isto não quer dizer que se não trate de procurar igualar quanto possivel a situação tributaria dos contribuintes. Isto não quer dizer que não seja necessaria a revisão das matrizes, mas tão sómente que essa revisão não pode dar os resultados que se imagina.

Está é que é a verdade, e não nos devemos illudir.
O que rendem hoje estes impostos?
Qual é a cifra a que se espera que subam?
Em que se baseiam os cálculos que sé fazem?
Em que se fundamentam as esperanças?
Concordo, sr. presidente, na necessidade e na conveniencia da revisão das matrizes; mas ainda assim o que não julgo é que dessa revisão possam advir os resultados que se esperam.

As finanças precisam ser organisadas, e o modo de o conseguir não é entregando-as ás municipalidades, que em geral são accusadas de não terem gente sufficientemente habilitada para tratar dos seus negocios, quanto mais para administrarem tambem os impostos do estado.

O poder central é que deve facilitar a administração local, porque tem mais" elementos, pondo a sua fiscalisação ao serviço das localidades, como se faz em França com o systema da régie interessée. Mas, abdicar o estado dos seus direitos para ir sobrecarregar as municipalidades com à cobrança dos impostos geraes, convertendo-as em agentes do governo ou para fazer negocio com os arrematantes, é transtornar a* administração do paiz, é a adopção de um principio funesto, nocivo, contraproducente, é destruir todo o bom regimen. (Apoiados.)

Sr. presidente, é sr. ministro da fazenda, cuja fecundidade discursadora e facilidade de loquella eu admiro, apesar de me não convencer; que tem muito merecimento e que falla admiravelmente, mas não póde levar a convicção ao espirites, porque, para isso era necessario que pozesse o seu talento ao serviço de uma boa causa, e essa que defende é mesquinha, está abaixo das suas faculdades intellectuaes; o sr. ministro da fazenda, repito, apesar de ter uma historia curta, e quem tem uma historia curta corre menos risco de ser accusado de contradictorio, porque não tem, encontrado tantos obstaculos na vida nem se tem visto tantas Vezes na necessidade de subordinar-se ás circumstancias ainda assim já tem caído em contradições.

Na sessão de 10 de junho de 1869 disse s. exa.

"Sou contra o imposto de quota, quero, porem, o imposto de, repartição sobre uma base justa. Quero, que ás matrizes deixem, de ser uma mentira, deixem de ser o resultado de influencias eleitoraes, das más e funestas paixões locaes."

Agora já disse outro dia que não quer, governo senão em nome das influencias locaes, que são as que representam verdadeiramente, o paiz! Que contradição, tão flagrante!

Eu tambem tenho p amor da localidade, tambem sou partidário das immunidades municipaes, que são a vida dos povos; mas entendo que deve haver differentes circulos, dentro dos quaes se exerça a actividade de cada, um. (Apoiados)

Quero que, se lhe dê maior area, que se deixe ao districto, maior margem para fazer alguma cousa mais, é assim ao concelho a fim de que possam exercer as suas faculdades mais livremente, porque d'esta sorte as ambições têem mais por, onde se desenvolver; mas o que não quero é que as paixões e os interesses locaes possam dominar o interesse geral, que é superior a todos aquelles e differente d'elles. (Apoiados) Ha paradoxos que a primeira vista parecem um axioma e que por taes são admittidos por muita gente, por exemplo, a somma de todas as localidades dá a nação inteira, logo se todas as localidades estiverem bem, a nação está perfeitamente. Este paradoxo, que todos a primeira vista acceitam como uma verdade, não exprime a final a synthese de uma doutrina exacta. Pode-se suppor que pelo facto de cada municipio ou de cada parochia fazer a sua estrada, que o paiz está dotado de todas as vias de communicação que lhe são necessárias?
Pois não é assim, a somma de todas essas estradas de interesse local não pode dar a estrada geral, que atravessa as grandes zonas do territorio, que liga entre si os districtos, que communica os diversos centros de população do paiz.
Por consequencia aqui está uma obra de interesse geral que mostra que este interesse é superior a todos os interesses locaes. O mesmo podemos dizer com relação as escolas. Pode cada concelho, cada parochia ter a sua escola de instrucção primaria; mas isso dispensa acaso a necessidade de ter outras escolas, em que se ministre o ensino superior e o ensino secundário, estabelecidas nos centros mais importantes do paiz?
Parece-me que ninguem o pode dizer, a não querer que uma nação abdique os seus foros de nação civilisada, para prescindir da instrucção preparatoria, superior e profissional, sem as quaes os paizes não podem progredir. Portanto temos aqui outro exemplo de que o interesse geral é superior e differente do interesse local. Não nego que seja necessário attender aos interesses das localidades, deve-se porem considerar em primeiro logar o interesse geral, sem todavia abandonar o das localidades. Assim pois, é preciso que os homens das localidades saibam subordinar, quando as circumstancias o exigirem, esses interesses aos do paiz inteiro.
É por isso que por occasião das ultimas eleições eu senti ver dar-lhes um certo caracter extremamente local, de campanhario, sobretudo quando li numa circular do sr. ministro

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tro do reino dirigida aos seus eleitores, não como membro do gabinete, mas como candidato a deputado, algumas phrases era que exprimia a idéa de que havia de ter sempre em vista os seus interesses locaes, sem mencionar sequer os interesses geraes do paiz. Eu entendo que se não devem manifestar essas tendencias exageradas, mas conciliar os interesses geraes com os locaes; aquelles devem predominar sobre todos os outros, pois reflectem sobre todo o paiz. (Apoiados.)

Ha onze annos, as matrizes estavam viciadas pelas funestas influencias locaes; hoje essas influencias já não existem, ou, se existem, transmudaram-se em benéficas, embora ao ouvido e de mansinho se queixem dellas e mais alto proclamem esses queixumes os seus periodicos mais addictos!

Que singulares contradições, que situação tão falsa!

Em 1869 queria o sr. ministro o imposto de repartição, considerava-o como o unico de que podia vir o remedio salvador das finanças, agora quer o imposto de quota, e entende que é o melhor.

Eu, que vejo s. exa. professar alternativamente duas opiniões diametralmente oppostas, passo a deixar de ter grande confiança aos seus expedientes; e não só por esse motivo, senão pelas rasões analyticas que, bem ou mal, acabei de expor.

Acerca do imposto de rendimento creio haver já dito bastante.

Não estamos tratando dessa questão especialmente, mas, visto que o sr. ministro da fazenda se referiu de novo a ella de um modo inexacto, repetirei que o imposto sobre o rendimento não existe na Itália. O que lá existe é o imposto mobiliario.

Naquelle paiz supprimiram-se as contribuições industrial, pessoal, e outras, e ficou só a contribuição mobiliaria, e a predial; não ha duplicação de impostos, como s. exa. cá propõe.

Se eu quizesse ainda citar algumas opiniões de encontro ao imposto de: rendimento, poderia, por exemplo, ler agora o que o sr. ministro das obras publicas disse numa das ultimas sessões da camara dos senhores deputados, combatendo aberta e claramente esse imposto como o mais nocivo e que menos convem estabelecer.

Mas ponhamos de parte essa questão e aguardemos a occasião propria em que ella aqui se discuta, comquanto me pareça que o projecto não vem cá, porque encontra grandes resistencias, e todos se vão convencendo dos seus graves inconvenientes e da sua ineficácia como expediente financeiro.

Poucas reflexões mais acrescentarei, porque já estou cansado e receio haver fatigado demasiadamente a attenção da camara.

Vozes: - Nada, não.

O Orador: - Disse o sr. ministro da fazenda que o governo subira ao poder em nome da opinião publica. Não quero agora discutir esse ponto, mas se a opinião trouxe S. exas. áquelles logares (indicando os do ministerio), persuadida de que vinham satisfazer ao seu programma e resolver as dificuldades financeiras, é muito notório que presentemente a mesma opinião dá inequívocas demonstrações do seu descontentamento e da decepção que sofreu.

Corporações as mais respeitaveis, de um a outro extremo do paiz, têem feito representações nesse sentido, provando-se assim que o governo não correspondeu á expectativa publica. Portanto é preciso que os srs. ministros, assim como tiveram ouvidos para escutar a voz da opinião, que se lhes figurou chama-los ao poder, não os cerrem agora aos clamores, que devem convence-los de que não souberam corresponder á missão que as circumstancias lhes impunham.

Ponderou o sr. ministro que talvez, quando teci elogios á memoria da nobre duque de Loulé, as cinzas deste respeitavel e illustre homem publico se revolvessem, no tumulo ao lembrarem-se dos dissabores que eu lhe tinha dado quando fui seu collega.

Se não é isto exactamente o que s. exa. disse, foi cousa muito similhante. Posso affirmar com verdade, sr. presidente, que fui sempre um colega fiel e leal, um bom companheiro do duque de Loulé, que não ha ninguem que possa acusar-me de eu ter praticado um só acto em que desdissesse deste meu procedimento.

Houve alguem que pretendeu levantar a sizania entre nós; as intrigas politicas multiplicavam-se, e então appareceu a denominação de unha negra applicada a uma certa fracção do partido, dizendo-se que eu capitaneava esse grupo.

Mas quem inventou esse nome foi um adversario do governo liberal, de que eu fazia parte, no intuito de excitar suspeitas e rivalidades, e com o proposito de amesquinhar e de rebaixar o povo, pois quem tem as unhas negras é quem emprega os braços no trabalho. Eu tenho muita honra em representar o povo, em ter sempre advogado os seus interesses legitimes, e em haver sempre procurado dirigi-lo para que os especuladores politicos não consigam desvaira-lo, abusando da sua credulidade para o pôr ao serviço das suas ambições individuaes.

Não me dou, pois, por desairado de me appellidarem chefe da unha negra, denominação que não representava nenhuma dissidencia no gabinete de então, nem indicava que no partido houvesse desharmonia ou desinteligencia alguma; porem, pelo facto de que algum membro desse partido era menos popular, alguem quiz com esse pretexto accender a discordia entre nós.

Intrigou-se muito, procurou-se de todos os modos levantar suspeitas no animo do chefe do partido; mas a verdade é que eu fui sempre leal ao duque de Loulé e aos meus collegas.

Ninguem é capaz, repito, de apontar facto algum que desminta esta asserção.

Quando vi que se apresentavam circumstancias que podiam tornar util ao meu partido a minha saída, dirigi-me áquelle cavalheiro, que sinto não viva para invocar o seu testemunho, e disse-lhe:

"Se v. exa. entende que eu deva sair para bem do meu partido, saio."

Respondeu:

"Não, senhor; deixe-se ficar."

Continuei, pois, no ministerio.

Ainda hoje está vivo, e em alta posição politica, quem sabe que isto é verdade.

Depois, todos se recordam das circumstancias em que se desfez o ministerio.

As intrigas continuaram, infelizmente; a scisão manifestou-se; o governo pediu a demissão e organisou-se um novo gabinete em 1865.

Mas como foi elle recebido pelo partido historico na camara dos senhores deputados?

Os srs. Braamcamp, José Luciano, e muitos outros homens publicos importantes acompanharam-me então, e entre elles o mallogrado Santos Silva, meu prezado amigo e ornamento do partido, que proferiu na tribuna da camara dos deputados o notavel discurso, de que todos se lembrarão, onde, a par dos seus brilhantes dotes oratorios, e do seu levantado talento, revelou mais uma vez a nobre isenção do seu caracter e a grandeza do seu coração.

Houve, pois, uma dissidencia, não entre mim e o sr. duque de Loulé, mas entre diferentes elementos, que deu em resultado aquella especie de evolução. Mas isso durou pouco.

Mais tarde, em 1869 e 1870, o sr. duque de Loulé fez-me a honra de me convidar para tomar parte com elle no ministerio, em que entraram tambem os srs. Braamcamp e Luciano de Castro, provando assim que reconhecera a verdade e que me fazia justiça, desprezando as intrigas se tinham levantado a meu respeito.

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Portanto, as cinzas do nobre duque de Loulé podem ficar descansadas no seu tumulo, porque eu nunca faltei em vida ao que lho devia, nem era capaz do profanar-lho a memoria depois da sua morto.

Ninguem póde negar as grandes virtudes e nobres qualidades do duque de Loulé; mas qual é o homem isento de defeitos?
Esqueçamos, porem, os defeitos que tinha aquelle notavel homem d'estado, para só commemorar as suas grandes virtudes e qualidades. (Apoiados.)

Mas se as cinzas do duque de Loulé houvessem de se agitar no tumulo pelas cousas que se passam neste mundo, então ellas haviam do levantar-se indignadas ao verem que aquelles que pretendem vir aqui hoje reivindicar o seu nome, pertencem a uma fracção politica que o guerreou violentamente; que são os mesmo a que se uniram aos conspiradores contra elle, e que não obstante, estão agora colligados com aquelles que outrora tanto combateram! Se o conhecimento destes factos chegasse ao0 tumulo em que repousam as cinzas do nobre duque de Loulé, então sim, então é que ellas se haviam de agitar indignadas perante similhante profanação.

Sinto ter tido necessidade de me referir a questões desta ordem, que reputo alheias ao assumpto que se discute; mas fui a isso obrigado pelas allusões imprudentes e mal cabidas que me dirigiu o sr. ministro da fazenda. Feitas ellas, não podia deixar de me desafrontar. (Apoiados.}

Sr. presidente, vou terminar; mas antes disso direi porque é que a peroração do meu anterior discurso foi o que mais levantou contra mim as iras de s. exa.

O partido progressista, o meu velho partido progressista, nunca ha de ter valor, nunca ha de medrar na opinião do paiz, nunca ha de ser um grande partido emquanto não tiver só o culto das doutrinas liberaes, em logar de professar a idolatria dos homens; emquanto não tiver as boas praticas governativas de accordo com os grandes principios, e em vez disso apresentar programmas fallazes, que nunca se hão de cumprir. (Apoiados.}

O sr. ministro da fazenda, citando as palavras de Montalem bert a respeito da imprensa ingleza, disso que esta escrevia sempre dos acontecimentos, como elles eram, embora ás vezes fosse mais ou menos inspirada, pelas paixões nos seus commentarios; mas que a verdade demonstrava se mais tarde pela analyse imparcial dos factos.

E eu direi a s. exa., que invocou essa recordação, esse trecho que leu, no livro de Montalembert, que recomende essa doutrina á imprensa semi-oficial, e o interesse publico e p decoro hão de lucrar por certo com essa recomendação de não alterar a verdade dos factos.

Entre nós tem-se querido por meio de certa imprensa de se acreditar as instituições; tem-se querido, por meio de uma imprensa descommedida e licenciosa, fazer retirar da arena politica os homens publicos, cobrindo-os de insultos e de injurias. É um meio indigno de combater no systema representativo.

Deixe-se cada um luctar oferecendo as idéas que suppõe mais proficuas ao interesse publico, mas quando dois adversarios, se encontram, não pretendam assassinar nenhum delles com a arma da calumnia. Eu, pela minha parte, nunca tive medo dessa arma abjecta, porque tenho a minha vida muito pura tenho a consciencia de ter sempre, procurado prestar bons serviços ao meu paiz, e não tenho receio de que na analyse dos meus actos a minha reputação possa ficar maculada; mas lastimo que uma parte da imprensa entre nós se desmande, e que em vez de esclarecer o publico, olhando só ao interesse geral e á verdade, se conduza como especialmente influenciada por interesses mesquinhos e dominada pelas paixões mais condemnaveis.

Não é tambem fazendo voltear sobre a camara dos pares a espada de Damocles, o que aliás significa uma ameaça á independencia do voto não é desauctorisando e menospresando as instituições que se adquire o apoio da opinião publica. (Apoiados.)

Não se acatam as instituições ameaçando esta casa com uma reforma, que podem fazer quando quizerem, mas cujo phantasma é inutil apresentar para influir no animo dos homens que aqui se sentam. (Apoiados.)

Essa ameaça é sobre tudo um insulto aos novos membros que aqui entraram. Comtudo annuncia-se a delegação dos innocentes, (Riso.) para servir interesses cegos de um facciosismo desvairado.

Sr. presidente, em Inglaterra, no seculo XVIII, como brilhantemente escreveu mr. de Remusat no seu bello estudo dessa epocha naquelle paiz, houve grandes luctas, luctas porfiadas e violentas, para p estabelecimento do systema liberal e parlamentar. Nessas luctas, nesses grandes embates, houve, como era natural, o choque de paixões impetuosas. Dentre os escriptos desse tempo destacam-se as Cartas de Junius, cujo auctor ainda hoje não é conhecido. Nessas cartas fulminavam-se virulentamente os abusos do poder; escrevia-se com vigor e paixão, mas respeitava-se a individualidade de cada um.

E, sobretudo, sr. presidente, no meio da vehemencia dessa lucta apaixonada da imprensa, nunca na tribuna ingleza ousou levantar-se uma voz tomando a defeza ou intentando a justificação dos pamphletarios iracundos, ou dos folicularios soezes, que tivessem desacatado o throno. (Sensação.)

Sr. presidente, não é pretendendo engrandecer o que de si é pequeno, que os pigmeus se convertem em gigantes. Essa ambição de exalçar e magnificar o que por sua natureza é baixo e mesquinho, é uma tarefa ingrata e infructifera, pois que á Providencia approuve que a verdadeira grandeza nunca podesse existir senão onde houvesse bondade e virtude.

Sr. presidente, se consultarmos a historia politica de muitos paizes, havemos de reconhecer que nas sociedades ha homens fataes, que são como a mancenilheira, que matam os partidos politicos que se acolhem á sua sombra.

Sr. presidente, o meu velho partido progressista só póde governar, sendo um partido grande, pelas aspirações e pelo proceder, praticando resolutamente os principios liberaes, em vez de os apregoar por meio de programmas pomposos e fallazes. Quando o meu velho partido, seguindo honrosas tradições, procurar realisar aspirações elevadas e liberaes, trilhará o bom caminho. Sendo porem outro o seu proceder, sendo fatalmente guiado por certos homens, ha de afinal ver que estes, sr. presidente, quando julgam que levam nos braços, para os arremessar ás ondas do mar os restos inanimados desta opposição que os affronta, apenas levam, como o Rigoletto, involto na alva mortalha o cadáver do seu proprio partido. Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: - Como alguem póde entender que houve allusão menos agradavel para qualquer dos membros desta casa ou mesmo do ministerio nas palavras proferidas pelo digno par o sr. conde de Valbom, na ultima parte do seu discurso, e a fim de evitar uma tal interpretação, que eu não lhes dou, peco a s. exa. que tenha a bondade de declarar sem essas palavras houve alguma allusão a qualquer digno par ou a qualquer membro do governo.

O sr. Conde de Valbom: - Declaro que não fiz similhante allusão. Eu falei em termos geraes. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Simplesmente fiz este pedido ao digno par, não porque eu desse uma similhante interpretação ás suas palavras, como já disse; mas para evitar que alguem as desse. O digno par teve a bondade de acceder ao meu pedido, e por consequencia este incidente está acabado.

O sr. Barros e Sá: - A camara aprecia, certamente, em seu delicado criterio a dificuldade da minha actual situação. As circumstancias pessoaes em que me encontro collocam-me numa posição singularmente excepcional.- A quasi inesperada, intervenção no debate dos dignos pares que faltaram

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fintes de mim, eloquentes oradores, homens d'estado distinctos, companheiros nas luctas da politica e a quem dedico a maior estima; a intervenção do proprio chefe supremo da opposição politica, meu amigo de sempre, que julgou dever lançar no debate o peso enorme da sua auctoridade, o prestigio do seu nome e a eloquencia da sua palavra, aggravaram ainda mais as difficuldades, já grandes, com que tinha a luctar. Alem disto, o habito inveterado de obediencia a esse chefe illustre, adquirido durante o longo periodo de mais de um quarto de seculo em que militei sob a sua direcção o cominando, contrariando o direito e diminuindo a liberdade de apreciação, sem a qual não é possivel entrar nestas luctas da tribuna o do raciocinio, torna impossivel, absolutamente impossivel, a sustentação deste posto, a que fui arrastado polo principio do dever, e para o qual fui impellido pelos sentimentos do coração.

Eu pedi a palavra, logo no primeiro dia em que se abriu o debate e coube-me só neste quinto ou sexto dia, depois de terem fallado os distinctos oradores que a camara ouviu, os quaes, achando limitado e restricto o campo que o projecto lhes offerecia para desenvolverem o seu talento e darem mostras da sua eloquencia, se lançaram no campo immenso das discussões partidarias, e procuraram sondar os profundos abysmos das nossas questões financeiras. Mas eu não quero fallar de politica e não devo fallar de finanças.- Não quero entrar na apreciação das questões partidarias, porque não estou ligado a partido algum. Solto dos vínculos que durante mais de vinte e cinco annos me ligaram ao partido regenerador, não contrahi ainda outros laços. Não contrahi compromissos de qualquer especie ou natureza com grupo algum politico, nem com a situação que está representada no poder, nem com os srs. ministros, nem mesmo com aquelle a quem estou ligado pelos mais entranhados sentimentos do coração, pelos laços mais apertados, pelos vínculos mais fortes, mais doces e mais santos que podem ligar as pessoas, os laços da familia. Mas não devo perder a presente occasião para declarar, que saindo daquellas tendas fiz o que faz o soldado velho e cansado, que recebendo à mão do seu chefe, como guia de marcha, a sua fé de officio, collocando-a junto ao peito porque é o documento irrecusavel da sua honra militar, conserva no coração carinhosa recordação por todos os seus camaradas, na alma um grande enthusiasmo pela bandeira do regimento, um profundo reconhecimento, e uma admiração merecida, pelo illustre chefe que tantas vezes o conduziu á victoria. Fizemos todos longas campanhas, pelejámos juntos sob a mesma bandeira a da velha guarda, na qual estavam escriptas as palavras liberdade, ordem e tolerancia. - Eram estes os dogmas da nossa religião politica, os artigos da nossa crença, as virtudes da nossa theologia. Se hoje, se amanhã, se em algum tempo,- estes dogmas, estes artigos de fé, estas virtudes, forem atacadas e correrem perigo, eu voltarei ao antigo quartel e pedirei ahi um logar, um posto para o combate, e succumbirei ao lado dos antigos companheiros. - Mas o projecto em discussão, não ofende, não contraria, não macula a nossa bandeira, a nossa crença, a nossa religião;- é um projecto de pura e simples administração financeira, que cabe dentro da nossa doutrina, e que póde ser defendido e votado por mim, tendo ao meu lado ao sr. Martens Ferrão antigo soldado e hoje general do partido regenerador, sem que por isso possamos ser taxados de perjuros ou havidos como desertores.

Assentada assim a minha posição, e explicada por esta forma a indole da questão, entro desassombradamente na materia do projecto e no assumpto da discussão.

Ouvi sempre dizer que toda a questão que é bem posta, fica logo meia resolvida. Farei, pois, diligencia para estabelecer bem a questão e por firmar com clareza o ponto do debate.

Do que tratamos? - Nós não tratamos, nesta occasião, de discutir ácerca do principio justificativo do direito que temos para decretar a presente imposição. Isso importaria uma alta questão politica, digna dos mais serios estudos.- Não tratámos de discutir ácerca da base e da incidencia do imposto. Isso importaria uma questão politica e economica capaz de attrahir a attenção reflectida do parlamento.- Não discutimos tambem ácerca da taxa do imposto. Essa questão seria ainda da maxima importancia financeira. - Que discutimos, pois? - Discutimos, só e unicamente, ácerca do modo, do methodo e do systema por que o imposto deve ser percebido ou cobrado. Tratámos do modo pratico por que devemos executar e dar cumprimento á lei que creou e estabeleceu o imposto. - O imposto está creado, estabelecido e taxado. Qual será o melhor modo pratico de o cobrar? - Estamos, pois numa questão muito restricta o limitada, muito pratica e positiva.- E ainda assim, não se trata de indagar ou discutir se o systema da administração directa é melhor que o do arrendamento, ou qual delles é preferivel, qual delles tem maiores inconvenientes ou vantagens. Nós não pretendemos substituir este aquelle methodo, nem condemnar a administração directa para glorificar o arrendamento. Nada disto. - O que discutimos é, se, continuando o systema da administração directa a ser observado, como regra geral, em todos os concelhos onde e dêem circumstancias geraes e normaes da administração publica, será conveniente que se ensaie de novo o systema do arrendamento nos concelhos onde se derem circumstancias excepcionaes. Pretendemos que a administração directa continue a ser a regra, mas entendemos tambem que em alguns concelhos do reino podem existir circumstancias especiaes e excepcionaes que aconselhem a conveniencia do adoptar o methodo pratico do arrendamento. Parece-nos que em circumstancias geraes e ordinarias deve continuar a ser executado o systema geral e ordinario, mas que quando se derem casos excepcionaes poderá ser adoptado um methodo tambem excepcional.

A commissão pareceu que n'aquelles concelhos em que, em rasão da distancia em que estão dos centros da administração publica, tendo uma larga area de extensão, era que a população está disseminada, onde portanto a acção da auctoridade é frouxa, fraca e quasi impotente, será conveniente e util ensaiar de novo o methodo de arrendamento, a fim de que afferindo um methodo pelo outro, comparando praticamente os inconvenientes de cada um, e as suas vantagens, possam depois os poderes publicos tomar as providencias que parecerem melhores, corrigir e aperfeiçoar cada um delles, e optar por fim com perfeito conhecimento de causa por qualquer d'elles.

Tal é a questão. Nós não tratámos de condemnar o systema da administração, e dar vida e sancção ao da arrematação. Se se tratasse de condemnar a administração, e de o substituir pelo da arrematação; se se tratasse de arrematar em todo o reino, em toda a parte, os impostos do consumo constituindo uma sociedade emprezaria com as faculdades e poderes com que noutro tempo se faziam taes arrematações, quem poderia approvar similhante pretensão!? Quem se animaria a defender hoje o publicano geral dos impostos de consumo?!!

A nossa pretensão é muito limitada. Pretendemos que onde se derem causas e circumstancias geraes, fique era pé o systema geral, mas que onde se derem circumstancias excepcionaes possa ser adoptado o methodo excepcional.

Assim posta a questão, poderá haver alguem que negue o seu voto ao projecto?! Cuido que não. Examinemos porem, as rasões com que tem sido impugnado o projecto. Vejamos quaes o que valor teem os argumentos com que se tem pretendido obter a condemnação do projecto.

O projecto foi impugnado:

1.° Porque importava uma restauração;

2.° Porque era um systema velho e caduco, usado só no antigo regimen;

3.° Porque repugnava aos principios da liberdade e da civilisação actual;

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4.° Porque era proprio só das sociedades no seu estado rudimental;

5.° Finalmente, porque não tinha exemplo senão na Hespanha e na Turquia.

Não ouvi outros argumentos; Se algum outro se apresentou, rogo aos dignos pares que, interrompendo-me, mo recordem.

Que importa uma restauração?!!
Mas que fazemos nós aqui diariamente senão restaurar umas leis e revogar outras?!
De que se compõe a collecção das nossas leis senão de successivas restaurações?!
Qual é a missão do legislador senão restaurar, modificar e revogar a legislação?!

O imposto sobre o consumo dos generos alimenticios, que designamos pelo nome de real de agua, não tem, sido cincoenta vezes restaurado desde a sua introducção no paiz em 1643?

Este imposto, e juntamente com elle o imposto sobre a transmissão da propriedade inovei e immovel, no estado em que o temos, não representam ar restaurarão successiva e ininterrompida do antigo imposto, das sizas denominadas das correntes, do ferrolho e do cabeção?!

Não foi o antigo imposto da siza revogado em 1832 por Mousinho da Silveira, posteriormente restaurado por uma lei de 1841, revogado em parte por um decreto de dictadura assignado pelo sr. Fontes? e de novo restaurado pela legislação fiscal em 1860-?!!

Não importou à lei dós foraes de 1846 uma verdadeira restauração, ainda que parcial, da antiga legislação sobre os direitos banaes?

Não tem sido a legislação franceza sobre os impostos do consumo muitas vezes revogada, modificada e restaurada?!

Não tem acontecido outro tanto na Hespanha quanto aos impostos sobre o consumo?!

Não é esta camara uma restauração dos dois antigos braços da nobreza e do clero, que faziam parte essencial das antigas côrtes?

Não é a camara dos deputados a restauração" do antigo terceiro estado o braço do povo?!

Não foi já o digno par o sr. Antonio Serpa restaurado no ministerio em 1878?!

Veja pois a camara que sem numero de restaurações tem havido, e não me parece que todas estas restaurações possam ser condemnadas só porque o são!!

Diz-se, que é um systema velho, e só proprio do antigo regimen? Foi o segundo argumento.

E porque é velho deve ser condemnado?! Porque é antigo deve ser proscripto??! Porque veiu do antigo regimen deve ser escommungado?!

Pois tudo o que é velho, é mau? e só porque é velho deve ser anathemisado?!!

Qual será mais velho, p imposto do real de, agua ou o systema de arrematação deste imposto?

O imposto foi creado em 1643, a arrematação foi estabelecida em 1761. Se pois em nome da velhice condemnaes a arrematação, deveis condemnar primeiro o imposto que é mais velho, e é a causa da arrematação.

Eliminae antes a causa e cessará o enfeito!! Os dignos pares porém, condemnam o effeito e deixam subsistir ã causa!!! Não vos indica a vossa rasão que estaes illogicamente laborando em terreno falso e contradictorio?! Mas se esta minha argumentação, não vos convence, se os meus raciocinios não vós persuadem a verdade das minhas asserções, se as minhas rasões não podem abalar a vossa convicção, permitti-me que eu recorra aos argumentos da vossa propria auctoridade; - permitti que eu me colloque á sombra e sob a protecção da respeitavel auctoridade de um digno par que já aqui nesta questão ouvimos com prazer, e cuja sciencia nós admiramos, o qual em occasião similhante, quasi 4dentica, pois se tratava, do arrendamento: por arrematação de um imposto, em palavras eloquentes dizia:

"Foram aqui produzidas outras rasões em verdade curiosas. Diz-se: acabemos com a arrematação... porque é uma velharia, uma instituição caduca, uma instituição que tem dois seculos de existencia, que data de D. Pedro II. Mas só porque é uma instituição velha, havemos acabar com ella? É isto rasão sufficiente?. .. Por este principio vamos acabar com os hospitaes, com as misericordias, porque tambem são instituições velhas, porque têem mais de dois seculos. Que argumentos são estes que se produzem? É uma velharia com que se deve acabar!! O querer deitar abaixo tudo o que é velho, só porque é velho, é que é uma velharia, e uma velharia que, se bem me recordo, tem esses mesmos, dois seculos de existencia. Não sei se esta idéa germinou antes em alguma cabeça humana, mas sei que faz exactamente dois seculos que,- em Inglaterra - um membro do parlamento, no tempo de Cromwell, disse que era melhor lançar por terra tudo quanto existia, e para começar, propunha que se lançasse fogo á torre de Londres, que continha todos os archivos do reino.

"Vejo que estas theorias teem agora quem as perfilhe e as sustente. Mas é notavel uma cousa. Se s. exa. diz que acabemos com a arrematação... que é uma cousa velha, e porque é velha, e quer que lhe substituamos a regie, toda a gente pensaria, e talvez o illustre deputado pense que a regie é uma cousa nova. Pois, não é; é velha e antiga. É caduca, tem a mesma idade. É só nova para Portugal, mas é velha para França, onde clamam contra ella os economistas, como Coquelin, que diz que é propria dos paizes bárbaros.

Vozes: - De quem é? De quem é?

O Orador:- O estylo indica o auctor.

Vozes repetidas: - De quem é?

O Orador: - Este discurso foi pronunciado pelo nosso digno collega, o sr. Serpa.

Nada mas digo quanto ao argumento da velhice. Aos argumentos do digno par de hoje respondo com os argumentos do antigo deputado.

Mas, disse tambem o digno par que a arrematação só tinha exemplo na Turquia e na Hespanha. Eu sinto que as leis administrativas e financeiras publicadas hoje em Constantinopla não possam servir o exemplo e de modelo ás nações da Europa actual, do mesmo modo que as leis civis, ahi publicadas, já serviram de exemplar e de texto para as legislações civis de todos os povos do mundo antigo, e ainda hoje o são para as nações modernas. Eu fiz a minha pequena educação juridica sobre o corpo das leis publicadas em Constantinopla, e sobre os tratados de direito ahi escriptos - Sinto que na Constantinopla de hoje não haja um imperador como Justiniano, um legislador como Treboniano, jurisconsultos como Paulo e Ulpiano: sinto pois que não possamos apoiar a nossa opinião com os exemplos do que se pratica hoje em Constantinopla, sinto isto muito. Mas quem se referiu aqui as leis politicas ou administrativas de Constantinopla? Quem invocou o exemplo da Turquia? Fomos nós ou foram os dignos pares? Nós não. Para que os argumentam, pois, com exemplos que nós não invocamos?
Eu sei que o sr. Ministro da fazenda foi a Constantinopla, e que teve a leviandade de pretender estudar os costumes dos povos orientaes por onde viajou. Praticou esse grande crime que o torna indigno da confiança de alguns dignos pares, mas não sabia que o sr. Ministro tinha trazido de Constantinopla o seu relatorio sobre a fazenda publica, e os seus projectos fazendeiros. Escondeu-me s. exa., esse acto atroz da sua vida?!!
Mas permita-me v. exa., sr. Presidente, que eu, infringindo o regimento, me volte para o digno par o sr. Sampaio, meu velho e honrado amigo, e lhe faça seguinte pergunta:
D'onde trouxe s. exa., o artigo 123.º do seu projecto do

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codigo administrativo. Trouxe-o da Turquia? Veiu-lhe de Constantinopla? Dizem contra o nosso projecto que, recaindo o imposto sobre os artigos de comer o beber e arrendando-os, auctorisamos a que rendeiro invada o interior da vida domestica, para examinar o que se come e o que se bebe, o que importa um insupportavel vexame, contra o qual se revolta a consciencia publica, e protesta a inviolabilidade do lar domestico.

Tudo isto é falso. O imposto de facto rccae hoje só sobre as vendas a retalho feitas nas tabernas, estalagens e casas publicas. Assim, admitindo por hypothese a forca do argumento que fazem contra nós, só poderia dizer-se que o, rendeiro e seus empregados podem invadir o sagrado interior da taberna, da estalagem ou da venda ambulante. Não póde ir mais longe, porque fora destes logares não ha imposto que effectivamente se cobre ou se perceba.

Mas o sr. Sampaio, no seu projecto do codigo administrativo, propunha que o imposto de consumo recaísse não só sobre a venda a, retalho mas tambem sobre a venda por junto e por grosso, e ainda mais tambem sobre o consumo domestico e familiar de todos os generos de comer e beber, quer proviessem, de compras anteriores, quer de doações ou offertas e presentes, quer da propria lavra, e producção. E como por outro lado o sr. Sampaio propunha tambem, que estes impostos fossem arrematados, era consequencia forçosa, inevitavel, que o rendeiro podia devassar, não só o interior da taberna e da estalagem, mas igualmente e tambem o interior das familias particulares que não vão comer nem beber á taberna. Podia assim o tal rendeiro medir o azeite que se gasta na cozinha, o vinagro que te consome, o arroz, que come, o toucinho, a carne, tudo, tudo, absolutamente tudo o que come e bobe uma familia!!!

Qual das propostas será, ou seria, mais vexatoria?!! Donde trouxe o sr. Sampaio o seu projecto? Foi da Turquia? Foi de Constantinopla? Donde veiu? Veiu de Tunes, de Fez, de Marrocos?

Sr. presidente, muito pouco felizes são es argumentos contra o projecto. É certo que o tal artigo 125.° com que o sr. Sampaio quiz civilisar-nos não passou nesta camara, o que prova que esta camara serve ainda para alguma cousa. Mas perguntarei ao sr. Sampaio, ainda com permissão de v. exa., se quando nós reunidos em commissão em logar de boas rasões e de argumentos procedentes, disséssemos a s. exa. que o seu projecto era brutal, leviano, infantil ou outras cousas similhantes, que nos responderia s. exa? S. exa. responderia: Vós, em logar de discutir insutaes-me, injuriaes-me, offendeis o meu amor proprio, e sob o peso de taes invectivas não posso ceder. Efectivamente, nós, com boas rasões, convencemos, ao sr. Sampaio., o s. exa., condescendente e recto como é, consentia na eliminação do artigo, e tudo o mais se passou em bem, tudo ficou muito bem.

O sr. Rodrigues Sampaio: - É o que agora deviam fazer tambem. (Riso na assembléa.)

O Orador: - Sim, é o que nos fariamos se tratássemos de querer introduzir o arrematante dentro do santuário da familia, mas nós não queremos que elle passe da taberna e da estalagem. (Apoiados.)

Nós não queremos que o publicano entro na cozinha e vá mexer na panela do pobre (Hilaridade,) para saber o que lá se metteu, e se estão pagos os direitos do fisco. Essa ideia, esse pensamento, esse poder, estava na proposta do sr. Sampaio.

Já vê, pois, a camara que o projecto em discussão não é merecedor das alcunhas com que foi injuriado. - Outro houve, trazido ao parlamento por s. exas, que era muito mais digno de taes qualificações.

Disse-se: "o exemplo da Hespanha não procede". E porque?- Pois a Hespanha não é uma nação civilisada, regida por instituições liberaes e representativas? Não tem a Hespanha as mel li ores leis financeiras e administrativas? Não foi á lei administrativa hespanhola de 1870 que o sr. Sampaio foi procurar modelo, para o seu codigo administrativo, que hoje é lei do paiz? Não foi á Hespanha que o sr. conde do Casal Ribeiro foi buscar o exemplar para as leis financeiras de 1860, as quaes só por si fazem a reputação e o credito do digno conde? Não foram leis de Bravo Murilo as que lhe serviram de guia, e sobre que formulou as suas propostas do fazenda? Pois serviram então as leis de Hespanha ao sr. Sampaio e á situação regeneradora de 1860, e já hoje não servem porque deixou de ser nação civilisada? Que lógica, que coherencia têem os dignos pares na sua argumentação?

Mas se a Hespanha não serve para auctoridade, não poderá servir a Itália? - A Itália é uma nação civilisada, que caminha na carreira do progresso, é regida por instituições parlamentares e tem um governo liberal, quasi radical; parece, pois, que o seu exemplo não poderá ser rejeitado, e no entanto na Itália o imposto sobre o tabaco é cobrado e percebido por meio de arrendamento e arrematação. Está adjudicado a uma companhia co-interessada. Não se admiram os dignos pares?!! Recusam s. exas. a auctoridade do exemplo da Itália?? E acrescentarei que longe do governo italiano se envergonhar de cobrar por arrematação o imposto sobre o tabaco, antes pelo contrario, ainda ha poucos dias foi nomeada uma grande commissão de inquerito para estudar se conviria alterar o systema da arrematação ou continuar nelle. No jornal L'Italie, de 30 de janeiro preterito, li eu o questionário redigido por essa commissão, e no artigo 2.° desse questionário foi recommendado a todas as camaras de commercio e commissões agricolas que examinassem e emittassem a sua opinião ácerca da conveniencia, ou não conveniencia, de continuar o systema da arrematação.

Não é, pois, só na Turquia e na Hespanha, é tambem na Itália, e o exemplo da Itália não é para recusar.

Mas temos igualmente em nosso favor o exemplo da França, aonde os impostos municipaes podem ser, e efectivamente são, arrendados em hasta publica, systema este que foi restaurado em 1809, modificado em 1816, e que depois tem subsistido constantemente até hoje, atravessando o imperio, a legitimidade, a monarchia de julho, a republica democratica de 1848, o segundo imperio, a actual republica!! Como pois, dizem os dignos pares que o systema hoje proposto repugna ás idéas da liberdade e da civilisação?! Pois nem já a França actual póde ser invocada como exemplo de uma nação civilisada?!!

E não são só os impostos municipaes os que são arrematados em Franca. Tambem ha impostos geraes que são dados do arrendamento. - Ainda ha dois annos o imposto sobre os phosphoros foi arrematado a uma companhia, unica para toda a França, tendo a faculdade do o sublocar, e foram tão exorbitantes as condições deste arrendamento, que foi preciso submetter o contrato a uma approvação posterior do parlamento. - Ainda ha dois annos se praticou este escandalo na primeira das nações civilisadas da Europa.

Como, pois, dizer que o systema, do arrendamento é só proprio das sociedades no sou estado nascente e rudimental?!! Onde e perante quem se dia isto?!! Pois os pares que defendem o projecto não têem direito de ler e saber o que se passa, e o que se legisla nas nações da Europa?!!

Pelo que respeita ao nosso paiz já indiquei que todos os impostos municipaes se arrematavam em virtude da disposição do artigo 370.° do codigo administrativo de 1878, proposto pelo sr. Sampaio, e approvado por nós todos sem reclamação ou impugnação nesta parte.

Se os impostos de consumo para o municipio cão arrematados, porque o não poderão ser tambem es impostos de consumo para o estado?

Nós não propomos a restauração de um principio caduco e antiquado, propomos a continuação do principio admittido já na legislação vigente.

É? porventura, não arrendou o sr. Corvo ao governo inglez o imposto do sal na Índia? Não consentimos nós nesse

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arrendamento? Não o approvámos nós no anno passado? Pois desde quando deixou o arrendamento de ser bom principio? Tremem e horrorisam-se agora os dignos pares ante o arrematante do real de agua no concelho da Lourinhã, do Cadaval, de Freixo de Espada á Cinta,- e não tremeram quando constituíram rendeiro a um governo estrangeiro, que tem exercitos, esquadras e diplomacia? Pois os escrupulos pelos principios nasceram hoje?!! Sujeitaram os povos da Índia aos empregados do governo inglez, obrigaram-se a estabelecer uma nova e especial legislação penal, e acham que arrematar o real de agua por concelhos a qualquer publicano de aldeia, cujos capitães não excederão a 1:000$000 réis, é cousa horrorosa, medonha, estupenda?!!

O que é mau nas margens do Tejo não o será igualmente nas margens do Mando vi? Já a lei não é igual para todos? Seria acção meritoria arrendar á famosa Albion, e brutal arrendar a qualquer taberneiro de Murça ou de Vinhaes?!!

Onde estava o amor pelos principios no anno passado?! Podiamos nós todos votar, no anno passado com o applauso dos dignos pares, o arrendamento do imposto do sal ao governo inglez, votando ao mesmo tempo a expropriação das salinas aos proprietarios, e convertem-se agora em censuras esses applausos, só por queremos auctorisar a arrematação em alguns concelhos isoladamente, sem privilegio algum para o rendeiro, sujeitando-o em tudo ao direito commum, poupando ao estado as despezas e os riscos da cobrança?!!

Sr. presidente, se os argumentos de auctoridade valem, ninguem póde soccorrer-se a melhores auctoridades do que eu. Tenho por mim a auctoridade do sr. Corvo, do sr. Fontes, do sr. Sampaio, de todos os ministros da situação passada e a do nosso parlamento!!!

Eu não creio que s. exas tenham mudado de opinião; sei que não mudaram, o que mudou foram as circumstancias e as posições. No anno passado eram ministros, hoje são opposição!!!

Eu, sr. presidente, approvei no anno passado, e approvo este anno. Nem mudei de idéas nem de posição.

Vejo que deu a hora e peco para ficar com a palavra reservada para amanhã.

(O orador foi comprimentado por muitos dos dignos pares e pelos srs. ministros.)

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar amanhã, continuando a mesma, ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 5 de março de 1880

Exmos srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista. da Silva Ferrão de Carvalho Martens; Duque de Palmella; Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna, da Louzã; Arcebispo de Évora; Condes, de Avilez, de Bertiandos, de Bomfim, de Cabral, de Castro, do Farrobo, de Gouveia, de Linhares, de Paraty, de Porto Covo, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Fonte Nova, da Torre, de Valbom; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, do Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de S. Januario, da Silva Carvalho, de Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Côrtes, Trigueiros Martel, Braamcamp, Baptista do Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Cardoso, Lourenço da Luz, Mello e Gouveia, Mattoso, Mexia Salema, Camara Leme, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Castro Guimarães, Seixas, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu,- Calheiros, Ferreira do Novaes, Ferrer, Seiça e Almeida, Thomás de Carvalho, Vaz Preto.

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