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N.º 23

SESSÃO DE 7 DE MARÇO DE 1892

Presidencia do Exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Antonio Augusto de Sousa e Silva

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. Thomás Ribeiro, referindo-se ao discurso em que, n'uma das passadas sessões, fallou do desastre occorrido no molhe da Madeira, explica a sua intenção. Chama a attenção do governo para um artigo publicado n'um jornal de Pretoria, que se occupa da emigração dos boers para o planalto de Mossamedes. - O sr. Jeronymo Pimentel manda para a mesa um requerimento, pedindo documentos, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, e pede que seja aggregado á commissão de administração publica o sr. Gusmão. A camara resolve que seja aggregado aquelle digno par á referida commissão. - O sr. Tavares Pontes faz uma rectificação á parte do extracto official que se refere ao seu discurso. - O sr. Bernardino Machado manda para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino.

Ordem do dia: continua a discussão do projecto de lei de incompatibilidades. - Usam da palavra os srs. Camara Leme e conde de Thomar, que apresenta e justifica uma proposta de lei, em substituição da que se discute. E lida na mesa, e admittida á discussão, a proposta do sr. conde de Thomar. - O sr. Thomás Ribeiro (relator) propõe que O projecto em discussão volte á commissão com a proposta do sr. conde de Thomar, e pede a todos os dignos pares, que tencionem apresentar quaesquer emendas, que as remettam á commissão para serem por ella apreciadas, e pede tambem que sejam aggregados á commissão os srs. Antonio de Serpa e Hintze Ribeiro. - O sr. presidente pede ao digno par que mande por escripto para a mesa a proposta. - É lida, e admittida á discussão, a proposta do sr. Thomás Ribeiro, e em seguida approvada. E tambem approvado o pedido do mesmo digno par. - O sr. presidente declara que, em virtude da votação da camara, o projecto de lei do incompatibilidades volta a commissão conjunctamente com a proposta do sr. conde de Thomar, e será de novo posto em ordem do dia logo que a commissão de o sen novo parecer.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 28 dignos pares, abriu-se a sessão.

O sr. Presidente: - Convido o digno par o sr. Sousa e Silva a vir occupar o logar de segundo secretario.

Foi lida, e approvada a acta da ultima sessão.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio, vindo da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição já ali approvada, que tem por fim auctorisar as camaras municipaes dos concelhos de Niza e Alvito a desviar respectivamente do cofre da viação, 3:500$000 réis e 2:830$750 réis, e correspondentes juros, com applicação a obras indispensaveis e urgentes.

Outro, vindo da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo um projecto de lei, que tem por fim auctorisar as camaras municipaes dos concelhos de Vianna do Alemtejo, Arraiolos, Ferreira do Zezere, Mação e Freixo de Espada á Cinta a desviar do cofre da viação, respectivamente, 886$000 réis, 1:000$000 reis, 236$000 réis, 1:200$000 réis e 783$329 réis, para os fins de utilidade e sanidade publica.

Officio, vindo da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo um projecto de lei, que tem por fim approvar o contrato celebrado em 26 de junho de 1890, entre a camara municipal do concelho de Villa Real e Leopoldo Augusto das Neves, para illuminação da villa d'aquelle nome por meio de luz electrica.

Officio, vindo da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo um projecto de lei que tem por fim fazer nova divisão das assembléas eleitoraes do concelho das Caldas da Rainha, pertencente ao circulo 69.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, referi-me ha dias á noticia de um desastre occorrido na ilha da Madeira, noticia que infelizmente foi confirmada pelo sr. presidente do conselho, e hoje não resta duvida a esse respeito.

N'essa occasião disse eu que me constava não ser este caso para todos uma grande surpreza, porque havia uma informação official do director das obras publicas do Funchal, em que se declarava não parecer bastante solida aquella construcção, sendo para receiar que na primeira convulsão do mar, em occasião de temporal, podesse alluir-se o paredão.

Esse molhe foi construido depois de estudado o projecto, e, provavelmente, depois de approvado pela junta consultiva de obras publicas; portanto, eu lamentando esse desastre, não quiz lançar de nenhuma fórma desfavor sobre os que fabricaram o molhe.

Recebi, em consequencia das poucas palavras que aqui pronunciei, uma carta de mr. Maury, que eu sei agora ter sido o empreiteiro d'aquellas obras, lamentando que se tivesse querido lançar sobre elle algum desfavor na camara dos dignos pares, pela minha voz.

Sr. presidente, eu sou incapaz de accusar quem não conheço, e nem sequer sabia ter sido o sr. Maury o empreiteiro desta obra. Não accusei ninguem, se alguma cousa censurei, foi o pouco caso que os poderes competentes, no ministerio respectivo, que era o das obras publicas, fizeram da participação que os devia prevenir contra esse desastre, se porventura essa participação existe ou se foi communicada.

Sei que é um homem muito serio o empreiteiro que só agora sei, repito, ter sido o sr. Maury; nada tenho que dizer nem contra elle, nem contra aquelles que o ajudaram na sua empreza.

Agora desejo fazer cabal reparação, como elle o deseja certamente e o pede na sua carta, que é simplesmente de queixume.

Desejo que v. exa. inste, cada vez com mais instancia, para que se saiba se existe no ministerio das obras publicas um officio, a que eu me referi, e que é do sr. Lopes de Andrade, então director das obras publicas do Funchal. Creio poder dizer que esse officio tem a data de 29 de outubro de 1888; portanto, v. exa. poderá instar pela remessa d'elle, citando esta data, a fim de se poder dizer mais alguma cousa que possa convir, tanto aos interesses do paiz, como aos creditos do empreiteiro.

Sinto que não esteja presente o governo. Sei que tem muito que fazer, mas nós desejâmos tanto, ás vezes, con-

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versar com os srs. ministros, sobre assumptos de interesse publico, que esta minha saudade deve ser-me desculpada.

Outro assumpto:

Recebi de Pretoria, na republica do Transvaal, um jornaal, que de certo foi tambem recebido pela imprensa de Lisboa, que me parece já vi n'um jornal nosso referencias áquelle. Esse jornal traz algumas noticias que vou relatar á camara e cuja leitura eu desejava recommendar ao sr. ministro da marinha.

Nós temos um ponto, talvez unico, na? nossas possessões africana onde póde facilmente estabelecer-se, aclimar-se e reproduzir-se a raça europêa: é o planalto de Mossamedes. Tive eu já o desejo ardente da ir ali para ver se fazia alguma cousa util, o que não é muito facil de conseguir já agora n'este paiz, mas imaginaram n'essa occasião que eu queria vender caro os meus serviços, quando eu os offerecia gratuitos e da melhor vontade; tenho d'isso testemunhas.

Parecia-me sr. presidente, que nós podiamos estabelecer ali uma grande succursal do nosso paiz, onde estivessem representados os nossos interesses, (Apoiados.) fundar ali um grande imperio com gente nossa, podendo talvez, sem a despeza e o sacrificio de grandes exercitos, assegurar na Huina a mais efficaz defeza dos nossos dominios coloniaes.

Acredito mesmo que talvez o caminho do ferro, que deve ligar o planalto com os portos maritimos, se não se poder fazer directamente pelo estado, em vista das circumstancias das nossas finanças, poderia ser feito, por essa gente que ali for estabelecer-se. Ou por virtude d'ella.

Ora, o planalto de Mossamedes acha-se, é certo, occupado em differentes pontos por gente portugueza; mas é tambem certo que muita d'essa gente, parece, não poucas vezes tem já appetecido abandonar-nos, á força de por nós se sentir abandonada.

Ora, é sabido que os boers, essa raça somada de caracter arrojado e activo, acostumados aos seus carros habitações que fazem transportar para toda a parte, tirados por grande quantidade de juntas de bois, têem ha tempo amiudado para ali as suas visitas; e agora n'este jornal de Pretoria declara-se que os que vieram do planalto tratam de engajar uma grande leva de gente para irem com ella installar-se ali, onde encontram, a par de um clima excepcional na Africa, terrenos de uma feracidade exuberante, e todas as condições emfim de prosperidade e desenvolvimento.

Em vista d'isto, parece-me de bom conselho que tratemos de precaver-nos contra possiveis, senão provaveis conflictos futuros, em que a auctoridade portugueza ali póde vir a ficar muita abalada, porque os boers são muito valentes e muito emprehendedores; e promptos e aptos a lançar raizes em quaesquer territorios onde possam estabelecer-se, sendo comtudo rebeldes, ao dominio da gente que não seja da sua raça. As suas auctoridades hão de ser suas, e não nossas, porque elles a nenhuma auctoridade estranha se submettem.

Desde que os inglezes se apossaram das suas colonias do Cabo, elles tornaram-se errantes, só para se não sujeitarem ao dominio estrangeiro e errantes se conservam emquanto não acham um ou outro ponto em que se estabeleçam sob a sua propria administração. Saídos do Cabo dirigiram-se para a contra costa. Os inglezes, vieram, porém, espreital-os e querel-os para si? Novo exodo os levou ao rio de Orange e ao Transwal, onde após muitas luctas conseguiram ser de si. Portanto, estes homens não acceitam por fórma nenhuma governo que não seja exercido por gente que não seja da sua raça.

Ora os boers vieram encontrar no planalto de Mossamedes condições boas para se estabelecerem, em terrenos excellentes para cultivar.

Estes homens estão formando corpos de emigrantes que se vão estabelecer em Huila e suas proximidades, e não querendo elles acceitar dominio alheio hão de provavelmente crear auctoridade sua.

Ora, porque é que o governo não ha de olhar muito attentamente para este assumpto, e trabalhar para remediar um mal que ainda é remediavel?

Ali, é ali que deve fundar-se a Nova Luzitania; este era eco meu ideal.

Como não vejo presente nenhum membro do governo, mais uma vez appello para a benevolencia de v. exa. a fim de que as minhas palavras sejam levadas ao conhecimento do sr. ministro dos negocios da marinha e do ultramar e para que ao menos não seja por falta minha que se deixe de avisar os poderes publicos de um perigo que parece ser tempo ainda de remediar se pensarmos muito attentamente sobre esta questão, e talvez se possa fazer alguma cousa proveitosa para o paiz sem grandes despendios.

Mas como não está presente o sr. ministro da marinha e do ultramar, que é muito conhecedor d'estes assumptos, termino por aqui as minhas considerações.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas ao seu discurso.)

O sr. Presidente: - Communicarei aos sr. ministros das obras publicas e da marinha as observações do digno par.

Tem a palavra o sr. Jeronymo Pimentel.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento, pedindo alguns esclarecimentos, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, que é do teor seguinte:

(Leu.}

Sr. presidente, espero que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, a cujo caracter presto inteira homenagem, não deixará de, sob pretexto de quaesquer reservas diplomaticas, remetter os documentos que peço.

Desejo discutir e apreciar o acto da demissão d'aquelle funccionario, e não quererá de certo o nobre ministro recusar-me esses documentos, que me são necessarios para bem poder apreciar esse acto.

Já que estou com a palavra aproveito a occasião para pedir a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que seja aggregado á commissão de administração o sr. Vasconcellos Gusmão, porque, como v. exa. sabe, tem havido grandes difficuldades em se reunir essa commissão por se acharem ausentes alguns dos seus membros.

O sr. Presidente: - Vae ler-se, o requerimento mandado para a mesa pelo digno par o sr. Jeronymo Pimentel.

Leu-se na mesa, É ao teor seguinte:

Requerimento

Roqueiro que, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, sejam com urgencia enviadas a esta camara copias dos telegrammas que nos dias 15, 16 e 17 de fevereiro ultimo foram expedidos para áquelle ministerio pelo nosso ministro então em Haya, visconde de Pindella, bem como dos officios pelo mesmo dirigidos nos dias 15 e 16 d'aquelle mez e dos documentos que os acompanhavam. = Jeronymo Pimentel.

O sr. Presidente: - O requerimento vae ser immediatamente expedido.

O digno par o sr. Jeronymo Pimentel pede que seja aggregado á commissão de administração publica o sr. Vasconcellos Gusmão.

Os dignos pares que approvam este pedido tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Tavares Pontes.

O sr. Tavares Pontes: - Sr. presidente, quando hon-

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tem li o extracto da sessão desta camara, de 4 do corrente, fiquei surprehendido por ver que se me attribuem pensamentos e opiniões, que não enunciei, nem sustentei. Lê-se ali que eu não concordava com a doutrina do artigo 1.º do projecto que se discutia, quando a, verdade é que semente o invoquei na parte em que comprehende na incompatibilidade que decreta, os conselheiros d'estado. Tambem ali se ie que eu affirmára que, se estivesse presente na reunião da commissão, em que se deliberou inserir no projecto o § 1.° do referido artigo, o teria rejeitado, quando a verdade é que nem a elle me referi.;

O que eu impugnei foi o § 2.° Confirmam esta minha reclamação as propostas que mandei para a mesa e que no extracto a que venho de referir-me se acham exactamente transcriptas.

Para que similhantes inexactidões e contradicções se não repitam, peço a v. exa. se digne dar as ordens necessarias, porque de outro modo será melhor supprimir os extractos das sessões.

O sr. Presidente: - Far-se-hão as rectificações que o digno par deseja, sendo mencionada no extracto desta sessão a reclamação de s. exa.

O sr. Bernardino Machado: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte nota de interpellação ao sr. ministro do reino.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a nota de interpellação, mandada para a mesa pelo digno par.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

Nota de interpellação

Declaro a v. exa. que desejo interpellar o sr. presidente do conselho; sobre as suas reformas de instrucção publica, ultimamente decretadas. = O pardo reino eleito pelo collegio scientifico, Bernardino Machado.

O sr. Presidente: - Vae ser communicada ao sr. ministro do reino, é logo que s, exa. se julgue habilitado a responder, será dada para ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, e tem a palavra o digno par o sr. Camara Leme.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, sinto não ver nenhum dos dignos pares que na ultima sessão impugnaram, o projecto que se discute.

Eu estou no meu posto, como, no fim da batalha de Waterloo, um soldado da velha guarda que morre, mas não se rende.

Sr. presidente, eu desejava, antes de entrar tia materia de que trata o projecto, referir-me ao meu illustre amigo e digno par sr. conde de Castro, que na ultima sessão aqui apresentou, como questão previa, uma proposta que a camara rejeitou.

Com respeito a essa questão previa, devo eu dizer que estranhei que o illustre presidente da commissão tivesse votado a proposta do digno par sr. conde de Castro, e que no seio d'ella não tivesse dito uma unica palavra sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do; projecto. Surprehende-me ainda mais que o digno par o sr. marquez de Fontes Pereira de Mello votasse a moção do digno par o sr. conde Castro, sem se lembrar que o seu illustre tio não julgou inconstitucional a lei de 23 de maio de 1878 que reformou esta camara.

Quando o digno par sr. conde de Castro apresentou a sua questão previa, eu julguei que era da natureza d'aquella que, não ha muito, foi apresentada no senado brazileiro ao tratar-se tambem de uma questão de incompatibilidades questão que dizia respeito a um senador que exercia ao mesmo tempo o logar de presidente de uma das provincias d'aquella republica.

A questão versava sobre se o logar de senador era ou não incompativel com o de presidente de uma das provincias. A proposta de lei dizia que era incompativel.

Como a camara sabe, houve a este respeito uma grande discussão.

Sabe v. exa. e a camara o que resultou d'essa discussão? Votar-se, por grande maioria, que o referido senador, que era irmão do presidente da republica, não podia tomar parte na votação, isto é, que esse senador não podia ser juiz em causa propria.

Ora, foi exactamente do voto d'esse senador que dependeu a votação. A camara votou a questão da incompatibilidade.

Em seguida foi a deliberação do senado apresentada á sancção do presidente da republica, o qual lhe poz o veto, e a questão voltou á camara dos senadores.

Sabe v. exa., porém, o que aconteceu?

O senado, por um terço, rejeitou o veto, e o resultado foi que o presidente da republica teve de resignar o seu logar.

Veja a camara como um paiz que é republicano trata as questões de alta moralidade politica, ao passo que aqui se apresenta uma questão previa que tinha por fim annular até a discussão do meu projecto. Pasmoso!

Não seria eu que apresentasse essa questão previa, não porque me fallecesse a coragem, mas porque ainda deposito confiança na sensatez e independencia da camara dos dignos pares, e que ella ha de manter as suas tradições gloriosas e honradas.

Eu hei de seguir passo a passo, argumento a argumento todas as opiniões adduzidas contra o projecto, ainda que desordenadas, e para isso hei de ver-me na necessidade de consultar differentes vezes os apontamentos que tenho, fazendo a diligencia para que me não escape nenhum.

Sinto me hoje bastante incommodado de saude, mas aqui estou no meu posto, sentindo só que não estejam presentes áquelles que tenho a combater, mas eu não sou o culpado dessa ausencia.

O sr. Thomás Ribeiro: - Apoiado.

O Orador: - Continuo na minha argumentação porque o meu estado de saude póde aggravar-se e impedir-me de justificar as minhas puras intenções e o meu voto.

Creia v. exa. que tenho o maior pezar de ver-me na necessidade de combater as opiniões de um antigo amigo e antigo correligianario, o sr. Antonio de Serpa, cujo caracter muito respeito e a cujas intenções presto homenagem; mas realmente os argumentos que s. exa. apresentou á camara, estão abaixo da sua intelligencia, como vou provar á camara.

Não esperava que o digno par viesse sustentar tal opinião com tão descuidada argumentação.

Julgava-o um adversario muito mais habil.

Disse s. exa. que o projecto é absurdo e que é insufficiente.

O projecto é absurdo?

Pois não sabe s. exa. que o parecer que assignou, e de que foi relator o sr. Hintze Ribeiro, era muito similhante ao que estamos discutindo?

Variam na redacção, mas a essencia é quasi a mesma.

Pois s. exa. classifica-o de absurdo!

Não posso ler á camara todos os documentos que tenho aqui, já porque essa leitura levaria muito tempo, já porque não quero enfadar a camara; mas eu peço aos dignos pares que ponham em confronto os dois projectos para averiguarem se são ou não exactas as minhas affirmações.

O projecto é insufficiente?

Mas porque não apresenta s. exa. propostas que o tornem mais completo?

Por que foi que s. exa., no seu ultimo ministerio não decretou por acto de dictadura, uma lei mais ampla, contando-se apenas em considerar incompativeis as funcções.

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dos ministros com as de directores das companhias anonymas?

Os factos vieram mostrar que essa lei não passou de uma nuvem de poeira lançada nos olhos do publico. Um ministro da situação transacta voltou para o seu logar num banco muito conhecido e a mesma lei foi sophismada!

Mande as suas emendas e a camara que as avalie.

O sr. Thomás Ribeiro: - Apoiado.

O Orador: - Pois este projecto é insufficiente e tem soffrido tanta opposição? Que faria se fosse mais alem.

Permitta-me O digno par lhe diga que é uma apreciação desagradavel para os membros da commissão; e para o sr. presidente do conselho, que deu o seu assentimento ao projecto.

Pois então o sr. Dias Ferreira, um jurisconsulto tão abalisado, um homem tão intelligente, ia conceder o seu voto a um projecto absurdo?!

Este projecto, sr. presidente, é moral, não é outra cousa.

Que o digno par o sr. Serpa era distrahido, já todos nós sabiamos; mas que s. exa. fosse tambem esquecido até ao ponto de não se lembrar, agora, de que tinha assignado o relatorio do sr. Hintze Ribeiro sobre um projecto na sua essencia similhante a este que se discute, é que constitue uma perfeita surpresa.

Outro argumento. Eu tenho tantos a responder que não me chega o tempo, nem quero enfadar a camara, referindo me a todos; e por isso passarei em claro alguns.

Outro argumento é o das suspeições.

Mas aqui tem v. exa. a carta constitucional, que todos nós jurámos, e que está cheia de suspeições analogas.

O que diz o artigo 26.º?

Diz que o par ou deputado não póde ser preso sem auctorisação das camaras legislativas, excepto, em flagrante delicto de pena capital. E isto, ou não, uma suspeição?

Passa-se ao artigo 103.° e ahi vem a questão das responsabilidades ministeriaes, que é letra morta, o que tão tristes resultados tem produzido para as finanças do paiz.

(Leu.)

Pois então tudo isto não são suspeições lançadas aos ministros?

(Entra na sala o sr. conde de Castro.)

Ainda bem, que chega o meu illustre amigo. A sua presença é me sempre agradavel; agora indispensavel.

O sr. Conde de Castro: - Não assisti á primeira parte do discurso do digno par, porque pertenço a uma commissão que tem estado reunida.

O Orador: - O artigo 111.° refere-se aos conselheiros d'estado.

(Leu.)

Segundo a argumento do sr. Antonio da Serpa, é claro que, por esta disposição da carta, o sr. conde de Valbom e o sr. Hintze Ribeiro são suspeitos.

Ora, realmente, se os dignos pares não tivessem outros argumentos para apresentar, se não fossem outras rasões, o meu projecto era votado necessariamente.

Eu não quero cansar a attenção da camara lendo outros artigos da carta.

Outro argumento, sr. presidente, foi que "a honradez não depende; das leis, mas sim do caracter dos individuos". D'esse modo, todas as garantias legaes são uma inutilidade, ou, antes, são prejudiciaes, porque envolvem suspeição.

Por exemplo, a fiança exigida ao thesoureiro do banco de Portugal é uma inutilidade, e, alem d'isso, é uma suspeição.

O mesmo se póde dizer de um recibo, ou de uma escriptura, até entre pessoas de familia.

Sr. presidente, creio que em direito se diz que quando os argumentos provam de mais, não provam nada. Quid nimis probat nihil probat.

Outro argumento é o que se refere á representação das classes

Pois então os accionistas das companhias não podem ser representados? Pois a sua representação só é effectiva quando os representem directores de alta categoria politica?

Os accionistas não teem interesse senão em que lhes administrem bem os seus capitaes.

Os directores têem acção directa nas companhias poderosas que dispõem de milhares de contos de réis, e a sua influencia póde ser prejudicial aos seus interesses.

Os dignos pares têem exemplos bem tristes, e não me obriguem a dizel-os todos.

Ha um argumento da ultima hora e que ainda não foi produzido n'esta camara, mas que foi apresentado por um jornal que se diz serio, e a proposito do qual não posso deixar de dizer alguma cousa.

Diz que a carestia das subsistencias é uma rasão justificativa das acumulações de altas funcções publicas com as de directores e gerentes de companhias.

E o pobre, sr. presidente? Ainda a proposito da representação das classes perguntarei porque não hão de ser representadas no parlamento as classes inferiores da sociedade?

Porque, como alguns dizem, a sua illustração não lhes dá esse logar?

Pois agora, na Allemanha, é assustadora a propaganda a esse respeito. É preciso notar que a camara não é uma academia, e que no parlamento, ha certos interesses e limites a attender.

Contra esse argumento, ha um documento importantissimo, que vou ler á camara, e que responde cabalmente a essa rasão, como muitas outras: É o alvará de D. João IV, que se attribue a João Pinto Ribeiro.

Peço á camara me releve esta leitura.

Diz alvará:

"Eu El-Rei faço saber aos que esta minha lei virem, porque tem mostrado a experiencia por muitas vezes, os grandes inconvenientes que se seguem de uma mesma pessoa servir dois officios, pois é sem duvida que raras vezes succede serem tão compativeis, que se possa acudir a differentes occupações, como convem a meu serviço e melhor e mais breve aviamento das partes; e porque tambem convem muito que, repartindo-se o galardão por mais pessoas, haja com que premiar os benemeritos; tendo entendido que por falta de noticia se consultam e provêem pessoas que teem dois officios em grande damno de melhor governo do bem commum, pelas rasões referidas: hei por bem de resolver que, quando se me consultarem as propriedades, ou serventias dos officios, se faça expressa menção, se algum dos propostos tem outro para que, segundo o exercicio dos officios, qualidade e merecimento dos nomeados, possa resolver o que mais convier a meu serviço; e que succedendo d'aqui por diante fazer mercê de algum officio de propriedade ou serventia a pessoa que tiver outro, sem d'isso se fazer expressa menção, farei d'elle a quem o denunciar, sendo capaz; e para isso se executar e cumprir inteiramente, como n'esta minha lei é declarado, se registará nos livros do desembargo do Paço e nos das casas de supplicação e relação do Porto.

"Alvará de 28 de outubro de 1644."

Viram v. exas. o que se diz aqui?

Pois ha um outro alvará do marquez de Pombal que não lei-o para não enfadar a camara, mas que farei incluir no extracto do meu discurso. É o seguinte:

"O § 1.° do titulo IV, da lei citada de 22 de dezembro de 176l contra as acumulações, diz assim:

"Sendo indispensavel obviar ao abuso que com geral escandalo e grave prejuizo da minha real fazenda e da expedição e direito das partes, se introduziu n'estes ultimos tempos; procurando-se os officios, não para cada um se occupar do meu serviço e no publico da bem commum dos meus vassallos, mas sim para n'elles se constituir em patrimonio dos que os accumularam, etc., ordeno..."

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"Em terceiro logar que nenhum official de carta possa accumular em si dois officios da minha real fazenda, nem dois ordenados nas folhas d'ella, declarando os como declaro por incompativeis e prejudiciaes á paternal clemencia com que procuro que os effeitos da minha real benignidade cheguem ao maior numero de necessitados benemeritos, que couber no possivel.

"E tudo debaixo da pena de perdimento dos officios e inhabilidade, para entrar em outro. - EL REI. = Conde de Oeiras".

Digam-me se estas disposições são ou não justissimas e se mais adequadas as póde haver para a situação em que nos encontrámos. Se as subsistencias estão caras e se escasseia o trabalho, mais uma rasão para desaccumular os serviços. O argumento que refuto é, pois, contraproducente.

Já em tempos li á camara uma lista das funcções desempenhadas por certos individuos que são pares ou deputados. Aqui a tenho ainda, e d'ella lerei parte, mencionando apenas os cargos, e omittindo os nomes.

Por exemplo {lendo). Ha par do reino que, é ao mesmo tempo lente aposentado, de uma escola superior; director aposentado de um serviço importante; director geral de um ministerio e membro de um conselho consultivo.

Ha deputado que é ao mesmo tempo lente da escola polytechnica; lente do instituto; vogal do conselho das alfandegas; inspector das alfandegas e vogal da commissão da manutenção do estado; exercendo ainda diversas commissões no estrangeiro. E ha outros. Aqui estão, com sete e oito empregos.

Porque? Porque, sr. presidente?!

Cumpram-se as disposições dos alvarás de D. João IV e do marquez de Pombal.

Referiu-se o digno par o sr. Antonio de Serpa ás côrtes constituintes de 1820, a que pertenceram os: grandes patriotas Borges Carneiro, o illustre pae de s. exa. e o avô do sr. Margiochi.

Pois a primeira cousa que fizeram as constituintes de 1820 foi tratar de uma lei de incompatibilidades.

Diz, porém, é digno par que estes homens eram respeitaveis, é certo, mas eram theoricos?! Ora eu peço á camara que compare a situação de 1820 e a moralidade que havia então n'este paiz, com a situação do para actualmente, e a moralidade que actualmente existe. D'essa comparação ver-se-ha bem que não se trata unicamente de uma questão theorica.

Mas ha mais. Trinta annos depois d'aquella epocha, passou-se na camara dos deputados um facto que vem corroborar o que eu acabo de dizer. Foi nada mais e nada menos do que um facto succedido com o pae do actual, sr. ministro dos estrangeiros, o sr. Costa Lobo, que era caixa claviculario do contrato do tabaco. Era um homem de excellentes qualidades, notavel pela sua philantropia; todos o adoravam, más apesar das suas altas qualidades, puzeram o fóra da camara. A proposito d'esse facto houve larga discussão, na qual tomaram parte os primeiros oradores da camara, como Garrett, Rebello da Silva, Holtremann e José Estevão.

Eu tenho aqui as palavras d'este illustre tribuno; não lerei os discursos de todos, porque todos disseram mais ou menos a mesma cousa. José Estevão disse, e com elle Garrett, que não se podia admittir na camara um individuo, apesar da respeitabilidade do seu caracter, que fosse director de qualquer companhia, porque esse individuo não podia ter independencia bastante para resolver sobre qualquer negocio de que porventura a camara tivesse de tratar. Isto não era insinuação ao caracter d'aquelle illustre cavalheiro; era apenas uma prevenção da lei.

Quem póde duvidar do caracter e das boas intenções de José Estevão e Garrett?

Eram uniformes as suas opiniões, e por isso apenas farei transcrever no meu discurso o extracto do discurso do grande José Estevão:

É o seguinte:

"Que estavam empenhados n'uma questão de principios e que apesar dos esforços que se faziam para livrar o parlamento das influencias politicas e das companhias, ainda esta questão apparecia.

"Referindo-se a 1846 declarou que já em tempo se inseriu na lei o principio das incompatibilidades, ainda que essa resolução custou a levar a effeito. Que em 1848, quando se tratou de fazer a lei eleitoral, appareceu a mesma lucta. Que o pensamento do decreto a tal respeito, era separar do parlamento as influencias das companhias, para o deixarem livre de exigencias pessoaes no exercido de legislar e arredar as suspeitas de que elles tinham alguma influencia nas suas deliberações, mas que para o conseguirem era preciso que houvesse força e tenacidade. Que elle e os seus amigos não abdicavam das suas idéas."

Pois é o que eu faço agora.

Como a historia é rica d'estes exemplos, e eu não posso prescindir da historia, porque ella é que justifica 5 dá rasão ao meu projecto, vou citar alguns dos modernos.

Em 26 de março de 1873 foi o sr. Fontes bem mal tratado na camara dos senhores deputados (o meu illustre amigo o sr. Serpa deve lembrar-me) e parece-me que ainda hoje vejo o seu busto, que está ante mim, estremecer indignado sobre o seu pedestal, recordando-se da acre moção de suspeição que então se apresentou.

Farei transcrever uma parte do discurso com que o fallecido Saraiva de Carvalho precedia a apresentação da sua moção:

Dizia o sr. Saraiva de Carvalho:

"Não será porventura verdade que certas incompatibilidades devem estar, ou antes, estão promulgadas na consciencia de todos, embora o não estejam na lei positiva? Não tem a moral publica as suas exigencias? Eu entendo, sustento que ha incompatibilidade moral entre o cargo de ministro da corôa e o de administrador de companhias subsidiadas e dependentes do governo. (Apoiados.)

"Não admittimos que haja ministros com as duas naturezas de ministros da corôa e de administradores da companhia dos caminhos de ferro! (Muitos apoiados.) Ê isto uma suspeição; e aos olhos do publico torna-se ella mais grave, pelo facto dos accordos com a companhia dos caminhos de ferro de norte e leste serem uma especie de morgado dos ministerios regeneradores! (Muitos apoiados)"

Quem administra agora esses morgados?...

A moção é a seguinte:

"Considerando que em todos os negocios relativos a emprezas ou companhias, que tenham dependencias do governo e do parlamento, é absolutamente necessario, que os que hajam de lhes conceder vantagens e estipular segurança a para o estado, não tenham os seus interesses ligados com os las companhias e empresas cujas pretensões têem de examinar e decidir perante o direito ou a equidade, sem a menor sombra de affeição ou desfavor.

"A camara, lamentando que os interesses da companhia dos caminhos de ferro portuguezes, fossem antepostos aos do estado e menosprezados os rigorosos preceitos da moralidade, essenciaes na governação publica, passa á ordem do dia,

"Sala, das sessões, 26 de março de 1873. = Saraiva de Carvalho = Marianno de Carvalho = Pinto Bessa = Bandeira Coelho = Pereira de Miranda = Silva Mendes = Francisco de Albuquerque."

Diga-me a camara que significação tem esta moção?... Ella deu até logar a que o sr. Fontes, em uma das suas phrases felizes, dissesse que certas insinuações nem chegavam a edameal-o, pois as repellia com o bico da sua bota.

Por essa occasião levantou-se o sr. José Luciano de Cas-

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6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tro e disse que era preciso que aquelle governo deixasse de macular as cadeiras do poder.

Estão aqui muitos documentos historicos que a camara se cansaria agora de ouvir ler e que eu peço ao sr. redactor da sessão inclua no meu discurso.

Disse mais o sr. José Luciano:

«O parlamento portuguez não pôde estar á mercê de nenhuma companhia, a nossa opinião não pôde ficar dependente de que a companhia acceite ou não acceite as propostas que lhe forem feitas....; mas o que devo dizer (referindo-se ao sr. Fontes e Serpa) é que s, exas. têem obrigação de manter immaculada a dignidade do poder e conservar hera alto o decoro d’essas cadeiras.»

Referir-me-hei ainda, á questão do caminho de ferro de Lourenço Marques, em que quasi todos os ministros das diversas situações politicas eram directores e em que alguns d’elles influiram para que fosse posto de parte um decreto que tinha rescindido o respectivo contrato, por ter o concessionario faltado a condições que n’elle se continham.

Esse decreto já estava asssignado pelo Rei e apesar d’isso foi mettido na gaveta e substituido pela portaria de 23 de março de 1886!!!

Sabe v. exa. o que resultou d’este facto?

Mais tarde foi dirigido ao meu illustre amigo, o sr. Serpa, um artigo publicado no Diario popular intitulado: o resto.

Não o leio agora, mas será tambem incluido na publicação, do meu discurso.

É o seguinte:

«Em virtude das negociações tratadas em Lisboa pelos inglezes Seymour e Reeves, representantes do banqueiro Matheson, foram depositados no London & Brazilian Bank cerca de 60 contos de réis á ordem do sr. Serpa Pimentel que recebeu-o competente r livro de cheques; com essa quantia pagou Serpa Pimentel 36 contos de réis nos quaes entram os seus proprios ordenados e a compra, que lhe fizeram, de 1:200 acções beneficiarias que lhe tinham sido dadas por Mac-Murdo. Mas Serpa Pimentel levantou o resto do dinheiro e. gastou o resto. (Diario popular, 22 de maio de 1889.)»

Estes factos são historicos, e eu não podia deixar de os apresentar á camara. Duvidava-se da probridade de s. exa., de que eu nunca duvidei.

Já que citei este importante jornal destacarei de um seu artigo mais recente, de 22 de junho de 1891, um trecho que agora não leio mas que farei inserir igualmente no meu discurso:

«Explique alguem, se pôde, como ha inteliigencia, estudo, actividade, tempo, para açambarcar no mesmo amplexo innumeras profissões, aqui burocrata, ali engenheiro, alem professor, acolá negociante, hoje politico, ámanhã industrial, agora legislador, logo executor de leis, depois fiscal da sua execução, um dia representante do estado, outro dia representante das partes que contratam com elle, sempre accumulando gratificações, sempre amontoando ajudas de custe, como se aos sete empregos que professa correspondessem sete estômagos tambem?!»

E a doutrina official é a mesma. Citarei apenas a portaria de 9 de novembro de 1876, assignada por Antonio Rodrigues Sampaio pela qual se julgou incompativel o logar de juiz ordinario de Boticas com o cargo de vereador municipal por (diz a portaria) não permittirem as leis do paiz que se reunam, na mesma pessoa as funcções de administrar e julgar. Note v. exa. que esta portaria foi assente no parecer dos fiscaes da coroa. E podia citar immensos outros documentos d’este genero.

A camara sabe bem as circumstancias em que estamos. Nós hoje temos de pagar uma indemnisação, Deus sabe de quantos mil contos de réis.

Está pendente esta questão que vem aggravar consideravelmente a situação financeira do paiz.

Estavam os syndicatos mettidos nas companhias.

E queixam-se de se insistir n’uma lei de incompatibilidades politicas!

Mas, sr. presidente, a proposito desta controversia de interesses pôr causa das companhias, eu tenho aqui um artigo muito curioso e bem pouco edificante em que os proprios correligionarios se injuriavam mutuamente e se chamavam ratas da Gran-via.

(Interrupção que não se ouviu.)

Não leio todo porque isso me levaria muito tempo e porque a linguagem é impropria d’esta camara.

Até andou mettido n’esta contenda o sr. ministro da fazenda.

Faziam allusões acres e creio que injustas ao sr. Oliveira Martins, e diziam que s. exa. tambem era director da companhia de Povoa de Varzim.

O sr. Oliveira Martins defendeu-se energicamente contra estas insinuações.

Eu não leio todos estes documentos para não cansar a camara e citarei apenas a fina replica de um joven e talentoso deputado, que por esta fórma respondia á accusação que o Diario popular lhes fazia nos seguintes termos:

«Vossês o que querem é roubar tudo quanto possam

A replica foi esta:

«Ratos, anh!... Ratos para que? Para comerem o queijo do paiz? Isso sim! Já não resta senão a casca. E ainda assim se nós somos ratos, os senhores são ratas.»

Então dizia o Diario popular estas amabilidades do sr. Serpa e agora, no Diario de sabbado ultimo faz-lhe muitos elogios, dizendo:

«Fallou admiravelmente, como s. exa. sempre costuma fallar.

«Esmagou o auctor do projecto.

«Aquillo sim, aquillo é que foi discurso.»

Pois é o mesmo Diario popular que diz isto. Quando foi que este jornal fallou a verdade? Agora ou então? Agora fazendo justiça ás altas qualidades do sr. Serpa, digo eu.

Quem ficará esmagado sob o peso de toda esta argumentação e d’estes documentos? A consciencia publica que responda.

Sr. presidente, admiro-me de que se diga que as influencias politicas não têem nenhuma importancia no seio das companhias.

Pois têem toda a importancia.

Lembra-me a este respeito o que dizia n’uma sessão da outra camara o illustre deputado sr. Franco Castello Branco:

«Que, emquanto foi delegado dó ministerio publico, ninguem se tinha lembrado d’elle para director de qualquer companhia; mas que, logo que foi eleito deputado e os seus discursos tiveram uma certa acceitação, começaram a convidal-o para director de companhias.»

Creio, porém, que s. exa. recusou sempre nobremente taes offerecimentos.

Ao mesmo proposito proferiu o sr. Arroyo de cujo talento eu sou admirador, um vehemente discurso, de que aqui tenho nota, que não lerei, mas que farei incluir na publicação do meu discurso.

É o seguinte, a parte do discurso citado:

«Digam, uma vez ao menos, a esses homens, que só ficam para cuidar dos seus interesses e dos interesses do seu partido; digam a esses homens que essa situação é inteiramente opposta a todas as regras da moralidade politica.

«Digam a esses homens que a dignidade do parlamento exige que elles sejam escorraçados d’ali, como improprios para o exercicio das augustas funcções de ministros da corôa!

«Acredite a camara que o que eu digo n’este momento é a expressão do que sinto no mais fundo do coração.

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SESSÃO N.º 23 DE 7 DE MARÇO DE 1892

«Eu, que professo o verdadeiro culto da honradez, eu que não devo o que sou senão á minha pequena intelligencia e ao meu trabalho, tenho direito de dizer de cabeça erguida, como qualquer dos meus amigos politicos, têem direito de dizer aos srs. ministros: Sai! Porque a moralidade politica assim o exige!» (Muito bem, muito bem.)

E agora?,..

É licito suppor que s. exa. não pertence a companhia alguma.

Diga a camara se as incompatibilidades dão ou não importancia aos homens politicos.

Eu vou contar á camara um facto succedido ha pouco tempo com dois cavalheiros, que são membros d’esta casa e me estão escutando.

Houve quem procurasse um d’elles, perguntando-lhe se queria acceitar o cargo de director de uma determinada companhia.

«Eu não posso ser director d’essa companhia, porque para isso é preciso ter um certo numero de acções, e eu não tenho nenhuma nem dinheiro para as comprar.»

Observaram-lhe: «Nós o que queremos é a influencia politica de que v. exa. dispõe».

Isto é um facto, e de certo a camara acredita no que acabo de dizer. O mesmo aconteceu a outro digno par a que me referi, que procedeu com igual dignidade.

Foi em consequencia das influencias politicas introduzidas na sua gerencia, que na companhia dos caminhos de ferro de norte e leste se deram factos tão lamentaveis.

Fez-se o tunnel e a estação do Rocio, importaram em 7:000 contos de réis; fez-se o caminho de ferro para Cascaes, cujo traçado e directriz tanto prejudicaram a defeza do paiz.

Tudo isto devido a essas influencias politicas.

O traçado e directriz do caminho de ferro de Cascaes foi uma calamidade, não só para o serviço dos passageiros, roas tambem para a defeza do porto de Lisboa, como eu já por diversas vezes tenho tido occasião de demonstrar.

Foi por causa das influencias politicas que nós agora vemos no relatorio do sr. ministro da fazenda que se fizeram adiantamentos a differentes companhias na importancia de 13:000 contos de réis.

Lê-se no relatorio do sr. ministro da fazenda:

Syndicato de §alamanca 5.350:000$000

Banco lusitano 500:000$000

Banco lusitano, avales 1.044:000$000

Companhia real, desembolso 4.380:000$000

Companhia real, avales 676:000$000

Companhia nacional de caminhos de ferro 60:000$000

Banco do povo 50:000$000

Companhia de fundição de forjas 20:000$000

Theatro de S. Carlos 10:000$000

Mala real portugueza 910:000$000

13.000:000$000

Alem de 10:000 contos de réis de deficit e 23:000 contos de réis de divida fluctuante.

Agora junto v. exa. esta somma á indemnisação que o estado ha de pagar por causa do caminho de ferro de Lourenço Marques, e veja a quanto sobe tantos esbanjamentos, para lhe não chamar outra cousa. O artigo do sr. Joseph Reinach, publicado no Economista frances de 5 do corrente a fl. 297, é bastante elucidativo ácerca das finanças portuguezas. Ter-se-ia evitado isto, se houvesse uma lei de incompatibilidades. E quantos dissabores não haveriamos poupado aos nossos homens politicos!!

Agora mesmo está pendente o processo de «m collega nosso, que foi ministro e que é membro do tribunal que analysa as contas do estado. Quanto não é desagradavel á camara ter de apreciar esta questão?

Mas diz-se: as companhias que não tiverem dependencias nenhumas do governo, não estão n’esse caso. Ora eu vou apresentar á camara um exemplo bem camcterisco.

O que foi que aconteceu com a companhia Gaz de Lisboa? Fizeram que não pagasse os direitos peia importação pela tubagem que precisasse, tendo approvada pelo parlamento uma lei, que eu rejeitei, auctorisando este abuso.

Depois consentiu-se que a companhia fosse estabelecer o gazometro ao pé da torre de Belem, sem ser ouvida o commissão de defeza de Lisboa e seu porto, inutilisando uma avenida que lá havia e pondo a torre em perigo imminente. Pasmoso!

Essa obra de arte, que é a admiração de todos os estrangeiros, está ennegrecida pelo fumo, pareceudo coberta de luto pesado em sentimento do vandalismo a que a condemnaram!

O fumo e o cheiro do gaz d’aquelle gazometro chega ao ponto de não poder a guarnição muitas vezes estar nas casernas, sob pena de morrer asphyxiada. Dizem que indo Sua Magestade a Rainha D. Amelia visitar a torre, saiu de lá preta!

Está aqui um digno par e meu amigo, que sabe isto perfeitamente e que póde dar testemunho se é ou não verdade o que eu acabo de dizer.

Torna-se preciso pintar repetidas vezes as portas e as janellas d’aquelle monumento.

Esta companhia não estava na dependencia do governo, mas tinha e tem ligações politicas.

Ultimamente foram nomeados quatro directores que são ministros d’estado honorarios!

Disse o sr. Antonio de Serpa que não conhece ou que não sabe da existencia de legislação estrangeira a tal respeito. Se eu as fosse citar todas, não mo chegaria toda a a hora.

Gostava que todos tivessem lido um folheto que publiquei sobre esta questão, porque já não diziam o que disse aqui o sr. Antonio de Serpa.

Mas, sr. presidente, ha em tudo isto uma cousa singular. Sabe v. exa. o que aconteceu á unica lei de incompatibilidades que existia no nosso paiz, incompatibilidades marcadas ou insertas na lei eleitoral de 30 de dezembro de 1852?

Os homens influentes de então, e eu fallo assim porque o facto é de todos conhecido, os homens que então preponderavam na politica obrigaram o sr. Fontes a eliminar d’essa lei tudo o que se referia a incompatibilidades!

Disseram esses homens ao sr. Fontes, sob sua palavra de honra, que, a despeito d’essa eliminação, nunca pertenceriam a companhia nenhuma, e o sr. Fontes teve a bondade ou a bonhomia de consentir n’essa eliminação. Foi facial a condescendencia.

Quer a camara que eu lhe aponte um outro facto caracteristico?

O banco de Portugal moldou os seus estatutos pela lei organica do banco emissor da Belgica, mas dispondo o artigo 157.° da lei belga que os logares de directores ou governadores do banco eram incompativeis com os de membros do parlamento, cá houve o cuidado de não exarar similhante disposição, o que, como disse, constitue um facto curioso.

Copiaram os estatutos, mas muito intencionalmente, creio eu, deixaram de reproduzir o que se referia a incompatibilidades; quer dizer, trataram de extinguir as unicas incompatibilidades que existiam, quer pelo que respeita á lei de 1852, quer pelo que se refere aos estatutos do banco da Belgica.

Os que diziam ao sr. Fontes que não pertenceriam a nenhuma companhia, tres mezes depois, um d’elles, estava director do caminho de ferro do norte e o resultado é ter a mesma companhia descido ao abysmo que todos nós

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8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

conhecemos. Ha quem assevere que um d’esses era o sr. Marianno de Carvalho.

Quiseram applicar a essa companhia um elixir salvador, mas esse elixir impirico deixou a companhia ás portas da morte é deixou no mesmo estado o paiz, se é que este não está em peiores circumstancias. O meu elixir é muito barato e applica se com salular resultado ei» todas as nações do mundo.

Eu estou persuadido, sr. presidente, de que o remedio que nós votámos ha dias não salva o paia, porque a molestia de que elle padece é tão grave que não cede já a nenhum medicamento por mais energico que seja.

As incompatibilidades não são uma novidade. Datam do tempo dos romanos.

Negue enim facile credendum est, etiam duabus necessariis rebus unum sufficere.

(Cod. lei 14, § 1.º De Adsessoribus.)

Veja v. exa. tambem a historia da revolução da Inglaterra, de Guizet, veja ò que aconteceu no parlamento era 1649, onde já antes d’isso tinha sido presente á camara dos communs a celebre moção Tate que um» dos membros d’aquella camara apresentava para que se fizesse um inquerito a todos os membros do parlamento, a fim de se saber quantos empregos accumulavam e quaes os ordenados que percebiam.

Apesar de tudo, a camara votou essa moção, e mais tarde uma lei de incompatibilidades que abrangia: até os advogados. Os membros do parlamento que fossam advogados não podiam exercer a advocacia emquanto representantes da nação. Que suspeição!

Pois quem 4, mais apologista do principio das incompatibilidades do que o sr. José Luciano de Castro e quem lançou mais suspeiçôes sobre os empregados humildes? Pois não foi s. exa. que no seu codigo administrativo de 1886 estabeleceu as incompatibilidades até para os regedores de parochia? Pois os artigos 163.° e 288.° d’esse codigo não estabelecem que são incompativeis os logares de secretarios das camaras e outros empregos, etc., etc.?

Eu farei transcrever aqui essas incompatibilidades; são as seguintes:

O artigo 8.° do codigo administrativo de 17 de julho de 1886 diz que as funcções dos corpos administrativos (juntas geraes, camaras municipaes e juntas de parochia) são incompativeis com as dos seguintes cargos:

«1.° Dos empregados do corpo diplomatico ou consular portuguez;

«2.° Dos empregados dos correios e telegraphos;

«3.° Dos funccionarios de sanidade maritima;

«4.º Dos delegados e sub-delegados de saude;

«5.º Dos professores de instrucção primaria.»

Ha ainda incompatibilidades entre as funcções do logar de secretario da camara municipal e as de qualquer outro emprego publico, e entre as do ministerio publico junto do tribunal administrativo e de outro emprego publico (artigos 163.° e 282.° do citado codigo).

Alem das incompatibilidades ha tambem no codigo administrativo as inelegibilidades, taes são as mencionadas no § 1.° do artigo 7.°, a saber:

«Não podem ser vogaes dos corpos administrativos os individuos que ao tempo da eleição estiverem comprehendidos em alguma das seguintes categorias:;

«Os ministros d’estado effectivos;

«Os empregados das secretarias d’estado;

«Os militares em serviço activo do exercito ou armada;

«Os juizes e officiaes de justiça;

«Os magistrados e agentes do ministerio publico;

«Os conservadores do registo predial;

«Os membros dos tribunaes administrativos e fiscaes;

«Os magistrados administrativos e os funccionarios que lhes são subordinados;

«Os commissarios e agentes de policia;

«Os directores de obras publicas e seus empregados;

«Os facultativos e pbarmaceuticos do conselho;

«Os que directamente sejam interessados em contratos celebrados com a corporação de cujo eleição se tratar, e os respectivos fiadores, etc., etc., etc.»

Pois, sr. presidente, admitte-se este principio para estes funccionarios e não se quer que elle seja applicado aos altos funccionarios? Isto faz-me lembrar aquelle celebre verso de Juvenal:

Dat veniam corvis, vexat censura columbas.

Que livremente se póde traduzir:

Os corvos podem tudo, as pombas nada.

Podia tambem citar uma auctoridade que não póde ser suspeita ao digno par. E o sr. dr. Secco, que é amigo particular do sr. José Luciano, n’um livro que dedicou a s. exa.

A pag, 306, nota (a), lê-se o seguinte:

«E, de braço dado com a lei de ineligibilidade, devia saltar uma lei sobre incompatibilidades, que se não limitasse aos serviços de esphera superior, mas descesse ás camadas media e inferior. — Exige-o a justiça social e até, por vezes, o decoro dos proprios funccionarios e a decencia publica.»

Vem a proposito dizel-o.

Eu, sr. presidente, estou ao acaso trazendo estes exemplos, que tenho aqui notados.

Tenho tambem notado p parecer da commissão da Real Academia de Jurisprudencia e Legislação de Madrid, de que foi relator o sr. Maroto Canova, que farei transcrever no meu discurso.

É o seguinte:

«Que a evolução social, identica á de todos os seres organisados, tem especialisado as funcções, dando a cada uma um orgão differenciado e proprio, applicavel á politica, por isso que toda a funcção deve ser recompensada e exclusiva, não podendo o seu exercicio ser compativel com outra funcção.

«Que os membros do parlamento não podem ter independencia e rectidão, desempenhando elevados cargos na administração publica, juntamente com os cargos de poderosas companhias industriaes, accumulando pingues ordenados, beneficios, dotações... — Se será justo que a legislação se confeccione em proveito dos legisladores?»

«Que á desvinculacion da propriedade deverá, com o tempo, seguir-se a desvinculacion das credenciaes.»

Na ordem dos meus apontamentos, sr. presidente, segue-se a lei russa de 1884, e a da communa da Paris em 1871, leis de dois governos tão diversos, um, o mais conservador, o outro, o mais radical.

Diz o sr. Serpa que não ha leis da incompatibilidades nas outras nações. Eu não citarei todas á camara para não a cansar, mas farei incluir n’esta altura do meu discurso uma nota de muitas d’ella«,

«A lei constitucional franceza de 16 de julho de 1875 e a lei organica sobre a eleição dos deputados da republica, de 30 de novembro do mesmo anno, exclue da camara todos os individuos que exercem funcções retribuidas pelo estado.

«O artigo 91.° da constituição dos Paizes Baixos, de 11 de outubro de 1848, estabelece tambem incompatibilidades muito mais largas que a camara dos pares portugueza de 1892 pensa em estabelecer.

«O artigo 51.° da constituição do Luxemburgo, de 17 de outubro de 1888, assegurou igualmente incompatibilidades largas.

«O artigo 146.° da constituição de Wurtemberg, de 25 de setembro de 1819, estabeleceu diversas disposições mais amplas que os pares portuguezes pensam em fazer vigorar hoje.

«O Gran-Ducado de Baden no artigo 37.º da sua lei constitucional, de 22 de agosto de 1818, acautelou do mesmo moio a independencia do seu corpo legislativo.

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SESSÃO N.º 23 DE 7 MARÇO DE 1992 9

«O artigo 13.° da constituição de Hamburgo, de 13 de outubro de 1879, declara que a dignidade senatorial é incompativel com qualquer emprego publico.

«O artigo 12.° da constituição do cantão de Berne, de 31 de julho de 1846, declara inelegiveis todos os individuos salariados pelo estado.

«O capitulo 48 da lei constitucional dá Servia, de 29 de junho de 1869, e o artigo 71.° da constituição da Grecia, excluem tambem das camaras legislativas os funccionarios publicos.

«Ha ainda, largas incompatibilidades nas leis constitucionaes e eleitoraes da Noruega, do Canadá, da Pensylvania, do México, da Republica Argentina, na Austrália e e em muitos outros paizes cuja organisação politica póde ser estudada nas collecções de Demombynes e Dareste.» «Constituição do Brazil de 1891.

«Artigo 23,° Nenhum membro do congresso, desde que tenha sido efeito, poderá celebrar contratos com o poder executivo nem d’elle receber commissões ou empregos remunerados.

«§ 1.° Exceptuam-se d’esta prohibição.

«1.° As missões diplomaticas;

«2.º As commissões ou commandos militares;

«3.° Os cargos de accesso e as promoções legaes.

«§ 2.° Nenhum deputado ou senador, porém, poderá acceitar nomeação para missões, commissões ou commandos, de que tratam os n.ºs 1.° e 2.° do § antecedente, sem licença da respectiva camara, quando da acceitação resultar privação do exercicio das funcções legislativas, salvo nos casos de guerra ou n’aquelles em que a honra e a integridade da união se achem empenhadas.

«Artigo 24.º O deputado ou senador não; póde tambem ser presidente ou fazer parte de directoras de bancos, companhias ou emprezas que gosem dos favores do governo federal definidos em lei.

«Artigo 50.º Os ministros de estado não; podem accumular o exercicio de outro emprego ou funcção publica, nem ser eleitos presidente ou vice-presidente da união, deputado ou senador.

«§ unico. O deputado ou senador que acceitar o cargo de ministro, perderá o mandato, e proceder-se-ha immediatamente a nova eleição, na qual não poderá ser votado.»

Agora mesmo está o parlamento italiano discutindo uma lei de incompatibilidades mais ampla apresentado pelo sr. Nicothera. Entre 500 deputados só póde haver 40 empregados publicos. Vejam lá se querem que eu cite mais leis, eu tenho ainda aqui muitas mais?

Citarei tambem a opinião do sr. Pereira e Sousa no seu Diccionana juridico.

É a seguinte:

«Incompatibilidades ha que resultam dá impossibilidade real e absoluta, de ser um só individuo bastante para acudir ao desempenho cabal de duas especies de funcções; 3.°, ha incompatibilidades que resultam das que os francezes chamam des convenances, quer dizer que prendem «com a decencia», com o decoro, com as exigencias de melindres bem entendidos, e que vão enlaçar-se, com os principios do quod decet, quod convenit, de philosophia moral.»

Farei tambem publicar a opinião do sr. Medeiros.

A pagina 44 diz o illustre jurisconsulto:

«N’estas sociedades anonymas ha uma circumstancia poderosissima a attender, para que as garantias publicas se não tornem mera ficção; é a incompatibilidade moral, existente entre a administração e as pessoas a quem compete a fiscalisação dos actos sociaes, quer sejam «membros do poder legislativo, executivo ou judicial», quer pertençam a qualquer corporação administrativa, de onde tenha emanado a concessão, ou a quem assiste o direito de fazer cumprir exacta e rigorosamente os deveres sociaes.»

Dizia J. J. Rousseau: — «N’uma sociedade Onde todos os serviços se pagam, não ha serviço algum que sã não venda!»

Toullier, grande jurisconsulto francez, diz:

«A acumulação das funcções publicas é o signal mais caracteristico de uma má organisação.»

Larcher, grande publicista francez, diz:

«Pelo que respeita aos que são titulares natos de todos os empregos, creou-se na lingua franceza um termo de desprezo: cumulará,»

Em 1821 appareceu na livraria Picard um almanach intitulado: o almanach dos comilões. Em Portugal, em 1892, podia-se publicar um almacach similhante.

O que posso dizer a v. exas. é que a lei de incompatibilidades tem sido sustentada pelos primeiros economistas, jurisconsultos, pelos primeiros publicistas, pelos classicos e até pelos grandes poetas.

Quer v. exa. saber como o economista francez Paulé Leroy Bsalieu responde aos economistas portuguezes:

«O conselho de administração das sociedades anonymas é em geral um orgão desprovido de toda a efficacia e pouco apropriado, pela sua constituição, ás funcções que se destina preencher. É a maior parte das vezes uma reunião apparatosa, onde se entra por protecção e por favor.

«Os seus personagens são só «decorativos» muito numerosos e pouco trabalhadores; não têem bastantes meios de informação ou verificação; muitas vezes os seus interesses particulares são contrarios aos dos estabelecimentos que dirigem.

«Ha quatro categorias de membros de administração. A primeira pertencem os presidentes e vice-presidentes, que são quasi sempre banqueiros de profissão, ou grandes «especuladores». Á segunda categoria pertencem os «ambiciosos» e os «intrigantes», que foram ou são membros do parlamento, ou simplesmente homens da sociedade elegante, ou titulares que visam simplesmente a fazerem parte dos «syndicatos».

«São os alliados e dependentes dos da primeira categoria.

«Entre estes dois elementos existe a categoria pacifica, um pouco ingenua, dos que quer seja para ampliar as suas relações quer com outros intentos, desejam ser membros de um conselho importante para terem por collegas as grandes influencias politicas, e as de alguns intrigantes «especuladores» da sociedade.

«Deve-se reconhecer que estes processos habituaes das sociedades anonymas são assas defeituosos, expondo os accionistas a riscos consideraveis e rapidos.

«O director devia deixar de ser um personagem abruptamente preponderante.»

Sabem como Victor Hugo fulminava os comilões do seu para no tempo do segundo imperio?

Les Troplong, les Rouher, violateurs de chartes, Grreea qui tiennent les lois comme ils tiendraient les cartes.

O que poderá traduzir-se:

Os Troplong, os Rouher de caritas violadores Atropelando as leis quaes torpes jogadores.

Ministre, que tous ceux qui lui donnent leur voix, Craiendraient de rencontrer le soir au eoin d’un bois.

O que poderá traduzir-se:

Um ministro do qual o mais fiel sectario Tremêra vendo-o á noite em bosque solitario.

O meu amigo, o sr. relator da commissão que é um distincto poeta seria ornais proprio para fazer esta traducção. S. exa. que perdoe a minha ousadia.

Isto foi dito em França ha vinte annos por um dos homens mais notaveis. Ora eu não quero que se diga o mesmo dos homens politicos do meu paiz, nem desejava que esta pequena terra occidental da Europa chegasse á degradação de lhe agradar el cuento do maior poeta do seculo.

Sr. presidente? assim como fallo do grande poeta francez,

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10 DIARIO BA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

podia ácerca da accumuladores citar Virgilio que se occupou dos Briareus, como já dis^e, a que tambem se refere o nosso grande épico no canto v, estancia II. O grande épico seria tambem invejoso? (Riso.)

Eu já n’outra occasião me referi aqui aos Briareus, mas não expliquei claramente o que eram, o que faço n’este momento. Os Briareus, sr. presidente, eram uns monstro gigantes,) que tinham cada um com braços com que abarcavam tudo...

Victor Hugo, no seu magnifico episodio Les travailleurs de la mer até no fundo do mar os descobriu. A camara conhece a medonha lucta travada entre Gilliatt e la pieuvre ou polvo gigante que o envolvia, nos seus tentaculos enormes, e de que só póde ver se livre por um supremo esforço e golpe certeiro da sua navalha.

Victor Hugo ignorava talvez (aliás teria tirado d’essa circumstancia um grande partido) que o systema mais prompto e efficaz usado pelos pescadores da minha terra natal para aniquilar a vitalidade dos Briareus do mar é voltar-lhes o capello, resultado que eu desejo conseguir com o meu projecta. (Riso.)

Releve-me a camara que eu para fechar com chave de oiro as citações que, á falta de auctoridade propria, tenho feito para dar á minha opinião a força que a minha convicção, embora sincera e firme, não pôde dar lhe, leia a opinião do nosso immortal padre Antonio Vieira.

A camara de certo que se vae deleitar ouvindo ler esta pagina eloquente, vernacula e philosophica:

«Ha sujeitos na nossa côrte que têem logar em tres e quatro tribunaea, que têem quatro, que têem seis, que têem oito, que têem dez officios.

«Não era christão Platão, e mandava, na sua republica que nenhum official podesse aprender duas artes. É a rasão que dava era: porque nenhum homem póde fazer bem dois officios.

«Se a capacidade humana é tão limitada que para fazer um barrete são necessarios oito homens de artes e officios differentes: um que crie a lá, outro que a rosquie, outro que a carde, outro que a fie, outro que a teça, outro que atinja, outro que a tose e outro que a corte e cosa.

«Se nas cidades bem ordenadas o official que molda o oiro, não póde lavrar a prata, se o que lavra a prata não póde bater o ferro; se o que bate o ferro não póde fundir o cobre; se o .que funde o cobre não póde soldar o chumbo, nem tornear o estanho, no governo dos homens, que são metaes com uso de rasão, no governo das homens, que é arte das artes, como hão de ajuntar em um só homem, ou se hão de confundir n’elle tantos officios? Não louvo nem condemno, admiro me com as turbas.» Admiravel.

Sr. presidente, eu appello para a consciencia da camara, pedindo-lhe que me diga se depois de todos estes factos não tenho rasão sobeja para pugnar com tanto ardor por este projecto.

Veja v. exa. a que tristes circumstancias nos levaram os homens politicos do nosso paiz.

Não me fallem dos heroes; eu tenho medo d’elles, dizia José Estevão, no seu eloquente e energico discurso sobre a Charles et Georges.

Elle tinha medo dos heroes! Eu tenho medo dos homens de grande talento na governação publica, e sabe v. exa. o que disse o celebre medico francez Charcot, «quando foi perguntado sobre qual era a opinião que tinha a respeito d’elles? Disse que eram todos doidos, e que não deviam andar em liberdade. (Riso.}

E que a sua opinião era tanto mais fundamentada quanto era certo que elle acabava de receber uma obra de Inglaterra, muito notavel, intitulada a Loucura e o genio, de Garnier, que o meu digno collega e velho amigo o sr. Thomás de Carvalho de certo conhece.

Esse livro provava que havia como que um certo desequilibrio no cerebro dos homens de grande talento.

Não se desconsole, porém, com isto, o meu illustre collega, porque perguntando alguem a Oharcot se tinha a mesma opinião a respeito dos medicos, elle calou se. (Riso.}

Portanto, esta allusão não póde applicar-se ao meu velho amigo Thomás de Carvalho, que, alem de muito talento, tem muito bom senso. Igualmente não é isto allusão ao sr. presidente do conselho, que possue as mesmas qualidades; e a proposito, sinto que s. exa. não esteja presente para me dizer se concorda com o sr. Antonio de Serpa em que este projecto é absurdo. Decerto que não.

Igualmente sinto não ver presente o sr. bispo de Bethsaida, tambem meu velho amigo, actual ministro da justiça, porque depois do brilhante discurso que s, exa. aqui pronunciou, era natural que me acompanhasse n’esta campanha, defendendo a moralidade politica.

Da rejeição d’este projecto podem resultar graves perigos, e eu, muito superficialmente, vou dizer á camara em que elles consistem.

A missão essencial da realeza atravez dos seculos tem sido sempre conservar, manter e augmentar os territorios.

Foi assim que firmaram os thronos de Affonso Henriques, D. Manuel e D. João I.

A historia das nações demonstra que sempre que os réis esqueceram essa alta missão os thronos sentiram-se abalados.

Coincidiu a separação do Brazil com a revolução de 1820; a venda de Solor com a revolução de 1851.

O tratado com a Inglaterra, de 10 de agosto de 1890, causou um certo abalo no throno do sr. D. Carlos I, bem como a sedição militar de 31 de janeiro de 1891, com o tratado ultimamente celebrado com a Inglaterra.

A Luiz XVI o povo de Paris poz-lhe brutalmente na cabeça em 20 de junho de 1792 o bonet phrygio.

O manifesto de Brunswick, apresentando o infeliz rei ás turbas, como traidor, fez com que fosse desthronado em 10 de agosto do mesmo anno, e a convenção arrastou-o ao cadafalso. Que horror!!!

Napoleão III perdeu a corôa na batalha de Sédan e o rei da Prussia constituiu o imperio de Allemanha.

A Russia resiste aos nihilistas com o fito em Constantinopla, procurando alargar a sua influencia na Asia.

A Inglaterra resiste á separação da Irlanda, á emancipação da India, e alarga insaciavelmente a sua influencia na Africa.

A França não pensa senão na reivindicação da Alsacia Lorena.

Tudo para alargarem os seus territorios, como a Italia e a Belgica se não descuram de fazer.

A monarchia hespanhola levantou-se de pé como um só homem contra as pretensões do collosso allemão ácerca das ilhas Carolinas. E o collosso recuou. Só Portugal vae perdendo os seus vastos e ricos territorios na Africa e na Asia, que tão gloriosamente conquistara.

Mas, perguntar-me-ha a camará: Que relação têem todos esses factos historicos com a questão das incompatibilidades politicas?...

A mais intima.

Sr. presidente, sabe v. exa. e sabe a camara o estado a que chegaram as nossas finanças, tanto que até se appella já para a venda das colonias. Pasmoso. A venda das colonias é o corollario da má, descurada e perdularia administração, e esta o corollario das accumulações. Nem mais nem menos.

Similhante alvitre significa, na minha humilde opinião, a perda das instituições e da nossa nacionalidade.

O que é preciso é que se não diga de Portugal o que diz o jornal A Republica francesa dos ultimos dias:

«Não temos nada a acrescentar, nem a diminuir ás nossas precedentes apreciações; consideramos o projecto de reducção da divida, submettido ás côrtes como um logro, e aconselhamos vivamente os portadores a agruparem-se para constituirem um centro seria de resistencia ás frustrações que pretendem impor-lhes.

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SESSÃO N.º 23 FR MARÇO DE 1992 11

"O argumento do projecto de motivos apresentado pelo ministro das finanças, consistindo em relembrar que os sacrificios analogos se pediram aos credores de Portugal ha quarenta annos, não é mais que a constatação lamentavel do espirito de delapidação e de roubo que anima os governantes d'este desgraçado para de ha meio seculo para cá.

Esperámos que desta vez a lição será proveitosa, e que o publico francez saberá precaver se antes de entregar as suas economias em mãos tão pouco escrupulosas dos interesses que lhes são confiados."

Que tristeza e que injustiça?

O que é preciso para conjurar os perigos que nos ameaçam de morte, não é a venda das colonias, é a publicação de leis severas que transformem os nossos costumes e a nossa vida social e politica, e ninguem me recusará que entre essas leis não tenha logar muito proeminente aquella que os proprios factos mais recentes estão reclamando como um regulador dá nossa moralidade politica e "salvaguarda do bom credito de todos os nossos homens publicos, - a lei das incompatibilidades.

Sr. presidentes, compare v. exa. o que aconteceu em França no tempo do presidente Grevy quando se apresentou uma questão de alta moralidade politica.

A camara sabe o que aconteceu ao general Deodoro da Fonseca n'uma questão de incompatibilidades.

E sabe tambem quaes foram as consequencias que resultaram de todos esses factos para o Brazil e, que tão fatalmente têem influido no nosso paiz.

O povo que cava a terra para tornar abundantes de iguarias as mesas dos syndicateiros; o povo que brita a pedra para sobre os seus fragmentos consolidados rodarem as suas carruagens; o povo, cujo suor que lhe escorre das faces pelas fadigas dó trabalho, se crystalisa em pedras preciosas para adornar faces venustas e colos de alabastro, póde acordar espavorido e pôr em pratica as theorias do celebre socialista Kropolkine.

Vida nova!!

Pois então quedem vida nova com estes exemplos?

Sr. presidente, infelizmente perderei a minha ultima illusão, se ficar vencido n'esta lucta.

Estou no ultimo quartel da vida e não tenho visto senão decepções e desenganos que muito me contristam. Perdi as crenças e as illusões. Agora só acredito em Deus.

Sr. presidente, estou cansado e não posso luctar contra esta onda impetuosa e infecta que inunda a politica sociedade portugueza,

Provavelmente, o estado da minha saude não me permittirá que eu torne a incommodar a camara com os meus modestos discursos que têem a infelicidade de não agradar a alguns dignos pares.

Estou cansado e a camara de certo muito mais de me ouvir. Vou terminar.

Mas é cousa singular.

Sempre que fallo sobre estes assumptos que mais interessam á regeneração da sociedade portugueza, ou aos mais caros interesses da patria, dá-se no meu espirito não sei que allucinação que me faz ouvir e ver cousas verdadeiramente phantasticas.

Quando aqui se discutiu a questão do tratado com a Inglaterra, que nos roubou o mais rico territorio na Africa oriental, por essa estranha allucinação, juraria eu ouvir como que um echo distincto repetindo as notas triumphaes de um hymno intitulado Rull Britannia, o mais popular, composto por Arne e Thompson. Por essa occasião eu disse que não votava similhante tratado, porque não. queria ser escravo da Inglaterra.

Hoje parece-me ouvir a distancia, partindo do norte do paiz, um canto que eu penso ser o hymno da Maria da Fonte. Que sons sinistros serão estes?...

Passam-se no meu espirito cousas extraordinarias e sinistras.

Agora são espectros que se apresentam á minha imaginação.

Lá vejo eu o do sr. visconde de Fonte Arcada ao pé do sr. conde de Linhares.

Lá vejo eu tambem surgir o de Sampaio junto do sr. Serpa Pimentel, o do Borges Carneiro, o do Garrett e de Saraiva de Carvalho, emfim, os de todos os homens politicos que sempre pugnaram pelos principios de moralidade politica e pela lei de incompatibilidades.

Lá vejo, finalmente, surgir o espectro do grande tribuno José Estevão.

Eil-o, ali está, parece que dizendo com a sua voz sepulchral e sempre eloquente:

"Votae, votae este projecto, se quereis levantai o nivel moral d'esta camara, salvar o Rei e o paiz do cataclysmo que os espera."

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Tem a palavra sobre a ordem o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar (sobre a ordem): - Sr. presidente, como membro da commissão encarregada de dar parecer sobre o projecto em discussão, tendo assignado esse parecer com declarações, eu não podia deixar de pedir a palavra sobre o assumpto, e pedi-a sobre a ordem porque vou mandar para a mesa a proposta que passo a ler.

(Leu.)

Esta proposta que acabo de ler representa em resumo as ideas que eu sustentei na commissão.

Eu entendo, sr. presidente, que o tornar-se extensiva aos pares do reino, deputados e ministros, a clausula de não poderem tomar parte na administração de quaesquer companhias não subsidiadas pelo estado, é uma cousa perfeitamente impraticavel.

O digno par sr. Camara Leme acabou de citar um exemplo a favor das opiniões que sustenta.

Ao exemplo apresentado por s. exa. contraponho eu um outro.

Eu creio que ninguem poderá evitar que um capitalista, par do reino ou deputado, estabeleça por sua conta uma industria e que administre essa industria.

É evidente tambem que tendo esse capitalista formado uma companhia, elle é o administrador d'essa companhia, que fundou com o seu capital.

Ora, eu pergunto: qual é a lei que póde impedir que um par do reino ou deputado que creou uma industria com o seu capital, deixe de administrar os seus bens?

De certo, que nenhuma lei.

Ora, desde o momento que haja uma disposição de lei que não possa ter uma applicação geral, essa disposição é inutil.

Sr. presidente, o projecto em discussão começou por ser atacado, dizendo-se que era inconstitucional.

Eu confesso a v. exa. que fiquei maravilhado ao ver apresentar n'esta camara, pelo digno par sr. conde de Castro, a questão da inconstitucionalidade do projecto, e digo que fiquei maravilhado porque, tendo o governo sido convidado, na pessoa do sr. presidente do conselho, para assistir ás reuniões da commissão, o sr. presidente do conselho conformou-se completamente com a doutrina do projecto, e, se s. exa. tivesse entendido que essa doutrina era inconstitucional, de certo teria apresentado na commissão algumas considerações a este respeito.

Mas ha mais alguma cousa.

O digno presidente da commissão, sr. José Luciano de Castro, assignou com declarações o projecto, como eu assignei.

Se s. exa. tivesse julgado que elle era inconstitucional, assignal-o-ia como vencido. Por conseguinte, com tão boas auctoridades, não tive duvida alguma em votar contra a proposta apresentada pelo sr. conde de Castro.

Sobre as incompatibilidades creio que não ha discordancia de opinião em nenhum dos membros d'esta camara.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Todos estão de accordo era que é preciso que se faça alguma cousa a tal respeito.

Até agora o projecto não tem sido atacado senão pelo facto de lançar a suspeição contra os homens publicos d'este paiz.

Ora, não ha causa por peior que seja que não encontre um advogado para a defender, como tambem alio ha questão por melhor que seja que não se possa atacar.

Suspeição! Eu não creio que os homens publicos do meu paiz só devam considerar, nem inferiores, nem superiores aos de todos os paizes cultos da Europa; e n'esses paizes eu vejo que existo uma lei de incompatibilidade" mais se vera, mais rigorosa do que aquella que proponho. Tem-n'a a Italia, tem-n'a a Belgica.

Eu desejaria uma que fosse radical; mas pergunto, é pratico, póde-se executar n'este paiz uma lei n'essas condições? Entendo que não, porque o fructo não está maduro, e por isso vamos tratando de aproveitar do que se faz n'outros paizes o que póde ser implantado em Portugal e que esteja em harmonia com o que é possivel traduzir-se n'um facto.

Mas, voltando; á suspeição, é esse, repito, o unico lado pelo qual vejo atacado o projecto.

Oh, sr. presidente, então para que se faz um codigo penal? Suppõe-se porventura que todos os cidadãos são malfeitores? De certo que não. O codigo penal consigna um certo numero de penas e suppõe que todos são boas pessoas, mas tambem diz que, se alguem praticar tal ou tal crime, será punido com a pena correspondente.

Não tenho a pretensão de que o meu projecto seja acceito pela camara; mas peço a v. exa. que o remetia á commissão com qualquer outro que possa vir a ser apresentado, a fim de que a commissão, estudando todos esses elementos, de um novo parecer.

A proposta que tenho a honra de mandar para a mesa diverge, até um certo ponto, do parecer da commissão.

Propuz uma alteração ao § 2.°, porque entendo que nós não trinos o direito de prejudicar interesses de terceiros, isto é, entendo que não podemos impor uma penalidade aos actos praticados por uma assembléa geral.

O que diz o § 2.°?

(Leu.)

Admittida esta prescripção, as resoluções tomadas por uma assembléa geral ficam, em certos e determinados casos, completamente nullas, e, sr. presidente, os accionistas de uma companhia, que não dependem do governo, não podem saber se o individuo que escolhem para seu director ou administrador está, comprehendido nas disposições da lei e, por consequencia, repito, admittida e votada a prescrição do § 2.°, vamos prejudicar quem não tem responsabilidade alguma das leis que nós fazemos.

Eis, pois, porque propuz a alteração que mando para a mesa.

Na commissão de incompatibilidades eu disse que ellas não podiam nem deviam estender-se a um certo numero de individuos, e, n'essa occasião, o sr. presidente do conselho ponderou-me que melhor seria deixar a liquidação d'esse assumpto para outra occasião; mas eu como não tenho as responsabilidades do cavalheiro que preside ao gabinete, não tenho a minima duvida em apresentar a alteração que consta da minha proposta, e, se ella for impugnada, terei occasião de pedir novamente a palavra para defender as ideas que aqui sustento, pelo que termino aqui as minhas considerações.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.}

O sr. Presidente: - Vae ler se a proposta mandada para a mesa pelo digno par. Le-se na mesa a seguinte:

Proposta

Artigo 1.° São incompativeis as funcções de ministro d'estado, de par do reino, de deputado, de membro dos tribunaes superiores, conselho d'estado, tribunal administrativo, tribunal de contas, relação e supremo tribunal de justiça, com as funcções de director, administrador ou membro do conselho fiscal de qualquer companhia, empreza ou industria subsidiada directamente pelo estado.

§ 1.° Dos incluidos n'estas incompatibilidades aquelles cujas funcções politicas forem temporarias, só um anno depois de terminadas poderão acceitar quaesquer cargos cuja incompatibilidade é decretada.

§ 2.° A transgressão do disposto no paragrapho antecedente será punida com pena de suspensão por tres annos do exercicio dos direitos politicos.

Art. 2.° Só podem exercer funcções legislativas, na administração, os funccionarios que tenham pelo menos a categoria de chefes de repartição; na magistratura, a partir dos juizes de primeira instancia com cinco annos de exercicio na l.ª classe; no exercito e na marinha, os officiaes com patente de major para cima; no magisterio, os professores das escolas superiores; no ecclesiastico, o alto clero, os conegos e os parochos de l.ª classe, com doze annos de collação.

§ unico. O artigo 2.° só entrará em vigor para a proxima legislatura.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessães, 6 de março de 1892. = O par do reino, Conde de Thomar.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem esta proposta á discussão tenham a bondade de se levantar.

(Pausa e depois de verificar a votação.)

Está admittida e fica em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, eu desejo pedir a v. exa. e á camara que consintam que a proposta do digno par o sr. conde de Thomar, que é verdadeiramente uma substituição ao projecto em ordem do dia, seja com o mesmo projecto remettida á commissão, e desejo mais que todos os dignos pares que tiverem de fazer declarações ácerca do projecto, redijam as suas moções ou as emendas, de modo que possam ser apreciadas pela commissão.

A commissão não tem desejo nenhum de levar de assalto a Votação d'este projecto de lei, e deseja, pelo contrario, que elle seja o mais accommodado ás opiniões de todos os dignos pares, e como haja uma opinião assente ácerca de outro projecto de lei que não é este; peço um outro favor a v. exa., isto é, proponho que a camara consinta que sejam aggregados á commissão de incompatibilidades os dignos pares srs. Antonio de Serpa e Hintze Ribeiro, e sobretudo este ultimo, que foi b relator de um outro parecer ácerca do mesmo projecto.

O primeiro pedido é para que o projecto volte á commissão com a substituição apresentada pelo sr. conde de Thomar, para ser devidamente estudado, e o segundo é para que os dignos pares que tenham que fazer as suas propostas, as redijam por escripto, de modo que sobre ellas possa recair o exame da commissão.

Requeiro tambem que v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que sejam aggregados á commissão os dois dignos pares que mencionei.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - O sr. Thomás Ribeiro, como relator da commissão, faz uma proposta para que o projecto volte á commissão com a substituição apresentada pelo sr. conde de Thomar e tambem com outras propostas que alguns dignos pares queiram formular e requer que sejam aggregados á commissão os dignos pares srs. Antonio de Serpa Pimentel e Hintze Ribeiro.

Eu peço ao sr. Thomás Ribeiro queira, ter a bondade

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SESSÃO N.° 23 DE 7 DE MARÇO DE 1892 13

de mandar para a mesa a sua proposta para ser admittida e entrar em discussão.

(Pausa.)

O sr. Thomás Ribeiro: - A minha proposta é a seguinte, que passo a ler.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro.

Leu se na mesa. E do teor seguinte:

Proposta

Proponho que á substituição apresentada pelo digno par o sr. conde do Thomar vá, com o projecto, á commissão e com ella as mais propostas que os dignos pares quizerem formular. = Thomás Ribeiro.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem esta proposta á discussão tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

Como ninguem pede a palavra vae votar sei Vae ler-se.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que permittem que sejam aggregados á commissão os srs. Antonio de Serpa Pimentel e Hintze Ribeiro tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - O projecto volta á commissão com a substituição apresentada pelo sr. conde de Thomar e mais alguma proposta apresentada por qualquer digno par e quando tenha parecer será novamente enviado a esta camara.

Como não ha mais nada a tratar está encerrada a sessãs, sendo a primeira na proxima sexta feira, 11 do corrente e a ordem do dia a apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 7 de março de 1992

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquez de Fontes Pereira de Mello; Condes, da Arriaga, d'Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Ficalho. de Gouveia, de S. Januario, de Linhares, de Paraty, da Ribeira Grande, de Thomar, de Valbom; Viscondes, de Alemquer, da Silva Carvalho, de Sousa Fonseca; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Sousa e Silva, Antonio Candido, Oliveira Monteiro, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bazilio Cabral, Bernardino Machado, Palmeirim, Hintze Ribeiro, Jeronymo Pimentel, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Camara Leme, Bivar, Sousa Avides, Marçal Pacheco, Franzini, Mathias de Carvalho, Cunha Monteiro, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.

O redactor - Fernanda Caldeira.

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