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232 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

os desfalques aos bancos, ás companhias e aos cofres publicos, hei de demonstrar, puniam-se, e até um celebre ministro que enriqueceu fabulosamente, o celebre Focket, e que edificou um palacio phantastico que lhe custou 15 milhões de francos, deu ao Rei uma funcção sumptuosa e em seguida foi preso e rigorosamente castigado.

Recordo o chanceller Bacon em Inglaterra. Recordo o ministro que em França se acha na penitenciaria recebendo o castigo das suas prevaricações.

Eu já tenho ouvido dizer que a auctoridade perdeu o seu prestigio e os cofres publicos o seu recheio; são estas as declarações que os homens politicos fazem com pasmo.

Porque é que os cofres publicos não têem dinheiro? Porque os têem esvasiado aquelles a cuja guarda elles têem estado confiada.

Agora já se não diz furto; e creio que os mandamentos da lei de Deus não soffreram nenhum acto addicional; mas para que se possa estabelecer a igualdade em tudo, soffreram decima, e de dez que eram, passaram para nove; já não ha o mandamento «não furtarás». Agora já se não chama furtar, nem roubar, é um alcance; são cousas que andam sempre na ordem do dia; antigamente andavam na ordem da noite.

Eu tenho algumas terras juntas ao pinhal da Azambuja, e estive já para convidar alguns cavalheiros para irmos ali construir, não direi alguns chalets, não me agrada muito a phrase, mas algumas casas para nos mudarmos para lá, visto ter-se o pinhal da Azambuja mudado e posto escriptos.

Eu ouço dizer que os governos são todos fortes, são fortissimos, rmas depois vejo que dentro em pouco desapparecem. Ás vezes tambem se morre de indigestão. No corpo physico, assim como no corpo social, ha uma certa ordem de molestias de que se não póde escapar. A superabundancia de forças muitas vezes produz a apoplexia e a inanição produz a tisica. Diversos paizes têem sido atacados de molestia de inflammação. D’esse mal tem soffrido a França em varias epochas. A Polonia foi atacada de ina-nição, que foi produzida por a imprevidencia. O nosso paiz está-se parecendo muito com a Polonia.

O sr. duque de Loulé subiu uma vez a esta tribuna, e em poucas palavras, como elle costumava, perguntou ao sr. Fontes, que estava então no ministerio (isto foi em 1867), perguntou-lhe o que é que o governo tencionava praticar para resolver a questão de fazenda; — pergunta muito simples, mas que ao mesmo tempo era muito concreta. Entretanto eu não farei agora essa pergunta ao sr. ministro da fazenda; n’outra occasião hei de fazel-a por partes, hei de dividil-a, hei de dynamisal-a, para me informar a respeito de certos assumptos. Espero que realisarei tudo isto, se Deus Nosso Senhor continuar a favorecer-me com a saude de que goso hoje.

Não é das situações mais agradaveis o combate que tenho emprehendido, mas hei de caminhar na mesma orientação; e desde já declaro que não hei de votar a ruina do paiz, por caso nenhum da vida. Posso ser vencido, mas não da vida. E creio que tambem já não ha vencidos da vida, morreram, desappareceram. Eu meditei muito sobre este partido dos vencidos, julgando que elles estariam todos.muito magros e com fome, mas não estavam.

Já n’um antigo poeta latino eu fui encontrar alguma cousa que me denunciava que n’aquelles tempos tambem havia alguma cousa parecida com vencidos da vida, foi na Pharsalia, de Lucano, quando elle diz: Victriae causa Diis plaçuit sed victa Catoni; depois achei-os em Marcial, que se lamentava da sua posição de laudator, e depois em Voltaire, que se lamentava de estar no paço, embora o tratassem muito bem, mas obrigado á lisonja palaciana, e la reine m’appelle son pauvre Voltaire, mas apesar d’isso lamentava-se.

Mas ha outra cousa: é que esta denominação de «vencidos da vida», era um mote que elles adoptavam por modestia, collocando-se na passiva, permanecendo na activa. Elles eram como certos verbos passivos na voz, mas activos na significação, ou antes verbos deponentes, os que têem terminações passivas e significação activa. Assim todos os vencidos da vida passaram para a activa, tornando-se vencedores, assimilhando-se d’est’arte aos verbos de poentes, como por exemplo Reor (eu cuido ou julgo) ratus sum.

Eu é que não estou vencido da vida; póde ser até que alguma vez seja vencedor. Effectivamente já aqui mesmo n’esta camara algumas vezes tenho sido vencedor, assim como em outras tenho sido vencido.

Mas vamos, sr. presidente, a desenvolver uma das minhas proposições.

Declaro que hei de chamar á auctoria o sr. presidente do conselho, que tambem é ministro da fazenda, porque elle tem todas as responsabilidades, e o sr. ministro da justiça, e igualmente o sr. procurador geral da corôa, que tenho o gosto de ver presente.

Eu, sr. presidente, levantei aqui a bandeira da cruzada contra os escandalos da companhia dos caminhos de ferro e contra os do banco do povo e banco lusitano. A companhia real dos caminhos de ferro tem um passivo de 91:000 contos de réis. Quid dicam amplius. Não é preciso commentar, mas é necessaria investigação profunda o real.

Quanto ao banco do povo prenderam um homem, penhorando-lhe o pouco que lhe restava dos haveres; mas póde conceber-se que foi só este homem que roubou o banco do povo?

Em relação aos negocios dos caminhos de ferro, e outros, dizem que não ha lei para fazer instaurar certos processos; se não ha, façam-a. Ora, eu hei de demonstrar com a historia que sempre houve leis para se castigar os delinquentes; e agora mesmo parece-me que foi para isso que se crearam as penitenciarias. Pois então a penitenciaria é só para a gente do povo?!

Bem sei que o sr. presidente do conselho não tem culpa até aqui dos actos que então se praticaram, mas terá culpa agora desde o momento que não pozer tudo a claro e fizer com que as responsabilidades vão a quem cabem, promovendo o castigo dos culpados, e assim e só assim se restabelecerá o credito do paiz tão maltratado lá fóra por estas faltas e crimes impunes com grande escandalo publico.

Dizia Sampaio: «Ladrões não se encobrem de graça».

Ora meditem n’esta sentença!

E preciso, sr. presidente, não ter medo d’elles. Quem vae para o governo deve medir as suas forças e ver se póde com o peso do encargo.

Horacio dava um conselho aos escriptores que bem póde ser applicado aos politicos:

Sumite materiam vestris qui scríbites.

Esquam viribus et versate diu quid ferre recusent quid voleunt humeri.

Vós, que escreveis, escolhei uma materia igual ás vossas forças e meditae se vossos hombros podem ou recusam o peso do encargo.

E eu acrescentarei: vós, que governaes, medi bem os vossos hombros e vêde se podeis cumprir os vossos deveres, aliás deponde aquillo para que vossas forças vos não auxiliam.

Os srs. ministros dão um juramento assim como nós, e esse juramento não é uma bagatella. O juramento é um acto sagrado admittido em toda a parte nos povos cultos, e, por consequencia, não se póde illudir.

Sr. presidente, o povo geme.

E sabe v. ex.a qual é a causa de tamanha quantidade de suicidios, de tanta quantidade de familias arruinadas, de tanta quantidade de familias na miseria perseguidas pela fome?

E porque esta grande massa é como um relogio que, se se lhe quebra uma machina, quebrada ella o desarranjo é total.