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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 26 DE MARÇO.
Presidencia do Exm.º Sr. Marquez de Loulé, Vice-Presidente supplementar.
Secretarios os Srs.
Conde de Mello.
Conde da Louzã (D. João).
(Assistia o Sr. Ministro do Reino.)
Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 37 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.
Não houve correspondencia.
O Sr. Marquez de Vallada — Em additamento á nota de interpellação, que fez na sessão do dia 23, disse o digno orador, que queria mandar um requerimento, para que pelo mesmo Ministerio das Obras Publicas se remetta a esta Camara o contracto celebrado entre o Governo e os emprezarios da mala-posta do Alemtéjo: e pediu que se lhe reservasse a palavra para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro do Reino, quando acabasse de escrever o requerimento.
O Sr. Presidente — Parece que é melhor fazer agora a pergunta, e depois o requerimento.
O Sr. Marquez de Vallada deseja, que o Sr. Ministro lhe diga a quem poderá dirigir-se, para obter resposta ás observações que tenciona fazer, relativamente ao crime de assassinato, e outros factos escandalosos praticados por alguns soldados, em desprezo da obediencia e respeito que devem aos seus superiores: e deseja saber isto, porque o seu respeitavel e verdadeiro amigo, o Sr. Duque de Saldanha, que é o Ministro da Guerra, não se acha presente, nem póde comparecer em consequencia do seu máo estado de saude, que elle orador lastima talvez mais do que qualquer outro. Já n'outra occasião foi o Sr. Ministro do Reino encarregado de responder ao Sr. Conde de Thomar; agora precisa de sabor, se será ainda S. Ex.ª quem seja encarregado de lhe responder, ou algum outro de seus collegas, ou o General da divisão: prevenindo desde já a quem quer que seja, de que ha de fazer largas considerações sobre o objecto a que allude, esperando que se lhe dêem explicações cathegoricas.
O Sr. Ministro do Reino — Se o Sr. Ministro da Guerra estivesse presente, talvez podesse desde logo satisfazer á pergunta do digno Par, que versa, segundo S. Ex.ª disse — sobre factos: mas elle, Sr. Ministro, sem saber que factos são esses, não póde julgar-se habilitado sufficientemente para responder; e isto mesmo parece-lhe que acconteceria aos outros seus collegas, porque não é provavel que, qualquer delles podesse agora julgar-se cabalmente instruido para immediatamente responder na fórma que S. Ex.ª pertende.
Observou que a pratica, como o digno Par sabe, é não fazer taes perguntas exigindo que se responda por assim dizer de surpresa (O Sr. Marquez de Vallada— Peço a palavra). Quando está presente o Sr. Ministro que se quer interpellar, esse mesmo costuma ser prevenido do objecto, para que diga o tempo que lhe e indispensavel, a fim de se preparar, e responder n'um dia designado, segundo a brevidade que permitte o negocio, e conformo os esclarecimentos que seja preciso obter. O Sr. Ministro, pela parte administrativa, tem algum conhecimento de uns factos de indisciplina, e mesmo de mais alguma cousa na provincia do Traz-os-montes (O Sr. Marquez de Vallada — Isto é cá em Lisboa, no hospital da Estrelinha. Admira que não tenha conhecimento; louvo-lhe a innocencia!) O orador observa que não merece esta expressão ironica do digno Par, louvando a innocencia (O Sr. Marquez de Vallada — é uma virtude). Não sabe o que é, mas sabe que não tem dado motivo ao digno Par para o tractar assim (apoiados). — (O Sr. Marquez de Vallada — Eu me explicarei). Não é uso tractarem-se assim os dignos Pares uns aos outros: e elle Sr. Ministro assim como disse que tinha algum conhecimento de factos de indisciplina praticados na provincia de Traz-os-montes, segundo lh'o participou o Governador civil daquelle districto, o mesmo diria dos factos a que o digno Par allude se tivesse tambem conhecimento delles; mas não sabe o que houvesse no hospital da Estrelinha; e, se o dizer ingenuamente que ainda não ouvio fallar nisso, póde ser capitulado ironicamente de innocencia, que a Camara o decida.
E em conclusão diz o Sr. Ministro, que o digno Par não pode, nem deve duvidar, de que, se S. Ex.ª tiver a bondade de formular as suas perguntas, do tal modo, que elle, ou qualquer dos seus collegas possa tirar esclarecimentos, para responder ao ponto com conhecimento de causa, dar-se-hão todas as informações que o digno Par e a Camara possam desejar.
O Sr. Marquez de Vallada bem sabe quaes são as praticas parlamentares n'uma interpellação, e a resposta que agora desejava com instancia, era sómente sobre qual havia, ou ha de ser, a pessoa a quem se deve dirigir, e quando; pois que infelizmente não lhe póde responder o seu particular amigo o Sr. Duque de Saldanha, cujo nome de amigo pronuncia sempre com gosto.
É verdade que não se pode abster de dirigir um aparte, quando o Sr. Ministro estava fallando, mas S. Ex.ª, que tanto se offendeu com isso, e que tambem costuma fazer apartes a seu bello prazer, fica sabendo que n'esse campo tambem o não teme elle digno Par.
Pois não é realmente notavel, exclamou o orador, a innocencia com que o Sr. Ministro do Reino, que se julga um dos primeiros homens de estado deste paiz, vem aqui dizer, que não tem conhecimento nenhum de um acto tão escandaloso e tão fallado, como foi esse do assassinato de um Official no hospital da Estrelinha?! Se elle digno Par podesse crê-lo, diria que um Ministro assim é incapaz de dirigir os negocios publicos: que não com ironias e facécias proprias do theatro, que um Ministro se deve julgar apto para responder nas Camaras sobre tudo aquillo de que lhe cumpre dar conta: isso é bom para um comico, e um Ministro não deve sê-lo; e quando o seja, então largue o logar que lhe não compete, e vá para o Gymnasio (Sussurro).
O Sr. Presidente — Eu peço ao digno Par, que não empregue aqui expressões que não são dignas desta Camara (apoiados), nem mesmo dignas de S. Ex.ª (apoiados).
O orador continuando, diz que não podia deixar de se indignar, ouvindo o Sr. Ministro do Reino dizer, que não tinha conhecimento nenhum de um caso sabido de toda a gente, e cujo castigo interessa a segurança publica, e a disciplina do Exercito, por Isso é que dirigiu o aparte; e se S. Ex.ª ainda não está satisfeito com as explicações que elle digno Par tem dado, está prompto a dar-lhe outras quaesquer que lhe peça.
O Sr. Ministro do Reino devia intender pelas palavras que o Sr. Presidente dirigiu ao digno Par, que não lhe restava cousa alguma a dizer, em quanto aos insultos que o digno Par graciosamente lhe dirigiu, sem que de modo algum se podesse considerar provocado: a Camara julgará se as expressões soltadas pelo digno Par são merecidas por elle Sr. Ministro, ou mesmo pelo homem mais insignificante que se assentasse nestas cadeiras! Entretanto abstem-se de fazer observações sobre ellas.... (O Sr. Marquez de Vallada — O Braz Tisana as fará). O Sr. Ministro do Reino diz que ouvira uma expressão propria das outras expressões... (O Sr. Marquez de Vallada — Tomo a responsabilidade della), e continúa: o Braz Tisana as fará! Parece que o digno Par quer com isto dizer que eu as mando fazer (O Sr. Marquez de Vallada — Assim o diz muita gente). Pela minha palavra de honra digo, que é falso: nunca tive correspondencia com esse jornal, nem com outro (O Sr. Marquez de Vallada — Nem com o Raio?) Nem com o Raio, sim senhor (O Sr. Marquez de Vallada — Admira!) Pois que! Que é isto! Será isto proprio do logar em que nos achamos! (muitos apoiados) O Sr. Ministro observa que o que admira é que o digno Par se referisse a um jornal que, longe de elogia-lo a elle Sr. Ministro, o tem flagellado! Havia de ser a esse jornal que elle dirigisse as suas correspondencias?!
O Sr. Marquez de Vallada — Sr. Presidente, eu peço novamente a palavra.
O Sr. Presidente — Não o inscrevo, porque isto não é objecto que deva ter mais seguimento.
O orador prosegue dizendo que o digno Par póde fazer delle o juizo que quizer, porque guardará, com a temperança que é propria, o silencio que deve guardar sobre tudo que S. Ex.ª tem dito.
Em quanto ao facto que o digno Par se ad-