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sição. Determinava-se-lhe que informasse sem demora quaes foram os motivos por que se ordenou a suspensão da posse da nova camara, e que entregasse o requerimento de que se tratava e que ía junto á mesma portaria, ao commissario regio encarregado de syndicar sobre o modo por que correu o processo eleitoral n'aquelle districto para que elle podesse investigar tambem sobre os factos que eram assumpto d'aquella queixa.

Fevereiro 13. — Officio dirigido ao secretario servindo de governador civil de Villa Real, ordenando-lhe que remettesse sem demora: 1.°, os autos de investigação ou declarações juradas a que tinham procedido alguns administradores nos concelhos do districto, e especialmente da Regua, ácerca dos factos praticados pelos individuos que nas eleições municipaes de novembro ultimo tinham estado em opposição com as auctoridades; 2.°, o relatorio ultimamente apresentado pelo governador civil ajunta geral de districto.

Fevereiro 18.— Officio do secretario servindo de governador civil de Villa Real, em resposta ao officio de 13 d'aquelle mez, remettendo as declarações tomadas pelo administrador do concelho do Peso da Regua, e o auto de investigação a que procedeu o administrador do concelho de Villa Real sobre abusos commettidos por individuos que, nas eleições municipaes ultimamente feitas, pertenciam ao partido denominado opposição.

Março 1.— Officio do commissario regio, participando, que chegára na vespera a Villa Real, e começára logo os teus trabalhos. Remetti a copia de um edital, em que annunciava, que do dia 3 até ao dia 18 do corrente está aberta a syndicancia sobre o modo por que ultimamente correu o processo eleitoral n'aquelle districto, e ácerca do procedimento das differentes auctoridades administrativas, quer no acto da eleição, quer nos actos preparatorios della. Convida portanto todas as pessoas que quizerem depor sobre aquelles assumptos, ou que desejarem prestar alguns esclarecimentos tendentes ao apuramento da verdade dos factos, a comparecerem n'aquella villa e na sala destinada aos trabalhos da syndicancia, fazendo inscrever seus nomes para opportunamente serem ouvidas.

Março 2.— Officio do secretario servindo de governador civil de Villa Real, remettendo em complemento do seu officio de 18 de fevereiro a copia do relatorio que o governador civil ultimamente apresentou á junta geral de districto.

Em vista da synopse que a commissão acaba de expor á camara e doa actos praticados pelo governo, como consta da mesma synopse, logo que chegaram ao seu conhecimento os factos occorridos no districto de Villa Real, fica demonstrado que o governo apenas teve noticia de taes factos pelas representações que lhe foram dirigidas, se apressou a exigir da auctoridade superior administrativa informações a respeito d'elles.

O primeiro officio d'aquella auctoridade sobre este assumpto é datado de 24 de dezembro e só poderia chegar ás mãos do governo a 28. N'esse mesmo dia o ministro respectivo participa pelo telegrapho ao governador civil que já examinou a syndicancia que lhe remetteu e que são necessarios mais esclarecimentos, e indica quaes são esses esclarecimentos. D'esse momento em diante a correspondencia do ministro do reino com o governador civil pelo correio ordinario e pelo telegrapho não cessa e prova bem as vivas apprehensões que aquelles acontecimentos lhe inspiravam, até que no dia 3 de janeiro seguinte, isto é, n'um intervallo apenas de este dia, participa pelo correio ordinario e pelo telegrapho aquelle magistrado, que os documentos enviados e o telegramma da vespera não satisfaziam e ordem lhe que venha immediatamente. a Lisboa dar os esclarecimentos indispensaveis sobre um negocio de tal importancia. Depois d'esses esclarecimentos determinou-te ao governador civil que não voltasse ao districto até nova ordem e foi incumbido um magistrado intelligente e imparcial de ir a Villa Real syndicar dos factos ali occorridos para habilitar, o governo a proceder a respeito d'elles com pleno conhecimento de causa.

A commissão julga-se pois habilitada a emittir a sua opinião em vista dos documentos, que lhe foram presentes, sobre, a responsabilidade que cabe ao governo por aquelles acontecimentos; tendo porém a camara dos senhores deputados resolvido, tambem, posteriormente á resolução d'esta camara, nomear uma commissão de inquerito para o mesmo fim, commissão cujos trabalhos podem chamar esta camara a exercer uma das suas mais elevadas prerogativas, julga a commissão que todas as regras de conveniencia aconselham a camara a abster-se por ora de exprimir o seu juizo a este respeito.

A commissão poderia considerar terminado aqui o desempenho do encargo que lhe foi commettido; tendo-se porém levantado uma questão que, pela gravidade das consequencias, a que já deu e póde continuar a dar origem, prende a attenção do parlamento e do paiz, questão que, pela solução que teve, é um dos incidentes mais importantes dos factos de que nos temos occupado, a commissão julga que não corresponderia á confiança com que foi honrada nesta camara, se-se não apressasse a expor-lhe a sua opinião a tal respeito.

A commissão allude á questão das suspeições politicas.

Se fossem necessárias provas de que a theoria das suspeições politicas é inadmissivel pelas consequencias a que pôde dar origem bastaria o que occorreu em Villa Real para o demonstrar.

Admittidas as principaes suspeições, o governador civil, por um encadeamento fatal e irresistível de circumstancias que devia ter previsto, foi forçado a reconhecer que não tinha com quem constituir o conselho ide districto, julgando-se por isso auctorisado pelo artigo 234.° do codigo administrativo, que não podia ter, tal interpretação, a substituir-se elle mesmo aquelle tribunal, resolvendo por seu arbitrio, em vista de syndicancias, a que mandou proceder, que só têem precedente nas epochas as mais funestas da nossa historia, suspeições, que haviam sido propostas perante o conselho de districto, e de que só este, admittida a theoria do governador civil, deveria tomar conhecimento. A applicação d'esta ordem de suspeições ao conselho distado, e nenhum motivo ha para o excluir, estabelecido o principio quanto ao conselho de districto, daria logar aos mesmos resultados, isto é, a chegar um momento em que não haveria com quem constituir aquelle tribunal. E continuando assim os proprios ministros e os membros das camaras legislativas poderiam ser dados de suspeitos e cessar completamente o movimento da machina politica.

Recorreu-se para justificar a admissão d'aquellas suspeições ás disposições da portaria de 14 de agosto de 1840; porém esta portaria, de que a commissão transcreveu já um ' um extracto fiel n'este relatorio, não contém, nem poderia conter uma só expressão que desse logar a esta illação. O que a portaria de 14 de agosto diz, é que nenhuma disposição expressa do codigo, ou outra lei novissima, exceptuou os membros dos corpos administrativos de poderem ser dados por suspeitos por alguma das causas em direito admittidas para esse fim. A questão ficou, pois, intacta. O que havia a examinar era se o direito portuguez admittia as suspeições politicas.

A ordenação do reino não diz uma só palavra a respeito de suspeições politicas; porém ainda quando o dissesse esta disposição dever-se-ia considerar como completamente revogada pelo systema politico que rege este paiz, e que tem por base a mais plena liberdade do eleitor no exercicio do direito de exprimir o seu voto, e de se associar com quem, quando, e como lhe parecer mais conveniente para fazer triumphar esse mesmo voto.

Se as nossas leis permittissem o que se fez em Villa Real, se o artigo 234.° do codigo administrativo tivesse a amplitude que lhe deu o governador civil, o direito eleitoral era uma chimera e a uma ficava inteiramente á disposição do poder. Os tribunaes administrativos que teriam de julgar da distribuição das assembléas eleitoraes e dos recursos sobre a validade das eleições, seriam compostos dos homens que conviessem á administração. Uma syndicancia feita pelos agentes do executivo declararia chefes de partido os homens que o governo quizesse excluir desses tribunaes, e os seus amigos politicos, chamados pela exclusão d'aquelles a formar os mesmos tribunaes, julgariam suspeitos os seus adversarios, tomariam os seus logares, e resolveriam como entendessem as questões eleitoraes.

A commissão entende pois que a camara dos pares do reino não deve demorar-se em repellir com o seu voto tão perigosas doutrinas.

Quando ainda houvesse duvidas a este respeito, o exame do que se passa nos paizes civilisados bastam para as destruir.

A commissão limitar-se ha a citar o exemplo da França, aonde só são admittidas as suspeições civis, como se vê do «artigo 378.° do codigo de processo civil, que designa todos os casos em que póde ser recusado o juiz. Nenhuma lei franceza applica estas disposições aos membros dos tribunaes administrativos; do que resulta que juriconsultos tão esclarecidos, como Cormenin e Dufour, são de opinião que em caso algum podem ser recusados os membros, d'aquelles tribunaes. Entre nós não pôde dar se a mesma duvida, em vista das disposições do artigo 88.° do decreto com força da lei de 9 de janeiro de 1850, que determina os casos em que podem ser recusados os conselheiros d'estado na secção do contencioso administrativo do mesmo conselho, porém esse mesmo artigo prova que as suspeições admittidas a respeito d'aquelles conselheiros são meramente suspeições civis.

A commissão tem a satisfação de informar a camara, de que tendo, discutido este ponto na presença do ex.mo. presidente do conselho e ministro do reino, s. ex.ª concordou inteiramente com estas doutrinas.

Em resumo é a commissão de parecer:

1. ° Que esta camara sobreesteja na expressão do seu voto sobre a responsabilidade que cabe ao governo nos acontecimentos que tiveram logar por occasião das ultimas eleições municipaes no districto de Villa Real, emquanto se não ultimar o inquerito a que se procede actualmente na camara dos senhores deputados sobre o mesmo objecto.

2. º Que esta camara se pronuncie desde já, como o exigem imperiosamente a sua dignidade e as doutrinas do codigo fundamental que vigora n'este paiz, contra a theoria das suspeições politicas inaugurada n'aquelle districto, a qual se não acha consignada, nem o podia estar nas nossas leis, e tornaria impossivel o systema representativo, que só póde manter-se por meio da mais ampla liberdade concedida ao eleitor no exercicio do direito de exprimir o seu voto, e de se associar com quem, quando, e como julgue conveniente, uma vez que não sáia dos meios legaes para fazer triumphar esse mesmo voto.

Sala da commissão, 12 de março de 1864. —Conde d'Avila = José da Costa Sousa Pinto Basto = Barão de Villa Nova de Foscoa = José Izidoro Quedes (com. declaração) == Miguel Osorio Cabral de Castro.

Secretaria da camara dos dignos pares do reino, 18 de março de 1864. = Diogo Augusto de Castro Constâncio.