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CAMARA DOS DIGNOS PARES

Em virtude de resolução da camara dos dignos pares do reino se publica o seguinte

PARECER N.° 345

Senhores. — A commissão eleita por esta camara para inquerir da responsabilidade que cabe ao governo pelos actos illegaes e attentatorios da liberdade da uma, praticados nas ultimas eleições municipaes do districto de Villa Real, vem hoje dar-vos conta do modo por que julgou dever desempenhar-se do difficil encargo que lhe foi commettido.

A commissão examinou detidamente os numerosos documentos que foram publicados no Diario de Lisboa sobre este assumpto, e os que a este respeito existem na secretaria d'estado dos negocios do reino, e que, a requisição sua, foram mandados pôr á sua disposição pelo respectivo ministro. N'esses documentos encontrou os factos que vae expor, e que lhe pareceram os mais dignos de chamar a sua e a vossa attenção.

A commissão começará pela dissolução da camara municipal do concelho de Alijó, porque é na ordem chronologica o primeiro d'esses factos.

Foi ordenada esta dissolução pelo decreto de 21 de outubro de 1863, sob proposta do governador civil do districto de Villa Real, em officio de 18 do mesmo mez. Esse decreto foi levado a effeito pelo alvará do governador civil da 6 de novembro, em que se nomeava a commissão, que devia substituir a camara dissolvida, e se designava o dia 29 daquelle mesmo mez para a eleição da camara, que teria de funccionar no resto d'aquelle biennio, que terminava no dia 31 do mez de dezembro immediato: vindo assim a haver duas eleições no mesmo mez, uma a 22 para a eleição da camara, que deveria funccionar no biennio de 1864 e 1865, e outra a 29 para a eleição da camara, que só deveria funccionar até 31 de dezembro de 1863.

O codigo administrativo auctorisa no artigo 106.° a dissolução das camaras municipaes por decreto real; porém no artigo 108.° determina que, no caso de dissolução, o governador civil designe de entre os que serviram nas vereações anteriores os que hão provisoriamente occupar os

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logares vagos até á nova eleição. Constando á commissão, que este preceito do codigo não tinha sido comprido na nomeação da commissão municipal, pediu informações ao governador civil, na conferencia que teve com este funccionario, o qual lhe declarou, que entre os nomeados havia com effeito um, que nunca tinha sido vereador. A commissão deve acrescentar, que não houve noticia d'este facto no ministerio do reino, aonde só se encontra o officio do governador civil, de 12 de novembro, annunciando a dissolução da camara, a nomeação da commissão que a substituiu, e a designação do dia 29 para a nova eleição.

Tendo o governador civil designado, por alvará de 5 de novembro, o dia 22 daquelle mez para a eleição das camaras municipaes e juizes ordinarios de todo o districto, que deveriam funccionar no biennio de 1864 e 1865, procederam as respectivas camaras a designar, na conformidade do artigo 49.° do codigo administrativo, as assembléas eleitoraes, que devia haver nos seus concelhos. D'esta designação foram interpostos recursos para o conselho de districto, em relação aos concelhos de Villa Real, Murça, Villa Pouca de. Aguiar, Sabrosa, Alijó e Peso da Regua.

Os recorrentes dos quatro primeiros concelhos deram tambem de suspeitos, para não votarem n'estes recursos, os vogaes effectivos do conselho de districto, bachareis Luiz de Bessa Correia, Antonio Tiburcio Pinto Carneiro e Antonio José Ferreira de Carvalho, pelo fundamento de que estes vogaes estavam muito empenhados, como opposição politica, n'aquella luta eleitoral. A commissão municipal de Alijó deu tambem de suspeitos os mesmos vogaes, e pelo mesmo motivo, para não julgarem de um recurso, que havia sido interposto, da distribuição, que a mesma commissão fizera das assembléas eleitoraes para a eleição da camara municipal d'aquelle concelho. Igual suspeição foi dada, pelos mesmos fundamentos, contra os referidos vogaes, por alguns eleitores do concelho da Regua, a fim de não poderem votar no recurso interposto contra a distribuição das assembléas eleitoraes para a eleição da camara d'aquelle concelho.

No requerimento de recurso, relativo á distribuição das assembléas do concelho de Villa Real, lançou o governador civil, a 12 de novembro, o despacho seguinte:

«Junte-se esta petição ao processo do alludido recurso, e sejam convocados para a sessão de 13 do corrente, por doze horas da manhã, os competentes substitutos dos conselheiros suspeitos, para ser julgada a opposta suspeição, e decidido o proprio recurso, attenta a urgencia do negocio, quando aquella seja julgada procedente, nos termos da portaria do ministerio do reino de 14 de agosto de 1840.»

Despachos analogos foram lançados nos outros requerimentos.

Effectivamente o conselho de districto, composto do governador civil, do vogal effectivo Martinho de Mello da Gama, e dos vogaes substitutos Antonio Ludovico Guimarães, Manuel Ignacio Pinto Saraiva e Manuel Ignacio Teixeira, sem terem sido ouvidos os tres vogaes dados por suspeitos, julgou, em sessão do dia 13 de novembro, provada e procedente a suspeição opposta contra os tres referidos vogaes para não poderem votar no recurso relativo ás assembléas do concelho de Villa Real, abstendo-se de votar n'este incidente, e declarando, que se absteria de votar igualmente em todas as mais questões, que fossem submettidas ao conselho com relação a processos e negocios eleitoraes, o vogal effectivo Martinho de Mello da Gama.

N'esta mesma sessão foi tambem julgada procedente, pelos mesmos motivos, a suspeição dada contra os referidos vogaes, pura não poderem votar no recurso interposto em relação á distribuição das assembléas feita pela camara municipal do concelho de Murça.

Na sessão de 17 seguinte, estando o conselho de districto composto do governador civil e dos tres conselheiros de districto substitutos, que tinham funccionado na sessão do dia 13, foi tambem julgada procedente pelos mesmos fundamentos a suspeição dada contra os tres conselheiros de districto já alludidos, para não votarem nos recursos interpostos em relação á distribuição das assembléas eleitoraes, feita pelas camaras municipaes de Villa Pouca de Aguiar e Sabrosa.

Igual resolução foi adoptada pelos mesmos fundamentos em relação aos recursos interpostos sobre as assembléas dos concelhos do Peso da Regua e Alijó, em sessão de 18 de novembro, estando o conselho de districto composto dos mesmos vogaes das sessões dos dias 13 e 17.

Tanto n'esta sessão, como nas dos dias 13 e 17 do mesmo mez, depois de julgadas as suspeições dos tres vogaes effectivos, foram resolvidos os recursos interpostos contra a distribuição das assembléas eleitoraes para a proxima eleição das camaras municipaes.

Como se vê do despacho do governador civil já transcripto, as resoluções tomadas em relação ás suspeições dos vogaes do conselho de districto tiveram por fundamento as disposições da portaria de 14 de agosto de 1840. Declara-se n'essa portaria, que os membros dos corpos administrativos podem ser dados por suspeitos por alguma das causas em direito admittidas para esse fim, estando sujeitos á regra geral da nossa legislação, de que nenhuma disposição expressa do codigo ou outra lei novissima os exceptuou; acrescendo, que pelas leia patrias se averbavam de suspeitos os vogaes dos antigos tribunaes administrativos, conforme a ordenação, livro 1.°, titulo 2.°, § 7.°; titulo 22.°, livro 3.° e regimento de 19 de julho de 1687, capitulo 18.°, §1.°; d'onde se segue, que por identidade de rasão igual procedimento cabe hoje contra os membros dos corpos administrativos nas suas attribuições decisivas; e que não estando designada na lei nenhuma auctoridade especial para conhecer das suspeições dos membros dos corpos administrativos, deve o conhecimento d'estas competir áquelles dos mesmos corpos, a que pertencerem os suspeitos, para as decidirem summariamente pela verdade sabida e constante dos documentos, com que foram instruídos, sem nenhuma fórma ou figura de juízo; pois que as formulas strictas do processo não são em geral applicaveis aos corpos administrativos; e finalmente que para completar os mesmos corpos, assim para a decisão das suspeições offerecidas contra alguns dos seus membros, como para a deliberação dos negocios, em que aquellas forem julgadas procedentes, se deverá proceder nos termos prescriptos no artigo 211.° do codigo administrativo.

Esse artigo (código administrativo de 31 de dezembro de 1836) diz o seguinte:

«Dando-se o caso de impedimento ou falta de algum dos membros dos corpos administrativos eleitos, ou da dissolução dos mesmos corpos, serão chamados os substitutos para supprirem os membros effectivos; mas occorrendo, que alguns ou todos os substitutos estejam impedidos ou faltem, e por essa causa não possa compor-se o corpo, que d'elles carecer, com o numero de membros, que lhe compete, serão chamados para o formarem ou completarem tantos membros effectivos ou substitutos, que n'eíle serviram no anno ou annos anteriores, quantos forem necessarios para o complemento do mesmo corpo.»

Terminadas as eleições municipaes muitas queixas foram feitas contra as violencias, que se dizia terem sido praticadas n'essas eleições: 33 eleitores d'aquelle districto, entre os quaes te contavam muitos dos seus maiores proprietarios, foram ao Porto depositar nas augustas mãos do chefe do estado uma representação, em que se formulavam essas queixas, pretendendo-se, que as auctoridades administrativas haviam abusado das suas funcções para obterem o triumpho dos candidatos, que protegiam. Algumas d'essas queixas foram formuladas em reclamações apresentadas ao conselho de districto, perante o qual foram interpostos recursos contra a validade das eleições dos concelhos de Villa Pouca de Aguiar, Sabrosa, Murça, Peso da Regua, Montalegre, Alijó, Mondim de Basto, Boticas, Chaves, Santa Martha e Villa Real. D'estes recursos nove pertenciam á chamada opposição politica, e dois ao chamado partido do governo.

Foram alem d'isto dados por suspeitos pela opposição, para não votarem nos recursos que ella interpunha, o governador civil, o secretario geral, presidentes nato e eventual do conselho de districto, e os vogaes dos biennios pretéritos Vital Máximo Teixeira de Matos, padre Manuel Lopes de Carvalho Lemos, padre Francisco José Moreira de Carvalho e Bernardino Felizardo de Carvalho Rebello. Nos quatro requerimentos relativos ás eleições dos concelhos de Peso da Regua, Villa Pouca de Aguiar, Boticas e Murça pedia-se mais, que fossem notificados opportunamente aos recorrentes os nomes dos membros do conselho, a quem no impedimento d'aquelles competia ou tinham de ser convocados para proferir decisão sobre 03 processos das alludidas reclamações e seus incidentes, e que depois se lhes notificasse o dia, hora e local em que o conselho teria de funccionar para resolver sobre taes assumptos, podendo a notificação ser feita na pessoa de algum de seus procuradores.

Tudo isto consta de uma certidão passada pelo primeiro official do governo civil de Villa Real, com data de 7 de dezembro, que se acha transcripta no Diario de Lisboa n.º 42, pag. 525, col. 1.ª

Entre os documentos, que pelo ministerio dos negocios do reino foram mandados á commissão, encontra-se um requerimento sem data, mas que provavelmente foi posterior aos antecedentes; em que dois ecclesiasticos, eleitores recenseados no concelho de Botica»; offereceram suspeição contra os tres conselheiros effectivos já designados e o vogal substituto Francisco Maria Cabral de Sampaio; e alem d'estes contra os vogaes effectivos e substitutos dos biennios pretéritos Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, José de Moura Coutinho da Silveira Montenegro, Antonio Pinto Machado, Antonio Augusto Pinto Machado, Antonio Gerardo Monteiro, Antonio Botelho Correia Machado, José Joaquim Ferreira de Meirelles, José Paulo Teixeira de Figueiredo, Bernardo Pereira Rebello, Antonio Alves de Aguiar e Antonio Cabral de Vasconcellos. Esta suspeição era dada contra estes cidadãos para que não podessem votar nos recursos interpostos contra a validade das eleições municipaes ultimamente feitas, submettidos ao conselho de districto, e fundava se em que todos deviam ser considerados como chefes do partido da opposição, para cujo triumpho tinham trabalhado activamente. Acabavam o seu requerimento pedindo tambem, que se lhes notificassem os nomes dos vogaes do conselho de districto ou de quaesquer pessoas, a quem competisse ser chamadas no impedimento d'aquelles, a o local, dia e hora, em que o conselho tivesse de funccionar, podendo a notificação ser feita na pessoa do seu procurador; porque, por si, ou pelo mesmo seu procurador, protestavam assistir ás sessões, em que se tratasse este assumpto.

O procurador designado e que como tal assignou este requerimento foi Sebastião Maria da Nóbrega Pinto Pizarro.

Junto aos mesmos documentos se encontra uma certidão assignada pelo secretario do governador civil de Villa Real, com data de 4 de janeiro d'este anno, da qual consta, que os cidadãos, que tinham servido de vogaes effectivos e substitutos do conselho de districto, desde o anno de 1836 até 31 de dezembro de 1863, que viviam então e residiam daquelle districto, eram 23. Tendo a chamada opposição dado por suspeitos 7 d'estes cidadãos e é chamado partido governamente 15, vinha a restar portanto unicamente 1 membro do conselho, que ainda não tinha sido dado por suspeito.

A commissão não deve porém omittir que a relação dos cidadãos que poderiam compor o conselho de districto que acompanhava a circular do governador civil de 7 de dezembro, expedida aos administradores do concelho para syndicarem d'aquelles dos mesmos cidadãos que tinham tomado parte activamente nas ultimas eleições, relação que se acha tambem entre os documentos que a commissão examinou, só continha 22 nomes. Eliminando destes os 7 cidadãos dados por suspeitos pela denominada opposição, os 15 que restam são precisamente todos os que são dados por suspeitos no requerimento assignado por Sebastião Maria da Nóbrega Pinto Pizarro, o que tornava absolutamente impossivel a reunião do conselho.

Estes requerimentos foram apresentados pelo governador civil á resolução do conselho de districto nas sessões de 28 e 29 de dezembro, como consta das respectivas actas.

Segundo a acta da sessão do dia 28, compareceram n'essa sessão os quatro vogaes substitutos, bacharel Francisco Maria Cabral de Sampaio, Antonio Ludovico Guimarães, Manuel Ignacio Pinto Saraiva e bacharel Manuel Ignacio Teixeira, e o vogal que servira no biennio anterior, bacharel Antonio Pinto Machado. Tomou a presidencia este ultimo vogal. O conselho devia julgar sómente a suspeição opposta ao governador civil. Compareceu o bacharel Agostinho da Rocha e Castro, e declarou que em seu nome e no de varios reclamantes contra a validade das eleições de alguns dos concelhos do districto averbava de suspeitos os vogaes Antonio Ludovico Guimarães, Manuel Ignacio Pinto Saraiva e bacharel Manuel Ignacio Teixeira, por serem todos altamente empenhados nas eleições municipaes do districto, como provavam muitos factos por elles praticados, publicos e notórios, com os quaes tinha intima relação a suspeição opposta, e bem assim por serem e estarem intimamente ligados e amigos pessoaes e politicos, como tambem provavam muitos actos e factos de publica notoriedade; e finalmente por serem geralmente conhecidos, tidos havidos de accordo e combinação com o governador civil, como auctores e fautores das violencias praticadas nas ditas eleições contra a inviolabilidade da uma e liberdade das eleitores.

Logo depois compareceu o bacharel Sebastião Maria da Nóbrega Pinto Pizarro, e oppoz suspeição ao vogal servindo de presidente, bacharel Antonio Pinto Machado, e ao vogal bacharel Francisco Maria Cabral de Sampaio, como altamente empenhados por pai te, da opposição na luta eleitoral, que ultimamente tinha tido lugar por occasião das eleições das camaras municipaes do districto, e por serem e estarem intimamente ligados com os principaes chefes e agentes da opposição, como provavam e demonstravam innumeros factos por elles praticados publica e notoriamente, e por ser o segundo um dos propostos para a lista camarária da opposição.

Em vista d'estas suspeições oppostas todos os membros do conselho o presidente levantou a sessão para que opportunamente se podesse conhecer das mesmas suspeições.

Na sessão do dia 29 compareceu o governador civil e Os cinco vogaes, que haviam concorrido á sessão antecedente. O governador civil expoz, que cumprindo-lhe, segundo o disposto no § 3.º do artigo 88° do codigo administrativo, sub metter ao conselho de districto as reclamações e protestos que se lhe apresentaram sobre as eleições municipaes, a que ultimamente se procedeu, e tendo sido averbados de suspeitos n'esses processos, não só elle presidente e o secretario geral como presidente eventual do conselho, mas todos os vogaes effectivos e substitutos do conselho de districto do corrente biennio e todos os dos anteriores, requerendo-se ainda previo aviso sobre os nomes de quaesquer pessoas, que porventura fossem chamadas a julgar os mencionados protestos e reclamações; porque outras suspeições tinham a oppor; e manifestando-se d'este procedimento o premeditado fim de enredar e entorpecer o andamento regular dos negocios publicos, impedindo-se o julgamento dos protestos, de que se tratava, e vendo-se por isso elle presidente embaraçado sobre o modo de constituir o tribunal do conselho de districto, tanto para o referido julgamento como para conhecimento das suspeições oppostas, sendo este embaraço tanto maior quanto era certo, que se não acha na lei prevenida a hypothese de serem averbados de suspeitos todos os que podem ser legalmente chamados a fazer parte do conselho; entendêra por isso estar nas suas faculdades, em vista do disposto no artigo 234° do codigo administrativo, adoptar uma providencia, que pozesse cobro á desordem, que se pretendia estabelecer, e que n'estas circumstancias resolvera enviar aos administradores de concelho uma relação dos nomes de todos os individuos, que forem ou têem sido vogaes do alludido tribunal, e que podessem ser legalmente chamados a fazer parte dl elle, ordenando-lhes, que procedessem a uma investigação minuciosa nos seus respectivos concelhos, inquirindo sob o juramento dos Santos Evangelhos, pessoas insuspeitas e despidas de paixões partidarias, sobre quaes dos mencionados individuos intervieram nas ultimas eleições camarárias, empenhando-se por quaesquer dos partidos, que se debateram.

Que o resultado constava dos respectivos autos de investigação, que neste acto apresentava, dos quaes se via, que em todos os concelhos, em que as eleições foram disputadas, tomaram uma parte muito activa os conselheiros effectivos Luiz de Bessa Correia, Antonio Tiburcio Pinto Carneiro e Antonio José Ferreira de Carvalho, os quaes eram geralmente considerados chefes de um dos partidos, que se debateram em todo o districto, não constando porém, que nenhum dos outros cavalheiros constantes da dita relação estivesse nas mesmas circumstancias.

Que em vista d'isto resolvera elle presidente não submetter ao conselho as suspeições oppostas a estes individuos, por serem manifestamente enredadoras, infundadas e despidas de toda a prova, e apenas consistentes em meras asserções, e sómente as dos tres primeiros conselheiros, que os inqueritos declaravam chefes de partido na eleição municipal do districto.

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Quanto porém á suspeição, que era opposta a elle presidente e ao secretario geral, resolvera submette-la ao conselho; em vista do que tendo-o convocado para o dia de hontem, entregara a presidencia ao mais velho dos presentes. Que ri essa sessão as cousas correram pelo modo constante da respectiva acta: appareceram, os mesmos individuos, que já haviam opposto as alludidas suspeições pelo modo amplo e generico, que fica referido, e averbaram de suspeitos tanto o presidente como todos os membros do tribunal para não poderem conhecer da suspeição, que era opposta a elle presidente, circumstancia esta, que mais o confirmava na opinião, que já tinha de que com estes enredos sómente se levava em vista obstar a todo o custo á decisão dos recursos, de que se tratava. Que na impossibilidade pois de poder decidir regularmente a mencionada suspeição, que lhe era opposta, resolvera constituir sob sua presidencia o conselho, composto dos presentes vogues desimpedidos, immediatos aos tres primeiros conselheiros efectivos, contra os quaes sómente resultavam provados motivos de suspeição pelas investigações feitas em todo o districto, e que já em outros processos concernentes aos objectos eleitoraes, de que se tratava, tinham sido julgados suspeitos. Que não dando andamento pelas rasões expendidas a todas as demais suspeições oppostas, submettia sómente ao conselho as relativas aos tres referidos conselheiros Luiz de Bessa Correia, Antonio Tiburcio Pinto Carneiro e Antonio José Ferreira de Carvalho.

O artigo 234.° do codigo administrativo, a que se soccorreu o governador civil, diz o seguinte:

«Nos casos omissos e urgentes, o governador civil é auctorisado a dar as providencias, que as circumstancias exigirem, dando immediatamente conta ao governo.»

Depois da exposição do governador civil, que acaba de referir-se, os vogaes Antonio Pinto. Machado e Francisco Marra Cabral de Sampaio retiraram-se do conselho, declarando o primeiro que se julgava incompetente, e o segundo, que se dava por suspeito, para conhecer dos negocios eleitoraes. O conselho, ficando assim composto unicamente do * governador civil e dos tres vogaes Antonio Ludovico Guimarães, Manuel Ignacio Pinto Saraiva e bacharel Manuel Ignacio Teixeira, julgou procedente e provada a suspeição opposta aos tres vogaes effectivos oh bachareis Luiz de Bessa Correia, Antonio Tiburcio Pinto Carneiro e Antonio José Ferreira de Carvalho, e resolveu os recursos interpostos contra a validade das eleições dos concelhos de Villa Pouca de Aguiar,. Sabrosa, Murça, Peso da Regua, Alijó, Mondim de Basto, e Boticas.

No dia 30 tornou a reunir se o conselho, estando presenteados vogaes da sessão antecedente e dois vogaes, que haviam servido nos biennios anteriores para resolver, como resolveu, os recursos relativos ás eleições dos concelhos de Chaves, Santa Martha e Villa Real, abstendo-se de votar n'este ultimo recurso o vogal Manuel Ignacio Pinto Saraiva.

Ora o codigo administrativo determina expressamente no artigo 268.°, que o conselho de districto deve ser composto dos quatro vogaes effectivos, e de dois substitutos, quando tiver de julgar os recursos em materia de recenseamento, e as reclamações tanto officiaes como particulares, relativas ás decisões das mesas eleitoraes e á validade das eleições das diversas auctoridades e corpos electivos. Este preceito não foi pois cumprido nem na sessão do dia 29, em que compareceram só tres conselheiros, nem na do dia 30 em que, compareceram cinco, havendo um recurso, o que dizia respeito ás eleições do concelho de Villa Real, que só foi decidido por quatro.

O governador, civil, a quem a commissão pediu explicações a este respeito, disse, que entendêra que o conselho estivera legalmente constituido nas duas alludidas sessões de 29 e 30 de dezembro em vista das disposições da carta de lei de 24 de julho de 1855, que determina, que metade e mais um dos membros das camaras municipaes e dos mais corpos collectivos, sendo o numero d'aquelles impar, é em todos os casos, em que as leis exigem a maioria absoluta para poderem, constituir se e deliberar, metade e mais um do numero par immediatamente inferior: em consequencia que devendo o conselho de districto ser composto para a hypothese alludida de seis vogaes alem do presidente ou de sete membros, tendo sido composto de tres vogaes e do presidente ou de quatro membros, funccionará com maioria absoluta; porque quatro são, maioria absoluta de sete.

A commissão limitar-se ha a ponderar, que a citada lei de 24 de julho de 1855 teve unicamente por fim pôr termo ás duvidas, que se haviam suscitado sobre o modo de contar a maioria absoluta, nos corpos collectivos, quando o numero dos seus membros era impar, e não podia derrogar a disposição do codigo, que é uma disposição especial em relação á materia de que se trata. A opinião do governo ácerca d'aquella disposição do codigo tem sido sempre a mesma,.tanto antes como depois da lei citada de 24 de julho de 1855. O artigo. 161.° § 2.° do codigo administrativo de 1836 continha precisamente a mesma disposição do artigo 268.° do codigo administrativo, que actualmente vigora. Por portaria de 15 de. janeiro de 1839 declarou o governo illegal uma resolução do conselho de districto de Coimbra sobre uma questão, da legalidade da eleição da junta de districto porque não tinham estado presentes todos os membros fixados na lei. Esta mesma doutrina sustentou ultimamente O governo na portaria, de 27 de janeiro d'este anno dirigida ao governador, civil de Vizeu, em que lhe declara, que o conselho de districto se não póde considerar legalmente constituido para resolver as questões eleitoraes, aquece refere o artigos 268° nem válida a sua decisão sem que estejam presentes e intervenham ella todos os vogaes designados na lei.

A commissão julga dever notar que na acta da sessão do conselho de districto do dia 29 falta um incidente, que é referido na exposição feita pelo presidente da ultima camara municipal de Villa Real o bacharel Manuel Antonio de Carvalho na sessão extraordinaria de 2 de janeiro d'este anno, exposição transcripta na respectiva acta. Lê-se n'esse documento textualmente o seguinte:

«N'este acto (quando o governador civil declarou, que não dava andamento ás suspeições oppostas, e só submettia ao conselho as relativas aos tres conselheiros effectivos) o dito procurador, bacharel Agostinho da Rocha e Castro, apresentou um requerimento escripto, dirigido ao conselho, em que lembrava ao mesmo tribunal, que por si e como procurador de alguns eleitores de nove concelhos, alem do d'esta villa, tinha averbados de suspeitos o ex.mo governador, civil e tres dos vogaes presentes, suspeição que, se necessario era, novamente repetia pela segunda vez, offerecendo-se a produzir prova testemunhal e documental em seu abono, quando pelos averbados não fosse confessada, e appellava para a respeitabilidade e seriedade d'aquelle tribunal, a fim de que os vogaes averbados, e elle governador civil, igualmente averbado, se não intromettessem a conhecer dos processos eleitoraes, em que estavam suspeitados, emquanto a excepção opposta não fosse legitimamente resolvida, protestando contra qualquer decisão que se tomasse por elles juizes incompetentes por se acharem suspeitados, e não estarem occupando os seus logares os quatro vogaes proprietarios, Martinho de Mello da Gama, e bachareis Luiz de Bessa Correia, Antonio Tiburcio Pinto Carneiro e Antonio José Ferreira de Carvalho, de cujo impedimento legitimo não constava, nem tinham sido convocados, nem ouvidos ácerca da sua suspeição.

«O governador civil porém, quando o secretario geral se dispunha a lêr ao conselho este requerimento, tirou-lh'o das mãos, e metteu-o no bolso, dizendo que só submettia ao conselho aquillo que entendia.

«O procurador bacharel Agostinho da Rocha e Castro quiz ainda fazer outro requerimento, mas antes de o fazer perguntou ao ex.mo governador civil se o sujeitaria ao conselho, e o faria consignar na acta; ao que o governador civil respondeu negativamente.

«A vista d'isto o procurador pediu ser admittido a fazer um protesto que se lavrasse na acta; mas não lhe sendo, concedido por elle governador civil retirou-se, declarando que ía protestar perante um tabellião.»

Effectivamente nada d'isto consta da acta do conselho de districto.

A commissão julgou dever ouvir a este respeito o governador civil, que declarou, que dos factos alludidos só era. exacto, que aquelle bacharel se apresentára perante o conselho n'aquelle dia com um protesto verbal para lhe ser lançado na acta; ao que elle governador civil se recusou, declarando que o fizesse por escripto, porque elle o mandaria juntar ao processo como appenso.

A commissão não póde deixar de referir tambem á camara o que occorreu em Villa Real no dia 2 de janeiro, por occasião de se dar posse á nova camara. A camara transacta tinha sido convocada extraordinariamente para esse dia pelo seu presidente, a fim de deliberar se, tendo sido resolvido, o recurso interposto contra a validade da ultima eleição municipal por um conselho de districto illegal mente composto, e por isso incompetente, deveria a camara dar posse aos novos vereadores, ou deveria continuar em exercicio até que o governo resolvesse a representação, que lhe ía dirigir, com a exposição de todos os actos illegaes praticados com referencia aquella eleição. Aberta a sessão, o presidente, depois de uma larga exposição, que leu para fundamentar uma proposta, que tambem leu, e submetteu á camara, ordenou, que em seguida se lançassem na acta estes documentos. Os novos vereadores, tendo-se apresentado tambem na sala das sessões com os seus diplomas, requereram, que, se lhes deferisse juramento. Declarando o presidente, que os não podia attender emquanto a camara não resolvesse a proposta, que lhe submettêra, recorreram ao governador civil, que era officio dirigido ao presidente da camara transacta lho perguntou se era exacta a informação, que recebêra de que elle presidente se recusava a deferir juramento á camara ultimamente eleita. Em vista da resposta do presidente, de que a camara não havia tomado ainda deliberação alguma a este respeito, o governador civil expediu um alvará ao administrador do concelho, ordenando-lhe, que intimasse o mesmo presidente a que deferisse juramento aos eleitos, e que era caso de recusa lh'o deferisse elle mesmo, na fórma doa artigos 224.°, n.º 12, e 234.° do codigo administrativo. Foi o que aconteceu por virtude da insistência do presidente, requisitando o administrador do concelho força armada, com receio, segundo elle affirma, de que approximando-se a noite fosse perturbada a ordem publica em vista da irritação, de que estavam possuídos os numerosos espectadores que enchiam a sala da camara e as avenidas dos paços do concelho.

A commissão tem sido minuciosa na exposição de todos estes factos, porque entende, que ella era absolutamente indispensavel para o desempenho da missão de que foi incumbida.

Sendo porém essa missão o inquirir da responsabilidade que cabe, não. ao governador civil, mas ao governo, nos factos referidos, entende a commissão que não carece de dar maior desenvolvimento a esta exposição e que é unicamente indispensavel examinar qual foi o comportamento do governo quando esses factos chegaram ao seu conhecimento.

A commissão julga, que a synopse, que vae apresentar dos actos emanados do governo n'aquella epocha e das participações officiaes que. recebeu do governador civil, synopse para a qual chama muito particularmente a attenção da camara, a esclarecerão completamente a este respeito.

Do exame dos documentos que existem no ministerio do reino e das informações que a commissão ali obteve, resulta, que a primeira noticia, que o governo teve do que se passava em Villa Real, proveiu da representação que lhe dirigiram os tres conselheiros do districto, que haviam sido averbados de suspeitos para não julgarem os recursos contra a distribuição das assembléas de alguns concelhos; Esses conselheiros queixavam-se do procedimento havido: para com elles e da maneira, porque fóra constituído o conselho de districto para julgar, aquelles recursos. Esta queixa deu origem ao officio expedido pelo ministerio do reino ao governador civil, em data de 24 de novembro do anno ultimo. É pois por este officio que começa a synopse.

1863, novembro 24. — Officio dirigido em nome do ex.mo ministro do reino ao governador civil de Villa Real, remettendo-lhe a representação, em que alguns cidadãos se queixavam das irregularidades praticadas na constituição do conselho de districto, chamado para julgar as suspeições postas a alguns dos seus vogaes, por occasião do recurso interposto da deliberação da camara de Villa Real, designando as assembléas eleitoraes, em que devia ser dividido o conselho para a eleição da nova camara.

Ordenou-se aquelle magistrado que informasse circumstanciadamente sobre os differentes pontos da queixa, juntando á sua informação copia dos artigos da suspeição, da resposta dos averbados de suspeitos e da decisão do conselho de districto, e igualmente a lista dos vogaes proprietarios e substitutos, tanto d'aquelle anno, como dos anteriores, segundo a prioridade dos annos, e quaes d'estes foram chamados e por que fundamentos.

Ordenou se lhe mais, que com aquelles documentos devolvesse a representação ou queixa para ser tudo submettido á resolução do ministro.

Não houve resposta a este officio, e não se encontra por isso na secretaria respectiva a representação, a que ali se allude.

Dezembro 4.—Portaria expedida do Porto ao governador civil de Villa Real, pelo ministerio do reino, remettendo a este magistrado a representação, em que muitos cidadãos do concelho do Peso da Regua se queixavam de arbitrariedades e excessos praticados pelas auctoridades administrativas nas ultimas eleições municipaes d'aquelle concelho, e ordenando lhe, que procedesse a todas as averiguações tendentes ao exacto conhecimento da verdade, para habilitar o governo a tomar a resolução que fosse justa e conveniente.

Dezembro 15.—Portaria datada de Lisboa, e expedida pelo ministerio do reino ao governador civil de Villa Real, suscitando o cumprimento da portaria antecedente, porque senão do desejo do governo manter inalteravel a liberdade da uma, e reprimir quaesquer demasias, que coarctem aos cidadãos o exercicio de direito eleitoral ou adulterem a genuina expressão ão voto popular, carecia elle de informações minuciosas e exactas ácerca dos factos, que se dizia terem existido, a fim de tomar as providencias, que as circumstancias pedissem.

Dezembro 24.—Telegramma do governador civil de Villa Real, dirigido ao ministerio do reino, participando, em resposta ás portarias de 4 e 15 d'esse mez, que no dia seguinte enviaria documentos que esclareceriam a verdade.

Dezembro 24. — Officio do governador civil de Villa Real, dirigido ao ministerio do reino, remettendo o auto da syndicancia, a que mandára proceder pelo administrador do concelho de Villa Real cobre os factos praticados nas eleições municipaes do concelho do Peso da Regua, e o relatorio d'aquelle magistrado sobre os mesmos factos.

Dezembro 28—Telegramma do ex.mo ministro do reino, dirigido ao governador civil de Villa Real, em que lhe declarava, que acabava de examinar a syndicancia; que eram necessarios mais esclarecimentos; e designadamente quanto aos pontos seguintes: suspeições postas aos conselheiros de districto; chamamento dos substitutos; motivos e modo por que se realisou. Que os jornaes do Porto pretendiam, que as votações da Regua foram falsificadas, dando como votantes maior numero de eleitores do que os que foram á uma. Qual era o numero dos recenseados? Qual o dos votantes? Motivos da mudança das assembléas? Distancia em que ficaram as diversas freguezias. Por que teve logar a eleição nas casas da camara e não na igreja? Exigia-se resposta com urgencia.

Dezembro 29.—Portaria do ministerio do reino ao governador civil, exigindo informações circumstanciadas sobre o modo por que correu o processo eleitoral no districto de Villa Real.

É tão importante esta portaria que a commissão julga deve-la inserir aqui na sua integra:

«Sendo indispensavel, que o governo tenha pleno e cabal conhecimento do modo por que correu o processo eleitoral que ultimamente teve logar no districto de Villa Real, para a eleição das camaras municipaes do mesmo districto, a fim de que possa apreciar devidamente o procedimento das auctoridades administrativas, e a procedencia ou improcedencia das queixas, que por differentes vias têem chegado ao conhecimento do governo, e ha publicado a imprensa periodica: determina Sua Magestade El-Rei que o governador civil de Villa Real informe prompta e minuciosamente sobre os seguintes pontos:

«1.° Por quem foi apresentada a suspeição posta aos conselheiros de districto; os termos d'ella; que prova se produziu para a justificar; que contestação oppozeram os arguidos de suspeitos; e que fundamentos adoptou o conselho de districto para á julgar procedente.

«2.° Que ordem se seguiu no chamamento dos substitutos, isto é, se foi rigorosamente seguida a ordem prescripta no codigo, ou se esta se alterou e por que motivo.

«3.° Que credito merece a asserção de que fóra falsificar da a eleição, da Regua, apparecendo um numero de votos superior ao dos votantes; qual é o numero dos recenseados e qual o dos votantes, segundo os cadernos de descarga.

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« 4.° Que fundamento houve para alterar a designação e composição das assembléas eleitoraes declaradas permanentes pelo § 3.° do artigo 49.° do codigo administrativo, e se na nova designação se attendeu á commodidade dos povos, collocando-se as assembléas nos logares mais proximos, ou se é verdade, que se obrigaram os eleitores dos concelhos da Regua, Alijó, Villa Pouca de Aguiar, etc... a percorrer grandes distancias para poderem exercer os seus direitos politicos.

«5.° Qual foi o motivo da disparidade que se nota entre umas e outras assembléas do mesmo concelho, quanto ao numero dos eleitores; e que distancia ha entre o logar destinado para a reunião do cada uma das assembléas e as povoações de que se compozeram.

«6.° Que rasão houve para collocar a assembléa eleitoral do Peso da Regua na casa da camara, que se diz ter dimensões acanhadas, deixando-se de parte a igreja parochial, em que é de uso reunir as assembléas eleitoraes.

«7.° Como se justifica a collocação de uma assembléa em Gouvinhas, na extremidade do concelho de Sabrosa; se é exacto que depois da votação a uma foi conduzida para casa dos parentes do administrador do concelho, protegendo este acto homens armados, que fizeram calar os eleitores que a isso se oppunham.

«8.° Finalmente o que ha de verdade nos actos de violencia, que se dizem praticados pelas auctoridades em Villa Real, Peso da Regua, Alijó, Santa Martha, Sabrosa, Murça, Villa Pouca do Aguiar, Chaves, Boticas e Boubadella.

«Estas informações que devem ser tão minuciosas e explicitas quanto possivel seja, convem que subam quanto antes ao conhecimento do governo, pois que é urgente, que este se habilite para avaliar devidamente os factos, e para contestar no parlamento as criticas que ahi se devem esperar. Quer pois Sua Magestade que o governador civil tenha muito em conta este negocio que se lhe ha por especialmente recommendado.

«Paço, em 29 de dezembro de 1863.= Anselmo José Braamcamp.»

Dezembro 31. — Telegramma do governador civil de Villa Real dirigido ao ex.mo ministro do reino, em que declarava que não descobriu fundamento para a arguição de que foi falsa a votação na assembléa da Regua. Que em face das investigações que se fizeram, e já remettera, a eleição fôra julgada valida pelo concilio de districto em sessão de 29 do mesmo mez. Que a votação que houve nas tres assembléas em que se dividiu o concelho fóra a seguinte:

Assembléa da Regua, recenseados................ 606

descargas.................. 505

Assembléa de Moura Morta, recenseados.......... 247

descargas.................. 198

Assembléa de Fontellos, recenseados.............. 268

descargas................. 227

Que escrevia pelo correio.

Dezembro 31.—Officio do governador civil de Villa Real ao ex.mo ministro do reino, remettendo mais documentos sobre as eleições do concelho do Peso da Regua, para responder ao quesito do telegramma do ministerio do reino de 28 de dezembro, quanto ás suspeições dos conselheiros de districto, á mudança das assembléas, a ter sido feita a eleição nas casas da camara, e não ria igreja parochial, o que teve sempre logar desde 1857, e á accusação da falsidade na votação, que reputa infundada.

1864, janeiro 1.— Telegramma do ex.mo ministro do reino ao governador civil de Villa Real, era que tomando por fundamento o artigo de um jornal do Porto do dia 30 de dezembro precedente, no qual se noticiava o modo por que se constituiu o conselho de districto, e to resolveram umas suspeições desprezando outras, lhe ordenava que desse informações a este respeito pelo telegrapho.

Perguntava se tendo sido os recenseados na Regua 666, e 300 os que protestaram, tambem estes haviam votado.

Janeiro 2.—Telegramma do governador civil de Villa Real dirigido ao ex.mo ministro do reino. Participava, que tanto elle como o secretario geral, e todos os conselheiros effectivos e substitutos do actual biennio e de todos os anteriores tinham sido averbados de suspeitos, e que se pedíra a notificação de qualquer pessoa ou pessoas que tivessem de ser chamadas ao conselho para se lhes opporem suspeições. Que conhecendo que com este procedimento se queria obstar á decisão das reclamações eleitoraes abrira syndicancia no districto, e não resultando por ella motivos de suspeição senão para os tres primeiros conselheiros effectivos d'este biennio, resolvera submetter ao conselho só as d'estes e rejeitar todas as outras, chamando os immediatos para julgarem a suspeição d'elle governador civil. Que tendo sido neste acto averbados todos de suspeitos para conhecerem d'ella, reconhecêra ainda mais a necessidade d'aquella sua resolução, e assim julgada pelos immediatos precedentes a suspeição dos tres referidos conselheiros, fóra constituido o conselho de districto com estes.

Que dos signatarios da Regua votaram 151, não votaram 75, e não são eleitores os restantes, ao menos com os mesmos nomes. Que o informaram de que as assignaturas na maior parte tinham sido colhidas pelos povos depois da eleição, e que muitos que assignaram, o fizeram sem o saber, tendo votado.

Janeiro 2.— Officio do governador civil de Villa Real dirigido ao ex.mo ministro dos negocios do reino, acompanhando varios documentos para fazerem parte do auto da syndicancia, a que mandára proceder no concelho do Peso da Regua sobre as ultimas eleições municipaes.

Janeiro 2—Telegramma do governador civil de Villa Real dirigido ao ex.mo ministro do reino, em que lhe participava que, a camara transacta do concelho de Villa Real reunindo-se n'aquelle dia nos paços do mesmo pretendera, que se não deferisse juramento nem se desse posse aos eleitos para a nova camara. Que nos termos dos artigos 224.° n.º 12 e 234.° do codigo administrativo auctorisára o administrador do concelho para lhes deferir juramento, o que se verificara entrando estes em exercicio. Que fôra necessaria a presença da força para manter a ordem, que não chegou a ser alterada apesar da geral indignação por causa de tal recusa.

Janeiro 3.—Telegramma do ex.mo ministro do reino ao governador civil de Villa Real, dizendo-lhe, que constava que no acto de se dar posse á nova camara tinham tido logar excessos lamentaveis, empregando-se força armada, obrigando os camaristas transactos a fugirem da sala, circumstancias que não constavam do telegramma do governador civil, pelo que se lhe ordenava que informasse pelo telegrapho com urgencia a este respeito, e bem assim se a camara que recusou foi autoada e procedimento que houve.

Janeiro 3. — Telegramma do ex.mo ministro do reino ao governador civil de Villa Real, participando lhe que os documentos enviados e o telegramma do dia 2 não satisfaziam, pelo que se lhe ordenava que viesse immediatamente a Lisboa prestar esclarecimentos indispensaveis em negocio de tal importancia.

Que tomasse com o secretario geral providencias para socegar os animos e evitar conflictos, abstendo-se da força armada.

Que respondesse com urgencia.

Janeiro 3.—Portaria do ministerio do reino ao governador civil de Villa Real, em que se lhe participava, que tendo sido recebidos os diversos documentos que remettera, relativos ás ultimas eleições das camaras municipaes do mesmo districto, e o telegramma do dia antecedente, em que dava conta do modo por que se constituiu o conselho de districto para a resolução das suspeições apresentadas contra alguns dos seus membros, e para conhecimento dos recursos interpostos ácerca do processo eleitoral, e sendo necessario obter mais ampla noticia ácerca dos factos occorridos a tal respeito, e do procedimento de todas as auctoridades administrativas neste acto tão importante do regimen constitucional, te lhe ordenava que se apresentasse com a maior brevidade possivel na secretaria d’estado dos negocios do reino para prestar todos os esclarecimentos concernentes ás graves accusações que eram formuladas contra as ditas eleições, a fim de te apurar a verdade dos factos e se proceder convenientemente.

Janeiro 4. — Telegramma do governador civil de Villa Real ao ex.mo ministro do reino, participando que não obstante o teu mau estudo de saude partiria no dia 5 para esta capital com a celeridade, que lhe fosse possivel.

Janeiro 4.— Officio do governador civil de Villa Real para o ministerio do remo, respondendo á portaria de 29 de dezembro com a exposição nas occorrencias, que se deram n'aquelle districto com referencia ás ultimas eleições das camaras municipaes.

Insistia em que as suspeições dadas quando o conselho de districto tinha de julgar o processo eleitoral eram manifestamente enredadoras, altamente significativas do desvairamento dos espiritos das pessoas empenhadas na luta eleitoral, e manifestavam o proposito e o animo deliberado de obstar a que se resolvessem os negocios eleitoraes.

Não comprehende este officio os factor, que occorreram por occasião da posse da camara municipal do concelho de Villa Real no dia 2 deste mez, dos quaes se deu conta em outras correspondencias, como se verá mais adiante.

Janeiro 4.—Officio do ministerio do reino ao ajudante do procurador geral da corôa junto do mesmo ministerio, para que este magistrado consultaste com o teu parecer, com urgencia, sobre o procedimento do governador civil de Villa Real, quanto ao modo do deferir juramento e de dar posse aos membros da camara do concelho da capital d'aquelle districto, ou se deveriam ter sido adoptadas outras providencias, e quaes.

Janeiro 4.—Resposta do ajudante do procurador geral da corôa ao officio, de que se acaba de fazer menção, approvando o expediente adoptado pelo governador civil.

Janeiro 5. — O officio ao conselheiro procurador geral da corôa, para que consultasse sobre o mesmo assumpto.

Janeiro 5. — Telegramma do secretario servindo de governador civil de Villa Rei ao ex.mo ministro do reino, participando, que o presidente e os tres vereadores da camara transacta, que se obstinaram no dia 2 em negar o juramento e ceder da posse á nova camara, recusavam obedecer á intimação, que lhes fez o administrador para se não opporem aquelle acto, pelo que o administrador deferindo juramento aos novos camaristas fê-los entrar em exercicio.

Perguntaram os ex-vereadores se podiam continuar a funccionar, e lhes foi respondido, que as suas funcções ha viam terminado, e que só como espectadores podiam ali permanecer.

Da parte da auctoridade não houve demasias. Foi necessaria a presença da força unicamente para conter em respeito os espectadores, que enchiam as casas, grandemente agitados em virtude da obstinação dos camaristas transactos. Os camaristas estiveram e saíram quando lhes aprouve, com toda a liberdade e segurança. O administrador ía proceder ao auto e remette-lo ao poder judicial.

Janeiro 5. — Officio do secretario servindo de governador civil de Villa Real, remettendo o relatorio do administrador do concelho de Villa Real, sobre os acontecimentos que tiveram logar por occasião da posse da nova camara.

Janeiro 7.— Telegramma do ex.mo ministro do reino ao secretario servindo de governador civil de Villa Real, perguntando-lhe se depois do seu officio de 31 de dezembro, ácerca das suspeições dos conselheiros de districto, remettera mais alguns documentos, e se da decisão do conselho de districto houvera recurso para o conselho d'estado, e

não tendo havido, que enviasse, sem perda de tempo, o processo eleitoral das camaras municipaes dos concelhos do Peso da Regua e de Alijó.

Janeiro 7.— Telegramma do secretario, servindo de governador civil de Villa Real, ao ex.mo ministro do reino, dizendo, que a 2 d'aquelle mez fóra remettida a resposta da mesa da assembléa da Regua, sobre o objecto da syndicancia, e uma certidão que mostrava que quarenta signatarios do manifesto da Regua não eram eleitores n'aquella assembléa. Que lhe não constava que te tivesse recorrido para o conselho d’estado, e que pelo correio do dia seguinte remetteria os processos das eleições da Regua e Alijó, e o relatorio geral documentado sobre as eleições do districto.

Janeiro 9. — Officio do ministerio do reino ao secretario servindo de governador civil de Villa Real, ordenando-lhe, que remettesse sem perda de tempo:

1. ° Copia os requerimentos de suspeições do governador civil, secretario geral e substitutos do conselho de districto;

2. ° Copia das resoluções tomadas sobre essas representações, e a narração explicita e clara do que n'este assumpto se praticou;

3. ° Copia da acta da sessão da camara de Villa Real de 2 de janeiro, quando se reuniu para deliberar se havia de dar ou negar posse á nova camara;

4. ° Copia das ordens expedidas pelo governador civil sobre este incidente, e das participações do administrador do concelho sobre o modo por que as cumpriu;

5. ° Copia de quaesquer autos de investigação que se levantassem em referencia a estes factos.

Recommendava-se toda a promptidão na remessa d'estes documentos, e que se lhes addicionassem quaesquer outros, que podessem esclarecer estas importantes questões.

Janeiro 12.—Resposta do procurador geral da corôa á portaria de 5 d'este mez, em quê sustentava, que o governador civil de Villa Real deveria ter mandado intimar primeira e segunda vez, mediante um rasoavel intervallo, pelo administrador do concelho, os membros da camara municipal de Villa Real para desistirem da sua recusa e darem posse á nova camara, o no caso de não obedecerem a essa intimação, deveria então mandar lavrar de tudo um auto e remette-lo ao agente do ministerio publico para este promover em juizo as penas applicaveis aos vereadores refractarios. Dado comtudo pelo governador civil o passo que dou, que reputava sobremodo irregular, e tendo-se em resultado delle dissolvido a camara transacta, e entrando a nova no exercicio de tuas funcções, se devia deixar em vigor aquelle facto pela absoluta impossibilidade de o remediar, não havendo portanto já logar a intentar-se procedimento algum contra os antigos vereadores, visto ter cessado a sua recusa, e terem deixado os cargos da vereação antes de se constituirem verdadeiros refractarios, segundo as prescripções do codigo administrativo.

Janeiro 14.—Officio do secretario servindo de governador civil do districto de Vila Real, remettendo, em cumprimento do officio do ministerio do reino do 9 do mesmo mez, a copia da acta da tensão da camara transacta de Villa Real de 2 do mesmo mez, e a do auto do investigação, a que procedeu o administrador do concelho sobre os acontecimentos d'esse dia, e declarando que, em os documentos, que tinham acompanhado os officios de 4 e 7 d'aquelle mez, estava satisfeito o officio de 9 do mesmo ministerio.

Janeiro 14. — Officio do secretario servindo de governador civil do districto de Villa Real, remettendo, em additamento ao officio d'aquelle governo civil de 4 de janeiro, mais documentos sobre as occorrencias, que se deram nas ultimas eleições municipaes d'aquelle districto.

Janeiro 15.—Officio do secretario servindo de governador civil do districto de Villa Real, remettendo, em additamento ao seu officio de 14 d'este mez, oito autos de investigação, a que procederam alguns administradores de concelho, sobre a parte que tomaram nas ultimas eleições municipaes os vogaes do conselho de districto, que foram dados por suspeitos.

Janeiro 28. — Portaria do ministerio do reino ao secretario servindo de governador civil de Villa Real, remettendo-lhe o requerimento, em que Agostinho da Rocha e Castro se queixava de que n'aquelle governo civil se lhe havia demorado por mais de um mez a entrega do certidão que requeira para instruir recursos, que queria interpor da decisão do conselho de districto sobre a validade das eleições municipaes. Recommendava-se aquelle magistrado, que fizesse passar sem demora as certidões pedidas para que não podesse com fundamento allegar-se, que se tolhiam os recursos legaes.

Fevereiro 1. — Decreto encarregando o conselheiro Januário Correia de Almeida de, na qualidade de commissario regio, ir syndicar no districto de Villa Real ácerca do modo por que ali correu o processo eleitoral para as novas camaras municipaes, e por que as auctoridades administrativas se houveram com relação a este assumpto.

Fevereiro 3.—Portaria dirigida ao governador civil de Villa Real Jeronymo Barbosa de Abreu e Lima, em que se lhe ordenava que se conservasse fóra do districto emquanto durasse a syndicancia ordenada pelo decreto de 1 d'aquelle mez, e o governo não ordenasse o contrario.

Fevereiro 5. — Portaria dirigida ao secretario servindo de governador civil de Villa Real, remettendo-lhe o requerimento em que João Antonio Rebello Guimarães, de Montalegre, se queixava de que tivesse sido desattendida pelo governador civil a suspeição que a elle proprio, ao secretario geral e aos conselheiros de districto substitutos propozera o requerente, e de que se tivesse mandado suspender a posse da camara municipal de Montalegre pela simples circumstancia de pertencerem os camaristas eleitos á oppo-

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sição. Determinava-se-lhe que informasse sem demora quaes foram os motivos por que se ordenou a suspensão da posse da nova camara, e que entregasse o requerimento de que se tratava e que ía junto á mesma portaria, ao commissario regio encarregado de syndicar sobre o modo por que correu o processo eleitoral n'aquelle districto para que elle podesse investigar tambem sobre os factos que eram assumpto d'aquella queixa.

Fevereiro 13. — Officio dirigido ao secretario servindo de governador civil de Villa Real, ordenando-lhe que remettesse sem demora: 1.°, os autos de investigação ou declarações juradas a que tinham procedido alguns administradores nos concelhos do districto, e especialmente da Regua, ácerca dos factos praticados pelos individuos que nas eleições municipaes de novembro ultimo tinham estado em opposição com as auctoridades; 2.°, o relatorio ultimamente apresentado pelo governador civil ajunta geral de districto.

Fevereiro 18.— Officio do secretario servindo de governador civil de Villa Real, em resposta ao officio de 13 d'aquelle mez, remettendo as declarações tomadas pelo administrador do concelho do Peso da Regua, e o auto de investigação a que procedeu o administrador do concelho de Villa Real sobre abusos commettidos por individuos que, nas eleições municipaes ultimamente feitas, pertenciam ao partido denominado opposição.

Março 1.— Officio do commissario regio, participando, que chegára na vespera a Villa Real, e começára logo os teus trabalhos. Remetti a copia de um edital, em que annunciava, que do dia 3 até ao dia 18 do corrente está aberta a syndicancia sobre o modo por que ultimamente correu o processo eleitoral n'aquelle districto, e ácerca do procedimento das differentes auctoridades administrativas, quer no acto da eleição, quer nos actos preparatorios della. Convida portanto todas as pessoas que quizerem depor sobre aquelles assumptos, ou que desejarem prestar alguns esclarecimentos tendentes ao apuramento da verdade dos factos, a comparecerem n'aquella villa e na sala destinada aos trabalhos da syndicancia, fazendo inscrever seus nomes para opportunamente serem ouvidas.

Março 2.— Officio do secretario servindo de governador civil de Villa Real, remettendo em complemento do seu officio de 18 de fevereiro a copia do relatorio que o governador civil ultimamente apresentou á junta geral de districto.

Em vista da synopse que a commissão acaba de expor á camara e doa actos praticados pelo governo, como consta da mesma synopse, logo que chegaram ao seu conhecimento os factos occorridos no districto de Villa Real, fica demonstrado que o governo apenas teve noticia de taes factos pelas representações que lhe foram dirigidas, se apressou a exigir da auctoridade superior administrativa informações a respeito d'elles.

O primeiro officio d'aquella auctoridade sobre este assumpto é datado de 24 de dezembro e só poderia chegar ás mãos do governo a 28. N'esse mesmo dia o ministro respectivo participa pelo telegrapho ao governador civil que já examinou a syndicancia que lhe remetteu e que são necessarios mais esclarecimentos, e indica quaes são esses esclarecimentos. D'esse momento em diante a correspondencia do ministro do reino com o governador civil pelo correio ordinario e pelo telegrapho não cessa e prova bem as vivas apprehensões que aquelles acontecimentos lhe inspiravam, até que no dia 3 de janeiro seguinte, isto é, n'um intervallo apenas de este dia, participa pelo correio ordinario e pelo telegrapho aquelle magistrado, que os documentos enviados e o telegramma da vespera não satisfaziam e ordem lhe que venha immediatamente. a Lisboa dar os esclarecimentos indispensaveis sobre um negocio de tal importancia. Depois d'esses esclarecimentos determinou-te ao governador civil que não voltasse ao districto até nova ordem e foi incumbido um magistrado intelligente e imparcial de ir a Villa Real syndicar dos factos ali occorridos para habilitar, o governo a proceder a respeito d'elles com pleno conhecimento de causa.

A commissão julga-se pois habilitada a emittir a sua opinião em vista dos documentos, que lhe foram presentes, sobre, a responsabilidade que cabe ao governo por aquelles acontecimentos; tendo porém a camara dos senhores deputados resolvido, tambem, posteriormente á resolução d'esta camara, nomear uma commissão de inquerito para o mesmo fim, commissão cujos trabalhos podem chamar esta camara a exercer uma das suas mais elevadas prerogativas, julga a commissão que todas as regras de conveniencia aconselham a camara a abster-se por ora de exprimir o seu juizo a este respeito.

A commissão poderia considerar terminado aqui o desempenho do encargo que lhe foi commettido; tendo-se porém levantado uma questão que, pela gravidade das consequencias, a que já deu e póde continuar a dar origem, prende a attenção do parlamento e do paiz, questão que, pela solução que teve, é um dos incidentes mais importantes dos factos de que nos temos occupado, a commissão julga que não corresponderia á confiança com que foi honrada nesta camara, se-se não apressasse a expor-lhe a sua opinião a tal respeito.

A commissão allude á questão das suspeições politicas.

Se fossem necessárias provas de que a theoria das suspeições politicas é inadmissivel pelas consequencias a que pôde dar origem bastaria o que occorreu em Villa Real para o demonstrar.

Admittidas as principaes suspeições, o governador civil, por um encadeamento fatal e irresistível de circumstancias que devia ter previsto, foi forçado a reconhecer que não tinha com quem constituir o conselho ide districto, julgando-se por isso auctorisado pelo artigo 234.° do codigo administrativo, que não podia ter, tal interpretação, a substituir-se elle mesmo aquelle tribunal, resolvendo por seu arbitrio, em vista de syndicancias, a que mandou proceder, que só têem precedente nas epochas as mais funestas da nossa historia, suspeições, que haviam sido propostas perante o conselho de districto, e de que só este, admittida a theoria do governador civil, deveria tomar conhecimento. A applicação d'esta ordem de suspeições ao conselho distado, e nenhum motivo ha para o excluir, estabelecido o principio quanto ao conselho de districto, daria logar aos mesmos resultados, isto é, a chegar um momento em que não haveria com quem constituir aquelle tribunal. E continuando assim os proprios ministros e os membros das camaras legislativas poderiam ser dados de suspeitos e cessar completamente o movimento da machina politica.

Recorreu-se para justificar a admissão d'aquellas suspeições ás disposições da portaria de 14 de agosto de 1840; porém esta portaria, de que a commissão transcreveu já um ' um extracto fiel n'este relatorio, não contém, nem poderia conter uma só expressão que desse logar a esta illação. O que a portaria de 14 de agosto diz, é que nenhuma disposição expressa do codigo, ou outra lei novissima, exceptuou os membros dos corpos administrativos de poderem ser dados por suspeitos por alguma das causas em direito admittidas para esse fim. A questão ficou, pois, intacta. O que havia a examinar era se o direito portuguez admittia as suspeições politicas.

A ordenação do reino não diz uma só palavra a respeito de suspeições politicas; porém ainda quando o dissesse esta disposição dever-se-ia considerar como completamente revogada pelo systema politico que rege este paiz, e que tem por base a mais plena liberdade do eleitor no exercicio do direito de exprimir o seu voto, e de se associar com quem, quando, e como lhe parecer mais conveniente para fazer triumphar esse mesmo voto.

Se as nossas leis permittissem o que se fez em Villa Real, se o artigo 234.° do codigo administrativo tivesse a amplitude que lhe deu o governador civil, o direito eleitoral era uma chimera e a uma ficava inteiramente á disposição do poder. Os tribunaes administrativos que teriam de julgar da distribuição das assembléas eleitoraes e dos recursos sobre a validade das eleições, seriam compostos dos homens que conviessem á administração. Uma syndicancia feita pelos agentes do executivo declararia chefes de partido os homens que o governo quizesse excluir desses tribunaes, e os seus amigos politicos, chamados pela exclusão d'aquelles a formar os mesmos tribunaes, julgariam suspeitos os seus adversarios, tomariam os seus logares, e resolveriam como entendessem as questões eleitoraes.

A commissão entende pois que a camara dos pares do reino não deve demorar-se em repellir com o seu voto tão perigosas doutrinas.

Quando ainda houvesse duvidas a este respeito, o exame do que se passa nos paizes civilisados bastam para as destruir.

A commissão limitar-se ha a citar o exemplo da França, aonde só são admittidas as suspeições civis, como se vê do «artigo 378.° do codigo de processo civil, que designa todos os casos em que póde ser recusado o juiz. Nenhuma lei franceza applica estas disposições aos membros dos tribunaes administrativos; do que resulta que juriconsultos tão esclarecidos, como Cormenin e Dufour, são de opinião que em caso algum podem ser recusados os membros, d'aquelles tribunaes. Entre nós não pôde dar se a mesma duvida, em vista das disposições do artigo 88.° do decreto com força da lei de 9 de janeiro de 1850, que determina os casos em que podem ser recusados os conselheiros d'estado na secção do contencioso administrativo do mesmo conselho, porém esse mesmo artigo prova que as suspeições admittidas a respeito d'aquelles conselheiros são meramente suspeições civis.

A commissão tem a satisfação de informar a camara, de que tendo, discutido este ponto na presença do ex.mo. presidente do conselho e ministro do reino, s. ex.ª concordou inteiramente com estas doutrinas.

Em resumo é a commissão de parecer:

1. ° Que esta camara sobreesteja na expressão do seu voto sobre a responsabilidade que cabe ao governo nos acontecimentos que tiveram logar por occasião das ultimas eleições municipaes no districto de Villa Real, emquanto se não ultimar o inquerito a que se procede actualmente na camara dos senhores deputados sobre o mesmo objecto.

2. º Que esta camara se pronuncie desde já, como o exigem imperiosamente a sua dignidade e as doutrinas do codigo fundamental que vigora n'este paiz, contra a theoria das suspeições politicas inaugurada n'aquelle districto, a qual se não acha consignada, nem o podia estar nas nossas leis, e tornaria impossivel o systema representativo, que só póde manter-se por meio da mais ampla liberdade concedida ao eleitor no exercicio do direito de exprimir o seu voto, e de se associar com quem, quando, e como julgue conveniente, uma vez que não sáia dos meios legaes para fazer triumphar esse mesmo voto.

Sala da commissão, 12 de março de 1864. —Conde d'Avila = José da Costa Sousa Pinto Basto = Barão de Villa Nova de Foscoa = José Izidoro Quedes (com. declaração) == Miguel Osorio Cabral de Castro.

Secretaria da camara dos dignos pares do reino, 18 de março de 1864. = Diogo Augusto de Castro Constâncio.

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