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não houve officio algum que accusasse a recepção de duzentos.

Assim o acreditei quando li aquelle discurso; porque conheci o digno, honrado e intelligente empregado, que dirigia então a secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, o conselheiro Antonio Joaquim de Oliveira, que foi inquestionavelmente um dos mas habeis funccionarios do seu tempo.

Feriu-me, eu o confesso, o ter na folha official uma asserção tão grave, dizendo se que, n'um largo espaço de tempo, que comprehendia alguns annos, tinha recebido o consul do Rio da Prata um só officio do ministerio dos negocios estrangeiros accusando a recepção de duzentos, isto é, a correspondencia de alguns annos. Ora aqui n'estes documentos esta a prova do contrario. Tenho a honra de mandar para a mesa os proprios documentos que me foram confiados.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia, e continua com a palavra o digno par o sr. Miguel Osorio.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PARECER N.° 126

O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, sinto não ter podido terminar hontem as considerações que tinha a fazer. Não posso chamar discurso ao que fiz, não sou forte na arte de discursar, faltam-me os dotes oratorios, a camara desculpar-me ha, por isso que encontra em mim sinceridade de apreciação, manifestação sincera de sentimentos, e nenhuma consideração, nem pessoal nem particular, que possa pôr obstaculo á exposição dos meus sentimentos; cumpre-me agora agradecer á camara a attenção que tem prestado ás palavras que eu proferi; escusado pois é pedir á camara a continuação da sua attenção, porque espero que não hei de desmerecer a benevolencia com que sempre me tem tratado.

Porém, sr. presidente, antes de entrar n'essas considerações preciso rectificar uma expressão que vejo mal apreciada, o que eu attribuo á má construcção d'esta casa, onde se não ouve bem (perdôe-me a commissão que dirigiu os trabalhos, que eu não me refiro a quem os dirigiu). Vi hoje, sr. presidente, n'um jornal affecto ao governo, a Gazeta de Portugal, um artigo em que se diz que o argumento principal que eu tinha apresentado contra as medidas do governo eram os caminhos de ferro e o telegrapho electrico, e que eu aconselhava o ministro dos negocios estrangeiros para andar sempre nos caminhos de ferro visitando todas as côrtes aonde houvesse necessidade de ter qualquer negociação. Eu não sei se esta extravagante interpretação do que eu disse é porque as notas tachygraphicas mandadas aos jornaes, ou antes extractos, são o resultado de não se ter entendido bem as minhas expressões, e por isso peço licença á camara para repetir o que disse por essa occasião.

Disse que tendo sido apresentado um projecto de reforma para a organisação do ministerio dos estrangeiros se apresentava com um caracter de urgencia que eu lhe não reconhecia, que se dizia que nós estavamos sequestrados á vida politica da Europa ha quatorze annos pela suppressão de ministro especial para esta pasta; fiz eu notar que era notavel que estivesse sentado nos bancos do ministerio um dos ministros que referendou o decreto da suppressão d'aquelle ministro especial, pois que o sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, cavalheiro que muito respeito, julgou, como julgaram todos os ministros d'aquelle tempo, que uma separação do ministerio dos negocios estrangeiros era inutil, e por isso veiu uma lei referendada por s. ex.ª, pela qual se annexou aquella pasta a uma das outras. Hoje reconhece s. ex.ª, com o seu collega da repartição dos negocios estrangeiros, não só a necessidade d'essa separação, mas até a necessidade do largo desenvolvimento e importancia que por esta reforma se procura dar áquelle ministerio.

Esta reforma, sr. presidente, dizia eu, que mesmo quando seja necessaria não é urgente; se fosse urgente deveria já ter sido apresentada ha mais tempo, e não agora com um caracter de urgencia que se torna menos aceitavel na presença dos caminhos de ferro e dos telegraphos electricos, que têem tornado tão faceis as nossas communicações com todos os paizes da Europa, hoje, que em poucas horas podemos mandar um enviado extraordinario a qualquer parte da Europa onde o serviço publico o exija: para confirmar esta minha opinião trouxe o facto recente do sr. ministro dos negocios estrangeiros ter ido a Madrid e ter lá feito, segundo se disse, importantes serviços, apesar de lá ter para isso pessoa por s. ex.ª escolhida,.e competente a todos os respeitos; alem d'este, trouxe o facto do sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, em tempos mais remotos, e quando as communicações eram menos faceis, ter ido ao estrangeiro para aplanar difficuldades financeiras; mas que hoje não via negocios nem urgencias d'esta natureza, e que a causa publica não perigava por esperarmos mais algum tempo até que o sr. ministro nos apresentasse o quadro das missões que queria crear e das retribuições que queria dar, para assim votarmos com conhecimento de causa; e sendo preciso recorramos aos enviados extraordinarios e até ás viagens dos ministros que se separavam das suas repartições e da direcção dos negocios sem perigo da causa publica e sem precisão de sub-secretários d'estado. D'aqui a julgar inutil, como se escreveu que eu julgava, a repartição dos negocios estrangeiros, a ponto de ser bem substituida pelos caminhos de ferro e telegraphos electricos, andando o ministro a bater ás portas de todos os paizes, parece-me que ha uma distancia immensa da exactidão.

Sr. presidente, eu não venho aqui responder á imprensa periodica, que muito respeito e prezo, como garantia fundamental das nossas liberdades patrias, e não como um poder publico, como erradamente se tem asseverado: entendo que na tribuna onde se é aggredido é que é mais conveniente responder. Mas eu não fui aggredido, e se me referi ao que aqui está escripto, foi para rectificar o extracto que não está exacto; e tenho a declarar a V. ex.ª, sr. presidente, que não póde haver aggressão entre pessoas que se estimam e prezam, e o redactor da Gazeta de Portugal é pessoa com quem tenho relações de estima, de maneira que só podia fazer publicar aquella apreciação dos meus argumentos por estar mal informado do modo como expuz a minha opinião.

Agora, sr. presidente (entrando na materia), hontem terminava eu as minhas observações dizendo que votava contra o projecto: 1.°, porque augmentava a despeza; 2.°, porque era inconstitucional; 3.°, porque não deixava ver bem o alcance dos sacrificios financeiros que d'elle podiam resultar. Parece-me que hontem apresentei sufficientes considerações para provar a primeira parte, e o governo é o primeiro a confessa-lo. Que é inconstitucional prova-se, porque só é constitucional tudo o que é relativo á divisão de poderes; e V. ex.ª sabe tão bem como eu, ou melhor, que o artigo 144.° da carta declara o que é constitucional (leu).

O que é constitucional não póde ser alterado em legislatura ordinaria; é constitucional o que é relativo á divisão dos poderes; pertence ao corpo legislativo a demarcação das despezas publicas, e n'esta auctorisação pede-se que esta attribuição passe para o poder executivo; pertence ao poder legislativo a creação de novos empregos, e aqui pede-se que todos os governos fiquem auctorisados a decretarem novas missões, e por consequencia novos empregados.

Sr. presidente, diz se, é verdade, que não excederá a despeza a verba votada de 362:236$908 réis, mas isto é sophismar o que as praxes parlamentares e a carta constitucional determinam; e note-se, isto é o que apparentemente se diz, porque já o governo apontou uma circumstancia muito importante que nos póde levar muito longe, quando diz no § 2.° do artigo 1.º que = esta somma não excederá aquella (leu), não comprehendendo n'esta somma a que possa resultar de vencimentos de disponibilidade e aposentação, ordenados em conformidade das disposições da nova organisação

Mas, pergunto eu, qual é essa cifra? Esta o governo habilitado para o dizer? Quaes são os empregados que precisam ser aposentados? Não se deixa n'este ponto uma grande latitude ao governo com relação ás reformas? De que modo são ellas feitas? Quaes são os tramites que n'ellas se devem seguir? Quaes as circumstancias ou necessidades urgentes que as hão de justificar? Tudo isto, sr. presidente, devia o governo ter explicado á camara no seu projecto de lei, fixando a verba das aposentações, e dizendo que ellas não poderão exceder de uma certa quantia; mais adiante em outro ponto, em que me não demorarei, não só para não estar a repetir, mas tambem porque desejo encurtar o mais possivel o meu discurso; mais adiante, repito, encontra-se a mesma deficiencia.

As auctorisações que se pedem para se poder regular os emolumentos, ou altera-los, n'isto mesmo ha inconstitucionalidade, porque se pede auctorisação para o que é privativo nas nossas attribuições, porque estes emolumentos passam a ser receita do estado, por isso mesmo que, no artigo 16.°, o regulamento determina que toda a importancia dos emolumentos que der entrada nos cofres dos consulados geraes, e consulados de 1.ª classe, constitue receita publica; por consequencia, se constitue receita publica, se é rendimento do estado, ao governo só cabe a responsabilidade de receber e applicar essa receita, e a nós a responsabilidade de a diminuirmos ou augmentarmos; e estas responsabilidades não se podem, em vista da doutrina do citado artigo da carta, delegar.

Sr. presidente, uma das garantias importantes que têem os corpos parlamentares é sem duvida a de poder regular as receitas, publicas; esta attribuição, que já nos tempos mais remotos era uma attribuição do povo que nós representámos, é o que se nos vem pedir a despeito do que diz a carta, para o governo ficar livre das discussões que o incommodam, e que fazem conhecer todos os seus erros ao paiz.

E verdade que o governo duvida de si, porque a lei diz que será ouvido o conselho d'estado; este corpo tem, sem duvida, muitas attribuições, mas creio que entre ellas não está aquella a que se refere a lei (leu).

E pede se isto quando? Quando o governo vem fazer uma declaração tardia, mas digna de louvor, quando elle vem dizer ao parlamento que o orçamento tem sido sempre uma falsidade.

Sr. presidente, eu disse tardia, mas digna de louvor, porque a verdade, partida de quem tem a responsabilidade, é sempre digna de louvor; e n'esta parte sou muito ministerial do sr. ministro dos negocios estrangeiros pela nobre franqueza que teve de vir declarar que a verba votada no orçamento para o seu ministerio era uma falsidade; e se digo que isto é tardio por parte do governo, é porque elle o anno passado já podia ter feito esta mesma declaração, tardia, porque este cavalheiro que assigna o projecto tem sido ministro mais vezes, e n'esta mesma pasta, e podia-o ter dito então, porque s. ex.ª tem sempre feito parte do parlamento e da commissão de fazenda, e podia ali fazer esforços para que o orçamento fosse uma verdade, ou ao menos para que o paiz soubesse que o não era.

Sr. presidente, diz-se aonde é que nós vamos; nós, os que não queremos votar esta lei; vamos de encontro ao progresso do paiz, porque não queremos o desenvolvimento commercial, e não queremos que se estabeleçam agora outras tantas fontes importantes do mercado para os nossos productos como aquellas onde se vão estabelecer os nossos systemas consulares; mas, sr. presidente, os consulados não

vão crear um novo mercado, porque os mercados e os productos existem; as leis economicas é que é necessario estudar para se poderem crear novos mercados, e não é pelo facto da creação de um consulado que se cria um mercado, pelo contrario onde os mercados se vão desenvolvendo é que se deve crear um consulado; é inutil refutar argumentos d'esta ordem; deixa e a iniciativa individual, sempre intelligente n'este ramo, procurar os mercados, mas limitar-vos a ir lá protege-la quando ella lá estiver, e a nossa missão é sim instrui-la e explicar-lhe as leis economicas de maneira que possa ter conhecimento do que lhe convem.

Sr. presidente, não temos nós um consulado em Inglaterra? Uma das primeiras capacidades diplomaticas não nos esta ali representando? Mas porque é que o nosso commercio dos vinhos tem diminuido consideravelmente, e o das fructas se acha quasi ou já em ruina?! Sr. presidente, todos nós sabemos estas cousas sem grande estudo, mesmo das leis economicas, porque entram os factos, e desgraçadamente, a explica-las em nossa casa.

Sr. presidente, desde que o caminho de ferro que atravessa o meio dia da França poz em contacto uns com outros mares; desde que o Mediterraneo se poz em communicação facil e directa com a Inglaterra, o commercio das fructas esta n'um pessimo estado para nós, que estamos sujeitos a longa, incerta e despendiosa viagem maritima; e as fructas da Italia em tudo iguaes ás nossas, mas colhidas em melhores circumstancias, porque a viagem é mais curta, vão occupar o mercado que nós fornecemos; diga o governo aos consules que lhe valham a esta alteração dos mercados.

Eu, sr. presidente, na minha qualidade de insignificante proprietario, passei de ter o rendimento em uma das minhas propriedades que rendia 400$000 a 600$000 réis, a ter o rendimento de 96$000 réis.

Creio, sr. presidente, que as questões pessoaes não são para se tratar aqui, mas quando ellas são da natureza d'estas que vão atacar os proprietarios, parece-me que é necessario traze-las aqui sem queixa nem amargura para fazer conhecer os factos. Em taes circumstancias, que aconselha a boa economia?

E necessario que as culturas se alterem, isto porém faz-se pouco a pouco; e por mais consulados que se decretem não se faz com isso mudar as leis do mercado nem a natureza do producto; o que os governos devem sim, para minorar esta triste situação, é não pedir excessivamente ao paiz o que lhes não póde dar, e que ainda não esta habilitado a nova fórma commercial nem és novas leis do mercado, nem ainda conheceu a necessidade da alteração das culturas que se não mudam de um momento para outro.

E necessario pois ter muita attenção para que o governo não seja obrigado a despezas desnecessarias, e elle nunca me ha de achar contra si quando pedir auctorisação para fazer despezas necessarias. Mas diz-se «esta lei vae cortar todos os abusos que, sem esta lei e á sombra de outra menos clara, íam crescendo».

Se fosse isto, se eu visse que era esta a verdade, declaro francamente a V. ex.ª e á camara que eu votava a lei sem mesmo lhe prestar grande attenção

Mas, sr. presidente, eu vejo n'esta lei mais a sancção dos abusos que se accusam, a porta aberta por onde esses abusos hão de continuar a ser admittidos, do que o meio de os cortar. E visto que a camara vae em pouco occupar-se de uma alta auctorisação que o governo vem pedir para satisfazer uma despeza que em consequencia d'esses abusos se effectuou em uns poucos de annos, refiro-me a uma auctorisação que foi approvada na outra casa do parlamento, que é de cento e tantos contos, direi que antes quero pagar de annos a annos esses cento e tantos contos de abusos, do que votar uma lei permanente nas circumstancias attribuidas da fazenda publica, cujo augmento de despeza é de perto de 200:000$000 réis em cada ano, se não for mais, e que deixa uma porta aberta para mais largos abusos sem garantia alguma contra elles.

Sr. presidente, hontem disse o digno par e meu amigo, o sr. visconde de Algés: «Quereis estes abusos» E eu respondi, sentado ao lado de s. ex.ª, que talvez: e agora repetirei o que tambem disse na ausencia do digno par, e eu. bem sei que s. ex.ª não se retirou por não me querer dar attenção, porque é um cavalheiro muito delicado; disse eu por essa occasião que o motivo por que havia tomado logar ao lado de s. ex.ª era por deferencia, porque o considerava como uma das intelligencias mais fecundas que se apresentaram para defender o projecto, e porque, ouvindo-o, poderia colher argumentos que me levassem a ceder da palavra, e não por ter a vaidade de me encarregar de lha responder, porque s. ex.ª é uma intelligencia muito superior, e eu queria unicamente ouvi-lo, nada mais.

Dizia eu pois que antes queria pagar cento e tantos contos de réis de abusos, e esperar por um governo moral e que não lhe importasse quaesquer considerações para cortar esses abusos, que dissesse a qualquer nosso ministro no estrangeiro que não estava disposto a dar-lhe mais do que estava designado no orçamento, e que o obrigasse a restringir-se áquillo que a lei lhe concede, ou então a renunciar as embaixadas, porque eu entendo que não ha homens absolutamente indispensaveis, e se os ha, a morte vem provar-nos o contrario. Supponhamos que um individuo se recusa, por falta de meios sufficientes de subsistencia, que elle reputa que lhe é decorosa e que é ruinosa ao paiz, a continuar a servir o paiz; é o mesmo que se morresse, e os nomeasse outro para o substituir, e não se saía do que a lei marca.

Esta coragem é que eu esperava ver no governo, e esta é que havia de ser largamente applaudida pelo paiz. Eu não sei quaes foram os governos que sairam d'essa orbita legal. Segundo o sr. Ministro dos negocios estrangeiros, foram todos! Pois se foram todos, a minha censura cabe a to-