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dos. Todos esses governos incorreram n'esse acto criminoso. E louvores ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, por vir denunciar á camara estes factos que são altamente prejudiciaes para a causa publica...

(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

Agradeço ao sr. ministro a interrupção que me fez, e peço-lhe e a todos os dignos pares que me advirtam de qualquer palavra que lhes pareça menos propria, porque ss. ex.ªs podem estar certos logo que irritem o menor melindre não traduzem o meu pensamento; eu não venho aqui nem para irritar nem para offender; a palavra denunciar não tem n'este sentido nada de offensivo; eu porém substituo-a, s. ex, não veiu denunciar, veiu apresentar os factos, pois são denunciantes os factos, as contas, os orçamentos, as declarações não contestadas do governo e dos seus defensores.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — V. ex.ª esta perfeitamente enganado. Eu não vim denunciar á camara cousa alguma. Os factos são conhecidos pelas contas de todos os meus antecessores. Se V. ex.ª conhecesse os documentos parlamentares, não adiantaria de certo essa asserção. Eu não denunciei e os elogios que me dirigiu por esse motivo, não os posso aceitar.

O Orador: — O sr. ministro dos negocios estrangeiros fez me uma censura, dizendo que eu não conhecia os documentos, e que fazia obra pelos discursos da outra camara e pelo relatorio. E verdade, mas não vejo aqui que censurar, nem se me póde exigir que eu esteja ao facto de todos os documentos que têem sido publicados, não só porque a minha vida parlamentar é curta, como porque tenho faltado muitas vezes ás sessões, faltas que a camara me tem relevado. Por esta occasião direi que a circumstancia de par hereditario me póde fazer relevar estas faltas. Eu não tenho obrigação, tenho o direito de concorrer aqui, todas as vezes que a minha consciencia a isso me obriga. Desde que se dá o direito de hereditario, não se procura nem a vocação, nem a illustração, nem a necessidade publica; reconhece-se que aquelle individuo fica na sua plena liberdade. Eu desejo a reforma d'esta camara, e que pelo direito hereditario não torne aqui ninguem. Eu partilho as doutrinas da escola mais liberal, e por isso desejo que se acabe com este direito absurdo, e tanto mais absurdo quanto nós não respeitâmos o direito de successão na organisação da propriedade, e por isso não tem rasão de ser este direito nas funcções politicas.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço a V. ex.ª que me inscreva, e regule o debate de maneira que não se possam dizer heresias constitucionaes d'esta ordem.

O Orador: — Sr. presidente, quem me chamou á ordem foi o sr. visconde de Chancelleiros? Folgo muito de ver entrar nos principios de ordem o digno par, que era sempre aqui, quando fazia opposição, o mais exaltado e que andava fóra da ordem. Ainda bem que agora temos ordem, e eu folgo muito de ser chamado por V. ex.ª á ordem a pedido do digno par, e prometto que tambem hei de lembrar a V. ex.ª que chame o digno par á ordem todas as vezes que estiver fóra d'ella, e de certo não ha de ser por saír só da materia em discussão, pela anarchia que nos debates muitas vezes tenta promover. Isto foi um incidente que não vale a pena continuar. É um meio que costumam empregar os defensores do governo para distrahir os oradores quando se acham em situação que mais desagrada ao ministerio; mas n'esta parte pareceme que se enganam, porque eu hei de dizer tudo quanto tiver a dizer.

Repito, quando usei da palavra denuncia não quiz offender o sr. ministro, e por isso retiro a expressão, assim como retirarei qualquer outra que possa ser offensiva para s. ex.ª ou para a camara. Se não foi s. ex.ª que denunciou, foi o orçamento, foram as contas do governo. Em logar de um denunciante são muitos: são os documentos, são as contas e são os governos que vem pedir estas auctorisações. Agora eu censuro a todos nós que não sabemos n'essas occasiões tornar bem sensiveis esses desvios, censuro a mim mesmo, censuro os dignos pares e os governos; mas se todos nós temos incorrido n'esta censura até aqui, eu não estou disposto a incorrer d'aqui por diante desde que tenho conhecimento das cousas. Votar sem conhecimento de causa não offende a consciencia, mas votar com conhecimento de causa uma lei que abre as portas para estes desvios, isso é que é faltar á minha consciencia e faltar ao que devemos ao paiz; antes quero uma lei que é pouco explicita e de que se tem abusado, porque alguem terá a coragem de não abusar, do que uma que tem só o merecimento de vir auctorisar esses abusos, um bill de indemnidade constante para o que se pretende corrigir, uma lei em que seus proprios defensores o auctorisam, não com a necessidade, mas com o abuso. Eu antes quero a antiga lei, porque tenho confiança em que ha de haver homens que se opponham aos desvios que até aqui se têem feito.

Tenho mais confiança nos homens publicos do que ss. ex.ªs Se o governo quer fazer leis para apoiar a coragem d'esses homens que hão de deixar commetter os abusos, apresente então providencias claras, e não peça auctorisações illimitadas. Declare-se quaes são as embaixadas, marque-se quaes são as despezas de representação, e fujamos d'esse abysmo de desperdicios, e não se diga que são 362:000$000 réis para a despeza da nova organisação do ministerio dos negocios estrangeiros, porque nós bem sabemos que esta cifra que vem no projecto não é uma cifra definitiva para attrahir, mas que em todos os orçamentos ha de ser alterada; não se pede tudo de uma vez, para não assustar.

E preciso, para que o governo tenha ao seu lado um partido forte, que vença todos os obstaculos que se opponham ás medidas de utilidade publica, que seja franco e claro na determinação das despezas, e marque no orçamento, de um modo definitivo e verdadeiro, as verbas que tenha a despender.

Sr. presidente, diz-se que nós vamos agora fazer tratados, que vamos abrir novas legações; e n'esta parte já disse que havemos de ter tantos mercados quantas fossem as nossas legações; que nós vamos organisar as nossas relações com todas as côrtes da Europa, porque temos estado atrazados n'este ponto.

Pois nós não temos negociado tratados durante quatorze annos? Pois nós não temos influido, apesar de sequestrados da vida politica da Europa por não haver ministro especial para os estrangeiros? O sr. conde de Lavradio, que me honra ha muito tempo com a sua amisade, não esteve em Londres representando o paiz de maneira tal, que era chamado para arbitro entre as potencias que estavam em desintelligencia? S. ex.ª não foi o principal mediador na pendencia que havia entre a Inglaterra e o Brazil? Pois se nós temos uma consideração d'esta ordem com o miseravel ministerio que havia, é n'estas circumstancias que se diz que nós vamos ser representados nas côrtes da Europa com o peso da nossa autonomia, que ninguem desconhece, e com o peso da nossa auctoridade? Que mais auctoridade se quer do que sermos chamados para arbitros nas pendencias entre a Inglaterra e o Brazil? Pois nós não fazemos tratados, como, por exemplo, com a Hespanha e Inglaterra, e outras nações com quem temos negociado convenios que se acham approvados pela representação nacional, e tudo isto sem que estivesse organisado o ministerio dos negocios estrangeiros? Por consequencia a urgencia d'esses tratados, que se diz que é preciso negociar, não é senão um pretexto para este luxo de organisação.

Sr. presidente, a nossa influencia diplomatica tem sido sempre e ha de ser accidental, porque nós somos uma nação pequena que vive separada quasi das outras nações pelo seu tamanho, pela sua situação, que tem grandes colonias, mas que não tem sabido explora-las de fórma que possa apresentar os seus productos commerciaes nos grandes mercados; e não hão de ser os consules que hão de remediar este mal. É necessario produzir para fazer exportar, e para exportar é preciso marinha mercante e colonial; e não são os consules que hão de trazer isso. Os consules hão de vir por si mesmos quando tivermos obtido esse desideratum, quando tivermos mercados que consumam os nossos productos coloniaes. Emquanto isto se não der, os consules não servem para nada, senão para terem uma bandeira á porta, e obterem uma condecoração qualquer por serviços que não fazem. Mas, sr. presidente, dizia eu que a nossa influencia diplomatica é accidental, e todas as vezes que ella se torne necessaria ao paiz é que se faz sentir. É assim que nós temos tido grandes vultos na diplomacia, que têem honrado este paiz, taes como Antonio de Sousa Macedo, o primeiro conde da Ponte, e o mesmo jesuíta, o padre Antonio Vieira, e outros que deram honras ao paiz nas occasiões importantes em que se discutia a nossa autonomia, ou se tratava dos casamentos dos monarchas, em que era preciso serem representados por um diplomata superior para intervir n'esses negocios.

O sr. duque de Palmella, uma das glorias mais importantes do paiz na carreira diplomatica, prestou n'essa carreira relevantissimos serviços ao paiz.

Temos ainda outros homens eminentes, que não menos valiosos serviços prestaram ao paiz, mas quando? Quando se tornavam precisos; portanto não devemos ter constantemente diplomatas residindo em côrtes, onde nada, absolutamente nada, ha a tratar nem mesmo a referir, como nos acontece agora.

Sr. presidente, disse o sr. visconde d'Algés que o que dá o valor ao emprego é a pessoa. Esta lei diz que serão chamados taes e taes individuos? Marca porventura quaes as habilitações que hão de ter? Não, antes pelo contrario nos mesmos artigos 29.° e 30.° em que marca algumas insignificantes regras para as admissões, deixa logo claramente ver que o governo não quer ficar obrigado a tal, como mais claramente mostrarei em descendo á analyse dos artigos. Mas diz-se que ha economia, porque se supprimem os encarregados de negocios; e conveniencia, porque elles não tinham a mesma auctoridade que têem as importantes categorias que os vão substituir; parece-me que a segunda rasão destroe completamente a primeira; se os encarregados de negocios, por modestos em representação, não tinham auctoridade, a economia desapparece, e vê-se que é mais uma ficção. Os encarregados de negocios mais modestos, nos pontos que fossem necessarios, podiam satisfazer as obrigações commettidas áquelles diplomaticos em harmonia com o nosso estado financeiro; as despezas de representação são menores com esses empregados, e por isso mais aceitavel a sua existencia á vista do estado horroroso em que nos achâmos pela nossa divida monstruosa; parece-me que as economias consistem principalmente n'isto em deixar de fazer por mais o serviço que se póde fazer por menos, e n'isto é que esta a salvação da causa publica. Em todas as organisações de serviço, devemos olhar primeiramente para o deficit e para as circumstancias financeiras do paiz, porque emquanto o governo não fizer isso, receio um grande perigo que o exercito não poderá evitar, nem o ministerio dos negocios estrangeiros, nem os diplomatas. Quando soar a hora desastrosa em que o governo não possa satisfazer as despezas publicas, porque este estado de cousas ha de terminar um dia; quando a nossa fortuna for destruida pela bancarrota, ha de ser tambem aniquilada a nossa autonomia pelos desperdicios que se fizerem; a nossa autonomia esta sendo apunhalada por esses mesmos desvios sem fundamento nem rasão de ser; em vez de corpos diplomaticos, largamente retribuidos, caminhemos para uma administração economica, que é o que mantem a individualidade das nações. Porque deixaram de existir tantas nações nas ultimas guerras que assolaram a Europa, foi por não terem diplomatas ou por não terem rasão de existencia?

Sr. presidente, a receita que se apresenta para fazer face a esta despeza, diz o sr. visconde d'Algés, que ella satisfaz cabalmente; e por essa occasião disse tambem o digno par que a argumentação dos contrarios, ou pelo menos a que havia de ser, porque s. ex.ª referiu-se não só aos oradores que tinham fallado, mas fez a honra de se dirigir tambem aos que ainda não tinham fallado, e eu era um d'elles...

O sr. Visconde d'Algés: — Eu não me referi a V. ex.ª

O Orador: — Pareceu-me que se tinha referido a mim. Porém s. ex.ª disse que esta receita era importante, e que alem d'isso tinhamos mais 30 por cento, creio eu, sobre heranças do Brazil. Estas materias são áridas e difficeis, e por isso chamo a attenção da camara sobre ellas. Ora eu pergunto qual é o systema de fiscalisação que o governo tem adoptado para estas receitas eventuaes dos consulados? O governo não disse nada a este respeito; disse-se na outra camara que podia ser pelo systema de estampilhas, mas visto que vae constituir uma fonte de receita publica, eu queria que os srs. ministros olhassem para este objecto com toda a attenção, e dissessem já qual o systema adoptado, porque V. ex.ª sabe que o systema de estampilhas, que é mais facil, tambem póde ser falsificado quando offereça conveniencia importante aos falsificadores; e não se diga que não ha de o governo estar a apresentar aqui já o systema que ha de adoptar, porque a necessidade é urgente; pois se o sr. ministro não póde satisfazer a ella, deve conservar o statu quo até então.

O sr. Fontes Pereira de Mello, honradissimo ministro da fazenda, disse o anno passado no parlamento as seguintes palavras: «Chego da opposição para os bancos do governo, não sei ainda quaes são as reformas que hei fazer, e prometto desde já que as hei de fazer». Eu sinto que s. ex.ª não esteja presente, porque satisfez a sua promessa, conformando se com o programma que apresentou, e veiu já lembrar o que era necessario para nos salvar da anarchia financeira. Louvores sejam dados a s. ex.ª, e os meus louvores são insuspeitos. Pois o sr. ministro dos negocios estrangeiros não podia tambem dizer que tinha necessidade de fazer esta alteração, para converter era receita publica o que tinha sido apanagio particular, e demorar para mais tarde a fixação de uma despeza, que s. ex.ª não sabe ainda até onde ha de chegar? E não se diga que é absurda a idéa de querer aproveitar para o estado um tributo lançado ao commercio com o estrangeiro que só tem rasão de ser para melhorar o serviço; o tributo é lançado ao commercio do paiz, porque os actos consulares são para os subditos do Rei de Portugal; o tributo já existia, o desleixo que até aqui tinha havido é que fazia que houvesse um differente systema de arrecadação.

Sr. presidente, visto que estou fallando da arrecadação dos emolumentos consulares, direi tambem alguma cousa a respeito da verdade da receita creada; fallarei dos 30:000$000 réis que hão de vir dos 30 por cento lançados ás heranças dos subditos portuguezes no Brazil, receita que me parece exagerada: em primeiro logar declaro que não sei se esta feita a convenção de que se nos falla.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Data de 1862, e em o desconhecer ha mais um engano da parte de s. ex.ª

O Orador: — Agradeço ao nobre ministro o notar-me mais um erro; a sua advertencia é sempre para mim um favor; mas o que s. ex.ª póde crer é que eu sou sincero, e que lhe confesso essa mesma ignorancia; posso fallar em materia que não conheço, mas declaro logo que a não conheço; e se pergunto é para evitar o votar sem conhecimento de causa, porque isso é que não faço; mas sem abusar da bondade de s. ex.ª, visto que esta feita e ratificada, esta tambem em execução? Isso é que me parece que s. ex.ª não póde affirmar. Mas como se justifica esta verba? Os consules hão de assistir a todos os actos que resultam da transmissão por herança? Confesso que isto me não parece regular, porque o consul vae sempre com o caracter de protecção justa e rasoavel, protecção bem entendida e muito' necessaria a respeito de ausentes ou menores; mas seria inaceitavel uma protecção desnecessaria só para augmentar a receita publica; os consules não vão fazer este serviço pro domo sua, como íam até agora; vão pela causa do. estado, e o zêlo ha de ser muito menor, e por isso não se podem calcular as receitas futuras pelas que o eram até aqui. Até aqui litigava-se sobre se o consul devia comparecer quando fôssem os herdeiros todos menores, ou uns menores e outros maiores; d'aqui por diante ha de litigar-se o contrario, porque o consul é que não ha de querer comparecer, porque não tem interesse n'isso; mas suppondo o calculo da importancia das heranças em 1.000:000$000 réis, e que chega portanto a 30:000$000 réis a receita; sendo assim, se ha de haver 1.000:000$000 réis de heranças de menores e ausentes, isto annualmente, podemos imaginar o triplo para as heranças em que não figuram menores nem ausentes, e ahi temos sommas de tal maneira consideraveis a virem do Brazil, que renascerá a idade de oiro; torna a valer-nos o Brazil, que passa por este calculo a ser outra vez colonia nossa; então é que se extingue o deficit! A tanto dá logar a exageração das cifras! Mas o caso é que o nobre ministro ha de responder como respondeu o digno par, o sr. visconde de Algés, dizendo: «Tudo isso é porque vós trataes de uma materia que não conheceis». É verdade; mas tambem é certo que não se me deram melhores dados. O governo apenas apresentou umas simples tabellas, dizendo o sr. ministro que o governo não tinha melhores dados; mas é que, se porventura se esperasse algum tempo por outros melhores, não nos veríamos em circumstancias em que estas deducções logicas são tão falsas como os dados que o governo apresenta por simples supposição, sem conhecer siquer quaes são ou convem que sejam os consulados de pre-