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no peccado por que a condemnam, e os algarismos respondem de um modo decisivo ás conjecturas lugubres. Se o deficit, na realidade grave e assustador, nos ameaça, não creia a camara que o projecto seja, como se disse, o precursor que vem em seu nome annunciar a ruina. Se não perecermos financeiramente senão pelos effeitos d'esta lei, desviemos desde já o cuidado, porque somos immortaes. Oxalá que de todos os outros males podessemos dizer o mesmo.

Não basta declarar um projecto réu de lesa economia, é preciso provar que elle o é, e a prova ha de custar mais que a asserção. O augmento da despeza, mesmo que existisse, não mata uma lei, quando rasões de utilidade e de interesse publico, rasões dignas da attenção dos homens publicos, aconselharem aos poderes publicos a sua adopção em nome de principios mais altos e fecundos, que deveres sagrados mandam respeitar (apoiados). E perdôe-me o digno par, meu amigo, a quem succedo na tribuna, que usando da sua costumada e nunca interrompida benevolencia para commigo, eu comece por me distanciar logo desde o começo de uma theoria que expoz, mas que me parece contestável, muito contestável até.

A separação dos pares do reino em duas castas distinctas nas obrigações, uma, a hereditaria, quasi divina pela ociosidade olympica, e pela plena absolvição de todo o dever; a outra, a dos pares de nomeação regia, votada ás lidas e fadigas das funcções parlamentares, quasi plebeia pela condição do trabalho, é uma separação que nem a sciencia nem os factos, que nem a doutrina nem os exemplos admittem ou supportam. Aqui somos iguaes todos em direitos e obrigações. Quem herda, herda a funcção com o encargo; o acaso do nascimento, o acaso da fortuna, direi, para não offender nenhum amor proprio, não cria categorias differentes no seio do mesmo senado quanto ao exercicio da funcção, que é obrigatoria para todos. Não ha semi-deuses de uma parte e illotas da outra; não ha entes privilegiados de um lado e serventuários parlamentares do outro; ha pares, ha legisladores, investidos na mesma magistratura politica, sem restricções de direitos ou de obrigações. Por isso digo de mim, e sem vaidade, que longe das pompas genealógicas e do berço de purpuras dos representantes da nobreza historica, que venero e estimo, não careço de nenhum titulo genealógico para me reputar igual de todos como par, e para repellir a especie de preito servil, com que ficaria acorrentado á gleba parlamentar para aguardar o bom grado dos pares hereditarios, e na sua ausencia fazer a seu contento o que pertence a todos (apoiados).

Estou aqui para cumprir o dever que me dictou a escolha da corôa, escolha immerecida pela minha obscuridade, e procuro corresponder ao mandato empregando o zêlo e os esforços que as minhas humildes faculdades me consentem (apoiados).

O projecto tem sido combatido, não pelo que é, mas pelo que se suppõe que poderá ser. Uns louvam a reorganisação consular e repellem tudo o mais. Outros estranham a formação da administração central, e aceitam a constituição dos corpos consular e diplomatico sem repugnancia. Alguns approvam a lei e só hesitam sobre a maior ou menor extensão d'esta ou d'aquella disposição. Só o meu antigo amigo, o sr. Miguel Osorio, com o receio talvez de que um rasgo de clemencia lhe affrouxasse o rigor, não encontrou em todo o projecto um só artigo digno do seu voto. Nem um só! Tudo é mau a seus olhos. Tudo merece ser fulminado com a mesma sentença! Pareceme que menos severidade seria justiça. Fóra dos pontos controvertidos ha na lei proposta preceitos que os proprios adversarios podem applaudir com inteira confiança.

O espectro do deficit, que o meu nobre amigo vê a cada instante surgir livido do seio do projecto para nos annunciar a ruina, é o verdadeiro, o unico culpado d'esta sua crueldade theorica. A proscripção em globo de todos os principios da lei, a degolação até dos artigos mais innocentes immolados em holocausto ao genio sombrio do cahos financeiro, de certo repugnariam á sua indole benevola se a apprehensão o não offuscasse. Horror, tres vezes horror! Quem ousaria prevê -lo?! O projecto da reforma da secretaria dos negocios estrangeiros póde vir a ser até o tumulo da nossa autonomia!... Seguramente o deficit é grave e toma proporções assustadoras, mas dar-lhe por complice efficaz este projecto parece-me exageração.

O sr. Miguel Osorio: — Pouco a pouco se verá.

O Orador: — Ë verdade que pouco a pouco se chega á ruina, e que de pequena a torrente engrossa com os affluentes, precipita o curso, e torna-se por fim ribeira despenhada... Sei tudo isso perfeitamente, e sei igualmente que póde ferir mais a prosperidade publica uma rede de encargos locaes pesados, embora pequenos impostos lhe entreteçam as malhas, do que um systema de contribuições geraes calculado e bem concebido. Tenho mais receio do tributo que se disfarça, do que do imposto que diz o que é e d'onde vem. Mas a seu tempo fallaremos d'isso.

O projecto actual, porém, nem creio que aggrave o desequilibrio financeiro, nem que seja uma nova machina armada para exhaurir pelas prensas fiscaes a substancia. Por isso o approvei. Posso estar em erro, mas firmemente entendo que não é uma nem outra cousa.

As tendencias da lei são muito mais modestas. E um acto de administração interna. Propõe-se organisar o serviço dos negocios externos de modo que a nossa diplomacia, sem pompas vãs, mas decorosamente, possa exercer ás elevadas funcções que o interesse publico lhe assigna. Estabelece regras uteis e dieta os preceitos que a experiencia recommenda para acudir a necessidades verdadeiras, para constituir o corpo diplomatico e consular de fórma que sejam o que devem ser, em harmonia com a honra e com os brios da nação, que não abdica nem póde abdicar, em nome

de falsas, de deploraveis economias, nem a dignidade do seu nome antigo e glorioso, nem o respeito de suas memorias e tradições —que é um povo livre e que não perdeu a fé em si, na historia e no futuro, para confessar indirectamente á Europa que deixou de o ser, desapparecendo de todas as côrtes (muitos e repetidos apoiados). Encerra um voto de confiança o projecto? É verdade. Encerra. Mas restricto, limitado ao primeiro anno, sujeito á fiscalisação annual das camaras. As prodigalidades que se prevêem, que se invocam, se estivessem pois na mente de algum governo, teriam forçosamente por complices as duas casas do parlamento.

(Interrupção que não se ouviu.)

Ah! Bem sei. O parlamento é complacente e bondoso? Uma vez descriptas as verbas aceita-as e confirma-as? Se isto fosse exacto... se as camaras voluntariamente se convertessem em chancellarias... a enfermidade, seria mais aguda ainda que o deficit, seria a monomania incuravel do suicidio moral.

Nada menos! Se o parlamento por indesculpavel condescendencia, percorrendo as verbas de despeza, nunca se atrevesse a riscar nenhuma por mais superflua, sacrificando sempre o interesse publico aos caprichos pessoaes, lavraria por suas mãos a sentença da sua exauctoração, e baixando por servilismo á condição humilissima dos senados de Tiberio, com a propria existencia immolaria a existencia da liberdade associada ao seu decoro.

Longe de nós essa visão funesta! Não estâmos felizmente em tão doloroso periodo; e, se Deus o permittir, havemos de legar a nossos filhos a liberdade viva, pura, e mais robusta ainda do que a recebemos das mãos gloriosas que a conquistaram.

Devia agora entrar mais de perto no assumpto do debate, mas a hora corre adiantada, e aproveitarei os momentos que faltam em responder a algumas observações que ouvi. Seria um acto de menos deferencia para com o meu amigo antigo e sempre estimado, o digno par, o sr. Miguel Osorio, o não me occupar das arguições que s. ex.ª dirigiu ao projecto, embora, a meu ver, a lei que incorreu no seu desagrado não justifique as iras que se manifestam contra elle.

O meu nobre amigo citou o nome do duque de Palmella, D. Pedro de Sousa Holstein, e citou-o para abonar o pouco apreço dado aos serviços diplomaticos de hoje. O argumento afigura-se contraproducente. Quando a causa da Rainha só contava um punhado de defensores no rochedo da Terceira, e as praias do estrangeiro se povoavam de emigrados, que a lealdade arrastava longe da patria a provarem o pão amargo do exilio, o duque de Palmella sacrificando mais do que a fazenda e a vida, immolando até os affectos mais ternos e extremosos do coração, salvou o futuro impedindo, pela auctoridade do seu nome e pela persuasão da sua palavra, o reconhecimento da, usurpação pelos gabinetes da Europa. A diplomacia d'esta vez, ha de confessar-se, valeu por um exercito (muitos apoiados). E estes serviços prestou-os o duque na hora suprema das maiores tribulações, quando tudo eram trevas e tempestades. A diplomacia era e foi n'aquella epocha a unica força que restava á causa da Rainha (apoiados), alem d'esses poucos soldados saídos das ondas e dos pelouros, que velavam desamparados no meio do oceano as bandeiras da liberdade que mais tarde haviam de plantar no Porto (apoiados). Portanto, repito, a diplomacia, unica força que sobrevivia de tantos naufragios, n'aquella occasião salvou o throno e as instituições, e salvou os pela sua lealdade acrisolada, pelo ardente amor da patria e pela abnegação rarissima em dias de decadencia.

Provou, quando muitos o esqueciam, que tinha coração para sentir, vontade para affirmar as suas crenças, e intrepidez para arrostar os perigos. O duque de Palmella, e tantos outros vultos que o acompanharam, nos esforços respondem na historia com seus feitos á accusação vaga e injusta da vaidade da carreira diplomatica. Os trabalhos e os sacrificios, que sagraram seus nomes ao reconhecimento ou á admiração da posteridade, dizem-nos que a diplomacia é alguma cousa mais do que uma futilidade luxuosa (muitos apoiados).

Foi, repito, aos seus esforços que a causa da Rainha deveu o começo do seu triumpho; foi, affirmo, ao duque de Palmella que primeiro coube a gloria de a defender perante a Europa. E não só a elle. Tambem um venerando e honrado ancião, que todos prezâmos pela elevação e benevolencia do caracter e pelos brios ainda vivos do coração em idade provecta, o sr. marquez de Rezende envidava todos os poderes da sua esclarecida intelligencia para salvar o direito e o porvir do facto irreparavel do reconhecimento do governo intruso pelas potencias.

Do nobre conde de Lavradio não direi nada aqui. Fora offender a sua modestia. Mas a camara não carece de que lhe avive o que ella sabe melhor do que eu (apoiados). Depois fallaram as armas, e a victoria seguiu as nossas. Mas, torno a dize-lo, n'aquelles primeiros dias os exemplos da mais rara abnegação e do mais dedicado patriotismo foram dados pelo corpo diplomatico...; porque alguns que se illustraram, mais tarde, como gloriosos soldados no campo da batalha, apenas empregavam então os ocios em semear a discordia nos arraiaes dispersos da emigração.

A diplomacia foi a mão poderosa, alavanca que sustentou o direito contra a força, que representou a resistencia da consciencia contra a da oppressão. Não sei se achariam onerosos os seus serviços n'aquelles dias, mas asseguro que aos olhos do patriotismo foram taes, que não tiveram preço (apoiados). O paiz não póde dispensar a sua representação diplomatica, e não póde quere-la menos decorosa, inhabil, e abaixo da sua dignidade. «Ser ou não ser» é ainda n'este ponto a questão. Por isso que o nosso territorio é pequeno, e que não pesamos na ballança do mundo com exercitos e armadas, é que devemos desejar que os homens, incumbidos de velar fóra do paiz pela sua honra e pelos seus interesses, sejam notaveis pela capacidade e pelos merecimentos. Não levantemos pigmeus no pedestal, em que vultos gigantes sustentaram em horas arriscadas as tradições, a justiça e a independencia da nação, que, apesar de ser pequena, conta paginas mais gloriosas na historia do que grandes impérios ciosos do seu poder (apoiados). Se queremos realçar e affirmar a nossa autonomia, conservemos cuidadosamente tambem as memorias do passado.

Não leguemos ao provir senão actos e rasgos dignos do que fomos e do que podemos ser ainda. As grandes desgraças dos povos quasi sempre são obra d'elles.

Não amesquinhemos sem rasão as cousas. Não regateemos alguns contos de réis mais a despezas, que a experiencia provou já em lances decisivos que foram productivas.

A nação que defendeu com tanto vigor a independencia no seculo XVII, com a espada e com a penna, cuja diplomacia soube fazer-se respeitar de amigos e adversarios em momentos criticos; a nação que no seculo XVIII brilhou ainda nas conferencias e negociações pela voz auctorisada de varões tão illustres como D. Luiz da Cunha, Marco Antonio de Azevedo Coutinho, Brochado, e outros que omitto por brevidade, não póde hoje tratar de resto a sua representação diplomatica, e deve querer que ella seja sempre digna e decorosa.

Em 1640, logo depois do grande esforço nacional, que milagrosamente quasi derrubou em uma hora o dominio hespanhol de sessenta annos, esforço que só uma viva fé e um grande amor da patria podiam inspirar, levantado o throno da dynastia de Bragança, ao passo que os esquadrões de Castella se adiantavam para invadir o reino, cruzavam os mares os nossos diplomatas, e íam offerecer aos inimigos das casa de Austria mais um alliado brioso e infatigavel. Richelieu, Carlos I, a Suecia e a Catalunha receberam os nossos enviados, e ouviram da sua bôca a promessa confirmada pelo successo, de que Portugal voltára aos dias de Aljubarrota, jurando viver livre, e a historia diz-nos que o juramento se cumpriu, e que a diplomacia não obrou menos então do que as armas.

Não ha nação pequena, não ha paiz insignificante, quando a vontade, quando a consciencia, quando o coração fundem todo esse povo n'uma só alma, n'uma só vontade para a defeza dos seus direitos e da sua dignidade (apoiados).

Vede a pequena Belgica, filha de um rasgo heroico e revolucionario em 1830, filha do amor da liberdade, levantada nos escudos da diplomacia que lhe fortificou a vida ameaçada; vêde como ella, no meio das convulsões europeas, apesar da proclamação audaz de uma chancellaria em favor da aggregação das raças e nacionalidades, se conserva serena e pacifica sem receio de ver a sua autonomia eliminada, porque só morrem os povos que desesperam de si e da vida (apoiados).

Economias todos as queremos, e não basta quere-las, é preciso faze-las. Espero que na esphera da acção que lhe compete, cada um de nós ha de empregar todos os seus esforços para o conseguir; mas a economia não consiste em amesquinhar os serviços de que o paiz mais carece, não consiste em substituir as relações diplomaticas por uma diplomacia consular, absurda, impossivel, que a Europa não conhece e não aceita. A diplomacia consular é um sonho. Nenhum agente consular seria recebido nas côrtes nem poderia tratar com ellas (apoiados).

Estas cousas são o que são e não se inventara. Podemos diminuir talvez o numero das legações, porém havemos de sustentar as essenciaes. É preciso conserva-las, e conserva-las com decoro, dignas de nós e sufficientemente retribuidas. É preciso collocar nas missões homens que inspirem a confiança pelo caracter, pelo saber e pela illustração, que mereçam e conciliem respeitos (apoiados).

Se me perguntarem se reputo inutil uma legação com um homem inepto a dirigi-la, responderei que a considero mais do que inutil, que a reputo funesta. Mas se me perguntarem que serviços póde prestar uma legação regida por um homem que esteja na elevação propria do cargo, que se compenetre da dignidade e responsabilidade da sua missão, e que saiba representar o paiz, direi que pódem ser incalculaveis, e que uma larga retribuição é indispensavel. A camara sabe que, se em vez de falsas economias, tivessemos buscado para as legações homens sempre aptos, teriamos poupado muito mais em dinheiro e em dignidade.

Não cito factos, mas appello para a memoria de todos. Sabemos perfeitamente a historia dos nossos dias (apoiados).

Que sommas se teriam deixado de pagar, quantas lagrimas teriam deixado de correr, se uma boa organisação existisse ha mais tempo?! A questão é de summa importancia e summa utilidade; e a quantia maior ou menor, que póde; custar a reforma, é ponto secundario e subordinado que vem depois.

Mas a situação do paiz aggrava-se, exclamou-se ha pouco. Os encargos da nossa divida fundada e fluctuante sobem a 5.600:000$000 réis.

O sr. Silva Cabral: — Mais, mais!

O Orador: — Póde ser mais.

Consultei os homens competentes, porque eu não sou juiz n'esta materia e em nenhuma, e ouvi que são 5.600:000$000 réis.

(Interrupção do sr. Silva Cabral que se não ouviu.)

Seja o que for é sempre muito (apoiados). O que a camara sabe é que todos desejâmos que se attenue o deficit, e ha de attenuar-se e vencer-se; porém não a golpes seccos de reducções violentas e cegas; não amesquinhando os serviços indispensaveis, não decepando o tronco a pretexto de cortar os ramos inuteis....

Não se Imagine que ha de diminuir-se o deficit, por meia de falsas economias que por fim o aggravam sempre. A si