O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 559

559

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Linhares

Pelas duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 34 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Deu conta da seguinte correspondencia.

Um officio da santa casa da misericordia, enviando para se distribuirem pela camara cem exemplares do relatorio e contas da mesma santa casa, do anno economico de 1863-1864. — Distribuiram-se.

Dito do ministerio da guerra, enviando cem exemplares da estatistica criminal do exercito, nos annos de 1853 a 1861. — Para se distribuirem.

Dito do mesmo ministerio, pedindo se lhe devolvam para serem archivados no respectivo archivo, a que pertencem, os documentos que pelo mesmo ministerio se remetteram á camara, não sendo já n'ella precisos.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Dos documentos exigidos pela secretaria da guerra, apenas ha um que diz respeito ao sr. Bessa, que foi pedido pelo sr. Rebello da Silva e examinado pelo sr. Sebastião José de Carvalho, e que o sr. conde de Thomar, deseja para examinar, depois será remettido á secretaria, para se devolver ao ministerio que os reclama.

O sr. Conde de Linhares: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa o projecto de lei que vou ler (leu).

Este projecto é assignado por mim, e pelo sr. marquez de Sabugosa; e eu pedia a V. ex.ª, que consultasse a camara se consente que elle seja publicado, com urgencia, no Diario de Lisboa, por ser um negocio bastante grave, que precisa de ser bem conhecido, e que sobre elle se manifestem todas as opiniões, pois é o meio de saír mais perfeito.

O sr. Presidente: — Vae remettido á commissão de marinha e ultramar; e vou propor á camara a publicação, que o digno par deseja.

Mandou-se imprimir no Diario de Lisboa.

O sr. Ferrão: — Sr. presidente, usando das faculdades que me conferem as praxes parlamentares e as disposições do nosso regimento, pretendo fazer algumas interpellações que hão de ser dirigidas aos srs. ministros da justiça e das

Página 560

560

obras publicas e commercio; e como estas interpellações são bastante graves, desejo trata-las muito seriamente, em vista de documentos, não porque eu os não tenha de alguma maneira e mais que sufficientes, mas para que a camara tenha conhecimento d'elles, e por isso irei mandando para a mesa diversos requerimentos como para instrucção preparatoria, e que envolve uma importante serie de documentos, os quaes como esclarecimentos desejo sejam enviados a esta camara.

N'este intuito, começo hoje pelo requerimento que vou ler:

«Requeiro seja mandada com urgencia a esta camara, pelo ministerio das obras publicas e commercio:

«1.° Uma nota da despeza feita com o serviço provisorio que substituiu o serviço da companhia união mercantil, relativo á navegação;

«Esta nota deverá abranger:

«Os fretamentos dos vapores para Africa, Açores e Algarve;

«O subsidio concedido á empreza provisoria; A despeza com o Mindello.

«2.° Copias dos autos de vistorias feitas aos navios empregados n'este serviço provisorio;.

«3.° Nota da duração media das viagens feita pelos navios da companhia união mercantil aos Açores, e aos portos da Africa occidental;

«4.° Mappa dos dias uteis de navegação em cada uma das viagens de Africa pelos navios da companhia união mercantil;

«5.° Mappa do serviço a que a companhia união mercantil era obrigada pelos seus contratos, comparado com o serviço que effectuou, durante os ultimos seis mezes da sua existencia.

«Camara dos pares, 24 de fevereiro de 1865. = F. A. F. da Silva Ferrão.»'

Os dignos pares, ou pelo menos, muitos dos que estão presentes, se recordarão de que ha tempos fiz tambem, pelo mesmo motivo um requerimento pedindo que, pelo ministerio da justiça, fossem enviados a esta camara os mappas estatisticos, relativos ás causas julgadas e pendentes nas tres relações de Lisboa, Porto, e do commercio, e com relação aos tres ultimos annos lindos em outubro do anno passado. Ainda não me consta que fossem enviados similhantes documentos, o que já me não admira, porque estou costumado a se me não satisfazerem similhantes requisições, comquanto auctorisadas pela votação d'esta camara.

Tenho-me resignado á demora, o até ao esquecimento; mas eu declaro a V. ex.ª que, de ora em diante, seguirei o exemplo de outros dignos pares, instando para que seja attendido.

Rogo pois a V. ex.ª se digno consultar a camara se approva que a ella sejam remettidos, pelo ministerio das obras publicas e commercio, os documentos e esclarecimentos que ora peço me sejam ministrados. E aproveito tambem esta occasião para rogar a V. ex.ª ordene que, pelo expediente da mesa, se façam as instancias necessarias para que sejam remettidos a esta camara os documentos indicados no meu requerimento anterior, dirigido ao sr. ministro da justiça.

O requerimento mandou se expedir.

O sr. Presidente: — Tenha o digno par, o sr. Ferrão, a certeza de que a mesa vae renovar o seu pedido ao sr. ministro da justiça.

O sr. Marquez de Vallada: — Pede que o sr. presidente lhe conserve a palavra que lhe concedeu agora, para quando estiver presente o sr. presidente do conselho ou algum dos outros srs. ministros, porque, annunciando hoje quasi todos os jornaes, e dizendo-se por toda a parte que o sr. ministro da guerra pedíra e obtivera a sua demissão, tem fundamento para suppor que esta demissão é effeito da votação solemne d'esta camara, que se tornou ainda mais solemne e importante pelos esforços empregados pela situação para se lho oppor. N'estes termos parece-lhe ver um facto contrario á pureza e integridade dos principios constitucionaes, o deseja por isso pedir explicações que possam encaminhar as cousas á manutenção e pureza das instituições, em que se firma a liberdade que de todo o coração ama.

E aqui dirá em resposta á allusão benevola, como são todas as de s. ex.ª, que lhe fez o sr. conde de Linhares, dizendo que era mais liberal do que elle orador, que pela sua parte não póde estabelecer nenhuma comparação entre o amor á liberdade para mais, ou para menos, que tenham o sr. conde e elle orador, mesmo até porque não sabe geometria, no que o sr. conde é profundo; e como já houve um Nicolau Fernandes Collares, que escreveu a geometria do amor divino, bem podia fazer-se uma obra da geometria do amor á liberdade.

Sabe que s. ex.ª é liberal, o por isso não deixa de sentir que os trabalhos de que esta encarregado no arsenal da marinha, o que o não deixam ser tão pontual ás sessões d'esta camara, como aliàs desejaria, lhe não permittam igualmente ler alguns discursos d'elle orador, para ficar certo de que não deixa tambem de amar sinceramente a liberdade.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, acaba ha pouco de ser resolvido um negocio de alta importancia, e de tamanha importancia o julgou o governo, que por esse motivo agraciou grande numero de individuos, tanto nacionaes como estrangeiros; mas ha tambem fortes apprehensões no publico de que elle não fôra conduzido como devia se-lo, desde que constou que um advogado de uma nação estrangeira viera de proposito para apresentar serias reclamações sobre este ponto. Sr. presidente, eu desejo ser devidamente informado, para estabelecer o meu juizo ácerca do facto a que me refiro, por isso vou mandar para a mesa um requerimento para que me sejam remettidos varios documentos do ministerio das obras publicas. Peço a y. ex.ª que o ponha á votação da camara.

«Requeiro que seja pedida, com urgencia, ao governo,

pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, copia das condições e obrigações exigidas pelo governo para os nacionaes poderem concorrer á subscripção, e ser contemplados na partilha do capital, e acções do credito hypothecario portuguez, pelo mesmo governo reservado para os capitaes nacionaes.

«2.° Que informe esta camara, qual foi o modo, porque as ditas acções foram divididas, remettendo copia da resolução do governo sobre tão importante materia.

«3.° Em que data e como se fez conhecer ao publico que existia para subscripção nacional parte (qual?) do capital, acções da companhia do credito hypothecario portuguez?

«4.° Qual o documento, ou titulo de concorrencia, que tornasse publica a aceitação das propostas, e auctorisasse a escolha e preferencia daquellas, para quem o governo reservou o capital destinado para os nacionaes.

«5.° Em que data deram entrada no respectivo ministerio as ditas propostas, e bem assim a data da definitiva concessão.

«Camara dos pares, 24 de fevereiro de 1865. = Conde de Thomar.»

O Orador: — Sr. presidente, existe n'esta camara um processo que foi remettido pelo ministerio da guerra, sobre uma nota que se mandou emendar, e que diz relação a um official que serve na secretaria d'estado d'aquella repartição. Eu desejo que V. ex.ª m'o conceda para examina-lo e poder formar o meu juizo.

Mandou-se expedir o requerimento.

O sr. Presidente: — Vae-se remetter ao digno par o processo que deseja examinar, e logo que o devolva voltará para a secretaria competente, que já o exigiu.

O sr. Marquez de Niza: — Se partilhasse da opinião do sr. marquez de Vallada, nem pediria a palavra; porque tendo do interpellar o sr. ministro da guerra a respeito do processo que s. ex.ª mandou formar ao general Verissimo, se o sr. ministro tivesse pedido a sua demissão, não teria a quem se dirigir; como porém o que sabe é sómente o que dizem os boatos, sempre vae mandar para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que pela mesa seja pedido á secretaria dos negocios da guerra, com urgencia, o processo do general Verissimo Alvares da Silva. = Marquez de Niza.

Mandou-se expedir.

O sr. Vaz Preto: — Pretendo interpellar o sr. ministro do reino sobre um facto de summa gravidade, o de ter mandado suspender, denegando licença, o processo do administrador do concelho de Idanha a Nova, que estava pronunciado pelo crime de desvio de dinheiros publicos, arbitrariedade e peita crimes, que são punidos com severas penas pelo codigo penal; peço que sejam remetidos com urgencia a esta camara os documentos que vou indicar (leu.)

«Requeiro que sejam mandados com urgencia a esta camara pelo ministerio do reino repartição competente, os seguintes documentos a syndicancia administrativa ácerca do processo do ex-administrador do concelho de Idanha a Nova, Nicolau Fernandes da Silva Rebello; as informações dos differentes governadores civis ácerca d'este funccionario, e entre estas as do ex-governardor civil Villas Boas, e tambem a resposta do ajudante do procurador da corôa.

«Sala das sessões, 24 de fevereiro. = Vaz Preto.»

Mandou-se expedir.

(Entrou o sr. presidente do conselho.)

O sr. Presidente do Conselho (Duque de Loulé): — Desejava que o digno par tivesse a bondade de tornar a repetir o que disse relativamente a ter-se mandado suspender um processo...

O sr. Vaz Preto: — Eu disse que desejava interpellar o sr. ministro do reino sobre o facto de ter mandado suspender o processo em que estava implicado o ex-administrador de Idanha a Nova, por ter roubado o dinheiro destinado para a alimentação dos presos, por arbitrariedades contra os empregados da alfandega e por feita. Quando disse que o sr. ministro tinha mandado suspender o processo, disse muito bem, porque a negação da licença não e outra cousa mais do que a não continuação do processo, ou, o que equivale o mesmo a sua suspensão. Exijo e peço novamente os documentos, que indiquei no meu requerimento, para mostrar completamente á camara os actos de subida moralidade de actual administração.

O sr. Presidente do Conselho: — E impossivel. Eu não podia mandar suspender um processo.

O sr. Vaz Preto: — Não deu licença para elle seguir.

O Orador: — Isso é outra cousa muito differente. Eu não podia mandar suspender um processo judicial, e é evidente que uma asserção de tal natureza devia fazer impressão na camara, porque o governo não tinha poder para isso. Emquanto anão dar licença para seguir o processo, é uma cousa que esta nas attribuições do governo.

Não posso agora dizer as rasões que tive para tomar esta deliberação, porque n'este momento não as tenho na memoria; mas a camara as apreciará quando lhe forem presentes os documentos, e quando eu aqui vier explicar este negocio.

O sr. Vaz Preto: — Quando vierem pois esses documentos, farei as considerações que elles me sugerirem, e por essa occasião mostrarei que talvez o sr. ministro do reino não podesse impedir que continuasse o processo, recusando a licença, tendo reconhecido s. ex.ª que os factos imputados eram verdadeiros, pois demittiu aquelle ex-empregado e nomeou para o substituir um filho, sophismando assim as sãs doutrinas, e denegou a licença quando elle já não era seu empregado. Portanto fez o que sabe que já não podia fazer.

Não direi por agora mais nada, reservando-me para quando vierem os documentos, fazer as considerações que eu julgar dever fazer.

O sr. Marquez de Vallada: — Tinha supposto, quando ouviu o sr. presidente do conselho pedir a palavra, que não teria elle, orador, necessidade de usar da que lhe estava reservada: tinha supposto que o sr. duque pedíra a palavra para fazer á camara a communicação de que o sr. general Passos não era mais ministro da guerra, mas enganou-se, porque s. ex.ª, depois de responder ao digno par Vaz Preto, sentou-se: o que, na opinião do orador quer dizer que os jornaes estavam mal informados, os boatos não tinham fundamento, e o sr. general Passos ainda era ministro da guerra.

O sr. S. J. de Carvalho: — Apoiado.

O orador pareceu-lhe assim melhor; e já não crê que o sr. ministro da justiça tivesse pedido a demissão, e esteja limitado ao expediente, como por ahi se diz. Parece-lhe melhor, porque póde pedir com todo o desembaraço, que o informem de qual será a rasão porque o sr. general Avila esta commandando a arma de artilheria, sendo ao mesmo tempo deputado, e não tendo licença da respectiva camara para accumular ambos os exercicios. Os membros das duas' camaras têem direitos e deveres: os direitos são, entre outros, gosar de um fôro especial para o seu julgamento; e os deveres são, entre outros, não poder exercer nenhumas funcções publicas, estando as camaras reunidas, sem que o governo vá pedir a cada uma dellas a necessaria licença para isso, e que estas a concedam. Neste caso porém não se deu nenhuma dessas circumstancias; o governo não pediu para o sr. general Avila a licença para continuar no commando, á camara dos senhores deputados; e o sr. general Avila, que se tivesse algum processo, viria acolher-se ao direito de deputado, não esta submettido ao cumprimento do dever correlativo. Pede explicações ao sr. presidente do conselho, e se s. ex.ª não esta habilitado para da-las, espera da sua cortezia que prevenirá d'isto o sr. ministro da guerra.

Igualmente pede explicações sobre uma alteração mandada fazer n'uma nota lançada em virtude de um processo; facto sobre o qual não esta sufficientemente esclarecido, mas a respeito do qual o sr. conde de Thomar pediu ha pouco lhe deixassem examinar os documentos que respeitam a esse mesmo facto.

O sr. Conde de Thomar — Sr. presidente, é para declarar que eu ainda não dei por provado que o governo tenha procedido contra a lei no negocio relativo ao processo sobre que ha pouco pedi esclarecimentos, no requerimento que mandei para a mesa. O que eu disse é que queria examinar o que havia a respeito do que aqui se tinha dito em relação a esse processo, e por isso requeri esclarecimentos para formar o meu juizo. Não dei pois uma opinião definida sobre este ponto, nem sei se o sr. ministro procedeu bem ou mal.

O sr. Presidente do Conselho: — Não tenho duvida em declarar que o sr. ministro da guerra pediu a sua demissão. Não esta ainda substituido; mas trata-se d'isso. Parece que a este respeito tenho satisfeito completamente o digno par o sr. marquez de Vallada?

O sr. Marquez de Vallada: — Sim, senhor.

O Orador: — Emquanto á outra questão, não sei se o digno par se dirigiu a mim; parece-me que disse que desejava que se esclarecesse esta questão. É um facto, que o general Avila continua no commando geral de artilheria. Creio que o sr. ministro da guerra não julgou dever pedir á camara a competente licença, porque aquelle general não esta effectivamente exercendo as funcções de deputado, o portanto não accumula as duas funcções. E cousa que uns podem entender de um modo, e outros de outro.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, em vista da declaração que acaba de fazer o sr. presidente do conselho, de que o sr. ministro da guerra pedíra, e lho fôra aceita a sua demissão, vejo que se confirmam assim os clamores que se agitaram no povo e na imprensa, e que não póde ser para nós um ponto fóra de duvida a existencia do facto a que alludimos.

Sr. presidente, V. ex.ª e a camara viram que no principio da sessão de hoje mais de um digno par se levantou para annunciar interpellações sobre actos importantes de administração publica, que devemos suppor, pelas asserções dos interpellantes, que contêem violentas illegalidades, das quaes nós pedimos a responsabilidade ao governo, desejando por todos os meios de que podemos dispor, torna-la effectiva. E exactamente nestas circumstancias, quando o governo se vê aggredido por parte da opposição, que firma as suas accusações sobre factos, que nós vemos continuar o governo, ou antes, permitta-se-me a liberdade de expressão, o sr. duque de Loulé a despedir do seu serviço os outros ministros sem que possamos tornar effectiva a responsabilidade que temos direito a exigir (apoiados), e sem sabermos a quem nos havemos do dirigir, (O sr. Presidente do Conselho: — Peço a palavra.) E quando queremos que o governo se justifique perante a camara, como o exigem os preceitos constitucionaes.

Sr. presidente, saíu o sr. ministro da guerra. Porque saíu? (Apoiados.) Quando s. ex.ª, firmado na sua consciencia, e com o apoio da voz auctorisada do digno par o sr. José Bernardo da Silva Cabral, devia esperar a opinião da commissão que a camara elegeu para apreciar os actos do sr. ministro, é n'essa occasião que se verifica a sua demissão? Quereria evitar a responsabilidade dos acto = de que a opposição accusava s. ex.ª? Não se provocou da parte do sr. presidente do conselho uma explicação precisa a este respeito? S. ex.ª não prometteu uma resposta, que até hoje ainda não deu? Temos algumas rasões para sabermos- se s. ex.ª se associa ou não á responsabilidade do seu collega, vindo, perante esta camara, dar explicações que elle agora não póde dar?

Sr. presidente, para mim, auctor da interpellação dirigida ao sr. ministro da guerra, foi triste a noticia que acaba de dar o sr. presidente do conselho. Eu queria que s. ex.ª se justificasse; queria que, não se justificando, saísse do go-

Página 561

561

verno; mas não queria que saísse para evitar essa justificação; que saísse sem responder ás nossas accusações; que saísse temendo a pressão que exercia sobre o seu espirito a opinião da commissão que ha poucos dias se elegeu; eu queria que se respeitassem os principios constitucionaes; e não queria que se repetisse hoje o facto, que ha pouco tempo se deu, de saírem dois ministros, sobre os quaes pesavam diversas accusações por violação de lei.

Sr. presidente, eu estou persuadido que ainda estamos muito atrazados na pratica do systema constitucional; não sei qual a rasão d'isto! Talvez seja porque ainda não tenhamos a educação constitucional precisa para que os poderes publicos considerem o systema como elle na realidade é; talvez seja porque os partidos não estejam constituidos como devem estar, para pugnar pela dignidade propria e pela execução fiel dos principios do systema. O que sei é que depois de trinta annos de systema constitucional estamos muito mais atrazados' do que estavamos quando nos ensaiávamos na pratica d'elle (muitos apoiados).

Isto não é situação constitucional! É necessario que a opposição n'esta casa do parlamento diga toda a verdade ao paiz, sem se importar com. quem deseje embaraçar-lhe os passos, dizendo que não é da nossa competencia levantar questões politicas, nem tambem accusar os ministros, porque só nos compete julga-los!

Sr. presidente isto tudo que vemos são factos que importam o desdouro do systema constitucional; não sei que isto se faça em paiz algum. Causa lastima vê-lo. E uma situação a morrer; é os ministros a despedirem-se, sem se dar no parlamento a rasão da sua saída! A proposito vem, permitta-se-me dize-lo, o lembrar a scena que se esta dando n'um dos theatros da capital em que ha uma transformação magica, pela qual apparece, um homem na scena caindo aos pedaços, desfazendo-se. E a imagem symbolica da situação actual, a meu ver; situação que ninguem póde comprehender e que esta caindo aos pedaços, sem ninguem conhecer a fundo qual a rasão d'essa decomposição.

Sr. presidente, se o governo tem, como dizem que tem, os seus arautos, um firme apoio na camara electiva; se tem contado e conta até hoje com uma maioria n'esta casa do parlamento, qual é a rasão da fraqueza que o obriga a estas successivas modificações, sem causa apparente ou determinada? Diz-se, eu não creio, que o scisma lavra na maioria, e que o sr. presidente do conselho fomenta essa scisão. Se assim é, a causa da desorganisação do gabinete esta no facto de que, quem deve pugnar pela verdadeira pratica dos principios constitucionaes, deixa de os respeitar.

Sr. presidente, eu quando fallo n'esta camara, faço-o não representando a auctoridade da minha opinião, não me considero tanto, nem tenho titulos nenhuns para isso. Não sou mesmo representante das opiniões dos meus collegas, a quem me associo na opposição; mas creio que por parte d'elles não haverá duvida de tomarem a responsabilidade d'estas minhas asserções (apoiados).

Tambem dizem por ahi, com certos visos de probabilidade e verdade, que a opposição se não negava a compartilhar o poder com o sr. presidente do conselho. Esse facto não se tem dado, nem se póde dar; e não se daria sem um gravissimo escandalo politico, porque a opposição que combate os actos da situação actual, ha tres annos successivos, com as armas da legalidade, appellando para factos que nunca viu desmentidos, e para a violação flagrante dos principios constitucionaes, essa opposição nunca se associaria a ninguem que representasse as idéas que ella tem combatido (apoiados).

O sr. presidente do conselho póde receber os incensos que lhe offerecem os seus thurybularios; mas nunca os receberá dos homens genuínos de valor e firmeza, de fé e convicções, e de consciencia immaculada.

O sr. ministro da guerra sáe do ministerio, poucos dias depois de se ter eleito uma commissão de inquerito para apreciar alguns actos da sua administração! Pergunto, se essa commissão der o seu parecer, quem é que toma a responsabilidade dos actos do sr. ministro? O sr. presidente do conselho ainda não o declarou; e eu creio que s. ex.ª se ha de recusar a tomar sobre seus hombros tal responsabilidade. Será o ministro que lhe succeder? Mas onde é que elle esta? Quem é que, nas circumstancias actuaes, se quer associar a uma tal situação, tomando a responsabilidade dos factos incriminados com tanta justiça que o proprio auctor d'elles não encontrou outra rasão de satisfazer á moral publica offendida senão a sua saída do governo? Esperam que haja quem se associe de novo a esta situação decrépita? Pretendem rejuvenesce-la por estes expedientes? Não acredito. A epocha vae boa, porque epocha propria para' taes recomposições; mas não creio que dellas resultem vantagens algumas. Digo que a epocha é propria, por que estamos na epocha das crises, e o illustre presidente do conselho talvez queira recorrer a estas recomposições, lembrando-se que, vae para tres annos, entravam no seio do parlamento, saudados pelo silencio apenas, dois ministros a quem a consciencia publica dava sómente algumas horas de vida, e comtudo duraram tanto tempo! D'esses milagres não se fazem sempre; para essas resurreições falta o elemento principal d'ellas, não ha questão politica para que se possa appellar, que de cansadas, nem já forças tem para incitar as paixões partidarias, e creio portanto que a situação em que estamos ha de obrigar, por força das circumstancias, os srs. ministros a obedecerem, pela primeira vez, aos principios constitucionaes, e a julgarem-se demittidos, logo que lhes falta o apoio sincero de ambas as casas do parlamento, e logo que os seus amigos mais intimos e dedicados estão insinuando que se restabeleçam, despedindo de si todos esses elementos que tem provocado uma guerra com a qual o illustre presidente do conselho não póde transigir de fórma alguma.

Hoje, para s. ex.ª ser considerado ainda pelos homens imparciaes da politica, como um esteio para qualquer situação, falta-lhe já a primeira condição, que é a de supporem que o illustre presidente do conselho se não tinha associado aos factos de que nós, opposição, temos accusado algum dos membros da actual situação, e falta-lhe tambem a condição essencial de merecer o apoio de taes homens — a condição de que acreditássemos na sinceridade e lealdade das idéas de s. ex.ª, e o julgássemos, como alguem julga, um dos firmes esteios de uma situação de ordem e respeitadora dos principios constitucionaes. Quem respeita os principios constitucionaes não os infringe na pratica, e é infringi-los estar constantemente sacrificando-os ao desejo e á gloria esteril de presidir a uma situação d'estas, sem governar, ao desejo de uma especulação que todos os principios condemnam, andando-se a procurar ganhar adherencias, por meios não politicos, fomentando a discordia, por meios não politicos tambem, e trabalhando ás escuras, n'um systema que é todo de publicidade, evitando a luz do dia, praticando apenas nos subterraneos, quando a vida que dá gloria no systema constitucional é a luz da publicidade, que não recua de fórma nenhuma a patentear os seus actos.

Sr. presidente, eu espero que o illustre presidente do conselho tome a palavra, e nos diga quem é que responde hoje pelos actos do sr. ministro da guerra. Desejo tambem que s. ex.ª nos declare se o acto d'essa demissão significa que os outros ministros se conservam, pois sendo assim, naturalmente se entende que o illustre presidente do conselho se associa á responsabilidade do seu collega, e ha de vir perante esta camara dar explicações, e tomar a responsabilidade dos factos por elle praticados, como a opposição deseja, para que possa, segundo os principios constitucionaes, tornar effectiva essa responsabilidade. Depois de ouvir as declarações de s. ex.ª, tornarei a pedir a palavra, se julgar conveniente.

(O digno par não reviu este discurso). O sr. Presidente do Conselho: — Sr. presidente, o digno par a final resumiu muito o seu discurso, ou para melhor dizer, as suas exigencias; no entretanto s. ex.ª ha de permittir que, em relação a alguns pontos que tocou, eu me faça cargo de lhe responder.

Não comprehendo bem a theoria constitucional que o digno par quer estabelecer. S. ex.ª diz: «O sr. ministro da guerra pede a sua demissão. Quem ha de responder pelos seus actos?» Ha de ser o general Passos (riso)i Pois quem ha de responder pelos actos do sr. ministro da guerra senão quem os praticou?! Isto não é eximir-me de qualquer responsabilidade que me caiba pelos actos do sr. ministro da guerra. Por um ministro saír do ministerio não se póde dizer que não ha quem responda pelos seus actos, pois se o sr. ministro da guerra, ou qualquer outro ministro, commettesse um acto pelo qual merecesse ser accusado ou condemnado, o pedir a demissão não o absolvia da responsabilidade d'esse facto, a responsabilidade fica com o individuo que o pratica. Isto não é theoria nova. Os actos em que ha solidariedade ministerial respondem por elles todos os ministros; mas o digno par o que me perguntou foi: «Quem ha de responder pelos actos do ministro da guerra, tendo elle pedido a demissão?» Nos actos em que o ministerio for solidario, todo o ministerio ha de responder por elles; pelos actos em que elle é solidario, respondem os ministros que ficam, e nos actos propriamente seus, continua elle a ser o. responsavel.

Mas o digno par estava possuido de um pensamento, e é, que eu disse ao sr. ministro da guerra que saísse do ministerio, que o despedi do meu serviço, foi até «esta a expressão de que s. ex.ª se serviu. Pois affirmo ao digno par que nada d'isso é exacto. O sr. ministro da guerra espontaneamente tomou essa deliberação, sem me consultar previamente. Participou-me ante-hontem á noite, n'uma carta que trago commigo, que pedia para lhe dar um successor o mais breve que fosse possivel.

O digno par fallou em successivas modificações. Não sei a que successivas modificações s. ex.ª alludiu. Houve uma modificação muito justificada com a saída do sr. marquez de Sá e do sr. Anselmo José Braamcamp; foi essa a unica modificação que tivemos, porque ss. ex.ª entenderam que deviam saír do ministerio. Agora houveram dois ministros que pediram a demissão; mas n'este caso póde o presidente do conselho ter meios de obstar a que elles sáiam? Póde, porventura, obriga-los a ser ministros eternamente? De certo que não.

Emquanto á situação do actual ministerio o digno par pintou-a com aquellas cores que entendeu; estava no seu direito: cada um julga das cousas como ellas se lhes affiguram no entendimento; não lhe contesto esse direito, apesar de ver as cousas de outro modo; reconheço que o ministerio deve reorganisar-se promptamente, ou desistir de continuar á frente dos negocios.

Ora, emquanto á declaração que s. ex.ª fez da opposição, e aos boatos que, em relação a ella) se espalharam, eu tambem, pela minha parte, digo que nunca tive tenção de a convidar a tomar parte no ministerio (muitos apoiados).

O sr. Ferrão: — Pedi a palavra n'este incidente, quando ouvi ao sr. presidente do conselho uma proposição com a qual de maneira alguma me posso conformar, a respeito da responsabilidade do sr. ministro da guerra, substituido pelo sr. general Passos, e tanto mais que eu não attribuo á interpellação de que esta camara se tem occupado o motivo da annunciada demissão do sr. ministro da guerra, mormente acabando de ouvir que s. ex.ª allegara o seu mau estado de saude; e acredito que assim seja, porque moral e politicamente fallando, entendo que não era na actualidade de circumstancias que devia saír do gabinete o nobre ministro (apoiados).

Se o digno par, o sr. Moraes Carvalho, quando tomou a defeza do nobre ministro, expondo a doutrina da divisão da responsabilidade ministerial, disse que no caso dado não via negocio em que houvesse solidariedade, vindo assim a considerar o sr. ministro da guerra, e só elle individualmente, obrigado, moral e politicamente, a responder sobre o objecto da interpellação, é claro, que saíndo elle do ministerio, antes da conclusão da interpellação, desapparece a pessoa que nos podia responder, e contra a qual podia esta camara impor a responsabilidade, no sentido restricto dos effeitos parlamentares de uma interpellação.

E convem rectificar e esclarecer bem agora que o digno par quando disse que já não havia ministro que respondesse, ou a quem se podesse fazer effectiva a responsabilidade perante a camara, não fallou de um acto de responsabilidade, pura e simplesmente pessoal, não fallou d'esses casos de responsabilidade que podem dar logar a processos de accusação que não podem aqui ter logar.

Não continuemos sobre esta materia a laborar n'uma deploravel confusão de idéas (apoiados). Do que se trata é da responsabilidade perante a camara sobre o objecto de uma interpellação que, depois de começada, devia esperar a sua conclusão, para esta camara deliberar, se, em vista do debate, podia ou não continuar a prestar a sua confiança ao ministro (apoiados). Foi pois este os sentido em que seguramente fallou o digno par quando perguntou quem respondia?

E diz-se a isto que responde o proprio ministro demittido o sr. general Passos! Por ventura tem elle aqui agora o logar que tinha?

Vozes: — Tem o logar de par do reino.

O Orador: — 'Que ouço, sr. presidente? Pois póde o par do reino responder-nos, como ministro? Podemos como tal tornar-lhe hoje effectiva a responsabilidade? Nós podiamos e deviamos pedir essa responsabilidade, mas não vemos aqui nem podemos já ver aquelle a quem competia responder: — (O sr. Marquez de Ficalho: — Sobre a ordem.) Repito, não é certamente de factos criminosos que se trata, não é mesmo de qualquer accusação; porque sabemos todos muito bem que não tinhamos competencia de iniciativa para tornar effectiva a responsabilidade. N'esses casos, é evidente que os termos eram outros; a camara dos senhores deputados começaria, fazendo o devido uso dos direitos que a carta lhe confere. Mas numa interpellação, quando mesmo tenha} ou possa vir a ter por conclusão um voto do censura parlamentar, proposto por um membro do corpo legislativo, não se póde deixar de ver perfeita igualdade de direitos tanto n'uma como na outra casa do parlamento (apoiados); e d'isto não póde resultar, em todo o caso, mais do que uma manifestação de sentimento, que não é pena; não é mesmo a propria censura em sentido juridico, e por isso se conclue pela expressão == a camara passa á ordem do dia =.

Portanto não impomos penas, em conclusão de similhantes debates, porque não podemos; mas manifestamos um voto, que embora importe muitas vezes uma censura virtual, de nenhuma fórma nos póde ser negado o direito de a fazer (apoiados). Ora, se tudo quanto se disse foi partindo d'estas idéas e d'estes principios, a verdade é que já aqui não vemos o ministro da guerra" com quem tinhamos pendente uma questão e de tal gravidade, que necessariamente se tinha a decedir se ex.ª merecia ou não que esta camara lhe continuasse a prestar a sua confiança: lamento pois, e muito, a saída de s. ex.ª n'estas circumstancias, e não posso deixar de dizer que não me parece regular; porque se se observa que o ex-ministro é par, que tem assento n'esta casa, a isso respondo que podia não ser par, e que mesmo sendo-o, e vindo á camara, elle não vem responder no logar em que devia continuar, pelo menos, emquanto a questão pendente, senão decidisse (apoiados).

O sr. Marquez de Ficalho (sobre a ordem): — Eu começo dizendo, que não quero impedir a qualquer dos dignos pares o uso da palavra para continuar esta discussão; quero sómente expor a opinião que tenho, de que depois das ultimas palavras que ouvimos ao sr. presidente do conselho, tudo mais que se diga actualmente a este respeito não me parece que esteja bem na ordem. Todos nós ouvimos o illustre presidente do conselho dizer, que reconhece a necessidade de se reconstruir promptamente o gabinete, ou de entregar a situação a outros cavalheiros: depois d'isto o "que pede a delicadeza, a prudencia e a dignidade mesmo d'esta camara (muitos apoiados)? Esta camara sempre constante no desejo de conservar e respeitar o systema constitucional não póde querer agora outra cousa (apoiados repetidos). Parece-me que é evidente que eu não quero censurar pessoa alguma, nem tenho de que, ainda mesmo que alguem entenda as cousas d'outra maneira; mas o que me parece é que este é um dos casos em que bem cabe o pedir-se que se passasse á ordem do dia (apoiados geraes).

O sr. S. J. de Carvalho: — V. ex.ª dá-me licença... tenho a palavra?

O sr. Presidente: — O digno par não esta inscripto.

O sr. S. J. de Carvalho: — Eu tinha pedido a palavra. Agora queria e precisava unicamente dizer, que estou de accordo com a doutrina que se acaba de expender, isto é, concordo em que depois da declaração expressa e solemne feita pelo illustre presidente do conselho, não tenho por agora sobre que insistir.

O sr. Presidente: — Toda a camara esta de accordo em que se passe á ordem do dia, que é apresentação de pareceres; mas creio que nenhum ha preparado, por consequencia a seguinte sessão terá logar na proxima sexta feira (3 de março), sendo a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quasi quatro horas da tarde.

Página 562

562

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 24 de fevereiro de 1865

Presentes á abertura da sessão os

Ex.mos srs. Conde de Castro

Marquez de Ficalho

Marquez de Fronteira

Marquez de Niza

Marquez de Sá da Bandeira

Conde d'Alva

Conde de Linhares

Conde da Louzã

Conde de Mello

Conde de Peniche

Conde da Ponte de Santa Maria

Conde de Thomar

Visconde de Benagazil

Visconde de Fornos de Algodres

Visconde de Gouveia

Visconde de Monforte

Visconde de Ribamar

Visconde de Soares Franco

Antonio Luiz de Seabra

Pereira Coutinho

Rebello de Carvalho

Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão

João de Almeida Moraes Pessanha

Osorio e Sousa

Joaquim Antonio de Aguiar

José Bernardo da Silva Cabral

José Joaquim dos Reis e Vasconcellos

José Maria Baldy

Preto Geraldes

Canto e Castro

José de Menezes Pita

Sebastião de Almeida e Brito

Sebastião José de Carvalho

Vicente Ferrer Neto Paiva.

Entraram durante a sessão os

Ex.mos srs. Marquez de Alvito

Marquez de Vallada

Conde de Rio Maior

Conde do Sobral

Visconde da Vargem da Ordem

Barão de Villa Nova de Foscôa

Francisco Simões Margiochi

José Izidoro Guedes

José Lourenço da Luz

Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco Conde de Fonte Nova.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×