148 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
parte refere-se á nomeação dos pares; a segunda ao direito de successão e a terceira ao exercicio da conservação, ou perda, do pariato. Já se vê que não se póde conglobar em uma só generalidade assumptos tão diversos, porque os principios que determinam uma ou outra cousa podem variar.
Eu posso votar o projecto, mas não approvar algumas das partes em que elle está dividido. Por isso não me posso reservar para a especialidade.
Dou esta explicação para v, exa. comprehender a minha intenção.
O sr. Presidente: — Desde que v. exa. quer mandar uma substituição ao projecto, é porque tem alguma alteração especial a propor. N’este caso inscrevo-o, contra, salva a maneira como o digno par entender dever votar.
Sou obrigado a dar a palavra alternativamente aos dignos pares que a pedirem contra ou a favor, e por isso é que perguntei a v. exa. como quer que o inscreva.
O sr. Visconde de Seabra: — Eu sou a favor do projecto.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Peço a palavra na qualidade de membro da commissão.
(Pausa.)
(Entrou o sr. presidente do conselho.}
O sr. Presidente: — Está presente o governo. Vão pois continuar a discussão sobre a generalidade do projecto n.° 270. O sr. conde do Bomfim acaba de mandar para a mesa algumas propostas, de que vou dar conhecimento á camara. Depois devo dar a palavra ao sr. marquez de Sabugosa, por ser o primeiro orador inscripto contra, depois do ultimo que fallou a favor.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Não tencionava por emquanto tomar a palavra, reservando-me para o fazer em occasião que julgasse mais opportuna, e procurava por emquanto esclarecer-me com a discussão. Parecia-me que não poderia deixar de explicar o meu voto, porque sendo o assumpto de que se trata de tão elevada importancia, eu desejava assumir toda a responsabilidade que me competisse na votação final, e a minha opinião não se poderia expressar pela simples approvação ou rejeição.
Esclarecendo-me, pois, com a discussão, esperava a occasião mais propria de explicar o meu voto, quando ouvi o illustre relator da commissão fallar em pontos negros que pairavam no horisonte.
Confesso a verdade, sobresaltaram-me as palavras de s. exa., porque não podia saber quaes eram, os pontos negros que o digno par via no horisonte politico, e por isso pedi immediatamente a palavra, a fim de procurar ser esclarecido e combater, segundo as minhas forcas, esses pontos negros que nos ameaçavam.
Dissera o sr. conde de Rio Maior que Catilina não batia ás portas de Roma; mas em resposta a s. exa. advertiu-nos o sr. relator da commissão que é preciso prevenir-nos contra certos perigos e acautelar-nos dos taes pontos negros que nos ameaçam.
Diga-nos s. exa. quaes são esses perigos, quaes esses pontos negros, para os podermos combater, que eu por mim não vejo outros no horisonte politico senão os actuaes srs. ministros, e não vejo de que perigo as disposições do projecto em discussão nos possam salvar senão de alguma larga lista de novos membros para esta casa, que os mesmos srs. ministros queiram apresentar á corôa, fóra das categorias indicadas no projecto. Nem outros perigos vejo, nem para que, alem d’isto, o projecto seja remedio.
Dito isto, seja-me permittido, já que estou com a palavra, explicar desde já é meu voto, e dizer as rasões por que elle é contrario a este projecto em discussão.
Respeitando o nobre intuito do auctor d’este projecto, porque este documento evidentemente significa uma demonstração de que esta camara é a primeira a acceitar as modificações que melhorem a instituição e concorram para melhor satisfazer aos seus fins, dando assim rasão ás exigencias da opinião publica no que tenham de sensatas, respeitando esse nobre intuito, repito, não posso comtudo deixar de dizer que me parece não satisfazerem a este fim as disposições no mesmo projecto contidas.
O talento, por maior que seja, não póde vencer o impossivel, e a reforma d’esta camara, d’este ramo do poder legislativo, para que possa ter importancia, é impossivel, a meu ver, decretal-a o parlamento, só com poderes ordinarios de fazer leis.
A demasiada elasticidade dada a esses poderes, que, a meu ver, póde estabelecer, perigosos arestos, não é comtudo bastante para produzir uma reforma que satisfaça.
Sr. presidente, procurando apreciar o projecto em discussão, tratarei de o fazer sob tres pontos de vista, da conveniencia das suas disposições, da constitucionalidade e da opportunidade. Seria talvez mais natural occupar-me primeiramente da questão previa da constitucionalidade, apresentada pelo sr. conde de Rio Maior, mas permitta-me a camara que eu trate primeiro da conveniencia das disposições do projecto como questão previa d’essa questão previa, e tratarei depois da opportunidade e da constitucionalidade.
Quando podessemos, com os poderes ordinarios, decretar as disposições contidas na proposta, parece-me que não era simplesmente pela indicação de categorias, quer para a nomeação regia, como para a successão ao pariato que se podia realisar a reforma d’este corpo politico e dar á opinião publica sensata a devida satisfação.
Não me repugna, absolutamente fallando, a indicação das categorias, quer seja limitando a nomeação da corôa, quer restringindo e quasi annullando a hereditariedade o que me parece é que esse alvitre, que só lentamente iria actuando no modo de ser d’este corpo politico, só importaria a conservação de um elevado nivel intellectual, mas não lhe augmentaria o caracter de independencia nem de representante de uma certa opinião do paiz, que como corpo politico precisa ter. Para que a reforma d’esta camara podesse satisfazer ao que a opinião publica reclama, parece-me que só SB podia conseguir pela adopção da base electiva para o recrutamento de seus membros.
Não digo que passassemos desde já ao systema da Belgica de serem pelos mesmos eleitores escolhidos os membros das duas camaras, mas que certas corporações, como por exemplo as juntas geraes dos districtos, ou os maiores contribuintes de cada concelho os elegessem, e d’esses escolhesse a corôa, como no Brazil, onde ha uma constituição outorgada pelo mesmo legislador que outorgou a carta, e onde parece não se terem dado mal com esse systema. O censo da confiança publica parece-me ser o melhor principio para o recrutamento do senado.
A hereditariedade entre nós acabou com os vinculos.
A indicação de categorias póde dar certa garantia de intelligencia e experiencia de negocios, mas permitta-me a camara que diga, não a dá de independencia, nem de representar uma opinião do paiz, o que é essencial para este corpo que faz parte da representação nacional.
Se as disposições d’este projecto forem lei, o que esta camara fica representando é o alto funccionalismo, e essa representação nem lhe dá a força que um corpo politico precisa ter, nem mesmo garantia de independencia.
Devo dizer que, ha respeitabilissimos funccionarios publicos, mas tambem é innegavel que se o caracter individual os faz independentes, como funccionarios a maior parte estão na dependencia do governo. N’um paiz como o nosso, onde tudo se faz por empenhos, quantas vezes uma posição elevada representa uma longa serie de dependencias. (Apoiados.)
Uma das excepções marcadas no projecto para os grandes capitalistas, tambem não vejo que de grandes garantias.
Por uma cilada de um mau ministro, como dizia o sr. conde de Lavradio, podia ser elevado ao pariato um indi-