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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 149

viduo, que tendo traficado em escravatura, mas não tendo perdido a nacionalidade, tivesse arranjado uma grande fortuna, e soubesse captar as boas graças de algum membro do governo.

A adopção do principio de eleição para o recrutamento da camara alta, embora acompanhado da escolha da corôa, e mesmo, se quizessem, com indicação de algumas categorias, era o que a meu ver podia transformar convenientemente este corpo politico.

Em grande numero de paizes que se regem pelo systema representativo, foi adoptado este principio para o recrutamento da camara alta ou do senado. Na Belgica, na Hollanda, na Suecia, Noruega, e Dinamarca, são os senadores eleitos embora por differentes methodos. Na Inglaterra, onde ha a nomeação da corôa de pares vitalicios e de pares hereditarios, ha tambem pares eleitos, mas ahi a corôa não tem restricções senão a do bom senso, e a hereditariedade representa uma força social, o dominio da terra; mas nas colonias inglezas onde ha representação propria o senado e electivo. Nos differentes paizes da Allemanha e na Austria não vigora, é verdade, o principio da eleição para as camaras altas, mas a monarchica Hespanha, na sua ultima constituição de 1876, faz eleger parte dos membros do senado pelos maiores contribuintes. O senado de França é eleito pelos departamentos, e o resto da primeira vez pela assembléa constituinte, e depois pelo proprio senado. A Italia é que recruta o senado só na nomeação da corôa, com a restricção de categorias e numero fixo. Mas, a meu ver, a rasão por que no estatuto se conserva esse systema é porque na agitada epocha por que tem passado seria imprudente levantar uma questão constitucional, e alem d’iss0 o rei Victor Manuel era para a nação um grande eleitor.

Sr. presidente, uma das reformas que a opinião diz ser tambem necessaria para esta camara, é o deixar de ter attribuições judiciaes.

Sendo a divisão dos poderes um dos principies constitucionaes, na verdade parece-me que este corpo politico não deve exercer funcções judiciaes.

Podem, na verdade, haver processos que pela sua natureza requeiram uma alta jurisdicção, mas o supremo tribunal de justiça seria para esse fim competente.

Sr. presidente, se este projecto não satisfaz, a meu ver, ás condições em que esta camara devia existir, se não satisfaz ás indicações que me parecem sensatas, da opinião publica, podem tambem ser decretadas estas disposições pelo corpo legislativo, sem poderes extraordinarios? Parece-me que não.

Direi, pois, algumas palavras com relação á questão da constitucionalidade e da opportunidade.

Diz a illustre commissão, no seu muito bem elaborado relatorio, que no espirito de muitos e mui respeitaveis homens publicos tem havido duvidas a respeito de se poderem fazer estas alterações sem poderes constituintes.

(Leu.)

Ora, se estes homens respeitaveis têem tido duvidas com relação á constitucionalidade com que as côrtes ordinarias podem fazer estas reformas, não admira que quem é pouco auctorisado as tenha tambem.

Mas, Sr. presidente, se a favor e contra a constitucionalidade se tem ido buscar a auctoridade das discussões de 1842 a 1840, podemos tambem, sem ir incommodar as cinzas respeitaveis desses homens, que pertenceram á epopeia liberal, apresentar opiniões recentes de homens contemporaneos, que me parece não podem deixar de ter auctoridade n’esta casa, e logo me referirei a elles.

Sr. presidente, parece-me que na indicação de categorias, ou seja para a nomeação regia de pares, ou seja para a successão, bem como nas disposições penaes que vão até á perda do pariato, vamos muito alem do que nos permittem os poderes ordinarios que temos de legislar. A carta diz; que é só constitucional o que diz respeito aos limites dos poderes publicos, e aos direitos politicos individuaes, o a mim parece-me que a indicação de categorias limita as attribuições da corôa, e restringe o direito de successão. Em ambos os casos parece-me que excederiamos os nossos poderes decretando esta reforma.

Mas diz-se, sr. presidente, que este projecto regula e não limita attribuições e direitos. Admittido este systema de regular, facilmente se póde annullar qualquer attribuição dos poderes publicos, ou fazer desapparecer qualquer direito.

Onde é que para o exercicio do principio e começa o seu regulamento? Que a nomeação se podia moralmente mesmo estender alem das categorias indicadas, não ha duvida; que o direito de successão fica muita restricto, tambem é verdade; logo é uma limitação que só se póde decretar com poderes extraordinarios.

Se devessemos firmar em lei positiva os preceitos moraes que devem regular as differentes attribuições dos poderes publicos, não havia nenhuma que dispensasse regulamento.

Mas, sr. presidente, peço que se entenda que não me repugna a limitação d’essas attribuições ou d’esses direitos; não nego a conveniencia, parece-me apenas que não temos direito de o fazer.

Pelos meios constitucionaes, em conformidade com o artigo 140.° da carta, desejaria ver combinada a nomeação da corôa com o principio da eleição, e não me repugnava que desapparecesse a hereditariedade. Não entendo que o encargo de legislar possa andar adjunto á herança.

Ser membro desta camara constituo um encargo, e só constituo dignidade para aquelle que tiver a consciencia de poder satisfazer bem esse encargo.

Salvo o devido respeito ao illustre jurisconsulto, relator da commissão, peço licença para observar, como resposta a um argumento que s. exa. apresentou hontem, em reforço aos que tinha enunciado no erudito parecer, que para a completa interpretação dos artigos da carta é necessario combinal- os, não os devemos destacar uns dos outros.

Disse s. exa. que o poder executivo, pelo artigo 75.° da carta, nomeia para todos os empregos publicos, e que comtudo as leis ordinarias regulam as habilitações que devem, ter os nomeados, sem nunca se ter entendido que isso limitava as attribuições d’esse poder. Assim é; mas peço licença para observar que no artigo 15.° § 14.°, se determina que ao poder legislativo compete crear ou supprimir empregos publicos, e estabelecer-lhes ordenados, e, portanto, estabelecer as condições em que esses empregos hão de ser providos.

Pelo artigo 75.° nomeia o poder executivo os individuos para os cargos, mas cargos creados nas condições que o poder legislativo decreta.

Aqui tem o digno par como me parece que da combinação d’estes artigos se vê que o argumento apresentado não póde ter paridade para o caso presente.

Diz-se no parecer que vamos regular os artigos 39.° e 40.° da carta. Peço licença para ainda observar que vamos regular tambem o artigo 74.°

Se no § 5.° d’esse artigo se diz que o Rei exerce o poder moderador nomeando e demittindo livremente os seus ministros, se n’esse § se não põe limitação alguma, tambem no § 1.° d’esse mesmo artigo se põe uma só limitação a de ouvir o conselho d’estado.

Eu creio que ainda que este projecto seja convertido em lei, os pontos negros continuarão existir no horisonte, se acaso existem hoje.

Sr. presidente, se acaso é opportuno tratar da reforma d’este corpo politico, porque não o havemos de fazer pelos meios indicados na constituição, e porque não havemos tratar das outras reformas de que o mesmo codigo carece para acompanharmos o movimento liberal do seculo como dizia o relatorio para a reforma da carta apresentado pelo governo em 1872?

Que o poder constituinte existe, qual o modo de se exer-