O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

154 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

usufruimos; mas este respeito, esta adoração, se me é permittida a phrase não impede que eu reconheça que as instituições humanas precisam ser modificadas de tempos a tempos, para attender ao desenvolvimento que o paiz reclama, ás manifestações da opinião, e a circumstancias muitas vezes imperiosas, que não se podem pôr de parte.

Eu respeito e tenho a maior confiança na pureza dos principios, reconheço a importancia dos que se acham consignados na carta; mas o legislador, estabelecendo n’este codigo o modo por que elle podo ser reformado, consignando este preceito, principio ou faculdade, reconheceu ispo facto, que as instituições humanas carecem de ser modificadas, que em dadas circumstancias essa modificação será uma necessidade impreterivel.

Nós sabemos todos, sr. presidente, o modo como em uma determinada occasião se reformou a carta. Sabemos todos que as circumstancias podem ser de tal ordem, e o seu imperio tão forte e irresistivel que os homens de opiniões mais assentadas da favor a sustentação dos principios consignados na constituição, os que mais a desejam conservar immaculada, podem ver-se obrigados a acceitar a sua modificação, como eu e o digno par visconde de Seabra, que acccitámos e assignámos a reforma de 1802. E essa reforma não se fez segundo os preceitos estabelecidos na propria carta, fez-se em virtude de um acto quasi revolucionario.

Não obstante honrar-me muito de ter assignado aquella reforma, estimarei que estes factos se não repitam, porque não desejo que o paiz se veja nas circumstancias de ter de transigir com opiniões momentaneas.

Eu não fiz a revolução de 1851, não tomei parte n’ella, nem soube que estava para se fazer; acceitei, comtudo, o facto consummado, como o acceitou o digno par. Em virtude d’esse facto tomei parte em todas as discussões que tiveram logar para se modificarem alguns dos preceitos da carta, e a camara sabe que se alguns d’esses preceitos eram constitucionaes, outros não passavam de disposições que deviam ser consignadas em leis organicas.

Sr. presidente, parece, á vista do que se tem dito, que estamos tratando da reforma da carta, quando tal cousa não está em discussão; agora trata-se apenas de attender a uma conveniencia, a uma necessidade, a um principio mais ou menos reconhecido, mais ou menos acceito, sem tocar, nem levemente, nos preceitos consignados na carta.

Ora, quando vejo que nós podemos, em virtude das faculdades de uma camara em legislatura ordinaria, promulgar uma lei organica dos preceitos fundamentaes consignados na constituição do estado, entendo, se essa lei é util, se corresponde a uma necessidade de momento, se satisfaz a opinião publica, entendo, digo, que não prestâmos um mau serviço e que, na ordem dos acontecimentos e das idéas, ainda que não cheguemos á perfeição, porque á perfeição não é dado ao homem chegar, mas approxirnarmo-nos d’ella, o que ninguem duvidará que tem vantagens.

Fui n’esta discussão chamado á autoria pelo sr. marquez de Sabugosa. O digno par quiz provar, creio eu, a incoherencia do governo, e sobretudo a minha, por ter apresentado em 1872 a proposta de lei para a reforma da carta, que estabelecia as categorias assim como a suppressão do direito hereditario, e apparecer agora a declaração authentica de que a commissão, que approvou o projecto para a reforma d’esta camara, está de accordo com o governo.

S. exa. suppõe que ha aqui contradicção; pois eu digo que não ha nenhuma.

Acabei de mostrar que nas reformas constitucionaes se introduzem muitas vezes disposições proprias de leis organicas; até mesmo citei já o acto addicional, em que está incluido um certo numero de principios que podiam conter-se n’uma lei organica.

O sr. Marquez de Sabugosa: — S. exa. diz no seu relatorio da proposta para a reforma da carta, que a indicação de categorias limita a prerogativa da corôa, e que era esta uma das providencias essenciaes d’aquella proposta; portanto não a considerava então como uma providencia que por de mais se tinha introduzido ali.

O Orador: — S. exa. não tem agora mais nada a ratificar?

O sr. Marquez de Sabugosa: — Não, senhor.

O Orador: — S. exa. sabe perfeitamente que no relatorio que precede a proposta para a reforma da carta se declara, em relação á camara dos pares, que se supprime a hereditariedade e se limita pelas categorias o numero ou qualidades das pessoas que podem ser nomeadas pares do reino; mas em parte nenhuma se diz que essa limitação á preceito constitucional: e quando podesse dizer-se, o que se seguia é que na opinião do governo havia hesitações, havia duvida, ou, pelo menos, o governo prestava preito e homenagem ás duvidas que outros porventura tivessem.

Parece-me que o digno par, que tão lido é, e examinou o relatorio que precede a proposta da reforma da carta, podia ter examinado tambem outro relatorio, da mesma epocha, o qual precede a reforma administrativa, e ver o que o governo ahi diz referindo-se á questão eleitoral.

Não me parece que se possa sustentar com bons argumentos, que seja insconstitucional a regulamentação de um artigo da carta, em nome do qual o chefe do poder executivo e depositario do poder moderador póde nomear pares do reino.

A carta diz que o Rei exerce o poder moderador nomeando pares do reino sem numero fixo, assim como lhe dá a faculdade de nomear magistrados, generaes, commandantes das forças de mar e terra, e prover a todos os empregos publicos.

D’estes actos são os seus ministros os responsaveis, o a entidade superior do Soberano está rodeada de um certo numero de instituições, que o acompanham no exercicio das suas funcções, e o esclarecem em todos os seus actos. Só assim é que se póde admittir a irresponsabilidade do Soberano.

Os poderes do estado são todos iguaes, não ha supremacia de uns sobre outros, todos têem na sua faculdade attribuições fixadas na constituição, a qual, torno a dizer, não admitte precedencias de uns sobre outros.

Posto isto, pergunto a s. exa. onde é que a carta diz que é prohibido regulamentar a faculdade do poder moderador de nomear pare? Porventura a carta prohibe regular a attribuição do poder executivo, de prover os empregos civis e politicos? Não prohibe.

O artigo 71.° da carta diz que o poder moderador póde nomear e demittir livremente os seus ministros, e em nenhuma outra parte encontro este adverbio livremente com relação ao exercicio das attribuições do chefe do estado.

Por consequencia, póde sustentar-se, em vista d’este adverbio, que não seja licito regulamentar a faculdade do poder moderador nomear pares do reino? De certo que não.

Isto é que parece que é a verdadeira doutrina, e é preciso que se note que, apesar do poder moderador ter a faculdade de usar livremente do direito de nomear e demittir os seus ministros, a responsabilidade d’esse acto pertence aos ministros da corôa.

Eu tenho sustentado sempre que os ministros que referendam os decretos d’aquelles que entram de novo para os conselhos da corôa, são os responsaveis por essas nomeações. Ainda ha poucos dias sustentei isto mesmo n’esta casa.

Ora, se tudo se póde regular, se as côrtes podem, por meio de leis ordinarias, estabelecer quaes as condições em que o Rei ou os seus ministros, que é o mesmo para a responsabilidade, póde nomear todos os empregados civis e politicos, porque não hão de poder as côrtes regular a faculdade que tem o poder moderador de nomear os membros d’esta camara? Onde é que está a disposição da carta que lhe prohibe fazer? Eu não a encontro, desejava que ma indicassem, queria vel-a, porque não a conheço.