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356 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

até o procedimento dos nossos conquistadores com respeito aos infieis. E era meu pensar que a educação religiosa da epocha, fanaticamente comprehendida, levava a sociedade d'então e os inquisidores, em especial; a ver ha tortura no martyrio prolongado das victimas, uma obra de piedade, praticada com o pensamento elevado de corrigir as offensas á religião, e de obter das victimas, quando as penas não eram as mais graves, a confissão da culpa, que seria purificadora da alma. Nalguns quadros da epocha, o artista desenhou na physionomia dos inquisidores essa santa impaciencia pela retratação dos condemnado a martyrio lento.

Vista assim, a inquisição é, a meu pensar, muito differente do que a pintam os que á apreciam sem penetrar no estado mental da epocha.

Não desconhece v. exa., sr. presidente, nem a camara, que e alguns povos, e em dadas epochas, se tem praticado sacrificios humanos, tão santamente executados, que até os pães immolavam seus filhos em honra do Senhor! Eram actos de crueldade grosseira? Eu penso que eram antes actos de fanatismo. Tal foi a inquisição. Eis o meu pensamento, que hontem exprimi de passagem.

Este modo de ver, sr. presidente, não é novo em mim. Se a camara m'o consente leio um pequeno trecho de um livro que publiquei ha pouco, onde se vê claramente o meu pensamento na critica da inquisição e de outros factos analogos; diz assim:

"O cerebro é uma placa sensivel, que regista, quando são, os factos importados pelos sentidos, não só com ás qualidades physicas d'esses factos, como, tambem com as adherencias, que a vida tradicional lhes imprimiu em gerações passadas. O conjuncto d'esses factos, com á physionomia especifica que a historia lhes dá, constitue o estado mental do individuo, da familia ou da raça. É elle a base historica da vida das nações.

"O desenvolvimento intellectual e moral do homem, progressivo pela educação, ou, o que é o mesmo, pela experiencia, e porventura pelo progredimento organico, que faz nascer fórmas organicas novas, com aptidões mais aparadas, gera, em epochas afastadas, estados mentaes differentes no mesmo povo. E a historia d'essas epochas é a expressão dos conceitos fundamentaes do estado mental correspondente.

"Comparando, pois, duas epochas muito distanciadas, podem encontrar-se- differenças, opposição mesmo completa no conteudo pshychico, que serve de base aos dois modos de expressão. É frequente ver um historiador tachar de crueis, deshumanos, barbaros, é loucos os productos saidos de um estudo mental longiquo, comparando-os com os de uma epocha mais proxima. E, note-se, com aquelles epitbetos não desejam exprimir simplesmente um estado especial de educação, gerado por condições independentes do individuo, pois que acompanham suas criticas do apreciações muito desfavoraveis, fundadas na voluntariedade que suppõem existir na producção dos factos consummados. Nos povos catholicos, por exemplo, o historiador, que relata um auto de fé, e sobre de imprecações os juizes e executores suppondo-os crueis e deshumanos; não lê na psychologia social da epocha que critica. Aquelle que pensa que o jesuita ensinando a grammatica e o dogma da obediencia cega e inteira, com o fim de acanhar os espiritos e abafar as energias nativas, para n'uma necropole geral firmar o seu dominio, não lê igualmente na historia que analysa. D'outra fórma veria n'estes factos a logica da natureza, impondo ao homem collectivo preceitos legitimamente nascido de um estado mental imperfeito, e por isso passageiro; e aprecial-os-ía com a mesma frieza e criterio com que o alienista julga e intrepreta os actos extravagantes de um estado mental doentio, que, transportado a outra idade, poderia ser objecto de um culto ou rasão bastante para uma pena capital."

N'este trecho de um pequeno livro, que publiquei em 1882, se vê o modo por que eu comprehendo a inquisição, e agora poderá o critico do Jornal do commercio verificar se eu defendi hontem aqui a inquisição.

Perdoe-me v. exa. sr. presidente, e perdoe-me a camara esta explicação previa. Vou continuar no assumpto em discussão.

Sr. presidente, hontem, pelo motivo a que já alludi, deixei de tocar em algumas questões referentes ainda á concordata, o que me parece serem de alguma importancia. Quero referir-me aos resultados d'aquelle acto diplomatico.

Sr. presidente, um dos resultados da diminuição do territorio da jurisdicção ecclesiastica do arcebispo de Goa, por eifeito da nova concordata será sem duvida, que agora não necessitamos de ordenar tantos padres com destino ás missões na India. Sabe v. exa., e sabe a camara que uma, das vantagens do padroado em toda a India era a, expor- tacão de padres, goanos que se espalhavam pelas terras do padroado a missionar e a colher alguns proventos com que depois recolhiam ao nosso territorio. A força das circumstancias, obrigou-nos a restringir o campo de exploração do clero goano, e por isso é mister dar outro destino ai um grande numero de mancebos que devem deixar de se ordenar, em virtude do regimen da nova concordata.

Até aqui, sr. presidente, Goa tem sido um vasto seminario, incumbido de fabricar padres para explorar ecclesiasticamente a India; cumpre-nos agora educar essa raça intelligente n'uma direcção differente, util, a meu ver, para ella e para nós. As colonias mantem-se é desenvolvem-se pela educação do indigena: assim o temos feito na India, mas errámos dando-lhe uma educação exclusiva, incompleta, e só adequada para explorar á moda antiga, isto é, pela religião.

O que convirá fazer presentemente? Sr. presidente, á primeira necessidade que eu vejo é organisar os pobres estabelecimentos de instrucção que ainda temos no nosso territorio e insuflar-lhe a vida dos estabelecimentos analogos da Europa, elevando-os,1 ao menos, á altura dos da metropole. E visto que sou medico, consinta-me v. exa., sr. presidente, e consinta-me acamará que eu me occupe, em particular da escola medica de, Goa. Folgo de ver presente o sr. ministro da marinha, para expor diante de s. exa. o estado miseravel em que se encontra aquella escola, e chamar a attenção de s. exa. sobre assumpto tão momentoso.

Sr. presidente, chegou o momento opportuno de olhar para este estabelecimento de instrucção, porque afigura-se-me que pondo-o em condições adequadas á educação medica dos indigenas, podiamos destinar á carreira medica os mancebos a quem tirámos a sobrepelis, por effeito da concordata. Para isso urge refundir toda a legislação que está em vigor, concernente ás escolas, medicas do ultramar.

Sr. presidente, poucas palavras bastam para levar ao espirito da camara a evidencia desta proposição ,occupar-me-hei em primeiro logar do recrutamento do corpo docente.

O professorado da escola medica de Goa sae do quadro dos facultativos do ultramar, sendo nomeados em commissão pelo ministro da marinha.

Havendo falta, póde o indigena, formado na mesma escola, exercer o professorado, mas só como substituto, não podendo nunca ser proprietario; ainda, que professe por largos annos, corre sempre o risco de ser deslocado por um facultativo do quadro do ultramar, formado nas escolas medicas da metropole.

Os professores da escola, que nominalmente não são poucos, mas que realmente se podem reduzir a dois ou a tres, incumbidos da regencia de varias cadeiras, saem, pois, sr. presidente, ordinariamente, do grupo de medicos portuguezes que não acharam melhor carreira no seu para do que a da facultativos do ultramar.

Podem excepcionalmente ser distinctos, mas não são se-