360 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Eu não ignoro que ha ordens religiosas em outras nações, e até em nações poderosas e mais civilisadas do que a nossa. Mas, sr. presidente, uma questão é tel-as e resolver o problema da sua abolição, - outra é não as ter e resolver admittil-as! Isto é mais grave. Póde não ser prudente abolil-as, é um crime admittil-as.
Póde ser que as ordens religiosas sejam uteis para os interesses da religião e que estejam em harmonia com as doutrinas dos livros sagrados, ao menos comprehendendo-as de um certo modo.
Mas o que eu affirmo é que não estão em harmonia com a noção naturalistica do homem, com o seu viver na sociedades modernas.
Não póde apreciar isto p que se sente dominado pelo mysticismo. Mas eu, sr. presidente, que folhei os livros sagrados com as mesmas mãos com que revolvi as visceras de muitos cadaveres, com que tacteei as entranhas quentes das victimas das vivisecçoões - puz-me um pouco mais em contacto com a natureza, alarguei mais a minha consciencia do que os piedosos espiritos que defendem a clausura como uma medida civilisadora.
Elles são sinceros, eu affirmo que tambem o sou. No conflicto de opiniões vê-se o conflicto de duas culturas.
Sr. presidente, se agora me restringo ao problema da colonisação pelos frades, sobe de ponto a minha repugnancia por tal idéa.
As colonias fazem-se, civilisam-se pela educação do indigena.
Comprehende-se que ao homem no estado natural, vivendo nos sertões, em convivio, franco com a natureza, se apresente, como educador, como typo do homem civilisado, como modelo de cultura humana, o frade ou freira - ainda que sob o aspecto mais santo, que uma consciencia sinceramente religiosa póde dar? Eu não o penso, sr. presidente.
Depois deve ponderar-se que a educação do indigena pelas ordens religiosas está sujeita a um grande perigo.
O frade, e sobretudo o jesuita, que ao que parece domina hoje por toda a parte, não tem patria, não tem familia.
A sua educação desnacionalisa os povos com a mesma tenacidade com que dilue e desfaz as santas relações da familia-e tudo em beneficio da ordem.
E, se é assim, será politico, será patriotico, será sabio entregar a educação dos, povos virgens, de que nós podemos fazer irmãos, aos irmãos terriveis d'essas sociedades que se chamam ordens religiosas? Eu reputo um crime nacional a adopção de tal medida.
E, depois, sr. presidente, não haverá meios efficazes, naturaes, harmonicos com a natureza humana, de educar esses povos, na infancia da civilisação que um determinismo, historico collocou sob nossa tutela?, Será mister recorrer aos frades?, Eu penso que ha meios mais simples e salutares.
Comprehendo que se possa promover a cultura do indigena por meio de missões profissionaes, completamente seculares e missões em que póde entrar o padre como mestre, mas na qual os misteres da vida, a cultura da terra, as artes os officios, etc., tenham o principal papel.
Comprehende-se a vantagem que haveria em associar o elemento militar ao profissional a fim de preparar o indigena para poder desempenhar as duas principaes funcções de um, bom cidadão, produzir pelo trabalho o que dispende com a sua subsistencia, e defender o meio social em que, se torna possivel e agradavel a sua existencia.
Não vejo a necessidade logica do frade para tudo isto, o que eu vejo é o perigo de confiar a, um fanatico um problema tão delicado como a educação da infancia de um paiz virgem. Receio que o metta na manga.
No processo secular de educação que defendo, aprecia v. exa., sr. presidente, e aprecia a camara, a vantagem de se offerecer ao espirito embryonario do indigena, um modelo de cultura humana simples, accessivel e natural no mestre que lhe ensina a cultivar a terra, a fabricar instrumentos, e praticar os officios necessarios ao conforto e necessidades da vida. Isto é, com effeito, simples, accessivel e agradavel. Agora o habito negro ou branco e as complicações da vida monastica podem confundir, estontear o indigena, e, esse effeito, esse traumatismo moral póde servir para penetrar nas suas tendas, inventariar as suas casas e dominar, assim pela commoção do espanto mas não é processo humano de civilisar.
Agora duas palavras a proposito da educação religiosa.
O sr. Presidente: - Lembro ao digno par que, apesar da importancia d'essa questão, se vae desviando, do assumpto.
O Orador: - Visto que v. exa. o deseja abandono, este assumpto, que não foi trazido ao debate por mim, e passo a outro paragrapho da resposta ao discurso da corôa.
Sr. presidente,, eu tencionava pedir a palavra na discussão da resposta ao discurso da corôa para louvar o governo pela promessa que fez na falla do throno de submetter ao poder legislativo propostas de lei sobre instrucção superior e beneficencia publica. Queria louval-o por isso e fazer-lhe um pedido.
Sr. presidente, sabe v. exa. e sabe a camara que as condições de prospera existencia de um povo dependem em muito de duas cousas, o solo e a raça. Deixemos o solo, e occupemo-nos da raça.
O homem publico, que, se interessa verdadeiramente pelo bem estar e desenvolvimento do seu paiz, ha de forçosamente cuidar de conservar por todos os meios o vigor do povo, de educar-lhe as aptidões para que cada homem produza, ao menos, o que consome, e, emfim, de minorar-lhe os soffrimentos e recuperar-lhe as forças perdidas no labor de todos, os dias. E, assim, á parte valida da nação deverá proporcionar, uma educação adequada, á invalida destinar-lhe-ha estabelecimentos, onde se curem enfermidades se reparem forças perdidas, ou se de agasalho para o resto da vida - e tudo isto não só como util e consolador para quem o receba, mas tambem como altamente conveniente ao estado social.
A educação adequada das energias de um povo faz-se pela instrucção, tomada na sua mais larga accepção o amparo aos invalidos consegue-se por um conjuncto de meios que constituem a beneficencia publica.
Isto mostra o elevado alcance do pensamento do governo, e em especial do nobre presidente do conselho, de desejar apresentar, ás camaras legislativas projectos de lei que modifiquem favoravelmente a instrucção superior e a beneficencia publica.
Sr. presidente, são tão importantes estes assumptos, que o não ousarei embrenhar-me na analyse e desenvolvimento d'elles neste momento. Espero que terei opportunidade de tratal-os serena e desenvolvidamente, quando chegarem a esta camara as propostas annunciadas na falla do throno. Por isso limito-me a louvar o governo pela sua orientação governativa, bem accentuada nas suas promessaa, a declarar que confio plenamente em que o governo não esquecerá assumptos tão importantes, e emfim a fazer um pedido, para o qual eu ouso chamar a attenção do illustre presidente do conselho.
Sr. presidente, na classe tão numerosa dos inválidos que devem recolher-se e tratar-se nos estabelecimentos de beneficencia publica, os alienados são, incontestavelmente, os mais miseraveis, eu não descrevo á camara a situação social d'estas tristes creaturas entre nós, servindo-me dos elementos que a minha observação tem colhido. Não o julgo ainda opportuno, e mesmo não o poderia fazer, sem me perturbar, prejudicando com isso a exposição rapida, e clara do meu pensamento. Basta por hoje que eu diga com a mão na consciencia que alienado quer dizer - uma syntese grande de soffrimentos dolorosissimos.
0 que ha no nosso paiz para elles? Deve pedir-se ao