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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887 361

governo, n'este momento - agora que elle pensa em trazer ás camaras propostas de beneficencia publica, que não se esqueça dos alienados, e affirmar-lhe que estes desgraçados vivem entre nós miseravelmente?

Deve, pedir-se-lhe, sim, e instantemente, e diariamente, e cada vez com mais ardor, que ponha ponto na incuria governativa a respeito de uma questão social tão importante quanto desprezada entre nós. Eis o meu pedido. Agora as rasões principaes e summarias que o justificam.

Sr. presidente, o censo de, 1878 registou a existencia n'essa data de 9:106 alienados no continente do reino e ilhas, adjacentes.

E note v. exa. que está averiguado que os agentes do governo encarregados do censo não contaram os alienados que então havia em Rilhafolles, em numero não inferior a 500, podendo, por isso affirmar-se que n'aquella data havia, pelo menos em Portugal, 9:606 alienados. É de todo o ponto provavel que hoje haja, pelo menos, o mesmo numero d'esses enfermos. Onde estão?

Em todos os paizes cultos adopta-se como medida salutar para os alienado e para a sociedade, a sequestração do maior numero, e vê-se na maior hospitalisação de taes enfermos um modo de avaliar a civilisação de um povo. 0ra nós, nos dois hospitaes que possuimos, e um aberto ha pouco mais de quatro annos, não podemos recolher mais de 850 doentes, mesmo continuando com a accumulação absurda do hospital de Lisboa; quer dizer não podemos na actualidade hospitalisar a nona parte dos nossos alienados! Onde estão os outros, não ha providencias legaes para dar-lhes o destino conveniente? Ha com effeito providencias legaes para dar-lhe destino, mas são letra morta.

Sr. presidente, vou chamar a attenção do nobre ministro do reino para o que vou ler; No artigo, 241.º do novo codigo administrativo, a proposito das obrigações do administrador do concelho, lê-se, sob o n.° 13.°, o seguinte:

"As providencias para impedir a divagação das pessoas alienadas, devendo fazel-as recolher em algum estabelecimento apropriado ou entregal-as a quem, segundo a lei, pertença tomar conta d'elles."

Folgo de ver presente o sr. Ministro da justiça para fazer ver a s. exa. a impossibilidade da execução de uma outra providencia legal a respeito de alienados consignada no artigo 47.° do codigo penal.

Trata-se dos loucos criminosos. Diz assim:

"Os loucos, que, praticando o facto, forem isentos da responsabilidade criminal, serão entregues ás suas familias para os guardarem, ou recolhidos em hospital de alienados, se a mania for criminosa, ou se o seu estado o exigir para maior segurança."

- Sr. Presidente eu peço a v. exa. e á camara, e em especial aos nobres ministros do reino e da justiça que ponderem agora se é possivel dar execução a taes providencias, tendo nós 9:606 alienados e não tendo asylos para recolher a nona parte d'este numero.

Como procede o administrador do concelho, então, para dar cumprimento ao mencionado artigo do codigo administrativo, quando encontra algum alienado perturbando a ordem publica? Prende-o e pergunta aos directores dos hospitaes se póde envial-o para o respectivo asylo. A resposta é quasi sempre negativa. O que lhe faz, pois?

Ha dois processos em uso. Um consiste em recolhel-o na cadeia! As vezes ahi fica o doente por tempos esquecidos.

Conheço um alienado que esteve onze annos numa cadeia á ordem da auctoridade administrativa da localidade. Conheço um outro que esteve um anno amarrado a um pinheiro por meio de correntes de ferro-correntes de ferro, sr. presidente, depois de Pinel! - á ordem do regedor da parochia!

O outro processo consiste em mandar acompanhar os alienados a Lisboa ou ao Porto e recommendar que os abandonem, nas ruas, com o fim de passar o problema para as mãos da policia local!! Isto é authentico, sr. presidente, conheço auctoridades com quem se passaram factos d'esta ordem.

Pelo que diz respeito á providencia recommendada no codigo penal, a praxe é a seguinte: a auctoridade judicial, que tem de dar destino ao louco indignado como criminoso, remette-o á auctoridade administrativa, lavando por isso ás mãos, e esta procede pelos modos já referidos.

Ás vezes a auctoridade administrativa responde á auctoridade judicial que não póde tomar conta do louco porque, não ha logar para elle nos hospitaes; em tal caso, como o louco entrou já na cadeia como criminoso, lá fica esperando providencias de um juiz que as não sabe ou não quer dar. Passou-se commigo um caso d'estes. O anno passado officiou-me o governador civil do Porto, perguntando-me se havia, logar no hospital do conde de Ferreira para um alienado- criminoso que Bestava na cadeia da relação. Respondi-lhe que não e que tarde o haveria, porque havia muitos requerimentos anteriores pedindo-as vagaturas. Em consequencia d'isto o pobre alienado ficou na cadeia seis mezes, findos os quaes aquelle magistrado me ordenou a admissão com preferencia a outros, porquanto o doente estava em perigo de vida!

Sr. presidente paro aqui, não julgo opportuna a occasião para desenvolver mais, esta historia lugubre. Quero só accentuar bem este facto importantissimo-ha muitos alienados e poucos hospitaes para recolhel-os e tratal-os. Como consequencia d'isso vivem muitos como parias, em vagabundagem perigosa pelas povoações, e os que mettem medo prendem-se nas cadeias. Affirmo ao sr. ministro da justiça que não ha districto, em cujas cadeias se não encontrem presentemente alienados.

E, depois, sr. presidente, se olharmos para fóra do paiz, sobe de ponto a admiração pela nossa incuria. A Inglaterra, que tem approximadamente 90:000 alienados, hospitalisa mais de 80:000, isto é, tem fóra dos hospitaes menos da nona parte, e nós não chegámos a hospitalisar uma nona parte.

E, n'este, abandono, n'esta incuria, sr. presidente, não ha só uma deshumanidade revoltante, ha um erro economico que eu tenho a peito apontar aos homens publicos do meu paiz. A disseminação pelo paiz de mais de 8:000 alienados, incluindo os que vivem no seio das familias, constitue um erro grave, um prejuizo constante para o trabalho nacional, e uma causa de depreciação da raça.

O alienado é, em regra, anti-social; perturba a vida util do paiz, impede o trabalho e é causa de perturbação e de perigos, só evitaveis pela sequestração.

Depois, vivendo em liberdade, propaga-se, e, por esse facto a alienação mental aggrava-se e perpetua-se.

É necessario que uma familia de alienados chegue ás fórmas graves, em que a esterilidade põe termo á propagação, para desapparecerem os inconvenientes da sua existencia no meio social.

Não pedirá isto remedio prompto para o bem de todos? Pois se ha pouco o estado despendeu milhares de contos só com o medo da cholera, não será justificada a despeza com a alienação mental, que é doença infinitamente mais grave? Deixem antes vir a cholera, que nós os medicos não a tememos, tanto como a alienação mental. Ao menos a cholera tem isto de bom, ataca o individuo e poupa a raça; perturba no momento, mas não deixa a nodoa indelevel da loucura.

Aqui tem a camara os motivos por que eu peço mui instantemente ao nobre presidente do conselho, que não deixe de incluir nas medidas de beneficencia publica algumas que melhorem as condições dos alienados, e que s. exa. me consinta que lhe diga que a primeira providencia indispensavel é a creação de hospitaes de alienados.

E visto que está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, ouso fazer-lhe tambem um pedido. É feito em nome de seu pae! Digne-se s. exa. associar-se aos seus collegas no gabinete para resolver esta questão momentosa.