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N: 24

SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Joaquim de Vasconcellos Gusmão

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - Achando-se nos corredores da camara o digno par eleito Carlos Testa, o sr. presidente convida os dignos pares duque de Palmella e conde de Linhares a introduzirem na sala o digno par eleito, que presta juramento e toma assento. - O digno par Hintze Ribeiro manda para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos, pelos ministerios da fazenda e das obras publicas. Mandaram-se expedir.- Ordem do dia: continua com a palavra o sr. dr. Senna. - O sr. presidente chama a attenção do orador para o assumpto em questão.- O sr. arcebispo resignatario de Braga faz alumnas observações.- Continua o seu discurso o sr. dr. Senna. - O digno par Pereira Dias pede para que lhe seja lida a lista das inscripções. - O sr. presidente pede aos dignos pares que se acham inscriptos que sejam menos longos noa seus discursos. - Usa da palavra, como relator, o sr. marquez de Rio Maior. - Lê-se na mesa a emenda apresentada por s. exa. - Usa da palavra o digno par Carlos Bento da Silva, que termina o seu discurso, mandando para a mesa uma emenda. - O sr. Fernando Palha usa da palavra. - O sr. marquez de Rio Maior, como relator do projecto de resposta ao discurso da corôa, faz ainda algumas observações. - O sr. presidente do conselho de ministros usa da palavra para responder ao digno par Carlos Bento. - O sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia da sessão de 6 do corrente a continuação da de hoje.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 36 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da camara dos senhores deputados, remettendo o parecer da commissão de legislação criminal, que conclue por que seja ratificada a suspensão das funcções parlamentares do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida.

Foi remettido á commissão de legislação.

(Estava presente o sr. ministro da justiça.}

O sr. Presidente: - Acha-se nos corredores da sala o digno par eleito o sr. Carlos Testa.

Convido os dignos pares os srs. duque de Palmella e conde de Linhares á introduzirem s. exa. na sala.

Introduzido na sala s. exa., prestou juramento e tomou assento.

O sr. Hintze Ribeiro: - :Marido para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos, pelos ministerios da fazenda e das obras publicas.

Aproveito a occasião para mandar tambem para a mesa uma representação dos engenheiros, que estão ao serviço do ministerio das obras publicas, que representam contra a classificação que obtiveram.

Como o sr. ministro das obras publicas não está presente, aguardo a presença de s. exa. para fazer algumas observações a este respeito.

Leram-se na mesa os seguintes:.

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio, das obras publicas, me, seja enviado o seguinte documento:

Nota do estado de adiantamento em que se acham as differentes empreitadas, de construcção dos caminhos de ferro do Douro e do sul e sueste.

Camara dos dignos pares, em 4 de" junho de 1887.=:O par do reino, Hintze Ribeiro.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviado o seguinte documento:

Nota descriminada das sommas que, no corrente anno economico, têem sido despendidas com a construcção e fiscalisação dos differentes caminhos de ferro do paiz.

Camara dos dignos pares, em 4 de junho de 1887.,= O par do reino, Hintze Ribeiro. Mandaram se expedir.

Leu-se mais o seguinte:

Requerimento de Arianno, Augusto Machado de Faria Maia, bacharel em mathematica pela universidade de Coimbra, engenheiro civil encarregado do serviço de pesos e medidas no districto dos Açores e Madeira, reclamando contra a injusta collocação que lhe foi dada no quadro dos engenheiros civis pelo decreto de 28 de outubro ultimo.

Teve o competente destino.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia...

Tem a palavra o sr. dr. Senna, para continuar o seu, discurso.

O sr. Senna: - Sr. presidente, preoccupei-me hontem demasiado com o pensamento de terminar o meu discurso; não desejava ficar com a palavra para hoje; creio que por isso fui obscuro, ao menos nas questões incidentes, em que, toquei sem explanação sufficiente.

Digo isto, porque, tendo-me referido de passagem á inquisição, li hoje pela manhã num jornal muito auctorisado; que eu defendera hontem aqui a inquisição!

Respeito muito a opinião publica, e em especial a manifestada pela imprensa auctorisada, peço por isso a v. exa. se digne permittir-me que antes de proseguir no debate que hontem encetei, explique mais extensa e explicitamente o meu pensamento a respeito da inquisição.

Sr. presidente, eu creio que a proposito d'este tribunal e do systema penal por elle applicado, disse pouco mais, ou menos, e em poucas palavras, o seguinte: que não via na inquisição a crueldade que muitos criticos lhe censuravam com palavras duras, suppondo o inquisidor, um barbaro que se deleitava com a tortura, com os soffrimentos e morte affrontosa dos descrentes. Tinha por fim com esta reflexão diminuir a aspereza com que o digno par o sr. Fernando Palha tinha apreciado a inquisição de Goa e

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até o procedimento dos nossos conquistadores com respeito aos infieis. E era meu pensar que a educação religiosa da epocha, fanaticamente comprehendida, levava a sociedade d'então e os inquisidores, em especial; a ver ha tortura no martyrio prolongado das victimas, uma obra de piedade, praticada com o pensamento elevado de corrigir as offensas á religião, e de obter das victimas, quando as penas não eram as mais graves, a confissão da culpa, que seria purificadora da alma. Nalguns quadros da epocha, o artista desenhou na physionomia dos inquisidores essa santa impaciencia pela retratação dos condemnado a martyrio lento.

Vista assim, a inquisição é, a meu pensar, muito differente do que a pintam os que á apreciam sem penetrar no estado mental da epocha.

Não desconhece v. exa., sr. presidente, nem a camara, que e alguns povos, e em dadas epochas, se tem praticado sacrificios humanos, tão santamente executados, que até os pães immolavam seus filhos em honra do Senhor! Eram actos de crueldade grosseira? Eu penso que eram antes actos de fanatismo. Tal foi a inquisição. Eis o meu pensamento, que hontem exprimi de passagem.

Este modo de ver, sr. presidente, não é novo em mim. Se a camara m'o consente leio um pequeno trecho de um livro que publiquei ha pouco, onde se vê claramente o meu pensamento na critica da inquisição e de outros factos analogos; diz assim:

"O cerebro é uma placa sensivel, que regista, quando são, os factos importados pelos sentidos, não só com ás qualidades physicas d'esses factos, como, tambem com as adherencias, que a vida tradicional lhes imprimiu em gerações passadas. O conjuncto d'esses factos, com á physionomia especifica que a historia lhes dá, constitue o estado mental do individuo, da familia ou da raça. É elle a base historica da vida das nações.

"O desenvolvimento intellectual e moral do homem, progressivo pela educação, ou, o que é o mesmo, pela experiencia, e porventura pelo progredimento organico, que faz nascer fórmas organicas novas, com aptidões mais aparadas, gera, em epochas afastadas, estados mentaes differentes no mesmo povo. E a historia d'essas epochas é a expressão dos conceitos fundamentaes do estado mental correspondente.

"Comparando, pois, duas epochas muito distanciadas, podem encontrar-se- differenças, opposição mesmo completa no conteudo pshychico, que serve de base aos dois modos de expressão. É frequente ver um historiador tachar de crueis, deshumanos, barbaros, é loucos os productos saidos de um estudo mental longiquo, comparando-os com os de uma epocha mais proxima. E, note-se, com aquelles epitbetos não desejam exprimir simplesmente um estado especial de educação, gerado por condições independentes do individuo, pois que acompanham suas criticas do apreciações muito desfavoraveis, fundadas na voluntariedade que suppõem existir na producção dos factos consummados. Nos povos catholicos, por exemplo, o historiador, que relata um auto de fé, e sobre de imprecações os juizes e executores suppondo-os crueis e deshumanos; não lê na psychologia social da epocha que critica. Aquelle que pensa que o jesuita ensinando a grammatica e o dogma da obediencia cega e inteira, com o fim de acanhar os espiritos e abafar as energias nativas, para n'uma necropole geral firmar o seu dominio, não lê igualmente na historia que analysa. D'outra fórma veria n'estes factos a logica da natureza, impondo ao homem collectivo preceitos legitimamente nascido de um estado mental imperfeito, e por isso passageiro; e aprecial-os-ía com a mesma frieza e criterio com que o alienista julga e intrepreta os actos extravagantes de um estado mental doentio, que, transportado a outra idade, poderia ser objecto de um culto ou rasão bastante para uma pena capital."

N'este trecho de um pequeno livro, que publiquei em 1882, se vê o modo por que eu comprehendo a inquisição, e agora poderá o critico do Jornal do commercio verificar se eu defendi hontem aqui a inquisição.

Perdoe-me v. exa. sr. presidente, e perdoe-me a camara esta explicação previa. Vou continuar no assumpto em discussão.

Sr. presidente, hontem, pelo motivo a que já alludi, deixei de tocar em algumas questões referentes ainda á concordata, o que me parece serem de alguma importancia. Quero referir-me aos resultados d'aquelle acto diplomatico.

Sr. presidente, um dos resultados da diminuição do territorio da jurisdicção ecclesiastica do arcebispo de Goa, por eifeito da nova concordata será sem duvida, que agora não necessitamos de ordenar tantos padres com destino ás missões na India. Sabe v. exa., e sabe a camara que uma, das vantagens do padroado em toda a India era a, expor- tacão de padres, goanos que se espalhavam pelas terras do padroado a missionar e a colher alguns proventos com que depois recolhiam ao nosso territorio. A força das circumstancias, obrigou-nos a restringir o campo de exploração do clero goano, e por isso é mister dar outro destino ai um grande numero de mancebos que devem deixar de se ordenar, em virtude do regimen da nova concordata.

Até aqui, sr. presidente, Goa tem sido um vasto seminario, incumbido de fabricar padres para explorar ecclesiasticamente a India; cumpre-nos agora educar essa raça intelligente n'uma direcção differente, util, a meu ver, para ella e para nós. As colonias mantem-se é desenvolvem-se pela educação do indigena: assim o temos feito na India, mas errámos dando-lhe uma educação exclusiva, incompleta, e só adequada para explorar á moda antiga, isto é, pela religião.

O que convirá fazer presentemente? Sr. presidente, á primeira necessidade que eu vejo é organisar os pobres estabelecimentos de instrucção que ainda temos no nosso territorio e insuflar-lhe a vida dos estabelecimentos analogos da Europa, elevando-os,1 ao menos, á altura dos da metropole. E visto que sou medico, consinta-me v. exa., sr. presidente, e consinta-me acamará que eu me occupe, em particular da escola medica de, Goa. Folgo de ver presente o sr. ministro da marinha, para expor diante de s. exa. o estado miseravel em que se encontra aquella escola, e chamar a attenção de s. exa. sobre assumpto tão momentoso.

Sr. presidente, chegou o momento opportuno de olhar para este estabelecimento de instrucção, porque afigura-se-me que pondo-o em condições adequadas á educação medica dos indigenas, podiamos destinar á carreira medica os mancebos a quem tirámos a sobrepelis, por effeito da concordata. Para isso urge refundir toda a legislação que está em vigor, concernente ás escolas, medicas do ultramar.

Sr. presidente, poucas palavras bastam para levar ao espirito da camara a evidencia desta proposição ,occupar-me-hei em primeiro logar do recrutamento do corpo docente.

O professorado da escola medica de Goa sae do quadro dos facultativos do ultramar, sendo nomeados em commissão pelo ministro da marinha.

Havendo falta, póde o indigena, formado na mesma escola, exercer o professorado, mas só como substituto, não podendo nunca ser proprietario; ainda, que professe por largos annos, corre sempre o risco de ser deslocado por um facultativo do quadro do ultramar, formado nas escolas medicas da metropole.

Os professores da escola, que nominalmente não são poucos, mas que realmente se podem reduzir a dois ou a tres, incumbidos da regencia de varias cadeiras, saem, pois, sr. presidente, ordinariamente, do grupo de medicos portuguezes que não acharam melhor carreira no seu para do que a da facultativos do ultramar.

Podem excepcionalmente ser distinctos, mas não são se-

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guramente, em regra, os mais distinctos os quaes procuram os quadros do ultramar, unicos a quem a lei incumbe o ensino na escola de Goa. Primeiro defeito e gravissimo.

Quem quizer aprecial-o em todo o seu valor, compare a escola de Goa, com tal regimen, com a de Bombaim onde á sciencia começa a florescer.

E o medico indigina educado na escola de Goa que destino tem? Já vimos que lhe é vedado ser professor effectivo na sua escola, inconveniente não menos grave que o que acabo de referir, pois que todo o cuidado da legislação deveria consistir em interessar o indigena pela sua escola, abrir-lhe-n'ella uma carreira estavel e conseguir que n'um futuro1 não longinquo elle dispozesse completamente do ensino, o que era tanto mais conveniente e proveitoso quanto é certo que a raça indigena é notavelmente intelligente.

Mas ha peior! Ao que isso contra o indigena. Os goanos formados na sua escola não têem outro futuro que não seja o entrarem como facultativos nos quadros do ultramar, e ainda ahi são perseguidos porque nunca podem chegar, a primeira classe, só reservada para os medicos das escolas da metropole; e, quando a lei lhes concede aposentação por diuturnidade de bom serviço, ficam com a patente de capitão percebendo apenas 24$000 réis mensaes!

Como v. exa. e a camara podem apreciar, sr. presidente, a organisação da escola de Goa é contraria aos interesses legitimos do indigena.

Vejamos agora a altura da instrucção d'esses medicos que pela lei são destinados aos quadros do ultramar, isto é, para prestar os soccorros medicos e espalhar a civilisação nas nossas colonias da Africa principalmente.

Já vimos as qualidades dos professores da escola, syntheticamente apreciadas, attenta a sua proveniencia e ainda a circumstancia de serem obrigados a accumular duas ou mais cadeiras. Fallarei agora dos instrumentos de ensino.

Sr. presidente, os differentes ramos da medicina, sciencia essencialmente, pratica e positiva, ensinam-se lá theoricamente, sem os mais elementares meios de experiencia e observação. Parece que tudo é theologia n'aquella malfadada colonia que creio aspirou ao papado.

Não ha cadaveres, não ha instrumentos, não ha hospitaes: lêem-se ali alguns livros, e não se mostram factos, não se educam os sentidos para aprecial-os; é tudo menos ensino medico no seculo presente. Os professores de clinica alem de irem da Europa e não conhecerem, por isso, como conheceria o indigena, a raça, o clima, o solo, e a pathologia especial d'esses povos, dispõem apenas d'um pequeno hospital militar, cuja população, não excede sessenta doentes.

Hospital, de sessenta doentes, e d'um só sexo; nunca póde servir para o ensino clinico, mesmo o mais elementar.

Tal é, sr. presidente, o estado da escola de medicina portugueza em Goa!

Veja a camara se um instituto assim organisado póde aproveitar a mancebos intelligentes que ora vão deixar a vida ecclesiastica, e eu deixo ao bom censo de. v. exa., sr. presidente, e ao da camara, o julgar se não tendo nós outra escola de medicina no nosso imperio colonial, valeria a pena organisar esta escola em condições de nos dar medicos distinctos para distribuirmos pelos vastos territorios que possuimos.

Póde ser presumpção minha pouco fundada, mas afigura-se-me, sr. presidente, que para nós havia maiores vantagens em distribuir pelas terras do padroado medicos goanos intelligentes, que levassem a esses povos com os soccorros medicos, a civilisação naturalista do seculo em que vivemos, do que continuar a mandar-lhe padres que vão em procura de alguns haveres, auferidos a troco de sacramentos.

O uso pedir ao sr. ministro da marinha que se digne attender a esta questão que reputo importante e opportuna, depois de ratificada a concordata com a Santa Se.

Sr. presidente, se em alguma cousa eu entendo que devo insistir n'este assumpto de um modo particular, é pela conservação e grandeza do pouco que temos na India, d'esse resto desgraçado do imperio do grande Affonso de Albuquerque. Poisasse desideratum depende em muito da cultura do indigena.

Não descreverei á camara, para não abusar da benevolencia que se tem dignado dispensar-me, o estado em que se encontram os outros estabelecimentos de instrucção na India, e em especial o lyceu e a malfadada escola de ensino profissional. Limito-me apenas a pedir ao governo que attenda como lhe cumpre ás imperiosas necessidades da educação dos filhos d'aquelles povos.

Fecho aqui, sr. presidente, o que me occorreu dizer a respeito da concordata.

Agora vou entrar na analyse dos motivos por que registo, como hontem disse, todas as moções que foram apresentadas pelos dignos pares que me precederam neste debate.

O digno par o sr. Miguel Osorio apresentou uma moção na qual convidou o governo a dirigir supplicas ao Santo. Padre para serem incorporadas nas dioceses do padroado as christandades do Ceylão, e o pensamento de s. exa. foi secundado por outros dignos pares, e em especial pelos srs. Fernando Palha e Costa Lobo. Anima-me o mesmo sentimento de gratidão que tão nobremente manifestaram s. exa. pelos habitantes da formosa ilha, em que outr'ora foi grande o nome portuguez.

Mas, sr. presidente, eu não posso esquecer o lado politico d'esta questão! Depois de ter ouvido declarar ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que o governo se compromettera com o Santo Padre a não fazer mais pedidos após as concessões, obtidas já depois da ratificação da concordata, eu penso que seria menos delicado apresentar novas exigencias de resto eu creio que, caso o Santo Padre julgue que o pedido d'essas christandades é justo, attendel-as-ha independentemente da interferencia do governo portuguez.

De mais eu desejaria saber, para julgar n'esta questão, se o pedido é directamente feito pelas christandades, que preferem ouvir a palavra de Deus dos labios do padre goano em recordação pelo nosso nome, ou se tal pedido vem indirectamente dos padres goanos, por lhes convir terem campo mais vasto para as suas explorações.

Aprecia v. exa. bem claramente, sr. presidente, que o nosso juizo e proceder devem ser differentes em cada uma das duas hypotheses.

O sr. Conde de Alte:- V. exa. dá-me licença?

O Orador: - Com muito prazer.

O sr. Conde de Alte: - Affirmo a v. exa. que o pedido vem directamente dos povos de Ceylão.

O Orador: - Agradeço a v. exa. a explicação que me dá e que eu acceito, apesar de saber qual e o processo por que muitas vezes se obtem dos povos essas petições.

Mas ainda n'essa hypothese não devemos esquecer-nos de que os povos que nos dirigem esse pedido se compõem de subditos de Sua Magestade Britannica, e que por isso deve haver toda a circumspecção em nos intromettermos a apasiguar as suas contendas religiosas, dando-se a circumstancia particular de, porventura, andarem envolvidos n'essa lucta padres do territorio portuguez.

O que se me afigura mais conveniente é que esse pedido para Sua Santidade vá por Londres. Consiga Sua Magestade Britannica que o Santo Padre faça a vontade aos povos de Ceylão, e depois Sua Magestade El-Rei de Portugal responderá que sim, que recebe no padroado os subditos inglezes. D'outra fórma não. Peço á camara que me dispense de alongar-me n'esta analyse. Rejeito, pois, a moção do sr. Miguel Osorio.

Passo a examinar a moção do digno par o sr. Thomás Ribeiro.

S. exa. apresentou uma moção verdadeiramente politica, apesar do digno par ter affirmado o contrario quando a leu á camara.

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(Interrupção do sr. Thomás Ribeiro que não se ouviu.)

A declararão do digno par o sr. Bocage comprehendia-se perfeitamente.

O sr. Bocage manifestou o seu desagrado por o governo não sujeitar á discussão e votação das côrtes a questão da concordata, mas, note-se bem, apesar d'isso, não incluiu esta censura na moção que apresentou, isto em harmonia com a declaração que havia feito de que não faria questão politica n'este assumpto.

Levanta-se em seguida o digno par o sr. Thomás Ribeiro, e declara que vae ler uma moção que não tem caracter politico e, todavia, vê-se pelo pensamento que exprime que a moção é essencialmente politica.

S. exa. deseja que o governo sujeite a ratificação da concordata á sancção do parlamento.

"A concordata não está ratificada: venha ao parlamento, diz s. exa. e acrescenta "abstenho-me agora de discutir a concordata por isso que a não conheço officialmente. Quando, aqui vier então a discutirei".

Quer s. exa. chamar o governo á ordem, ao cumprimento de um dever constitucional?

Eu peço licença ao digno par para dizer-lhe que a primeira duvida que eu tenho em acceitar á sua moção provem de que ella só podia ter resultados desastrosos.

Não tem effeitos politicos viaveis.

Com effeito, supponhamos que a camara adopta, a moção do digno par. Qual, é o resultado? Segundo o, que disse o sr. ministro dos negocios, estrangeiros, o governo retira-se d'aquellas cadeiras.

D'onde ha de sair, um gabinete que, acceite, a, consequencia inevitavel, logica de tal votação?

A opposição regeneradora, templo, declarado que não faria, questão politica n'este debate, e procedido em harmonia exacta com declaração, sendo chamada a constituir governo, não póde acceitar a consequencia, logica de similhante votação, qual é não reconhecer a legalidade da assignatura do governo actual, no acto diplomatico celebrado com a Santa Sé.

O sr. Thomás Ribeiro:- Póde sair, novo, ministerio, da actual maioria.

O Orador: - A maioria não, podia nem devia, tomar, sobre si a formação, de um ministerio com tal compromisso, e sobretudo caíndo o governo pela votação de uma moção apresentada por um membro notavel, da opposição.

A opposição, pois, seria investida no poder.

Se o sr. Thomás Ribeiro constituisse, gabinete, estou, convencido que não, encontraria individuos que com s. exa. quizessem tomar a resolução, de rasgar a assignatura de um governo do seu paiz.

Portanto o que, eu não comprehendo é que Atenha, effeitos politicos viajeis a moção do digno par.

Comprehendia, sim, que s. exa. apresentasse uma moção de censura ao governo.

Naquella, porém involve-se a idéa de que a camara não acceita a ratificação que está feita peio caminho legal.

S. exa., diz que não é legal, mas, para o dizer, colloca-se em todas estas difficuldades que apontei.

Isto para exprimiria minha opinião a respeito dos resultados immediatos da approvação da moção. De resto, para combatel-a, escuso de cansar a camara, acosto-me ao que disse é sr. ministro dos negocios, estrangeiros.

O governo reputa a, concordata que está em discussão um acto addicional á concordata de 1857.

É uma opinião por que elle póde ser censurado; uma censura, porém, que suppõe a não existencia de um facto que já existe, porque a verdade é que a concordata1 está ratificada, não só collocava em embaraços o governo, mas qualquer situação que lhe succedesse.

Imagine s. exa. a hypothese de que o governo cae em virtude d'esta moção.

O gabinete que se organisar para o substituir, tem obrigação de dizer que não está ratificada a concordata.

Admitte s. exa. que os seus collegas na opposição, se tomassem conta da administração dos negocios publicos, iam negar a assignatura do governo do seu paiz?

Ninguem é póde fazer, (Apoiados.) salvo um governo constituido pelo sr. Thomás Ribeiro.

(Aparte.)

O digno par, fazendo cair o ministerio com uma moção d'esta ordem, ha de infallivelmente dizer, quando governo, que não está ratificada a concordata.

Póde ser a moção de s. exa. muitissimo habil, o que asseguro é que da sua approvação resultam inconvenientes.

Ha no mesmo sentido uma moção do digno par o exmo arcebispo resignatario de Braga. A esta moção quereria, eu applicar mais ou menos o que acabo de dizer; mas o meu respeito pela idade, pela pessoa, pela qualidade, pelas crenças vivissimas de fé religiosa epatriotismo de s. exa., constitue-me no dever de lhe rogar que me dispense de discutir a sua moção.

O sr. Arcebispo de, Baga, (resignatario):- Falle, falle.

O Orador: - Muito bem, então applico á moção do digno par o que, venho de dizer a proposito da do sr,. Thomás Ribeiro, com, uma pequena differença.

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario.)- Póde fallar, póde fallar desafogadamente.

O Orador,: - Entre a moção do digno par e a do sr. Thomás Ribeiro, ha, uma differença importante, differença pessoal.

Adoptando a camara, a moção do sr:. Thomás Ribeiro, seguia-se a quéda, do governo, e a logica, pedia, a elevação, do digno par á presidencia de um gabinete compromettido a dar por nulla, a, assignatura do governo.

Adoptando-se, pois, a moção do digno, par o venerando arcebispo resignatario de Braga, a logica, pedia o mesmo, e s. exa. ficaria, á testa de uma situação com o mesmo compromisso.

Mas como acceitar similhante solução, se s. exa. declarou solemnemente por occasião do seu primeiro discurso, que não era politico e, que entendia que nenhum padre o devia ser, especialmente um bispo e um parodio?

Portanto os effeitos, politicos da approvação da moção do. sr. arcebispo, seriam ainda mais, desastrosos.

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario):- Ensinaram-me nas aulas da universidade, onde nós ambos estudámos, este principio: Fiat justitia, pereat ne pereat mundus.

O Orador:- V. exa. póde dizer isso; mas o paiz é que o não acceita. O paiz é que nos poderia tomar contas pelo pereat ne pereat mundus.

O paiz quer ordem, quer governo; não podemos esquecer-nos, aqui dos seus interesses.

Ha de, pois, votar-se uma moção que vá crear uma situação, anormal, não só a este, como a qualquer outro governo?

Não póde ser.

Na minha opinião, moções d'esta ordem, essencialmente politicas, e impondo uma determinação desairosa para o paiz, não podem nem devem ser apresentadas, quanto mais votadas!

O sr. Thomás Ribeiro: - Porque não applica a mesma critica á moção do sr. Miguel Osorio de Castro?

O Orador: - Por duas raspescada uma das quaes bastava para me dispensar d'isso.

Em primeiro logar o sr. Miguel Osorio de Castro não apresentou moção alguma. Fez apenas um pedido particular ao governo.

Em segundo logar o digno par não ignora que esse pedido foi posteriormente retirado.

Mas se o sr. Miguel Osorio de Castro apresentasse qual-

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quer moção analoga á do digno par, creia s. exa. que a analysaria do mesmo modo.

Segue-se á moção, do, rev.do arcebispo resignatario de Braga, à do sr. Bocage e a respeito della, eu digo francamente que, se não fosse o meu radicalismo politico aprovaria a moção do digno par.

Parece-me innocente.

Mas como eu disse que aprovava o projecto da resposta o discurso da corôa tal como está redigido, rejeito-a por coherencia.

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario): -- V . exa. diz que approva desde a primeira até á ultima letra esse documento?

Mas repare na sua composição grammatical.
N'elle se diz a, camara folgara, o que faz prever uma apreciação futura.

O Orador: - Será essa a interpretação que v. exa. dá a essa phrase; julgo comtudo não ser a que estava no, intuito da commissão.

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario):- Demais a moção do sr. Bocage é o complemento da minha.

O Orador: - Se s. exa. pretende com isso indicar que a moção do sr. Bocage pede a discussão da concordata, pelo friamente, eu contesto tal interpretação.

A moção do sr. Bocage diz que a camara folgará de reconhecer que este documento diplomatico mantem o padroado portugues, em harmonia com as tradições gloriosas da nossa historia, e a moção do sr. arcebispo pede que á concordata seja apresentada ás côrtes para ser discutida.

O digno par o sr. Bocage foi correctissimo e claro na sua exposição.

Declarou que não fazia questão politica n'este assumpto, e, por isso, apesar de dizer que sentia que a ratificação da concordata não fosse sujeita ao parlamento, não incluiu esta censura na sua moção, isto ao contrario do que fez o digno par o sr. Arcebispo Resignatario de Braga.

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario): - Não posso affirmar nem approvar o que não vi.

O Orador:- De accordo, mas o que s. exa. tambem não póde é dar á moção do sr. Bocage uma interpretação que ella não tem.

Temos ainda à moção do digno par o sr. Fernando Palha. Esta moção tem duas partes. S. exa. exprime por um lado o desejo de acabar totalmente com o nosso padroado, e satisfaz-se, veiado que já alienámos uma parte d'elle.

Já hontem fiz ver de um modo claro que rejeito esta moção.

Porquanto affirmei que o padroado era o resultado de um certo numero de condições entre as quaes se encontrava a acção do governo1.

Eu podia escusar-me de entrar na apreciação dá segunda parte da moção do digno par em que s. exa. apresenta a idéa da conveniencia e necessidade da separação da igreja do estado.

O sr. Fernando Palha: - Esse pensamento não está na moção.

O Orador: - Peço desculpa, suppunha que estava. No entretanto s. exa. apresentou e defendeu essa idéa. Julgo inopportuno discutil-a. Limito-me a comprimentar com muito respeito o digno par pelas suas idéas liberaes, e a affirmar-lhe que, ouvindo-o discorrer, com tanta distincção é enthusiasmo, nessa orientação liberal, parecendo que empunhava o trophéu do radicalismo, senti-me penetrado de uma emoção suave e agradabilissima. Digne-se acceitar os meus comprimentos.

Sr. presidente. Devia ficar por aqui, mas á discussão de hontem obriga-me a dizer mais algumas palavras.

Eu sinto muito que n'esta questão da concordata se introduzissem questões incidentes delicadas.

Não me parece que venha muito a proposito nem mesmo julgo conveniente tratar-se por esta occasião de questões irritantes, graves e melindrosas. Uma d'ellas é a admissão das ordens religiosas nos nossas colonias.

Os dignos pares os srs. Miguel Osorio, Ornellas e marquez de Rio Maior defenderam essa idéa.

Este facto liga-se com a circumstancia de apparecer na camara dos senhores deputados uma proposta para o estabelecimento das ordens religiosas nas nossas colonias.

Pôr isso, esperar da repugnancia que sinto em entrar n'um debate tão melindroso, julgo do meu dever, como representante da nação não deixar sem protesto e sem analyse as affirmações categoricas, dos dignos pares. N'isto vou com o que me diz a consciencia, è creio que interpreto sinceramente o sentimento da parte mais illustrada do paiz.

Devem ou não devem admittir-se as ordens religiosas nas nossas colonias?

Sr. presidente eu começo por declarar que as ordens religiosas não se comprehendem nas sociedades modernas.

O homem foi creado para a natureza e mal se comprehende que o amputem, privando-o da sua qualidade mais nobre-a de propagar se no tempo pela fecundação, e destinando o á clausura, á vida mystica e contemplativa elle o conquistador da natureza, elle a parte mais maravilhosa do grande todo que, se chama o mundo!

Sr. presidente, à vida do claustro repugna á minha rasão, clausurar o homem é deshumanisal-o debaixo de todos os pontos de vista. E depois póde crer-se que a vida do frade seja melhor acceita aos olhos de Deus, quaesquer que sejam os attributos da divindade, do que a vida do homem, que vive com a natureza, que constitue familia, que educa seus filhos, o que exerce no meio social todas as virtudes de um cidadão prestante?

Eu não o penso, sr. presidente, e creio firmemente que estou na verdade.

Eu não comprehendo que se pegue em cem homens e se mettam n'uma casa e que se faça o mesmo a cem mulheres, destinando uns e outros para a vida celibataria e contemplativa.

Este não e o estado social. Sabe v. exa., sr. presidente, o que me appetecia em tal caso?

Era casar os cem homens com as cem mulheres. (Riso.)

Desculpe a camara. Eu trato estas questões muito a serio.

As cem familias constituidas poderiam dar, ao menos, uma media de trinta filhos por anno, e n'um periodo curto estaria fecundada com sangue a colonia em que um espirito rotineiro levantasse os dois conventos.

O homem é a primeira machina de producção. Não ha hoje homem publico, verdadeiramente digno d'esse nome, que não veja na elevação da natalidade, no augmento do numero de familias regularmente constituidas, as primeiras bases para a felicidade e valor de um povo. A que vem, pois, a amputação do homem, pela clausura, a deshumanisação da especie, como medida salvadora, como remedio efficaz para o progredimento da patria? Tristissima idéa!

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario): - Mas então v. exa. é tambem contra o clero, contra o celibato. §r. presidente, peço ordem.

O Orador:- Eu creio que estou na ordem, sr. presidente no entretanto submetto-me incondicionalmente ás indicações de v. exa. Fallou-se, e largamente em favor do restabelecimento das ordens religiosas, não me será licito a mim fallar em sentido, contrario? V. exa. é dirá.

Sr. presidente, eu insisto em que mal comprehendo que hoje se venha ao parlamento defender a clausura como meio civilisador de um povo. E affirmo que o homem trabalhando, prestando serviços á sociedade, póde tornar-se dignissimo perante Deus. Portanto reprovo é principio da introducção das ordens religiosas.

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario):- Tem-n'as à Hespanha e muitas outras nações.

O Orador:- A Hespanha, coitada! A nossa irmã! E o que seria a Hespanha se não fossem os frades?

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Eu não ignoro que ha ordens religiosas em outras nações, e até em nações poderosas e mais civilisadas do que a nossa. Mas, sr. presidente, uma questão é tel-as e resolver o problema da sua abolição, - outra é não as ter e resolver admittil-as! Isto é mais grave. Póde não ser prudente abolil-as, é um crime admittil-as.

Póde ser que as ordens religiosas sejam uteis para os interesses da religião e que estejam em harmonia com as doutrinas dos livros sagrados, ao menos comprehendendo-as de um certo modo.

Mas o que eu affirmo é que não estão em harmonia com a noção naturalistica do homem, com o seu viver na sociedades modernas.

Não póde apreciar isto p que se sente dominado pelo mysticismo. Mas eu, sr. presidente, que folhei os livros sagrados com as mesmas mãos com que revolvi as visceras de muitos cadaveres, com que tacteei as entranhas quentes das victimas das vivisecçoões - puz-me um pouco mais em contacto com a natureza, alarguei mais a minha consciencia do que os piedosos espiritos que defendem a clausura como uma medida civilisadora.

Elles são sinceros, eu affirmo que tambem o sou. No conflicto de opiniões vê-se o conflicto de duas culturas.

Sr. presidente, se agora me restringo ao problema da colonisação pelos frades, sobe de ponto a minha repugnancia por tal idéa.

As colonias fazem-se, civilisam-se pela educação do indigena.

Comprehende-se que ao homem no estado natural, vivendo nos sertões, em convivio, franco com a natureza, se apresente, como educador, como typo do homem civilisado, como modelo de cultura humana, o frade ou freira - ainda que sob o aspecto mais santo, que uma consciencia sinceramente religiosa póde dar? Eu não o penso, sr. presidente.

Depois deve ponderar-se que a educação do indigena pelas ordens religiosas está sujeita a um grande perigo.

O frade, e sobretudo o jesuita, que ao que parece domina hoje por toda a parte, não tem patria, não tem familia.

A sua educação desnacionalisa os povos com a mesma tenacidade com que dilue e desfaz as santas relações da familia-e tudo em beneficio da ordem.

E, se é assim, será politico, será patriotico, será sabio entregar a educação dos, povos virgens, de que nós podemos fazer irmãos, aos irmãos terriveis d'essas sociedades que se chamam ordens religiosas? Eu reputo um crime nacional a adopção de tal medida.

E, depois, sr. presidente, não haverá meios efficazes, naturaes, harmonicos com a natureza humana, de educar esses povos, na infancia da civilisação que um determinismo, historico collocou sob nossa tutela?, Será mister recorrer aos frades?, Eu penso que ha meios mais simples e salutares.

Comprehendo que se possa promover a cultura do indigena por meio de missões profissionaes, completamente seculares e missões em que póde entrar o padre como mestre, mas na qual os misteres da vida, a cultura da terra, as artes os officios, etc., tenham o principal papel.

Comprehende-se a vantagem que haveria em associar o elemento militar ao profissional a fim de preparar o indigena para poder desempenhar as duas principaes funcções de um, bom cidadão, produzir pelo trabalho o que dispende com a sua subsistencia, e defender o meio social em que, se torna possivel e agradavel a sua existencia.

Não vejo a necessidade logica do frade para tudo isto, o que eu vejo é o perigo de confiar a, um fanatico um problema tão delicado como a educação da infancia de um paiz virgem. Receio que o metta na manga.

No processo secular de educação que defendo, aprecia v. exa., sr. presidente, e aprecia a camara, a vantagem de se offerecer ao espirito embryonario do indigena, um modelo de cultura humana simples, accessivel e natural no mestre que lhe ensina a cultivar a terra, a fabricar instrumentos, e praticar os officios necessarios ao conforto e necessidades da vida. Isto é, com effeito, simples, accessivel e agradavel. Agora o habito negro ou branco e as complicações da vida monastica podem confundir, estontear o indigena, e, esse effeito, esse traumatismo moral póde servir para penetrar nas suas tendas, inventariar as suas casas e dominar, assim pela commoção do espanto mas não é processo humano de civilisar.

Agora duas palavras a proposito da educação religiosa.

O sr. Presidente: - Lembro ao digno par que, apesar da importancia d'essa questão, se vae desviando, do assumpto.

O Orador: - Visto que v. exa. o deseja abandono, este assumpto, que não foi trazido ao debate por mim, e passo a outro paragrapho da resposta ao discurso da corôa.

Sr. presidente,, eu tencionava pedir a palavra na discussão da resposta ao discurso da corôa para louvar o governo pela promessa que fez na falla do throno de submetter ao poder legislativo propostas de lei sobre instrucção superior e beneficencia publica. Queria louval-o por isso e fazer-lhe um pedido.

Sr. presidente, sabe v. exa. e sabe a camara que as condições de prospera existencia de um povo dependem em muito de duas cousas, o solo e a raça. Deixemos o solo, e occupemo-nos da raça.

O homem publico, que, se interessa verdadeiramente pelo bem estar e desenvolvimento do seu paiz, ha de forçosamente cuidar de conservar por todos os meios o vigor do povo, de educar-lhe as aptidões para que cada homem produza, ao menos, o que consome, e, emfim, de minorar-lhe os soffrimentos e recuperar-lhe as forças perdidas no labor de todos, os dias. E, assim, á parte valida da nação deverá proporcionar, uma educação adequada, á invalida destinar-lhe-ha estabelecimentos, onde se curem enfermidades se reparem forças perdidas, ou se de agasalho para o resto da vida - e tudo isto não só como util e consolador para quem o receba, mas tambem como altamente conveniente ao estado social.

A educação adequada das energias de um povo faz-se pela instrucção, tomada na sua mais larga accepção o amparo aos invalidos consegue-se por um conjuncto de meios que constituem a beneficencia publica.

Isto mostra o elevado alcance do pensamento do governo, e em especial do nobre presidente do conselho, de desejar apresentar, ás camaras legislativas projectos de lei que modifiquem favoravelmente a instrucção superior e a beneficencia publica.

Sr. presidente, são tão importantes estes assumptos, que o não ousarei embrenhar-me na analyse e desenvolvimento d'elles neste momento. Espero que terei opportunidade de tratal-os serena e desenvolvidamente, quando chegarem a esta camara as propostas annunciadas na falla do throno. Por isso limito-me a louvar o governo pela sua orientação governativa, bem accentuada nas suas promessaa, a declarar que confio plenamente em que o governo não esquecerá assumptos tão importantes, e emfim a fazer um pedido, para o qual eu ouso chamar a attenção do illustre presidente do conselho.

Sr. presidente, na classe tão numerosa dos inválidos que devem recolher-se e tratar-se nos estabelecimentos de beneficencia publica, os alienados são, incontestavelmente, os mais miseraveis, eu não descrevo á camara a situação social d'estas tristes creaturas entre nós, servindo-me dos elementos que a minha observação tem colhido. Não o julgo ainda opportuno, e mesmo não o poderia fazer, sem me perturbar, prejudicando com isso a exposição rapida, e clara do meu pensamento. Basta por hoje que eu diga com a mão na consciencia que alienado quer dizer - uma syntese grande de soffrimentos dolorosissimos.

0 que ha no nosso paiz para elles? Deve pedir-se ao

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governo, n'este momento - agora que elle pensa em trazer ás camaras propostas de beneficencia publica, que não se esqueça dos alienados, e affirmar-lhe que estes desgraçados vivem entre nós miseravelmente?

Deve, pedir-se-lhe, sim, e instantemente, e diariamente, e cada vez com mais ardor, que ponha ponto na incuria governativa a respeito de uma questão social tão importante quanto desprezada entre nós. Eis o meu pedido. Agora as rasões principaes e summarias que o justificam.

Sr. presidente, o censo de, 1878 registou a existencia n'essa data de 9:106 alienados no continente do reino e ilhas, adjacentes.

E note v. exa. que está averiguado que os agentes do governo encarregados do censo não contaram os alienados que então havia em Rilhafolles, em numero não inferior a 500, podendo, por isso affirmar-se que n'aquella data havia, pelo menos em Portugal, 9:606 alienados. É de todo o ponto provavel que hoje haja, pelo menos, o mesmo numero d'esses enfermos. Onde estão?

Em todos os paizes cultos adopta-se como medida salutar para os alienado e para a sociedade, a sequestração do maior numero, e vê-se na maior hospitalisação de taes enfermos um modo de avaliar a civilisação de um povo. 0ra nós, nos dois hospitaes que possuimos, e um aberto ha pouco mais de quatro annos, não podemos recolher mais de 850 doentes, mesmo continuando com a accumulação absurda do hospital de Lisboa; quer dizer não podemos na actualidade hospitalisar a nona parte dos nossos alienados! Onde estão os outros, não ha providencias legaes para dar-lhes o destino conveniente? Ha com effeito providencias legaes para dar-lhe destino, mas são letra morta.

Sr. presidente, vou chamar a attenção do nobre ministro do reino para o que vou ler; No artigo, 241.º do novo codigo administrativo, a proposito das obrigações do administrador do concelho, lê-se, sob o n.° 13.°, o seguinte:

"As providencias para impedir a divagação das pessoas alienadas, devendo fazel-as recolher em algum estabelecimento apropriado ou entregal-as a quem, segundo a lei, pertença tomar conta d'elles."

Folgo de ver presente o sr. Ministro da justiça para fazer ver a s. exa. a impossibilidade da execução de uma outra providencia legal a respeito de alienados consignada no artigo 47.° do codigo penal.

Trata-se dos loucos criminosos. Diz assim:

"Os loucos, que, praticando o facto, forem isentos da responsabilidade criminal, serão entregues ás suas familias para os guardarem, ou recolhidos em hospital de alienados, se a mania for criminosa, ou se o seu estado o exigir para maior segurança."

- Sr. Presidente eu peço a v. exa. e á camara, e em especial aos nobres ministros do reino e da justiça que ponderem agora se é possivel dar execução a taes providencias, tendo nós 9:606 alienados e não tendo asylos para recolher a nona parte d'este numero.

Como procede o administrador do concelho, então, para dar cumprimento ao mencionado artigo do codigo administrativo, quando encontra algum alienado perturbando a ordem publica? Prende-o e pergunta aos directores dos hospitaes se póde envial-o para o respectivo asylo. A resposta é quasi sempre negativa. O que lhe faz, pois?

Ha dois processos em uso. Um consiste em recolhel-o na cadeia! As vezes ahi fica o doente por tempos esquecidos.

Conheço um alienado que esteve onze annos numa cadeia á ordem da auctoridade administrativa da localidade. Conheço um outro que esteve um anno amarrado a um pinheiro por meio de correntes de ferro-correntes de ferro, sr. presidente, depois de Pinel! - á ordem do regedor da parochia!

O outro processo consiste em mandar acompanhar os alienados a Lisboa ou ao Porto e recommendar que os abandonem, nas ruas, com o fim de passar o problema para as mãos da policia local!! Isto é authentico, sr. presidente, conheço auctoridades com quem se passaram factos d'esta ordem.

Pelo que diz respeito á providencia recommendada no codigo penal, a praxe é a seguinte: a auctoridade judicial, que tem de dar destino ao louco indignado como criminoso, remette-o á auctoridade administrativa, lavando por isso ás mãos, e esta procede pelos modos já referidos.

Ás vezes a auctoridade administrativa responde á auctoridade judicial que não póde tomar conta do louco porque, não ha logar para elle nos hospitaes; em tal caso, como o louco entrou já na cadeia como criminoso, lá fica esperando providencias de um juiz que as não sabe ou não quer dar. Passou-se commigo um caso d'estes. O anno passado officiou-me o governador civil do Porto, perguntando-me se havia, logar no hospital do conde de Ferreira para um alienado- criminoso que Bestava na cadeia da relação. Respondi-lhe que não e que tarde o haveria, porque havia muitos requerimentos anteriores pedindo-as vagaturas. Em consequencia d'isto o pobre alienado ficou na cadeia seis mezes, findos os quaes aquelle magistrado me ordenou a admissão com preferencia a outros, porquanto o doente estava em perigo de vida!

Sr. presidente paro aqui, não julgo opportuna a occasião para desenvolver mais, esta historia lugubre. Quero só accentuar bem este facto importantissimo-ha muitos alienados e poucos hospitaes para recolhel-os e tratal-os. Como consequencia d'isso vivem muitos como parias, em vagabundagem perigosa pelas povoações, e os que mettem medo prendem-se nas cadeias. Affirmo ao sr. ministro da justiça que não ha districto, em cujas cadeias se não encontrem presentemente alienados.

E, depois, sr. presidente, se olharmos para fóra do paiz, sobe de ponto a admiração pela nossa incuria. A Inglaterra, que tem approximadamente 90:000 alienados, hospitalisa mais de 80:000, isto é, tem fóra dos hospitaes menos da nona parte, e nós não chegámos a hospitalisar uma nona parte.

E, n'este, abandono, n'esta incuria, sr. presidente, não ha só uma deshumanidade revoltante, ha um erro economico que eu tenho a peito apontar aos homens publicos do meu paiz. A disseminação pelo paiz de mais de 8:000 alienados, incluindo os que vivem no seio das familias, constitue um erro grave, um prejuizo constante para o trabalho nacional, e uma causa de depreciação da raça.

O alienado é, em regra, anti-social; perturba a vida util do paiz, impede o trabalho e é causa de perturbação e de perigos, só evitaveis pela sequestração.

Depois, vivendo em liberdade, propaga-se, e, por esse facto a alienação mental aggrava-se e perpetua-se.

É necessario que uma familia de alienados chegue ás fórmas graves, em que a esterilidade põe termo á propagação, para desapparecerem os inconvenientes da sua existencia no meio social.

Não pedirá isto remedio prompto para o bem de todos? Pois se ha pouco o estado despendeu milhares de contos só com o medo da cholera, não será justificada a despeza com a alienação mental, que é doença infinitamente mais grave? Deixem antes vir a cholera, que nós os medicos não a tememos, tanto como a alienação mental. Ao menos a cholera tem isto de bom, ataca o individuo e poupa a raça; perturba no momento, mas não deixa a nodoa indelevel da loucura.

Aqui tem a camara os motivos por que eu peço mui instantemente ao nobre presidente do conselho, que não deixe de incluir nas medidas de beneficencia publica algumas que melhorem as condições dos alienados, e que s. exa. me consinta que lhe diga que a primeira providencia indispensavel é a creação de hospitaes de alienados.

E visto que está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, ouso fazer-lhe tambem um pedido. É feito em nome de seu pae! Digne-se s. exa. associar-se aos seus collegas no gabinete para resolver esta questão momentosa.

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Sr. presidente, um medico distincto e notavel, que deu aquelle filho, (apontando para o sr. Barros Gomes), o sr. dr. Bernardino Antonio Gomes, escrevia em 1842, n'este livro, o seguinte: "De estabelecimentos para alienados temos tudo por fazer em Portugal. Os mais infelizes destes doentes, e cuja presença pelas das ou no interior das familias mais incommoda, são por isso recolhidos, não em asylos proprios, que os não ha, mas nos hospitaes geraes das primeiras cidades do reino onde se lhe destina um local que pela sua situação, extensão, distribuição e outros arranjos internos, mais vezes parece abrigo para feras, ou um despejo para residuos inuteis, que se querem condemnar á sequestração, que habitação para doentes, onde deviam encontrar o indispensavel á sua existencia, não digo já ao seu tratamento." Isto, sr. presidente, é applicavel hoje.

Quem quizer ver o tal abrigo para feras ou despejo para residuos inuteis olhe e analyse o que ha no paiz.

Subscrevo, por isso, com muita magua, n'esta data, o que o distincto medico dizia ha trinta annos, e peço providencias ao governo e ao parlamento do meu paiz para fazer desaparecer esta vergonha nacional.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares é entre elles pelo sr. arcebispo resignatario de Braga.)

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, requeiro que V. exa. tenha a bondade de mandar ler a lista da inscripção.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Pereira Dias: - Agora peço ainda a v. exa. mais o incommodo de me informar de quando começou esta discussão.

O sr. Presidente: - Começou na quarta feira da semana passada.

O sr. Pereira Dias: - Estou satisfeito. Então peço a v. exa. que me faça o favor de inscrever-me tambem sobre a ordem, e sobre a materia.

O sr. Presidente: - Eu peço aos dignos pares que sé acham inscriptos, que considerem que, se os discursos confirmarem com a mesma extensão que têem tido até aqui, estando inscriptos tantos oradores, faltará o tempo á camara para se occupar de outros assumptos muito importantes, que estão para ser submettidos á sua deliberação.

O sr. Marquez de Rio Maior (relator): - Sr. presidente, eu não me faço cargo de responder a todas as reflexões, apresentadas pelos distinctos oradores, que têem tomado, ou tenham de tomar parte nesta discussão seria quasi impossivel e alem d'isso não desejo contribuir para demorar mais tempo a attenção da camara.

Direi, pois, poucas palavras, e só as necessarias para justificar uma emenda ao § 5.° do projecto de resposta ao discurso da corôa, que, pôr parte da commissão, vou mandar para a mesa.

O projecto que está em discussão é uma homenagem á corôa, e por isso foi redigido com o pensamento de que podesse ser approvado por todas as parcialidades, que se acham representadas na, camara dos dignos pares.

Ha, porém, pelo que diz respeito á questão intenta, é pelo que se refere aos problemas de fazenda e administração, principies muito positivos e muito definido, nada incolores, que podem dar margem á discussão, e mesmo, porventura, a quaesquer propostas ou emendas.

Quanto a questão externa, e principalmente com relação á concordata, nós não podiamos dizer que folgavamos com o modo por que a questão tinha sido resolvida, pois que ainda hão conheciamos os documentos diplomaticos, embora tivéssemos toda a confiança no tino e patriotismo do nosso embaixador, o sr. Mártens Ferrão, e toda a fé na sua palavra honrada. Todavia, hoje que já foram publicados todos esses documentos, que sé referem á questão, é que por parte do governo foram dadas todas as explicações, seria menos exacto que se dissesse na resposta ao discurso da corôa que a camara havia de folgar, empregando o futuro, quando o presente é que tem de ser applicado, a camara reconhece, approva ás vantagens obtidas pela nova concordata. N'este sentido mando para a mesa esta emenda, assignada por mim e pelo sr. João de Andrade Corvo, com declarações.

Leu-se na mesa a emenda apresentada pelo digno par o sr. marquez de Rio Maior relator do projecto de resposta ao discurso da corôa, ao § 5.° do mesmo projecto, e é do teor seguinte:

"E a camara, considerando os documentos diplomaticos e as declarações do ministerio, approva o convenio ultimamente celebrado entre o governo de Vossa Magestade e o Summo Pontifice. = O par do reino, Marquez de Rio Maior - João de Andrade Corvo (com declarações.)"

Foi admittida á discussão.

O sr. Carlos Bento: - Por motivos de saude não tenho podido nem poderei ainda desempenhar às minhas funcções parlamentares como desejava e como devia.

Agora vou mandar para a mesa à seguinte moção.

(Leu)

Sr. presidente, no discurso da corôa diz-se, é com muita rasão, que a reforma da lei do recrutamento é a base mordial parada constituição da força publica.

Eu entendo tambem que uma boa lei de recrutamento se póde considerar como a base fundamental da força publica.

Sendo isto assim, é claro que o adiamento de qualquer proposta n'este sentido por parte do governo significa que algumas difficuldades se apresentaram para elle poder resolver uma questão tão importante.

Eu, sr. presidente, sou o primeiro á declarar que o governo póde muito bem dizer que as circumstancias particulares derivadas da lei de 1884, a qual augmentou a despeza do ministerio da guerra em mais de 300:000$000 réis, creando-se para fazer face a essa despeza a receita proveniente das remissões, que são um obstaculo para que possamos adoptar uma lei de recrutamento analoga aquella que vae sendo lei gerai em todas as nações.

A lei do recrutamento, tendo por base o serviço obrigatorio, está sendo adoptada por todas as nações que não tinham reconhecido até hoje este principio.

Na Hespanha, que era uma das poucas nações em que este principio não tinha sido adoptado, apresentou-se já uma proposta n'este sentido, e apresentou-se quando as circumstancias do paiz pareciam tornar ainda difficil a adopção d'aquella medida.

Sou o primeiro a declarar que reconheço as difficuldades em que o governo se encontra para resolver esta questão, porque desde o momento que foi augmentada a despeza em 300:000$000 réis pela lei de 1884, teve de se crear uma receita para fazer face a essaJ despeza, è essa receita é a que provem das remissões inconciliaveis com o serviço obrigatorio.

Sr. presidente, eu entendo tambem que à questão financeira não. deve ser indifferente para nenhum paiz.

Isto é convicção minha, que póde talvez considerar-se como uma preoccupação chronica senil, mas tenho tanta mais vontade de fallar sobre este ponto1, quando é certo que o projecto de resposta ao discurso da corôa se pronuncia de uma maneira clara e positiva sobre à necessidade do equilibrio orçamental.

Isto é honrosa para a commissão de resposta do discurso da corôa, assim como para à camara onde esta proposição se apresenta.

Já tambem em tempo o sr. Mártens Ferrão, sendo relator do projecto de resposta ao discurso da corôa, se bem me recordo, fazia ver quanto era necessario dar toda a importancia á solução da questão de fazenda.

Sr. presidente, se não houvesse em mim à boa vontade de não aggredir qua1quer dós srs. ministros a ausencia do ministro respectivo é mais uma recommendação para seguir ás regras de civilidade e boa harmonia que devem existir entre os differentes individuos que fazem parte da vida

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politica do paiz. Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda é o primeiro interessado em que se não considere como indifferente esta questão.

Como é que o sr. ministro da fazenda ha de regular o nosso systema financeiro se nós tratarmos de adiar indefinidamente a solução desta questão? E, sr. presidente, poder-se-ha dizer que ás nossas circumstancias actualmente são, favoraveis, por isso que nós temos, conseguido algumas vantagens, que o preço dos nossos fundos tem melhorado consideravelmente, mas na minha opinião estes factos longe, de serem motivo para adiar a solução desta questão de fazenda, é rasão aliás forte, para a resolver quanto antes e sem demora. Não, se póde negar que os rendimentos publicos têem augmentado, não só pela elasticidade do imposto, mas ainda porque se têem aggravado alguns artigos. Qual a consequencia d'este benevolo augmento de receita?

Qual é o deficit representado diante da manifestação d'este progresso de receita? Tem elle diminuido? Não. O deficit apresenta-se pelo contrario ainda mais aggravado!

O sr. Ministro da fazenda não tratou de occultar, e honra lhe seja feita, esta circumstancia.

Diz s. exa. no seu relatorio, que os encargos que tornaram os deficits mais consideraveis, seriam para nós uma lição para nos occuparmos seriamente d'esta questão, de fazenda.

Nós temos aprendido alguma cousa a este respeito, mas parece-me que o governo acha-se em grandes difficuldades para dominar as exigencias constantes do augmento da despeza e para poder crear novos impostos.

Tem-se muitos melhoramentos, mas uma das cousas que contraria os nossos desejos de grandeza é incontestavelmente o augmento consideravel da nossa divida.

Pois um paiz que gosa de absoluta tranquillidade publica, durante perto de quarenta annos, circumstancia esta altamente importante, não póde diminuir os seus encargos, resultantes do desequilibrio entre a receita e despeza? Dir-se-ha que isto é um defeito d'este governo e dos passados, mas á verdade é que é uma situação constante.

Eu entendo que quando se tratasse de algum melhoramento publico, as localidades que mais interesse tivessem na obra deviam concorrer com uma parte resultante do encargo, o que attenuaria a multiplicidade e insistencia das exigencias.

É este o systema adoptado pela Inglaterra e outras nações.

Em França, por exemplo, quando se trata de melhoramentos de portos, é que as camaras chamadas do commercio concorreram com um subsidio importante para o custeio d'esses melhoramentos. Isto será indifferente para as condições de uma nação como a nossa? Póde dizer-se que a França, apesar de seguir esse systema na construcção das suas obras, acha-se numa situação difficil. Acontece isso ha seis annos. Durante muito tempo o excesso da receita cobria o augmento da despeza.

Suppoz-se, porem, que a prosperidade continuava constantemente, e que a receita havia de apresentar um excesso sobre a despeza; e até se diminuiram os impostos sobre o assucar e sobre o vinho. E o que acontece? La está luctando ha seis annos com grandes difficuldades provenientes do deficit.

Tinha rasão o sr. Beaulieu, distincto publicista economico. Este economista não se illudia na occasião de haver a apparente prosperidade, protestava sempre contra a idéa de não se prevenirem contra as difficuldades que podiam suscitar-se de cessar o incremento da receita.

E entre nós não haverá motivo para não confiarmos que o augmento de receita será sempre consideravel e attingirá os limites necessarios para afugentar o deficit?

Este ponto é tão digno de consideração, que os estadistas, que eram considerados como possuindo grande força politica, e que se pozeram á testa de melhoramentos importantes neste paiz, não occultaram, façamos lhes justiça, a circumstancia importante de,- que era preciso crear receita para occorrer a esses melhoramentos.

O que aconteceu ha perto de vinte annos? O sr. Fontes, em 1868, teve de abandonar as cadeiras do governo, por haver pretendido crear, receita para, fazer, face aos encargos do thesouro.

Pois se o sr. Fontes, foi obrigado, a deixar, o poder em consequencia de querer que prevalecesse, a idéa sensatissima derrear receita para estabelecer o equilibrio orçamental, devemos acaso suppor que o governo, sem o auxilio (que lhe prestem n'esse sentido os corpos legislativos e a opinião publica, poderá realisar tão importante melhoramento?

Eu estou completamente de accordo com a conclusão do relatorio de um cavalheiro, que foi ministro da fazenda, o, sr. Hintze Ribeiro, quando entende que todos os partidos, sé devem reunir para o fim de resolverem o problema financeiro. Pois quando se tratou das reformas politicas não sé reuniram todos os partidos politicos, que estavam então n'uma consideravel distancia uns dos outros, para o effeito de se realisarem essas reformas? Pois seria menos necessario que os partidos se reunissem para que regularidade, da situação da fazenda publica fosse um facto consummado?

Houve na occasião a que me refiro, é certo, alguma divergencia em relação á reforma da constituição do estado, mas sobre a lei eleitoral, ponto politico, da maior importancia, estiveram todos de accordo, acceitando o governo as emendas apresentadas por porte da opposição. Isto prova que n'um assumpto de tal magnitude foi possivel conciliar as vontades, partidarias.

Será menos importante a permanencia do deficit?

O Economist, jornal inglez muito acreditado, chamar-lhe, deficit chronico; creio que é o nome mais benevolo que se póde dar.

Em 1882, o sr. Fontes pretendeu extinguil-o, e não recuou diante da necessidade de propor um conjuncto de medidas creando receita, mas não conseguiu, o seu empenho e teve que abandonar a pasta da fazenda.

A fallar a verdade, basta isto para provar que para resolver a questão financeira não basta a boa vontade, nem mesmo a importancia do individuo que desempenha as funcções de ministro da fazenda, se este não for effectivamente auxiliado pelos seus collegas, que todos são, que todos devem ser com elle ministros da fazenda.

Lembra-me que, ultimamente; em Hespanha a um militar muito notavel, o sr. Martinez Campos, sendo ministro da guerra, propozeram uns augmentos de despeza, dizendo, que eram para melhorar as condições do exercito.

Dizia Martinez Campos, que acabou com a guerra carlista em Hespanha com a insurreição em Cuba e que provocou a restauração da monarchia hespanhola: "Quando se, trata de augmentar a despeza, tambem me considero ministro da fazenda".

Ora o que eu desejava era que tambem todos os nossos ministros se considerassem tão ministros da fazenda como o proprio sr. ministro da fazenda, sem o que s. exa. não poderá realisar o seu intento.

Bem se. vê isto n'este jornal o economista, que diz dever-se ter confiança em s. exa. pela franqueza, com que expõe os algarismos, porque os algarismos fallam mais alto do que tudo n'estes ultimos annos o, deficit, e superior ao dos annos anteriores.

E note-se que se refere a estatistica ao anho economico de 1885-1886; mas nós já temos mais, temos o anno economico de 1886-1887 com maior deficit.

Quando um paiz, após quarenta annos de tranquillidade publica, não póde estabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza, não sei como a Italia, por exemplo, póde occupar-se d'esse grave problema logo depois da grande lucta politica que a sobresaltou.

E na verdade, quando a Italia viu terminado o periodo da, guerra, os individuos que n'ella tinham tomado parte

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364 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

activa diziam "É indispensavel regularisar quanto antes as finanças".

Tambem Bismark dizia: "O vosso primeiro inimigo é o deficit": E a Italia não foi surda aos conselhos. Pouco depois de uma grande guerra, pouco depois de constituida, póde prohibir o deficit.

Sr. presidente, parece-me que todos estamos de accordo n'estas ideas a mas o facto é que os nossos esforços não têem correspondido ás nossas intenções. Entendo que o governo póde muito bem adoptar o systema de resolver promptamente o grave problema da questão de fazenda de accordo com todos.

Lembro-me que o duque de Palmella em 1801 se poz á frente de uma commissão de fazenda, composta de homens muito importantes, que apresentou um dos mais bem elaborados planos de fazenda de que eu tenho conhecimento, e que o sr. duque d'Avila, que então estava no ministerio, como ministro da fazenda não se escandalisando que homens importantes fizessem tal plano, adoptou quasi na totalidade as suas disposições.

Ora eu acho que o sr. Presidente do conselho não póde deixar de estar de accordo com todos, e de empregar todos os esforços para obter o concurso dos homens mais importantes do paiz, para se resolver assumpto tão momentoso.

Melhoramentos dizia um proprietario da provincia um homem que tinha bastantes meios voto eu quantos queiram agora impostos é que nem um real!

Ora nós havemos de continuar n'um systema d'esta ordem?

Podemos, sujeitar-nos praticamente a tal systema? Não.

O que até agora tem acontecido entre nó é que as obras publicas têem custado duas e tres vezes mais que a somma1 em que estavam orçadas, e que, devendo ser um melhoramento, não o são muitas vezes, porque por si só não o constituem e precisam de outras obras que as completem.

O sr. ministro da fazenda faz a este respeito varias considerações no seu relatorio.

Por exemplo, o porto de Ponta Delgada tem custado muito mais do que estava calculado é depois de levado á effeito não pôde Concorrer para impedir que um dos principaes ramos da producção da ilha á laranja, não descesse na exportação a sommas importantes é o preço a menos de um terço do que era.

Entre nós tambem se diz por exemplo, a respeito, das obras que ultimamente se fizeram para facilitar as communicações entre as duas margens do Douro, que é necessario deitar abaixo a ponte que lá existe.

Ora, sr. presidente, é um facto curioso o dizer-se que, para facilitar a communicação entre as duas margens de um rio, se torna indispensavel deitar abaixo uma ponte que se construiu custa de muito dinheiro o que prova que não era, como se apregoou, um grande melhoramento a grande despeza feita com essa ponte.

Pergunto eu. Não se poderão empregar a respeito das obras que actualmente são emprehendidas algumas modificações no sentido de mostrar-se que a sciencia economica tem progredido?

Acredito muito rios melhoramentos materiaes mas não sei se me merecem menos consideração os melhoramentos economicos, e n'este ponto persuado-me que o sr. ministro do reino não póde deixar de estar de accordo com a minha opinião.

Existe um paiz, onde os melhoramentos materiaes são subordinados a uma grande sciencia economica. Na Inglaterra os caminhos de ferro não custam um real ao estado: O illustre estadista o sr. Gladstone dizia que os caminhos de ferro da Inglaterra n'um espaço de trinta annos, tinham concorrido para, o melhoramento das condições economicas com 30 por cento, e que da adopção de um certo numero de medidas financeiras resultara no mesmo espaço de tempo um lucro de 70 por cento.

Na Inglaterra os caminhos de ferro não custam um real ao estado, e em Portugal parece que póde dizer-se que a nossa rede ferroviaria tem custado alguma cousa.

Não quero dizer com isto que as companhia todas em todo o tempo se tenham locupletado não, senhores.

A camara deve lembrar-se perfeitamente, de que se disse quando aqui se tratou da construção do caminho de ferro da Beira Alta.

Disse-se que este caminho de ferro ia matar o Porto, e para evitar essa morte supposta gastaram-se sommas enormes em communicações para aquella cidade aliás mui digna de toda a consideração.

A final porém caminho de ferro da Beira Alta quem matou não foi ao Porto, foi á companhia financeira que o tinha feito.

0 Caminho lá continua á viver modestamente, e mais o governo deu-lhe de subvenção mais de metade do custo calculado.

Em Hespanha a lei não permitte conceder a caminhos de ferro1 subvenções por mais da quarta parte do orçamento do custo e lá pagam os mesmos 15 por cento de imposto ao governo emquanto entre nos só 5 por cento.
Em França este imposto chegará ser de 23 por cento.

Não ha nação que possa igualar-se a nós n'esta gene1rosidade1.

Sr. presidente, eu vou terminar as minhas reflexões como as principiei dizendo que é necessario considerar o que diz commissão de resposta ao discurso da corôa.

A commissão diz:

(Leu.)

Isto diz a commissão e creio que o ministerio está de accordo.

Diz mais a commissão:

(Leu.)

O que1 é necessario é que todos nós, governamentaes e opposionistas cheguemos á conclusão de que é preciso adoptar uma nova base para mudarmos de systema por, que o que actualmente existe não da os resultados que são para desejar.

Sir Robert Peel não podia fazer o que fez, se não tivesse fóra do parlamento associações e homens distinctos que o apoiassem.

A França no tempo do imperio, teve em vista tres cousas como disse mr. Rouher: melhoramentos materiaes, como1 caminhos de ferro, os mesmos melhoramentos em rios e canaes, mas sobre tudo o pensamento economico.

E qual foi a consequencia?

Foi o tratado que fez a Franca com a Inglaterra em 1860, de que tirara immensas vantagens, tanto assim que o vinho francez que até ali entrava no consumo de Inglaterra como 8 por cento, passou quasi immediatamente a entrar para o consumo como 30 por cento.

N'esse tratado figuraram dois homens importantes:. mr. Cobden por parte da Inglaterra, e mr. Miguel Chevallier por parte da França! Não eram homens politicos nem ex-ministros. Eram economistas.

Eu desejo que o governo esteja habilitado para reagir contra os seus inimigos. Mas o governo tambem tem de reagir contra os amigos. Parece-me que os amigos nem sempre são verdadeiros auxiliadores.

Eu não quero tomar roais tempo á camara e por isso mando a minha emenda para a mesa.

Tenho concluido.

(O orador foi cumprimentado por muitos dignos pares e Apelos srs. ministros que estavam presentes.)

Leu-se na mesa a seguinte

Emenda

Proponho que seja convidado é governo a responder a pergunta que tenho de dirigir-lhe, ácerca da reforma do recrutamento, indicada no discurso da corôa. Sala das sessões, 4 de abril de 1887. -- Carlos Bento.

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887 365

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão a emenda que acaba de ser mandada para a mesa, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Fernando Palha: - Sr. presidente, eu pedi unicamente a palavra para declarar a v. exa. e á camara que provavelmente não me é possivel assistir ás seguintes sessões.

É natural que algum dos oradores ainda inscriptos deseje referir-se ao que tive a honra de expor n'esta camara. E para que se não diga que eu fujo ao debate faço esta declaração.

É costume n'esta assembléa haver uma certa cautela em não se impugnarem as opiniões dos dignos pares ausentes, mas devo declarar a v. exa. e á camara que não me julgarei offendido se por acaso alguns dos meus illustres collegas, julgar conveniente impugnar as minhas opiniões.

O sr. Marquez de Rio Maior (relator): - Sr. presidente, a emenda que tive a honra de mandar para a mesa é muito modesta: trata apenas de uma questão de grammatica. Reparei com espanto que alguns collegas se admiravam da minha proposta, e lhe ligavam um sentido, que nunca ella teve. Não se tratar da approvação legal de um projecto de lei; esse não podia ser approvado n'esta camara, sem ter sido votado na outra; o caso é muito mais simples, quer-se apenas reconhecer as vantagens de um facto, hoje do dominio publico, e que está justificado pelos documentos apresentados pelo governo. Fiquem descansados os meus collegas, que estavam tão inquietos com o verbo approvo. Retiro a emenda que ainda agora mandei para a mesa, se a camara mo permitte, e limito me simplesmente a propor a substituição da palavra folgará pela palavra folga. (Apoiados.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Sr. presidente, desejo unicamente dizer em resposta ao digno par, o sr. Carlos Bento, que tenho tenção de apresentar ainda hoje á camara dos senhores deputados um projecto de lei que estabelece o serviço militar obrigatorio e providenceia sobre a substituição da receita das remissões.

O sr. Presidente: - A proxima sessão terá logar na segunda feira, 6 do corrente, continuando a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos.

Dignos pares presentes na sessão de 4 de junho de 1887

Exmo srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; João de Andrade Corvo; duque de Palmella; marquez de Rio Maior; arcebispo de Braga (resignatario); condes, de Alte, de Campo Bello, de Castro, de Gouveia, de Linhares, de Magalhães, da Praia e de Monforte do Restello, da Folgoza, do Bomfim; viscondes, d'Azarujinha, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de Carnide, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho, de S. Januario; Adriano Machado, Aguiar, Sá Brandão, Silva e Cunha, Barros e Sá, Senna, Oliveira Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Bazilio Cabral, Carlos Bento, Carlos Testa, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Margiochi, Ressano Garcia, Barros Gomes, Melicio, Ferreira Lapa, Holbeche, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Gusmão, Braamcamp, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Castro Guimarães, Costa Pedreira, Ayres de Gouveia, Castro, Silva Amado, José Luciano, José Pereira, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, D. Miguel Coutinho, Miguel Osorio Cabral, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Antunes Guerreiro, Barreiros Arrobas, Serra e Moura.

Redactor = Carrilo Garcia.

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