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324 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

de espirito d'aquelles dignos pares que podiam discorrer sobre a maneira de desenvolver os recursos das nossas provincias africanas, no momento em que, na opinião d'elle, orador, nós estavamos em risco de perder n'essas provincias, não só aquellas regiões que a Inglaterra nos disputava, mas aquellas cujo dominio toda a Europa nos reconhecia.

Se esta opinião parecia demasiado pessimista á camara,, elle lhe pedia que tivesse a paciencia de a discutir e que depois formasse o seu juizo. No que vae dizer, o orador não tem a menor idéa de hostilisar o governo, e muito menos o illustre ministro dos negocios estrangeiros, cujas difficuldades aprecia devidamente. Não tem pelo illustre ministro senão sentimentos de benevolencia, e até o seu sentimento predominante é o de uma sympathia compassiva. E, como prova de que nenhum sentimento hostil nutria pelo governo, desejava, primeiro que tudo, congratular de todo o coração o illustre ministro da marinha pelas suas declarações de que as ordens do governo haviam de ser obedecidas na Zambezia, e que seria rigorosamente castigado aquelle que as infrigisse. Esta declaração, entendia que devia merecer os applausos de todo o paiz. Emquanto ao illustre ministro dos negocios estrangeiros, não póde o orador comprehender a repugnancia de s. exa. acceitar uma sessão secreta para explicar o seu pensamento nas negociações com a Inglaterra.

Pela sua parte, exorta encarecidamente o illustre ministro a desistir das suas objecções e a acceitar a sessão secreta, tanto nesta como na outra camara. A rasão que o orador tem para fazer esta instancia, é porque está intimamente convencido de que o pensamento diligente do illustre ministro nas negociações com a Inglaterra é um pensamento desacertado.

Elle ignorava qual era esse pensamento, mas apreciava-o pelos seus resultados. Esses resultados ia, pois, expor á camara, e que a camara depois de os ouvir, decidisse na sua consciencia se elle tinha ou não rasão.

Mas, em primeiro logar, desejava desfazer a grande objecção que o illustre ministro oppunha a ser a sessão secreta. Era ella o receio das indiscrições.

O orador entendia, que essas indiscrições não se podiam evitar, mas, no seu entender,, ellas eram uma das grandes vantagens da sessão secreta. Porque essas indiscrições tinham como resultado o formar e preparar a opinião publica para acontecimentos inevictaveis. Uma das qualidades indispensaveis de um ministro dos negocios estrangeiros era saber ser indiscreto em certas occasiões, porque, em um tempo em que a opinião publica tem de sanccionar todos os actos governativos, o sigillo confessional em questões de tanta magnitude não podia produzir senão surprezas dolorosas. Ao mesmo tempo, tudo quanto o governo declarasse na sessão secreta, nunca poderia ser allegado contra elle, porque das suas palavras não restava nenhum documento escripto. Tambem n'essa sessão os membros do parlamento teriam completa liberdade, pelas mesmas rasões, de expenderem francamente a sua opinião.

Desfeita assim a grande objecção que o governo oppunha á sessão secreta, o orador entendia que ella era urgentemente reclamada pelos effeitos notorios que estava produzindo a acção governativa nas questões da Africa. Eram esses effeitos de todos conhecidos, que levavam o orador a asseverar que o pensamento dominante do governo nas negociações era desacertado.

Tornava a repetir que ignorava qual fosse esse pensamento. Mas, qualquer que elle fosse, os seus resultados eram os que elle ia expor, e elles eram taes que se podia afoitamente concluir que a idéa que os originava, era completamente desacertada. Em primeiro logar, havia a occupação, feita com apparato e estrondo, de Chilomo, a qual demonstrava que não havia da parte da Inglaterra idéa alguma de nos deixar passar o Ruo, e, portanto, nos tirava toda a esperança a respeito do Nyassa.

Em segundo logar, tanto quanto elle, orador, poderia julgar pela leitura da imprensa ingleza, o espirito publico em Inglaterra estava fixado a esse respeito. Em todas as discussões ácerca de Africa, na imprensa ingleza se tomava como ponto de partida que Machona e Nyassa estavam definitivamente adquiridos para a companhia Sul-Africana. O tratado anglo-germanico, cujo resumo o telegrapho hontem nos communicou, confirmara ainda esta supposição, porque, em virtude dos limites fixados ás respectivas espheras de acção, a Allemanha reconhêra tacitamente as pretensões inglezas. Em seguida, como effeito do pensamento do governo, havia a considerar as disposições do governo inglez. Na sessão da camara dos lords, de 16 de maio ultimo, um membro d'aquella assembléa fez um longo aranzel de aggravos e de allegações infamantes contra Portugal. Essas allegações não tinham importancia: mas o que tinha importancia era a resposta de lord Salisbury, que começou o seu discurso por dizer que pouco ou nada tinha que objectar contra o discurso do par interpellante: depois declarou que não reconhecia as tradições historicas como fundamento do direito, e por ultimo disse que a livre navegação do Zambeze e do Chire estava fóra de todas as negociações, que o Zambeze e o Chire haviam de fer abertos á navegação, c, que se alguem se oppezesse, havia de carregar com a responsabilidade.

- Como effeito d'estas idéas, o governo inglez acabava de mandar para o Zambeze duas canhoneiras.

Era para observar o quanto o illustre ministro dos negocio; estrangeiros se tinha enganado, quando asseverou ao parlamento que a navegação d'aquelles rios era um dos objectos das negociações.

Houve uma occasião em que Portugal poderia ter aproveitado essa concessão de livre navegação do Zambeze para obter do governo inglez concessões valiosas.

Ha no Livro azul inglez um despacho do sr. Petre ao seu governo, datado de 30 de outubro de 1888, despacho em que elle dá conta de propostas feitas em nome do seu governo ao governo portuguez, e da repulsa que ellas obtiveram. N'esse despacho o sr. Petre propunha, com respeito á navegação do Zambeze e cio Chire, que Portugal concedesse de motu proprio as facilidades de navegação e transito, que a Inglatarra desejava, como equivalente de outras vantagens que Portugal obteria.

Por aqui se vê quanto as nossas condições vão de mal para peior, porque agora mandam-se canhoneiras para o Zambeze, sem nos pedirem nenhum consentimento.

Da Europa passando para a Africa, via-se que ali estavamos em estado de guerra com a Gran-Bretanha. O fuzilamento de dois soldados portuguezes, e a queima da bandeira portugueza pelo agente consular Buchanan eram actos que se não praticavam senão em estado de guerra.

O orador leu o protesto feito contra esta barbaridade, perante as nações civilisadas, pelo governador de Quelimane, protesto feito em nome de Sua Mrgestade El-Rei, e disse que esse protesto tambem não era compativel senão com esse estado de guerra; porque, em tempo de paz, a unica pessoa em Portugal que tinha o direito de protestar em nome de Sua Magestade El-Rei, perante as nações civilisadas, era o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Agora a enviatura de duas canhoneiras de guerra pelo governo inglez accentuava definitivamente o estado de guerra.

Todos estes factos eram de tal maneira graves que suscitavam aã mais justificadas e ominosas apprehensões. Era necessario não esquecer que tanto as fronteiras occidentaes da provincia de Moçambique, como as orientaes de
Benguella e de Mossamedes, estavam ainda indeterminadas; e que no centro da Africa meridional, entre essas nossas provincias occidentaes e orientaes, estava agora assentada uma companhia ingleza; que essa companhia não tinha se-