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N.° 24

SESSÃO DE 20 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos srs.

Conde d'Avila
Conde de Lagoaça

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par Thomás Ribeiro faz varias perguntas e considerações sobre assumptos africanos. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha.- O digno par Agostinho de Ornellas manda para a mesa o parecer ácerca da eleição, pelo collegio districtal da Horta, do sr. visconde de Sousa.- O sr. Cypriano Jardim declara achar-se constituida a commissão do bill -Usa da palavra o sr. Mendonça Cortez. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha.- Faz varias ponderações sobre assumptos de Africa o sr. Luciano de Castro.- Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- Discorre ácerca de cousas de Moçambique e outras materias o sr. conde da Arriaga. - Propõe o sr. conde de Lagoaça que se prorogue a sessão. A camara approva.- Refere-se ás nossas negociações com a Inglaterra o digno par Costa Lobo.- Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- Toma de novo a palavra o sr. Thomás Ribeiro e insiste em perguntas que já fizera.- Discreteia ácerca do nosso litigio com a nação britannica o ar. visconde de Moreira de Rey.- Faz algumas ponderações sobre os discursos dos srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros o sr. Pereira Dias.- Usa por ultimo da palavra o digno par Barros Gomes.- Levanta se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e quarenta minutos da tarde, achando-se presentes 39 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. ministro da fazenda, remettendo as informações que, pelo seu ministerio, havia pedido o digno par o sr. José Luciano sobre o syndicato Salamanca.

Para a secretaria.

Officio do sr. ministro da marinha, respondendo ás informações pedidas pelo digno par o sr. conde de Thomar sobre o contrato de navegação para a Africa.

Para a secretaria.

Officio do sr. presidente do conselho e ministro do reino e da guerra, enviando os documentos pedidos pelo digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Para a secretaria.

(Estavam presentes os srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Já na sessão anterior, manifestara desejos de fazer algumas perguntas aos srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros, lastimando por essa occasião que s. exas., por motivo de serviço publico, não podessem comparecer na camara, onde, segundo o que se combinara, eram por elle esperados.

Vae, pois, agora fazer essas perguntas, que aliás não faria, se porventura s. exas. houvessem respondido áquellas que lhes foram feitas na outra casa do parlamento. Parece-lhe que nessa occasião o sr. ministro dos negocios estrangeiros, no calor de defender a sua posição, se esquecera do modo exacto como ellas lhe tinham sido formuladas. Se todavia s. exa. lhe disser que é absolutamente impossivel responder-lhe, resignar-se-ha.

Lembra que por mais de uma vez tem pedido á camara que se abstenha de parlamentarismo, ponderado que o governo não quer dar explicações sobre os negocios mais graves, que a todos preoccupam. Afigura-se-lhe, pois, melhor não expor o parlamento a luctas, das quaes nada se tira, senão tristes presagios.

Não obstante, vae reeditar as perguntas que na camara dos senhores deputados se fizera ao governo.

No entrementes pondera que estamos muito proximos do encerramento das camarás, que o governo, com o parlamento fechado, fica mais á sua vontade, que tem muito que fazer e que estudar, suppondo a par d'isto que aquelles que, como o orador, lhe offerecem o seu voto, a sua palavra e a influencia que possam ter na questão que se trata, são-lhe um embaraço.

Nas estreitas considerações que vae fazer, demonstrará que não o move de modo algum a veleidade de levantar qualquer difficuldade á marcha regular dos negocios publicos, ou de satisfazer caprichos pessoaes.

Parece-lhe que somos chegados á crise verdadeiramente aguda das nossas difficuldades diplomaticas.

Sabe que o sr. ministro da marinha casou em segundas nupcias ha pouco tempo com a sua pasta. Quer querer que não viera impolluta para as suas mãos a sua nova esposa. É provavel que já viesse fecundada, e, n'esse caso, ignora se porventura s. exa. poderá responder pelos fructos que immediatamente venham a apparecer; mas, era absoluto, é certo que quem adopta a mulher tem de adoptar tambem os filhos vindos ou vindouros.

Julga que os srs. ministros, depois de o ouvirem, darão algumas explicações que esclareçam o paiz a quem todos mais desejam servir.

Por conseguinte, desde já pergunta, muito directamente e sem o minimo disfarce diplomatico ou parlamentar, ao sr. ministro da marinha se vira uma carta de um official brioso, de nome Azevedo Coutinho, que crê ser ainda nosso governador no districto do Chire.

Consta que essa carta fora a s. exa. mostrada por um parente seu.

O orador não a vira, mas se effectivamente o sr. ministro a viu e se é verdade o que n'ella se refere, grave deve ser neste momento o estado da região em que se defrontam auctoridades portuguezas e inglezas.

Se de facto, quer por inglezes ou indigenas, Chilomo foi tomado, se dois sipaes portuguezes foram por elles fuzilados e se pelos mesmos foi a nossa bandeira queimada, pergunta aos srs. ministros se estes extraordinarios casos são ou não a quebra do statu quo sanccionado no ultimatum de 11 de janeiro. Por esse ultimatum, se porventura retirámos as nossas forças, comtudo não abdicámos o nosso direito á região que anteriormente occupavamos.

Julga possivel que o governo receie que n'este momento possa haver no Chire algum movimento que lhe desfaça qualquer plano, e faz votos para que não haja preoccupação com os primeiros terrores, que sempre são funestos e contradictorios, corroborando este asserto com varios exemplos historicos.

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A outra pergunta refere-se á organisação de uma milicia no districto de Quelimane, logo após ao protesto do seu governador.

Se isto é verdade, pergunta: foi por ordem do governo que se organisou esta milicia? E se não foi, está elle resolvido a approvar ou adoptar esta providencia ou, se pelo opposto, contraria os desejos d'aquelles nossos compatriotas?

Á terceira pergunta, relativamente á construcção de canhoneiras inglezas para navegarem no Zambeze, pergunta já feita na camara dos srs. deputados, e a que lhe parece haver respondido o sr. ministro dos negocios estrangeiros que não diria nada a este respeito, por ser isso base de negociações, espera lhe respondam agora o insiste em que lhe. digam qual a attitude da auctoridade portugueza para com essa invasão n'aquelle rio ou se isto é já uma concessão do governo?

Esta pretensão por parte da Inglaterra não é nova, data já do tempo em que o orador foi ministro da marinha, e por isso não é tambem novidade o que passa a dizer.

Sente não ver presente o sr. Barros Gomes, porque com s. exa. tambem se tratou da livre navegação do Zumbeze, e a camara se deve lembrar das perguntas que ali lhe foram feitas sobre as instancias da Inglaterra para a entrada por Quelimane de armas para a sua missão do Nyassa, das negativas que s. exa. oppoz a isso e por ultimo da sua acquiescencia a que entrassem muitas arruas, pólvora e bala, não sabe se para os padres inglezes, se para os seus consules, se para os makololos.

Do facto da Inglaterra instar com successivos pedidos de licença para a introducção d'aquelles armamentos, conclue o orador que ella nos reconhecia então o nosso direito colonial e territorial no Zambeze e no Chire, e pouco depois resolvêra entrar por estes rios dentro, como que por sua propria casa.

Insiste, pois, em saber qual a atitude das auctoridades portuguezas, quando virem navegar no Zambeze ou no Chire essas canhoneiras.

Vae terminar as suas perguntas com uma muito especial ao sr. ministro da marinha. As que até aqui fez; referem-se á Africa oriental, isto e ao ponto mais ameaçado dos nossos direitos; mas agora deseja saber se o governo tem alguma noticia mais, alem das que já são bem notorias, com relação aos acontecimentos na África occidental, e qual é a sua impressão referentemente a esses acontecimentos: se foram determinados por causas naturaes, se por alguns agentes estrangeiros, a quem diariamente abrimos a porta para nos roubarem o que temos em casa?

Tambem quizera fazer ainda outra pergunta e com ella dar ensejo a que o sr. ministro da marinha désse á camara uma boa noticia.

Crê estar resolvida a questão do caminho de ferro de Mossamedes.

Comtudo, correra nestes ultimos dias que não se tinha conseguido sobre isto accordo algum entre os srs. ministros da fazenda e da marinha, desejando muito o orador que a ferocidade do sr. ministro da fazenda não chegasse a tamanho ponto.

A seu ver, urge tomar quanto antes posse effectiva dos nossos dominios africanos, para que quebremos um dos maiores argumentos dos nossos adversarios.

Aguarda as respostas que pediu e deseja que sejam taes que não tenha que fazer novas perguntas.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Não acompanhará o digno par, o sr. Thomás Ribeiro, na ordem das diversas considerações que expendeu, limitando-se tão só a responder-lhe muito succintamente, como é seu costume. Se todavia as suas respostas não satisfizerem completamente a s. exa., então de novo tomará a palavra.

Perguntára-lhe o digno par se vira uma carta particular de João Coutinho, escripta a uma pessoa de sua familia.

Responde que a vira effectivamente, mas que nem pedira auctoiisação, a quem ella foi dirigida, para declarar no parlamento o seu conteúdo e tão pouco declararia por circumstancia alguma, o que se referisse n'uma carta particular, que para si é inteiramente confidencial.

Por maior, pois, que n'elle fosse o desejo de satisfazer ao de s. exa., não faria, pela mencionada e justa rasão.

O que importa, o que interessa ao parlamento e ao paiz é saber qual a situação do Chire no momento em que está fallando, e a este respeito cumpre-lhe dizer que a situação ali é completamente satisfactoria.

Se porventura a Portugal vieram noticias de que o commandante militar do Chire desobedecera ás ordens do governo e invadira os territorios em litigio, taes noticias são officialmente desmentidas.

Deve ao parlamento ser indifferente o que os seus subordinados escrevem em cartas particulares, mas o que não póde ser-lhe indifferente é a maneira como elles cumprem as suas ordens.

As ordens do governo, ácerca das relações que se devem manter entre o commandante militar do Chire e as auctoridades inglezas do outro lado do Ruo, constam dos telegrammas por si expedidos ao governador de Moçambique.

O primeiro d'esses telegrammas, que já teve a honra de ler na outra casa do parlamento, tambem n'esta o vae ler agora.

Leu-o, sendo o seu contesto que no territorio do Chire, porá alem do Ruo, o governo não queria que dentro d'essa zona se fizesse expedição alguma; o commenta que o governo reputaria de péssima politica permittir que uma auctoridade qualquer sua subordinada, por um acto de sua exclusiva responsabilidade, invadisse territorios em litigio, ácerca dos quaes pendem negociações com a Inglaterra.

Tem a certeza de que esta ordem, bem positiva e terminante, da qual o governo toma inteira responsabilidade, chegara ao seu destino, porque a noticia da sua transmissão ao commandante militar do Chire vem num officio que na secretaria recebera do governador geral de Moçambique.

Leu esse officio, juntando em seguida que sendo a sua ordem de 16 de abril, a 18 d'esse mesmo mez fôra transmittida ao commandante militar do Chire, que, por consequencia, ficára sabendo então o que lhe cumpria fazer.

Ignora todavia se esta auctoridade, no momento actual, terá transgredido as ordens do governo, mas não quer acreditar que haja uma auctoridade portugueza que desobedeça ás ordens que superiormente lhe são dirigidas; no emtanto s o porventura se désse tal facto e se fosse seguido de consequencias perniciosas para o paiz, saberia perfeitamente qual era o seu dever.

Nem pela mente lhe póde passar que um homem investido no cominando militar de uma região importante e tendo a seu cargo velar pela manutenção das leis e da ordem, desobedecesse ao governo e arrastasse o seu paiz a uma situação peior que aquella em que o collocou o ultimatum de 11 de janeiro.

Se tal procedimento fosse seguido por um subordinado seu, não só o não conservaria na commissão que lhe houvesse dado, mas promoveria contra elle o rigor dos tribunaes competentes.

Ainda por cautela expedíra, em 15 de maio, um telegramma ao governador de Moçambique, perguntando-lho se era verdade haverem as forças do Ruo atacado os estabelecimentos inglezes, segundo constava.

Respondeu-lhe o governador de Moçambique que essas forças haviam suffocado a revolta provocada no Massingire, o que recommendando Jonhston a maior prudencia ás auctoridades inglezas, os estabelecimentos d'estes não corriam perigo.

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O orador explica então que o Massingire está aquem do Ruo, que por seu turno esta aquem do Chire e que respondera ao governador de Moçambique que approvava a soffucação da revolta em Massingire, mas que não podia consentir em que as nossas forcas invadissem o territorio em litigio, a fim de não prejudicar as negociações pendentes e em bom caminho, porque de contrario seria enorme a responsabilidade da auctoridade que o fizesse.

Conceitua de expressas, terminantes e até de rudes as ordens que n'esse sentido déra, pelo julgar necessario.

Não sabe se os inglezes podem fazer tudo quanto quizerem, mas é certo que ella não pude castigar os inglezes, nem comprehende como seja possivel estar em guerra com a Inglaterra em Africa, quando estamos em paz com ella na Europa.

Quanto lhe era dado, crê ter nesta parte respondido ás perguntas do sr. Thomás Ribeiro. No emtanto observará que convem não inverter os principios constitucionaes, o responsavel perante o parlamento e o paiz é o governo; portanto, exige que lhe deixem escolher as suas auctoridades de confiança, para que se não diga que essas auctoridades governam mais que o governo.

Tem por necessario que o paiz se convença, antes de tudo, que numa situação melindrosa, como a actual, é ao governo, e só ao governo, que compete tomar a iniciativa de certas medidas o que elle não está disposto a consentir no predominio d'essas auctoridades, por mais convenientes que ellas julguem quaesquer movimentos de patriotismo. Reputa indispensavel dizer a esse patriotismo que o governo trata de empregar todas as diligencias possiveis a fim de conseguir o melhor exito nas negociações pendentes e de concluir decorosamente uma questão que elle não creou, que lhe foi legada e que essa boa solução não depende sómente da politica representada no governo, como tambem da que professam os individuos que formam os diversos grupos opposicionistas.

Sob o ponto de vista da administração interna da pasta da marinha, o orador tem tanto empenho na feliz solução do litigio com a Inglaterra, quanto o seu collega dos negocios estrangeiros, porque nem póde administrar á sua vontade, nem realisar o seu plano de expansão colonial, se não depois de completamente liquidado esse litigio.

Quanto a approvar ou não o governo o levantamento de uma milicia em Quelimane, segundo tambem lhe perguntará o sr. Thomás Ribeiro, cumpre-lhe responder que o governo só extra officialmente tivera similhante noticia. Comtudo, não terá duvida, em approvar a organisação d'essa milicia, desde que reconheça que eram insufficientes as forças de Moçambique, mas que a desapprova se ellas porventura tiverem por fim combater os inglezes e provovocar um conflicto no Ruo.

Quanto aos acontecimentos da Africa occidental, isto é, do Bihé, a que tambem o sr. Thomás Ribeiro se referira, declara que tem todos os documentos, não só ácerca dos factos ali occorridos, mas tambem sobre as causas que os motivaram. Mas teria a imprudencia, se porventura d'elles desse conhecimento á camara no momento actual, em que tem organisada uma expedição para o Bihé, e toma d'isso plena responsabilidade, se bem lhe fora facil ler esses documentos, mas o sr. Thomás Ribeiro deve saber que, gerir uma pasta não se cifra simplesmente em dar noticias ao parlamento e ler documentos.

Como quer que seja, a expedição vae para o Bihé; aguardemos o seu exito.

Consoante vê, cada qual tem o seu modo de entender o patriotismo: os poetas fazendo versos alexandrinos, e outros individuos ou vestindo-se de lucto ou cingindo as estatuas de negro crepe; mas para o governo o verdadeiro patriotismo está em fazer o que dizia um homem de acção, um homem cuja memoria todos respeitam, o marquez de Pombal: "Enterrar os mortos e cuidar dos vivos!"

Agora tambem não ha senão cuidar dos vivos e pedir a Deus que a nossa expedição tenha um feliz exito, que seja coroada de gloria e que as armas portuguezas tenham novos triumphos na occupação militar do Bihé, occupação que nunca existiu, porque o nosso dominio no interior da Africa é perfeitamente phantastico.

Talvez, pois, tenhamos ainda occasião de ver que Portugal fez o bastante para nos resarcir de todos os prejuizos originados pelos sobas.

Dissera tambem o sr. Thomás Ribeiro que era necessario tomar posse effectiva do nosso territorio em Africa, e perguntara se o governo ia adjudicar o caminho de ferro de Mossamedes.

De accordo está com s. exa. era tomarmos essa posse effectiva, e, a seu ver, deve-se dizer a verdade ao paiz, visto que até hoje não foi ella tomada em tudo o que nos pertence, conforme o reconhecera o digno par e lho ditou a sua consciencia.

Julga que o prestigio do nome portuguez é de feito uma grande força, quando nações poderosas não disputam em Africa o nosso dominio.

O caminho de ferro do Bihé, incontestavelmente, é um meio de tomarmos posse effectiva do que temos n'aquellas paragens.

Os dez mil portuguezes, que a emigração levou ás ilhas de Sandwich e outros pontos, pedem que os vão buscar e os lancem em Africa, e no dia em que se levar a effeito o caminho de ferro do Bihé estará lançada a base de uma nova nacionalidade portugueza.

Sob o ponto de vista financeiro não póde haver duvida em se vir a realisar este importantissimo melhoramento.

No dia em que elle, ministro, queira hypothecar o futuro de Africa, n'esse dia ficará resolvida a questão colonial.

N'um dos proximos anteriores dias recebera uma proposta de uma companhia franceza, que se compromettia a fazer todas as despezas com a expedição Marianno de Carvalho, sob condição unica de preferencia, em igualdade de circumstancias, para a formação de uma companhia, a fim de explorar as minas de carvão de pedra em Africa.

Antigamente procurava-se nas regiões desconhecidas o oiro; hoje, porem, transformada a Europa numa vastissima officina, aquillo que se procura não é o oiro, mas o carvão de pedra.

Se, pois, de Moçambique lhe trouxerem o carvão de pedra, transformará completamente aquella provincia, fazendo caminhos de ferro e tudo quanto for preciso, sem trazer encargos ao orçamento. Com esse recurso não haverá a menor duvida, nem a mais leve contestação sobre a reforma colonial.

Sente que se pretenda enfraquecer a acção do governo e mormente a do ministro da marinha e ultramar, que tem um plano de administração colonial a resolver.

Para a realisação d'esse plano carece apenas de dois annos, no primeiro dos quaes espera fazer o caminho de ferro de Mossamedes, estabelecer a navegação, organisar a força militar e proceder á reforma administrativa e financeira.

No segundo, espera completar esta transformação, por meio de concessões a companhias, fazendo para ali convergir os capitães nacionaes e só em ultimo caso os estrangeiros.

Sabe perfeitamente qual o futuro que o espera: no primeiro anno irá tudo muito bem; mas no segundo, quando fizer essas concessões, dirão que recorreu a syndicatos, com o que nada se importará, estimando muito que com isto fique muita gente rica, com tanto que elle fique pobre.

Eis as idéas que tem sobre este assumpto e qual o seu plano de administração colonial, elaborado com um estudo de largos annos, pois é certo que ha nove annos tivera a honra de ser pela vez primeira ministro da marinha e ultramar.

Pelo que lhe pertence, crê ter respondido ao sr. Thomás

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Ribeiro, e quanto aos pontos da questão, responder-lhe-ha o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Vozes: - Muito bem.

(O discurso do orador será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Agostinho Ornellas: - Por parte da commissão de verificação de poderes, mando para a mesa o parecer relativo á eleição do sr. visconde de Sousa da Fonseca, pelo collegio districtal da Horta.

Foi a imprimir.

O sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa a seguinte communicação:

"Participo a v. exa. e á camara, que o digno par o sr. visconde de Villa Mendo, não tem podido comparecer ás sessões por incommodo de saude.

20 de junho de 1890.= Sousa e Silva."

O sr. Cypriano Jardim: - Cumpre-me participar a v. exa. e á camara que a commissão que ha de dar parecer sobre o bill, se acha constituida, tendo nomeado para seu presidente o digno par, o sr. Barbosa du Bocage, para relator o sr. Jeronymo Pimentel e a mira para secretario.

O sr. Mendonça Cortez: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra para tratar de um assumpto importante para o paiz, embora muito diverso d'aquelle que se discute.

No emtanto, como o sr. ministro da marinha acaba de fazer algumas declarações, que reputo muito importantes, desejava que s. exa. respondesse ao que lhe vou perguntar: as ordens que o nobre ministro deu aos funccionarios portuguezes, relativas á margem esquerda do Chire. dizem respeito tambem aos territorios que estão na margem direita?

É possivel que s. exa. me possa responder desde já, e bom será, porque é um ponto importante que fica esclarecido.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - É apenas com referencia aos territorios em litigio.

O sr. José Luciano de Castro: - Desejara a presença dos srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros para lhes dirigir algumas perguntas, parte das quaes já tinham sido prevenidas pelo digno par Thomás Ribeiro. Ignora se s. exa. ficára satisfeito com a resposta do sr. ministro; quanto a si confessa que o ficára.

Dissera o sr. ministro da marinha que dera ordens para que as forças estacionadas aquem do Ruo, não invadissem o territorio em litigio, o que acha muito acertado, devendo s. exa. punir, como disse, severamente quem transgredir essas ordens.

Sobre isto nada tem que dizer, lamentando apenas que tendo o sr. ministro da marinha um telegrapho á sua disposição, não possa affirmar de uma maneira categorica, se no Chire tem havido ultimamente qualquer facto extraordinario.

Quanto ao plano colonial de s. exa., se n'este momento não lhe é dado
discutil-o, póde, comtudo, advertir-lhe que tenha muito em vista os interesses da fazenda publica e não vá com o seu desejo sincero de fazer prosperar o nusso dominio colonial, comprometter o equilibrio das nossas finanças. Lembra-lhe que sobre o thesouro pesa já, annualmente, um deficit colonial de 1.400:000$000 a
1.500:000$000 réis.

Com relação ao plano colonial do sr. ministro, nada mais dirá, senão que fará uma prophecia, qual a de parecer-lhe que esse plano ha de ser tão realisavel, como o foi aquella larga reforma ultramarina que s. exa. fez e converteu a codigo e que até hoje não foi applicavel a nenhuma provincia ultramarina.

Assevera que s. exa. então tinha tambem as maiores esperanças na efficacia do seu systema, mas que essas esperanças foram completamente frustradas, como naturalmente lhe ha de succeder tambem com o seu plano colonial. No emtanto, faz votos para que isso não succeda.

Seguidamente censura que o sr. ministro da marinha dissesse perante a camara que era preciso tornar effectivo o nosso dominio em Africa e que no Bihé esse dominio era perfeitamente phantastico. Crê que provavelmente esta phrase virá a ser publicada pelo Times e outros jornaes inglezes e utilisada em nosso desfavor.

Linguagem tal, reputa se mais propria de adversarios estranhos, que de um ministro portuguez, porque é justamente isso o que a Inglaterra tem sustentado contra nós.

Relativamente ao caminho de ferro do Bihé, em que s. exa. tambem tem fallado, nota que fôra o governo progressista que mandou fazer os seus respectivos estudos, podendo assegurar á camara que elle estava disposto a trazer ao parlamento uma proposta n'este sentido.

Mas nem só mandara estudar este caminho de ferro, senão que tambem aquelle partido procedêra aos estudos do de Quelimane.

Concorda com não poder dar o sr. ministro da marinha noticias sobre alguns assumptos, e curvando-se perante a sua negativa, porque a interesses de partido antepõe os do pai;:, estranha, todavia, que s. exa., após aquella sua negativa, viesse declarar que organisára uma expedição ao Bihé e confiava que ella daria os melhores resultados.

Refere-se ao seguida ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, por s. exa. haver declarado na outra camara que sobro o fuzilamento dos dois sipaes, pedira explicações ao governo inglez e que qualquer resposta que d'elle tivesse, a communicaria logo.

Pergunta, pois, a s. exa. - salvo sempre a hypothese de s. exa. não achar conveniente responder-lhe- se porventura sabe já alguma cousa sobre esse assumpto.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Diz que, visto o sr. José Luciano de Castro concordar, na sua generalidade, pelo menos, com o plano colonial traçado pelo seu collega da marinha, tem por inutil qualquer referencia sua a este assumpto, tanto mais quanto era certo que se alguma impugnação de s. exa. merecesse resposta, melhor do que elle, orador, lha daria o seu collega.

Todavia, acha que no discurso do digno par alguma cousa ha que não póde deixar de ter resposta.

Estranhara s.. exa. que, por parte do governo, se dissesse que nós necessitavamos de tornar effectiva a occupação dos nossos territorios em Africa.

O orador observa ao sr. Luciano de Castro que o sr. minis Iro da marinha se queria referir, no que dissera, á occupação effectiva militar e que s. exa. devia saber que em regiões tão dilatadas, como são as de Africa, nem as grandes potencias teem occupação effectiva militar em todos os pontos dessas regiões, o que aliás não obsta a que os seus direitos sejam respeitados pelas outras potencias.

Ora, nós podemos tornar effectiva a nossa occupação militar em África, sem que, a seu ver, a confissão d'essa necessidade importe affectação dos nossos direitos, assegurados e affirmados sempre á face de todos e por feitos alcançados á custa de trabalhos e sacrificios, que são outras tantas glorias para aquelles que os praticaram.

É claro, pois, que não havia qualquer intenção menos correcta na phrase do seu collega, a não ser que a pretendessem desnaturar; mas, n'esse caso, não havia de ser a camara que entrasse n'esse caminho, porque, muito pelo contrario, ao governo, á maioria, á opposição, a todos, emfim que prezam o bem do seu paiz, só póde assistir o desejo de sustentar bem alto e affirmar bem decididamente os direitos da corôa portugueza em face das outras nações.

Crê que por esta fórma tem; não explicado, porque não

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carecia de explicação, mas corroborado, no seu verdadeiro sentido, a phrase do sr. ministro da marinha.

Posto isto, permitta-lhe o digno par que agradeça a s. exa. o testemunho de respeito que prestou á reserva que sempre convem guardar em negociações pendentes ácerca de um negocio melindroso. Nem s. exa., que foi chefe de gabinete e que é um homem d'estado, podia ter outro procedimento em presença de negociações que affectam os mais altos e graves interesses do paiz.

Relativamente ao que alludíra o digno par, com referencia a elle, orador, haver dito na outra casa do parlamento que dois sipaes portuguezes tinham sido amarrados e fusilados, queimada a nossa bandeira, e attribuindo-se tudo isto á responsabilidade de um agente consular inglez, e que sobre este assumpto ficára elle, como ministro de Portugal, de pedir explicações ao governo inglez, tem a declarar que cumprira o seu dever, desempenhando se do que promettêra, assim como o cumpre hoje, dizendo qual a resposta do governo britannico.

No dia 17 deste mez, depois de já se ter dirigido ao ministro inglez n'esta côrte, communicou-lhe s. exa. a resposta que do seu governo tinha recebido na vespera. Cifra-se essa resposta em que ultimos> despachos que o governo britannico tinha recebido do sr. Buchanan eram de 16 de abril, e n'elles se dizia que forças portuguezas se achavam concentradas na confluencia do Ruo com o Chire e que se receiava que occupassem o territorio era litigio; mas que nada constava officialmente ao governo inglez sobre o fuzilamento dos sipaes e Lio pouco sobre a queima da bandeira portugueza.

Discordando n'esta parte a resposta do governo inglez das informações que o governo portuguez recebera, comprehende-se qual era o seu dever: dirigir uma nota áquelle governo, reclamando contra os factos de que estava informado.

Espera que o gabinete britannico a tomará em consideração e que elle reprimirá qualquer violação do direito das gentes por parte das suas auctoridades.

Por agora não póde dar mais informações.

(Publicar-se ha na integra, e em appendice a esta sessão este discurso, quando o orador haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde da Arriaga: - Pede que a camara lhe permitia dizer algumas palavras, tratando-se, como se trata, de factos occorridos na costa oriental da Africa, na provincia de Moçambique, por cuja prosperidade e integridade muito se interessa.

Desejara o digno par, o sr. Thomás Ribeiro, saber como o governo encara o facto do equipamento de canhoneiras inglezas, destinadas á navegação no Zambeze.

A proposito desta pergunta vae citar um facto que se deu quando se organisou a expedição contra o Bonga.

Organisado o batalhão de caçadores da Zambezia e uma bateria de artilheria, fretou-se para conduzir a expedição um navio estrangeiro.

Ninguem melhor sabe isto do que o sr. Latino Coelho, mas é bem notorio que o bom exito da expedição foi contrariado pelas difficuldades da navegação no Zambeze, onde, por cuja ranavegabilidade quasi tudo morreu e se mallogrou a expedição.

Uma outra se organisou mais tarde, que teve os mesmos e tristes resultados.

Os que teem percorrido aquellas regiões sabem perfeitamente que o Zambeze só é navegavel em pequenos barcos, a remos, á vara ou á vela, e occasiões ha em que a 20 milhas só se encontra uma linha de agua como a do Mondego, ontre Coimbra e a Figueira.

Sendo isto assim, para que se falla tanto na navegação do Zambeze?

A Inglaterra sabe isto tão bem como nós.

Para demonstrar ainda a innavegabilidade do Zambeze conta o seguinte facto:

Na ultima expedição de Levingstone, mandara a Inglaterra dentro de um brigue um pequeno vapor, mettido em tres caixões, o qual tinha o nome de Roberto, por assim se chamar tambem o filho mais velho d'aquelle explorador.

Sendo pequeno o vapor, não obstante, ao chegar ao Mazaro, não pôde tornar para o Chire, pois, como já dissera, a navegação ali é impossivel, excepto pelos meios já indicados.

Soffrendo estes revezes, Levingstone dirigira-se então por terra para o norte e fôra encontrar o Nyassa.

O sr. Bocage: - Não foram os inglezes que descobriram o Nyassa.

O Orador: - A isto objecta que o certo é que a Inglaterra se julga com direito áquelle lago e com assentimento de Portugal.

Mas põe de parte esta questão, attento que o seu desejo é unicamente fazer ver ao sr. Thomás Ribeiro que não se torna facil navegar no Zambeze com as embarcações a que s. exa. se referiu, se bem no inverno se torne sobremodo caudaloso.

Conta que tambem em 1868 estivera entre nós um hollandez, que depois se dirigiu á Africa para estudar a navegação do Zambeze, e que ao sair de nós ia muito satisfeito, mas que mais tarde deixou de o estar, por lhe não corresponder ao que esperava o resultado dos seus estudos.

Referindo-se ao discurso do sr. ministro da marinha, diz que muito folgára com elle e por ver que e possivel que a expedição dirigida pelo sr. Marianno de Carvalho tenha bom exito.

Já noutra occasião manifestara essa esperança- Oxalá se realisem os seus prognósticos e que possa exalçar os merecimentos do sr. Marianno de Carvalho no seu regresso a Portugal.

Passa a tratar de outro assumpto e pede aos srs. tachygraphos que não escrevam o que disser, os quaes em cumprimento dos desejos do digno par, suspenderam o seu trabalho por algum tempo.

Depois cita exemplos e expende argumentos no intuito de demonstrar quedos questões com a Inglaterra se devem resolver amigavelmente, ainda que uma ou outra nação tenha de ceder alguma cousa, por serem duas irmãs de longo tempo alliadas.

Pergunta agora ao sr. Thomás Ribeiro, um dos poetas mais distinctos, se a proposito do conflicto com a Inglaterra, indo uns escolares pôr uns trapos pretos no pedestal da estatua de Camões, mereciam ou não esses escolares palmatoadas?

Estranha igualmente que os estudantes que foram era tempo a Hespanha, nas suas manifestações caprichosas, fizessem como que uma só das bandeiras portugueza e hespanhola.

Diz que lêra e relêra muitas vezes os Lusiadas, cita o episodio da batalha de Aljubarrota e dos doze de Inglaterra, faz sobre isto varias considerações e concilie por enaltecer o verdadeiro patriotismo do grande poeta.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Peço a v. exa. que consulte a camara para que, sendo necessario, se prorogue a sessão até terminar este incidente.

O sr. Presidente: - A camara acaba de ouvir o requerimento do digno par o sr. conde de Lagoaça.

Os dignos pares que approvam que se prorogue a sés são até terminar este incidente, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno paro sr. Costa Lobo.

O sr. Costa Lobo: - Disse que invejava a situação

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de espirito d'aquelles dignos pares que podiam discorrer sobre a maneira de desenvolver os recursos das nossas provincias africanas, no momento em que, na opinião d'elle, orador, nós estavamos em risco de perder n'essas provincias, não só aquellas regiões que a Inglaterra nos disputava, mas aquellas cujo dominio toda a Europa nos reconhecia.

Se esta opinião parecia demasiado pessimista á camara,, elle lhe pedia que tivesse a paciencia de a discutir e que depois formasse o seu juizo. No que vae dizer, o orador não tem a menor idéa de hostilisar o governo, e muito menos o illustre ministro dos negocios estrangeiros, cujas difficuldades aprecia devidamente. Não tem pelo illustre ministro senão sentimentos de benevolencia, e até o seu sentimento predominante é o de uma sympathia compassiva. E, como prova de que nenhum sentimento hostil nutria pelo governo, desejava, primeiro que tudo, congratular de todo o coração o illustre ministro da marinha pelas suas declarações de que as ordens do governo haviam de ser obedecidas na Zambezia, e que seria rigorosamente castigado aquelle que as infrigisse. Esta declaração, entendia que devia merecer os applausos de todo o paiz. Emquanto ao illustre ministro dos negocios estrangeiros, não póde o orador comprehender a repugnancia de s. exa. acceitar uma sessão secreta para explicar o seu pensamento nas negociações com a Inglaterra.

Pela sua parte, exorta encarecidamente o illustre ministro a desistir das suas objecções e a acceitar a sessão secreta, tanto nesta como na outra camara. A rasão que o orador tem para fazer esta instancia, é porque está intimamente convencido de que o pensamento diligente do illustre ministro nas negociações com a Inglaterra é um pensamento desacertado.

Elle ignorava qual era esse pensamento, mas apreciava-o pelos seus resultados. Esses resultados ia, pois, expor á camara, e que a camara depois de os ouvir, decidisse na sua consciencia se elle tinha ou não rasão.

Mas, em primeiro logar, desejava desfazer a grande objecção que o illustre ministro oppunha a ser a sessão secreta. Era ella o receio das indiscrições.

O orador entendia, que essas indiscrições não se podiam evitar, mas, no seu entender,, ellas eram uma das grandes vantagens da sessão secreta. Porque essas indiscrições tinham como resultado o formar e preparar a opinião publica para acontecimentos inevictaveis. Uma das qualidades indispensaveis de um ministro dos negocios estrangeiros era saber ser indiscreto em certas occasiões, porque, em um tempo em que a opinião publica tem de sanccionar todos os actos governativos, o sigillo confessional em questões de tanta magnitude não podia produzir senão surprezas dolorosas. Ao mesmo tempo, tudo quanto o governo declarasse na sessão secreta, nunca poderia ser allegado contra elle, porque das suas palavras não restava nenhum documento escripto. Tambem n'essa sessão os membros do parlamento teriam completa liberdade, pelas mesmas rasões, de expenderem francamente a sua opinião.

Desfeita assim a grande objecção que o governo oppunha á sessão secreta, o orador entendia que ella era urgentemente reclamada pelos effeitos notorios que estava produzindo a acção governativa nas questões da Africa. Eram esses effeitos de todos conhecidos, que levavam o orador a asseverar que o pensamento dominante do governo nas negociações era desacertado.

Tornava a repetir que ignorava qual fosse esse pensamento. Mas, qualquer que elle fosse, os seus resultados eram os que elle ia expor, e elles eram taes que se podia afoitamente concluir que a idéa que os originava, era completamente desacertada. Em primeiro logar, havia a occupação, feita com apparato e estrondo, de Chilomo, a qual demonstrava que não havia da parte da Inglaterra idéa alguma de nos deixar passar o Ruo, e, portanto, nos tirava toda a esperança a respeito do Nyassa.

Em segundo logar, tanto quanto elle, orador, poderia julgar pela leitura da imprensa ingleza, o espirito publico em Inglaterra estava fixado a esse respeito. Em todas as discussões ácerca de Africa, na imprensa ingleza se tomava como ponto de partida que Machona e Nyassa estavam definitivamente adquiridos para a companhia Sul-Africana. O tratado anglo-germanico, cujo resumo o telegrapho hontem nos communicou, confirmara ainda esta supposição, porque, em virtude dos limites fixados ás respectivas espheras de acção, a Allemanha reconhêra tacitamente as pretensões inglezas. Em seguida, como effeito do pensamento do governo, havia a considerar as disposições do governo inglez. Na sessão da camara dos lords, de 16 de maio ultimo, um membro d'aquella assembléa fez um longo aranzel de aggravos e de allegações infamantes contra Portugal. Essas allegações não tinham importancia: mas o que tinha importancia era a resposta de lord Salisbury, que começou o seu discurso por dizer que pouco ou nada tinha que objectar contra o discurso do par interpellante: depois declarou que não reconhecia as tradições historicas como fundamento do direito, e por ultimo disse que a livre navegação do Zambeze e do Chire estava fóra de todas as negociações, que o Zambeze e o Chire haviam de fer abertos á navegação, c, que se alguem se oppezesse, havia de carregar com a responsabilidade.

- Como effeito d'estas idéas, o governo inglez acabava de mandar para o Zambeze duas canhoneiras.

Era para observar o quanto o illustre ministro dos negocio; estrangeiros se tinha enganado, quando asseverou ao parlamento que a navegação d'aquelles rios era um dos objectos das negociações.

Houve uma occasião em que Portugal poderia ter aproveitado essa concessão de livre navegação do Zambeze para obter do governo inglez concessões valiosas.

Ha no Livro azul inglez um despacho do sr. Petre ao seu governo, datado de 30 de outubro de 1888, despacho em que elle dá conta de propostas feitas em nome do seu governo ao governo portuguez, e da repulsa que ellas obtiveram. N'esse despacho o sr. Petre propunha, com respeito á navegação do Zambeze e cio Chire, que Portugal concedesse de motu proprio as facilidades de navegação e transito, que a Inglatarra desejava, como equivalente de outras vantagens que Portugal obteria.

Por aqui se vê quanto as nossas condições vão de mal para peior, porque agora mandam-se canhoneiras para o Zambeze, sem nos pedirem nenhum consentimento.

Da Europa passando para a Africa, via-se que ali estavamos em estado de guerra com a Gran-Bretanha. O fuzilamento de dois soldados portuguezes, e a queima da bandeira portugueza pelo agente consular Buchanan eram actos que se não praticavam senão em estado de guerra.

O orador leu o protesto feito contra esta barbaridade, perante as nações civilisadas, pelo governador de Quelimane, protesto feito em nome de Sua Mrgestade El-Rei, e disse que esse protesto tambem não era compativel senão com esse estado de guerra; porque, em tempo de paz, a unica pessoa em Portugal que tinha o direito de protestar em nome de Sua Magestade El-Rei, perante as nações civilisadas, era o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Agora a enviatura de duas canhoneiras de guerra pelo governo inglez accentuava definitivamente o estado de guerra.

Todos estes factos eram de tal maneira graves que suscitavam aã mais justificadas e ominosas apprehensões. Era necessario não esquecer que tanto as fronteiras occidentaes da provincia de Moçambique, como as orientaes de
Benguella e de Mossamedes, estavam ainda indeterminadas; e que no centro da Africa meridional, entre essas nossas provincias occidentaes e orientaes, estava agora assentada uma companhia ingleza; que essa companhia não tinha se-

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não um pensamento, o de dar um grosso dividendo aos seus accionistas. Por outro lado, todos os desastres que estava-mos experimentando na Africa, não podiam senão enfraquecer o nosso prestigio; que a nossa retirada para aquem do Ruo, o desastre do Bibe, a queima da nossa bandeira, e agora a entrada no Zambeze da bandeira ingleza, haviam de necessariamente abalar o animo dos indigenas, que, destituidos de todo o sentimento de lealdade e dedicação, tomavam sempre o partido do mais poderoso. D'aqui derivavam para elle, orador, os receios que tinha manifestado de perigo imminente para aquelles mesmos dos nossos dominios que ninguem nos contestava.

De todos estes elementos incendiarios, que tinha enumerado, poderia surgir uma catastrophe, que viesse de subito surprehender o paiz, e cujos effeitos calamitosos ninguem podia calcular. Concluiu insistindo com o governo para que annuisse a que o estado das negociações com a Inglaterra fosse discutido em sessão secreta.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Poucas palavras dirá, attento que está prorogada a sessão.

Não discute se as indiscrições são ou não um bom systema diplomatico, mas affirma que uma vez que pendem negociações sobre o nosso litigio com a Inglaterra, entende que não se devem perturbar essas negociações com quaesquer referencias ou esclarecimentos.

Nem só elle pensa assim, mas vê que noutros paizes se pensa do mesmo modo.

Cita as negociações entre a Inglaterra e a Allemanha, e, após algumas considerações, faz desferir esse facto em abono do que avança, por isso que aquellas potencias nada revelaram nunca ácerca do tratado que ultimamente concluiram.

Mas, permitia o digno par que lhe diga, e com magua, por ter em muito a nobreza do seu caracter e a largueza das suas vistas: estranhou ver que naquella camara s. ex. viesse dizer que não ha solução possivel para um assumpto de melindre tal como o das negociações com a Inglaterra.

Não discute o que os jornaes dizem, mas quizera que a opinião publica fosse mais bem orientada pela imprensa ingleza, porque a imprensa, sendo uma grande força, convem que seja bem dirigida.

Assim, estimaria que em Portugal houvesse no jornalismo um unico sentimento nesta questão, qual a de não difficultar, antes facilitar, a acção do governo quando elle tende a resolver digna o vantajosamente qualquer questão de interesse nacional, principalmente, quando, como na actualidade, se acha a braços com uma questão gravissima.

Deixem concluir as negociações diplomaticas, e que depois lhe tomem contas, que o arguam se porventura se provar que deixou de empregar todos os seus esforços a leval-as a bom termo, ou se acaso virem que por culpa sua não foram attendidos os interesses da nação.

Igualmente desejaria que no parlamento nenhuma voz, e muito menos uma voz das mais auctorisadas, proclamasse que para as nossas actuaes negociações diplomaticas não ha solução boa possivel. Affirmar tal, contraria a intenção de quem o profere, porque, a seu ver, não pratica um acto patriotico.

O sr. Costa Lobo: - Interrompendo, pondera que o orador labora num erro, visto como o que se dissera fôra que, attentos os factos, que mencionou, a orientação do governo mal poderia conduzir este assumpto a uma feliz solução.

O Orador: - Folga com esta declaração, por lhe custar realmente que da parte de s. exa., que em verdade preza os interesses do paiz, fosse possivel manifestar-se de um modo tão contrario a elles.

Sustenta em seguida que a convenção de limites entre a Inglaterra e a Allemanha em nada nos prejudica.

Quanto ás pretensões da Inglaterra á livre navegação do Zambeze, tem a dizer ao sr. Thomás Ribeiro que nenhuma alteração ha na maneira como o governo considerou sempre o direito de navegação n'aquelle rio.

Estranha que o sr. Costa Lobo asseverasse que os factos provavam que, fosse qual fosse o pensamento do governo, que aliás s. exa. affirmou não conhecer, jamais se chegaria nas negociações com a Inglaterra a uma feliz solução.

Ignora s. exa. se é bom, se mau, o pensamento do ministro dos negocios estrangeiros, se a sua idéa é ou não vantajosa, se o seu proposito tem ou não valor, se as suas intenções se dirigem ou não a um fim util, mas em todo o caso vae de antemão condemnando tudo aquillo que tem em mente para conseguir uma solução rasoavel.

Maravilha-se do que se queixem os dignos pares por dizerem os jornaes inglezes que a questão é finda, quando em Portugal, no parlamento, um dos seus membros se levanta e- diz que, qualquer que seja o procedimento do governo, o reputa desde já prejudicado?!.. .

Se isto fosse dito por aquelles que têem interesses contrarios aos do governo, comprehendia-se; mas, por aquelles que se dizem empenhados na boa solução das nossas justas pretensões, não se comprehende.

Quer a camara que lhe diga o que os factos provam?

Provam que o governo tem empenhado todos os seus esforços, tem produzido todas as suas diligencias, tem empregado e continua a empregar a mais decidida e energica vontade no intuito de alcançar no litigio com a Inglaterra uma solução que nos seja condigna. (Apoiados.) Definidos que sejam os nossos direitos, delimitada por uma vez a nossa esphera de influencia em Africa, cessarão todas as contingencias, todos os conflictos que ha pouco se teem traduzido era occorrencias verdadeiramente lamentaveis.

Sc, pois, conhecem que se trata de interesses vitaes para o paiz, se o parlamento não póde duvidar de que elle, orador, tenha posto toda a sua boa vontade em alcançar nas negociações em que andámos empenhados um exito favoravel, se comprehendem que não póde dar explicações, só porque em interesse da nação as não póde dar, como então se entende que o parlamento, era vez de dar força ao governo, n'uma conjunctura, gravissima e angustiosa, trate quasi exclusivamente de obedecer a preoccupações partidarias?!...

Se o parlamento não une a sua voz á do governo, tira-lhe a força e a auctoridade de que tanto carece para levar a bom termo esta questão.

Como que se comprehende que o sr. Costa Lobo venha augmentar as difficuldades que já existem?

Pede a s. exa. que ajuize convenientemente d'estas suas palavras, e que n'ellas não veja nem sequer assomos de serem ditadas no interesse, para si muito secundario, de occupar o logar de ministro, que aliás tem para si mais amarguras que benesses.

Pede a s. exa., pede á camara que ponham de parte as vistas estreitas da politica partidaria, que compulsem devidamente a situação actual, a fim de ver se é possivel conseguir um resultado com o qual nos possamos dar por satisfeitos.

Fica o seu pedido consignado e a camara resolverá como entender.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando for restituido.}

O sr. Thomás Ribeiro: - Diz que o seu grito constante, desde o principio, fôra: "Unamo-nos todos!" mas quem logo se separou, levantando-se como um só homem e julgando-se capaz de arcar com todas as difficuldades, fôra o governo.

"Unamo-nos todos!" esta havia sido sempre a sua doutrina, e ainda bem que o sr. ministro dos negocios estrangeiros vem agora para o seu lado, se bem sinta que s. exa. não o houvesse feito mais cedo, porque n'este momento talvez já seja tarde.

Acha que o sr. ministro dos negocios estrangeiros se não

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tem rasão para estar indignado, ao menos tem desculpa, a sua situação é demasiadamente embaraçada e na sua consciencia ha provavelmente alguma cousa que o argua.

O ST. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Protesta e diz que na sua consciencia nada ha que o argua.

O Orador: - Replica-lhe que não ha perfectibilidade humana, nem mesmo em s, exa., que todos nós errâmos e que é possivel, senão provavel, que s. exa. tenha errado nas suas negociações, tanto na sua iniciação, como na continuação d'ellas. Dizer o contrario d'isto, seria lisonjear a s. exa., mas não sabe lisonjear ninguem, nem mesmo um dos seus melhores amigos, qual o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Não sabe como se ha de viver com o governo.

O orador formulara conscientemente as suas perguntas respondêra-lhe a algumas d'ellas o sr. ministro da marinha, deixando outras para que lhe respondesse o seu collega dos estrangeiros.

Esperara que s. exa. fallasse, sem lhe dar ocasião a que de novo se inscrevesse, mas eis que o sr. ministro dos negocios estrangeiro fallou, e logo deu motivo a novamente usar da palavra, o que para si proprio, e para o governo de certo não é muito agradavel.

Diz que os ultimos acontecimentos, os derradeires, os novissimos, porque tambem, ha novissimos em politica, como na religião christã, obrigaram o governo a vir áquella camara. Mas que por fim o sr. ministro da marinha e ultramar dissera que não era do modo, como o fiz que. eu devia tratar as questões africanas, senão passando a interpellal-o ácerca do seu plano colonial.

Não sabe como viver.

Se porventura se é timido na maneira de perguntar, protesta logo o sr. ministro da marinha que não é esta a maneira de discutir; se acaso alguem faz com mais largueza quaesquer perguntas, como ha pouco o fizera o sr. Costa Lobo,
levanta-se de outro lado o sr. ministro dos negocios estrangeiros, clamando que isto não se póde fazer no parlamento.

Pede a s. exas. lhe indiquem qual a norma a seguir no seu procedimento, porque não sabe o que ha de fazer.

Julga que o governo faria melhor, em vez de se indignar convocar os dignos pares para uma sessão secreta.

Passa a formular de novo a pergunta, que já fizera, com referencia a occupação de Chilomo, do fuzilamento dos sipaes, da queima da bandeira portugueza, e insiste em que lhe digam se estes factos, attribuidos a auctoridades inglezas, constituem ou não quebra do stafa que estipulado depois do ultimatum?

Tem por bem clara esta sua pergunta, e, não obstante, ficará sem nada saber ácerca da opinião do governo.

Reproduz tambem o que já apresentara sobre a organisação da milicia de Quelimane, 0 estranha a resposta do sr. ministro da marinha.

Estranha igualmente que depois do ultimo telegramma, vindo de Moçambique a 16 de maio, até á actualidade não viessem mais noticias de importancia d'aquella nossa provincia ultramarina e tão pouco as buscasse ter s. exa.

Com muita satisfação ouvia no emtanto dizer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, quanto á navegação do Zambeze e ás canhoneiras inglesas que de modo nenhum acceitava outro estado que não fosse o anterior.

Sendo assim, entende que ou havemos de resistir pela força á entrada das canhoneiras inglezas no Zambeze, ou esperarmos que por um acto de prudencia do governo inglez essas canhoneiras fiquem desarmadas nos areaes d'aquelle rio.

Outra resolução não vê a este assumpto, mas o governo nada diz com respeito a ella.

Importa este silencio o querer levar muito mais longe os seus escrupulos do que os levara o ministro dos negocios estrangeiros inglez, porquanto em plena camara nada

objectou aos insultos que ali nos foram dirigidos, acabando por dizer que quanto á navegação do Zambeze constituia isso um direito internacional e que a ninguem potencia o direito exclusivo d'essa navegação.

Pergunta agora se está ainda no seu logar o governador de Quelimane, e fazendo esta pergunta nada tem com este funccionario, senão sómente notar o seu enthusiasmo por Portugal.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Não está.

O Orador: - Exalça a coragem d'aquelle funccionario, e pede licença ao sr. ministro da marinha para lhe citar o seguinte verso latino, a seu parecer, talhado de molde para o que s. exa. promettêra com o seu plano colonial:

Fortunam Priami cantabo et nobile bellum.

O discurso do digno par será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Diz que não provocara áquella questão na camara, nem se associara a quem a provocou.

Todavia, ha muito que por vontade propria desejava pedir ao governo explicações sobre o assumpto do debate; mas não o fizera, principalmente por entender que iria, segundo o estado actual da nossa politica interna, estabelecer uma discussão inutil e se acharia só.

Declara, porém, que muito folgara com o discurso do sr. Costa Lobo e com elle está plenamente de accordo.

Este pleno accordo com s. exa. talvez que só agora se desse pela primeira vez. (Riso.)

S. exa. fallára como um verdadeiro portuguez, com uma prudencia, com perfeito conhecimento das coisas; mas, em compensação d'isto, admira-se de como o sr. ministro dos negocios estrangeiros lhe pretendesse dar uma severa correcção.

Referindo-se ao discurso do sr. ministro dos negocios estrangeiros, allega que se a theoria de s. exa. passa, se a camara lhe deferir á sua imposição de silencio, n'esse caso, elle, orador, é ai de mais.

Reputa a quentão de que se trata, não é uma questão com a pessoa dos srs. ministros ou de uma successão do governo, mas uma questão de paz ou de guerra para a nação e que póde resultar numa completa transformação para a patria.

A seu arbitrio, não ha homem nem governo que possa dizer a um paiz, numa situação gravissima, que confie no seu patriotismo e que esteja calado.

Não sabe, pois, em que auctoridade se firma o sr. ministro dos negocios estrangeiros, para que sob um inquebrantavel silencio dissimule os seus actos e os do governo transacto.

Em si não ha interesse algum politico, nem falla em nome de alguem, para que possa succeder ao governo actual, mas unicamente como portuguez, sendo que em tudo em que deva auxiliar os srs. ministros o fará, sem ser mister sollicital-o.

Vae dizer o que entende relativamente ao modo de tratar a questão que se debate, se bem não quizesse, nem quer ter a responsabilidade da iniciativa de convidar os srs. ministros a dar explicações n'aquella camara, quando era de mais notorio o que se tinha passado na outra casa do parlamento, isto é, que o governo resolvera não dar nenhumas.

Desde que assim resolveu o governo, parece-lhe que o melhor teria sido que, ou elle não viesse á camara ou pedisse uma sessão secreta, se tinha receio de que a publicidade de alguma palavra indiscreta podesse prejudicar as negociações pendentes.

Na conveniencia de uma sessão secreta fallára já por occasião de ultimatum.

Mas aquelle receio seria infundado, porque tem por notorio, que em todos os paizes que tem inscripto nas suas

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constituições a irresponsabilidade das opiniões dos membros dos corpos legislativos, sabem perfeitamente que não ha responsabilidade pelo que cada um diz, excepto aquelle que se estabelece, tanto para as relações internas como externas.

Exigir explicações pelo que um membro do parlamento disse, ainda não viu e esperará que não verá.

Póde o silencio que guarda o governo ser-lhe muito commodo, mas o que é certo é que ainda o não viu preceituado ou defendido por publicista algum.

Distingue entre o fundo de uma questão e a forma das suas. negociações e sustenta que em paizes de systema representativo o fundo da questão deve ser resolvido pelos representantes da nação, ficando o methodo ou a ordem das negociações unica e exclusivamente ao poder executivo.

Querer que um paiz, que se rege por tal systema, espere em silencio mezes ou annos pelo resultado de uma negociação, que póde ser dirigida em sentido diametralmente opposto aos seus interesses, entendo que não deve ser.

O sr. conde da Arriaga dissera ha pouco que as negociações sobre Lourenço Marques havia durado cincoenta annos, e pergunta se porventura quererá o governo que outros tantos dure o seu silencio para não prejudicar as negociações, ao passo que a outra parte contratante prescinde do silencio e vae, umas vezes, tomando-nos uma porção de terreno, outras, mandando fuzilar soldados portuguezes, queimando a nossa bandeira e introduzindo navios de guerra pelos rios de que temos exclusivamente a soberania, segundo a opinião do paiz!

Reporta-se de novo ao ultimai um de 11 de janeiro, e lembra que então perguntara ao sr. Barros Gomes qual a rasão que levara o governo progressista a cumpril-o, depois de ter resolvido demittir-se, e que s. exa. em vez de logo lhe dar explicações claras e terminantes, pedira ao governo actual que mandasse publicar todos os documentos referentes ao assumpto, resolvendo este governo nada publicar, nem dar explicações algumas, pedindo a par d'isso que a camara guarde o mais absoluto silencio. E, não obstante, d'esses documentos são publicados em Inglaterra aquelles que são mais ignominiosos para nós.

Acaso esperaria o governo que esta publicação, por ser em inglez, não produzisse effeito em Portugal?

Assim de certo fôra, se todos entre nós desconhecessem a lingua ingleza; mas, havendo em Portugal quem a conhece, pergunta qual o motivo por que o parlamento britannico tem á sua disposição todos os documentos referentes a este assumpto, e o parlamento portuguez não tem um unico!

Ora, se isto corre entre nós por este modo, declara-se então que em vez de representantes do paiz, sómente aqui ha uma representação ficticia.

Repete o que já dissera, a saber: não comprehende que se estenda a mão ou se mantenham relações com qualquer pessoa de quem se tenha recebido uma affronta que imprime labéo e deshonra.

Muitas pessoas lhe têem dito que a Inglaterra, segundo os documentos que publicou, tivera rasão no ultimatum que nos dirigiu, e julga que n'este caso era dever do governo contrastar esses com documentos portuguezes.

Outras pessoas, porém, sustentam o contrario; isto é, que a Inglaterra fora injusta e offendêra gravemente uma nação de ha muito ai liada sua e sua amiga.

Se esta ultima é a hypothese verdadeira, em todo o coração portuguez o primeiro sentimento que o deve impulsionar é o da guerra e não de paz ou de negociações.

Comprehende por isso o desejo que predomina em Franca, depois da perda da Alsacia e da Lorena, mas não comprehende que em Portugal, após a affronta que lhe fez a Inglaterra, se deseje amisade com essa potencia.

Porém, como saber ao certo quem tem rasão, se o governo se recusa a dar quaesquer explicações ou a publicar quaesquer documentos, se emfim, esquiva os meios que lhe indicam para alliviar se, sem todavia se comprometter, da responsabilidade que assumiu por inteiro?!

Conseguintemente, cumpre-lhe instar por uma sessão secreta, e estranha o orgulho com que o governo a tem rejeitado.

Não dirá que esta questão não tenha uma solução, senão soluções diversas. No emtanto, parece-lhe que nos termos em que ella está sendo tratada, a solução será uma unica e já indicada pelo que o sr. ministro da marinha disse ao sr. Thomás Ribeiro: esperar, para saber o que é nosso, a fim de se pôr em execução o plano colonial do sr. ministro da marinha.

Mas, n'este caso, deve observar ao dito sr. ministro que o melhor que s. exa. tem a fazer é offerecer esse plano aos futuros possuidores do que é nosso.

Diz depois que a Providencia, que ás vezes se encarrega de velar pelos ignorantes e pobres de espirito, preparara as cousas de modo que o paiz vizinho se vira na necessidade de solicitar um rei portuguez.

Que Deus se compadecera de nós e nos proporcionara o meio de podermos ser uma grande nação, e que um principe portuguez respeitabilissimo, cuja memoria todos ainda muito veneram, quanto não menos deploram a sua morte, a isso se prestava, mar que as negociações se romperam, e esse rompimento, em sua opinião, fôra mil vezes peor do que o peor desenlace na actual questão com a Inglaterra.

Se houvesse sortido effeito o que então se negociava, se Hespanha e- Portugal fossem uma unica nacionalidade, jamais teria vindo á Inglaterra o appetite de navegar pelos nossos rios, nem de arrebatar sequer um palmo das nossas possessões.

Mas vê com mágua que não quizeram isto e antes querem ser uma nação pequena e humilde ante aquellas que a ultrajam e guardar silencio para com os seus representantes das circumstancias que motivaram ou com que se pretextou esse ultraje.

Por este systema acha facil antever o futuro que nos espera.

Conclue, dizendo que seja qualquer o lado para onde nos voltemos, a terra que pretendam reunir a este paiz, ha de ser necessariamente a terra hespanhola, ponderado que por todos os outros lados sómente temos agua em torno de nós.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Pereira Dias: - Começa por dizer que pedira a palavra, quando estava fallando o sr. conde de Arriaga, que, a seu ver, fôra a origem de se prolongar este debate, o qual assumiu tal importancia e gravidade, que pede licença a s. exa. para lhe não responder e para tambem declarar á camara que pouco tempo lhe occupará a attenção.

Não será elle que contestará o direito que o governo tem de guardar silencio sobre as negociações diplomaticas com a Inglaterra, mas protesta contra a classificação de portuguezes, ou de outro partido. Está plenamente convicto de de um qualquer que seja o partido a que todos pertençam, e ainda que não pertençam a nenhum, todos n'esta questão só são portuguezes e todos desejam a prosperidade da sua patria.

Vê com estranheza que quem fizera a distincção a que alludiu, fora o sr. ministro dos negocios estrangeiros, ao dirigir-se ao sr. Costa Lobo, a quem dedicou uma attenção especial, por ser s. exa. quem é, na verdade muitissimo respeitavel, mas que sob o ponto de vista de portuguez, não o é mais do que qualquer outro.

Tem-se por muito moderado, consoante a camara tem visto, mas não porque receie qualquer resposta incorrecta.

Elle, que está quasi resolvido, por casos de força maior, a soffrer as petulancias dos ministros inglezes, não obstante ha-de custar-lhe muito soffrer, não dirá as petulancias, mas

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328 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

um certo feitio, um certo modo de responder a qualquer representante do paiz, da parte dos ministros portuguezes.

A sua moderação deriva principalmente da comprehensão que tem da gravidade das circumstancias, e pede aos seus collegas e ao governo que lhe não metiam medo, porquanto já ali o sr. conde de Arriaga fallára em palmatoria, porque lhe parece possivel que se queira applicar aos representantes do paiz este correctivo.

Julga que nas actuaes circumstancias devem todos ser moderados o mais possivel, e promette que, pertencendo ao partido progressista, quando opportunamente se liquidarem as responsabilidades de todos, não approvavá por indisciplina partidaria, o que lhe parecer máu, nem pelo contrario deixorá de approvar o que se lhe afigurar bom.

Porém, na sua opinião imparcial, essa opportunidade ainda não chegou.

Argue o sr. ministro dos negocios estrangeiros, por ter sido injusto para com o sr. Costa Lobo, e pede-lhe que as suas palavras, ao mesmo tempo que têem por fim não melindrar as susceptibilidades inglezas, não melindrem as portuguezas.

Tambem reputa as palavras do sr. ministro da marinha menos convenientes na actual conjunctura. No emtanto, accedendo ao pedido do sr. ministro dos negocios estrangeiros, não accentuará a inconveniencia d'essas palavras, mas referir-se-ha a outras que o sr. ministro dos negocios estrangeiros proferiu na camara dos senhores deputados, quando affirmára que a Inglaterra era respeitadora do direito internacional.

É o primeiro a reconhecer que a posição do sr. ministro não lhe consente exprimir-se de maneira que susceptibilise a Inglaterra, mas pergunta se s. exa. não teria outra phrase, para que attendendo ás conveniencias para com a nação ingleza, satisfizesse simultaneamente ao sentimento nacional.

É por isto que está disposto a não proferir palavras inconvenientes e a acceder ao pedido do sr. ministro dos negocios estrangeiros, pedindo, comtudo, aos srs. ministros que sejam mais pautados e convenientes no que hajam, de dizer.

Estranha que s. exas. quando faliam, nunca se esquecem de dizer: "Todas estas difficuldades não as creámos nós, mas herdámol-as da situação transacta". Assim será, mas o partido progressista, por seu turno, poderá dizer tambem que herdou muita cousa má das situações regeneradoras.

Garanto por ultimo ao governo, que na questão com a Inglaterra, póde contar com elle, como um verdadeiro portuguez, embora não seja seu partidario.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto ao notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros Gomes.

O sr. Barros Gomes - Eu não desejo de modo algum antepor-me ao sr. José Luciano. Eu pedi a palavra depois de s. exa.

O sr. Presidente: - Não ouvi. Tem a palavra o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: - Peço a v. exa. que de a palavra ao sr. Barros Gomes.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros Gomes.

O sr. Barros Gomes: - Estranha que se diga que as difficuldades da situação presente lhe fossem herdadas pela passada, porque, a seu ver, as difficuldades na questão internacional procedem da defeza dos direitos de Portugal, que foi imposta pela vontade unanime da nação.

A este respeito allega que existem documentos, que tiveram uma larga publicidade, e nos quaes se affirmam as suas idéas, de quando era ministro, o seu plano colonial e a maneira como pretendeu zelar os interesses de Portugal, sendo todos esses documentos alvo dos applausos do paiz.

O que o governo transacto sempre fez n'esta questão foi defender por todos os meios ao seu alcance os nossos direitos em Africa, e n'este empenho proseguia, quando, por um procedimento, que raros precedentes tem na diplomacia, o presidente do gabinete inglez nos fez victimas de circunstancias que não se poderam evitar.

Condemna que o sr. visconde de Moreira de Rey viesse fazer profissão de iberismo em plena camara de pares e sobre isto que afformasse a sua solidariedade de idéas com o sr. Costa Lobo, quando, nem na conclusão, nem no principio do seu discurso, estava de accordo com aquelle; digno par, que no que dissera fôra sempre guiado por um sentimento de verdadeiro patriotismo.

Sustenta depois que se mantenha o sr. ministro dos negocios estrangeiros na sua reserva, se porventura tiver a convicção que d'ella poderá resultar vantagem para o bom andamento das negociações: de contrario, vá então preparando um pouco o espirito publico, para que não seja colhido de surpreza por qualquer facto extraordinario.

Declara discordar tambem do sr. visconde de Moreira de Rey ao affirmar s. exa. que não conhecia nenhum publicista, que podesse apoiar o governo na reserva que elle guarda quanto ás negociações pendentes.

Podia, ao revez do que s. exa. dissera, citar muitos publicistas ou ir buscar exemplos aos parlamentos estrangeiros, mas não o quer fazer, mas ater-se apenas ao que preceitua a nossa carta constitucional.

O orador expõe então o que ella a este respeito determina e assim dá por justificada a sua asserção.

No emtanto julga que talvez seja exagerada a reserva de sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Corrobora o que o sr. Costa Lobo expendera ácerca da imprensa ingleza e que, quando ella arrasta ali a opinião publica, não ha estadista que a possa contrastar.

Nega depois que quando ministro tivesse mostrado as exigencias do representante inglez nesta côrte, os telegrammas que enviava para Moçambique, e embora lhe attribuam isto, tem comtudo testemunhas do contrario, sendo a primeira o proprio ministro inglez.

Dá conta dos aleives de que somos victimas nos jornaes inglezes. e aconselha a que esta propaganda de infamia contraponhamos outra propaganda - a da verdade. Para isto ha varios meios decorosos, empregados pelos governos de todos os paizes.

Convem comtudo fazel-a para que se modifique a opinião publica em Inglaterra e ali se convençam do nosso direito, pois que sem isso não poderia nunca o governo inglez, fazer qualquer cousa a nosso favor, por maior que fosse a sua boa vontade.

Assegura que no dia em que poder dar conta de si ao paiz-e não será preciso que vá aos tribunaes, aonde o sr. visconde de Moreira de Rey o quizera - levar, a proposito de outra questão - acatará o veredictum de s. exa. e de todos aquelles que tiverem de pronunciar-se sobre a sua responsabilidade no litigio com a Inglaterra. Mas o que não póde é exigir do actual sr. ministro dos estrangeiros que lhe publique já os documentos necessarios para sua justificação.

O orador passa agora a responder ao que o sr. conde da Arriaga dissera e pedira aos srs. tachygraphos que não escrevessem; e termina por lastimar que haja entre nós alguem que tente apreciar a acção do governo portuguez, no litigio com a Inglaterra, por meio de documentos inglezes.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par, o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: - Cedo da palavra.

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SESSÃO DE 20 DE JUNHO DE 1890 329

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã; a ordem do dia é a apresentação de pareceres.

Esta levantada a sessão.

Eram sete horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 20 de junho de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Duque de Palmella; Marquezes, da Praia e de Monforte, de Rio Maior, de Sabugosa, de Vallada; Condes, das Alcáçovas, de Alemtem, de Alte, d'Avila, da Arriaga, de Carnide, de Lagoaça, de Thomar, de Valbom, do Bomfim; Bispo da Guarda; Viscondes, da Azarujinha, da Bouça, de Moreira do Rey, de Soares Franco, de Valmor, de Paço de Arcos; Barão de Almeida Santos; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Caetano de Oliveira, Sousa e Silva, Antonio J. Teixeira, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Basilio Cabral, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Hintze Ribeiro, Firmino J. Lopes, Costa e Silva, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Ferreira Lapa, Holbeche, Mendonça Cortez, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro.

O redactor = Ulpio Veiga.

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