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238 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

letarismo contra a propriedade, e da anarchia contra a ordem; e em que a par do antagonismo que d’ahi vem, entre as differentes classes da sociedade que é o peior de todos os males, e a maior de todas as desgraças, se quebrem e se rompam os laços sociaes, e se destruam e aniquilem as verdades e as doutrinas sobre que assenta a paz e o governo das nações.

Sr. presidente, são estes os grandes males que nos devem preoccupar e assustar a todos, e não os males da reacção e do absolutismo. São aquelles males, que nós todos devemos procurar remediar, como amigos das instituições, como amigos de nós mesmos, e como amigos da nossa querida patria. E estes remedios os mais efficazes e salutares, sabe v. ex.a e sabe a camara, que são as crenças religiosas e moraes, o robustecimento da fé, o levantamento do espirito religioso no paiz e a consequente reforma dos costumes, para chegarmos todos ao viver religioso e christão, que inspira as grandes virtudes civicas e viris, a abnegação, o patriotismo, o valor e a honra que tornaram outr’ora respeitado e admirado em todo o mundo o nome portuguez.

Para isto, porém, se conseguir, sr. presidente, é necêssario que nós todos trabalhemos para o mesmo fim, com a nossa palavra, com a nossa auctoridade e sobretudo com o nosso exemplo, para que se não diga, como dizem muitos, que a religião é só para a gente pobre e humilde dos campos.

O que é necêssario sobretudo é que o governo dê o seu apoio á religião e aos seus ministros, porque, ai da sociedade, se alguem pretender governal-a sem Deus, sem templos e sem altares, ou se pretender substituir á moral Santa do Evangelho, a que devemos os esplendores da civilisação que gosâmos, essa moral evolucionista, independente, e fundada só na idéa do bem de que tanto fallam as theorias modernas.

Ai! da sociedade, sr. presidente, se, banindo do seu seio o sentimento religioso e o temor de Deus, não ficar para ella áquem da campa senão essa moral, e au de lá se não o nada. E, se alem das suas leis, da sua força publica e do seu podér material não houver outro poder que impere nas consciencias o ncs corações, e não tenha outra sancção senão as penas do codigo penal, os ferros da prisão e as costas de Africa.

Com a força e com o poder material podem intimidar-se os animos, constrangerem-se as vontades e trucidarem-se os corpos, mas não se podem ganhar almas, illustrar entendimentos, conquistar consciencias e captivar corações.

Temos mandado, e infelizmente estamos mandando ainda para as nossas colonias, expedições que nos levam rios de dinheiro, e que aggravam cada vez mais a situação financeira da metropole.

Pois, essas expedições, sr. presidente, apesar do seu valor militar e do muito dinheiro que nos custam, não apaziguam o gentio, não tornam respeitado e reconhecido o nosso dominio n’aquellas paragens e não civilisam aquelles infelizes, como faz tudo isto só o missionario, o ministro de Christo com a cruz e o Evangelho.

Vejam o que lá estão fazendo entre outros os padres do Espirito Santo, e, digam se é possivel fazer-se o mesmo com polvora e soldados.

Felizmente, têem vindo já dos bancos de alguns dos srs. ministros a confissão d’esta grande verdade, e praza a Deus que venha tambem em breve dos poderes publicos a auctorisação e o apoio para nas nossas colonias se estabelecerem, como fazem os outros paizes, congregações e missões religiosas que levem áquellas longinquas paragens com as luzes da fé os beneficios da civilisação.

Mas, sr. presidente, voltando ao continente o ao ponto em que estavamos, é este grande poder da religião e da fé e de que os bispos são, por assim dizer, os instrumentos, é este grande poder que nós offerecemos de boa vontade ao governo e a todos os homens do nosso paiz para de commum accordo trabalharmos todos desinteressadamente, lealmente e honradamente na reforma dos nossos costumes e na regeneração da nossa querida patria.

E apesar do nosso decaimento em tudo, na religião e na politica, ninguem desdenhe do valor e importancia, ainda hoje, d’este grande poder.

Á voz da religião, e só da religião, reuniram-se este anno no alto Sameiro milhares e milhares de fieis vindos das mais distantes provincias de Portugal.

Os meus olhos ainda não viram, e talvez não tornem a ver, um espectaculo tão grandioso e sublime, e que mais eloquentemente expressava as grandes maravilhas e os grandes prodigios da fé.

Nenhum outro poder da terra poderá realisar manifestações assim, embora gastem o oiro dos seus thesouros e as influencias da sua politica.

Façam no alto Sameiro as mais luzidas festas profanas para celebrar as mais brilhantes glorias da terra, mas não esperem que suba lá tanta gente como subiu na peregrinação a pé, e com tanto sacrificio, e vinda alguma dos ultimos confins do paiz, não para se divertir, não para ver pompas e grandezas mundanas, mas unicamente para dar testemunho publico dos seus sentimentos religiosos e para prestar culto o adoração á Virgem Mãe de Deus.

Sr. presidente, e não vemos nós como um simples logarejo de Lourdes se converteu em pouco tempo, pelo podér da fé, n’uma cidade importantissima da França?!

Quando os bispos portuguezes vão visitar as igrejas das suas dioceses, essas visitas, pelo alvoroço e movimento religioso que produzem, podem-se dizer mais um triumpho esplendido da religião do que o simples cumprimento de um dever episcopal.

Quando eu, apesar de ser o mais humilde dos bispos portuguezes, visitei as freguezias da serra da Estrella, disse-me um homem muito illustrado e um politico muito liberal, que não sabia a quem aproveitava mais a minha visita, se á igreja, se ao estado.

Peço, pois, ao governo do meu paiz, não só ao que ora se senta n’aquellas cadeiras, mas áquelle que lhe succeder, peço a esta camara e peço a todos os homens do partido liberal, que no interesse da patria não duvidem de aproveitar-se da influencia salutar e benefica d’este grande poder para combater o egoismo, que tanto corrompe os corações e adormece as consciencias, e para levantar bem alto e para radicar-se bem no coração do povo os principios da auctoridade, a obediencia ás leis e as noções do justo, que por toda a parte andam tão perdidas.

Sr. presidente, as doutrinas não só religiosas mas sociaes e altamente humanitarias e patrioticas que o grande e incomparavel Pontifice Leão XIII está prégando continuamente do alto do Vaticano, com admiração e applauso de todo o mundo, doutrinas ás quaes nós, os bispos portuguezes, obedecemos fidelissimamente, deve desenganar a todos que nós queremos ajudar e auxiliar os governos temporaes, e por modo nenhum impedil-os ou embaraçai-os.

E que fundamento ha para duvidar de que sejam estes os sentimentos nobres, leaes e honrados dos bispos portuguezes, e que rasão ha para se suspeitar de que elles não respeitam a fórma do governo constituido e que não são fieis ao Rei, ás instituições e ao seu paiu? E que vagar ha tambem para se estar continuamente a gritar contra o governo por fazer a vontade aos clericaes, como se elles fossem os inimigos da patria e os causadores das suas desgraças?

Não tem sido para os clericaes que têem vindo os empregos, os ordenados e as ganancias que, alem de outras causas derivadas das circumstancias do Brazil, nos têem levado aos ultimos extremos da decadencia, da ruina, do descredito, e até já quasi ás vergonhas da bancarota.