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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 24

EM 18 DE FEVEREIRO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

José Vaz Correia Seabra de Lacerda
Francisco José Machado

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — O Digno Par Sr. Jacinto Candido chama a attenção do Governo para a necessidade do Ministerio Publico defender em juizo os parochos contra a usurpação dos seus passaes. Responde-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas.— O Digno Par Sr. Costa Lobo refere-se á questão dos sanatorios da Madeira.— Entre o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, o Sr. Presidente e o Sr. Ministro das Obras Publicas trocam-se breves explicações acêrca da comparencia, que aquelle Digno Par reclama, do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Ordem do dia — Discussão do projecto de lei (parecer n.° 29) que auctoriza a administração do porto de Lisboa por conta do Estado. Usam da palavra os Dignos Pares Srs. Espregueira e Jacinto Candido. Esgotada a inscripção é approvado o projecto.— O Sr. Presidente nomeia a deputação que ha de ir apresentar a El-Rei as leis ultimamente votadas. O Sr. Presidente do Conselho declara o dia e hora em que a deputação será recebida. — Tendo comparecido o Sr. Presidente do Conselho, o Digno Par Sr. Julio de Vilhena trata a questão dos Sanatorios da Madeira e propõe que seja nomeada uma commissão parlamentar de inquerito. O Sr. Presidente do Conselho expõe as razões por que não concorda com essa proposta. Usa novamente da palavra o Digno Par Sr. Julio de Vilhena. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. Prorogada a sessão até se votar a proposta do Digno Par Sr. Julio, de Vilhena, entram no debate os Dignos Pares Srs. Hintze Ribeiro, João Arroyo, Sebastião Telles e o Sr. Presidente do Conselho. E rejeitada a proposta, e levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 22 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Não houve expediente:

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Digno Par Sr. Jacinto Candido.

O Sr. Julio de Vilhena: — V. Exa. dá licença? Eu desejo usar da palavra quando esteja presente o Sr. Presidente do Conselho, para tratar da questão dos Sanatorios da Madeira.

Peco, pois, a V. Exa. que me reserve a inscripção, a fim de eu poder occupar-me d'este assumpto quando o Sr. Presidente do Conselho chegar.

O Sr. Jacinto Candido: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a attenção do Governo sobre uma questão que interessa á classe parochial.

Em poucas palavras direi qual é a questão: ella foi tratada recentemente no conceituadissimo jornal portuense A Palavra.

Como a Camara sabe, os parochos são usufructuarios dos passaes pertencentes ás igrejas onde exercem as suas funcções.

Acontece, porem, que algumas vezes os vizinhos d'esses passaes usurpam porções de terreno e dizem depois pertencerem-lhes por este ou por aquelle motivo.

Assim, Sr. Presidente, succedeu na freguesia de Santa Comba de Regilde, no concelho de Felgueiras.

O parocho viu-se obrigado, em defesa do passal que pertence á sua igreja, a propor acção contra um usurpador do seu dominio e chamou para ella a presença do Ministerio Publico.

Parece que o Estado deveria intervir sem reclamação na defesa dos bens pertencentes á igreja.

Mas, como assim não acontece, o parocho chamou a presença do Ministerio Publico, que assistiu ao processo, o qual correu como particular.

A breve trecho as delongas foram taes que o parocho já não podia com as despesas do processo, e por isso declarou ao Ministerio Publico que tomasse elle conta da questão, pois não podia Continuar a sustental-a.

O agente do Ministerio Publico oppoz-se com fundamento no artigo 2219.°do Codigo Civil, que diz que ao usufructuario cabe o direito de defender o usufructo nas mesmas condições que esse direito cabe ao proprietario.

Com esta doutrina se conformou o juiz da comarca.

O parocho viu-se assim na situação de não poder desistir do processo que intentou em defesa do passal pertencente á sua igreja, e ficou sobrecarregado com as despesas da demanda, ao passo que o usurpador continuava colhendo os resultados da usurpação.

Ora, Sr. Presidente, eu acato as attribuições do poder judicial e não discuto o despacho do juiz.

Quanto á acção do Ministerio Publico já não é assim.

O Ministerio Publico não é magistratura independente, não é um poder do Estado, é um representante do poder executivo junto do poder judicial, para solicitar a acção d'este poder na defesa dos interesses publicos em harmonia com as leis e instrucções do Governo. O caso de Regilde não é unico. Pelo contrario, casos semelhantes se dão em outras parochias e é por isso que eu reclamo uma providencia de caracter geral, que possa abranger os direitos e interesses de toda a classe parochial do paiz.

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Devo dizer que do estudo que fiz, vejo que este artigo 2219.° do Codigo Civil está inscripto n'um capitulo que se in titula — dos «direitos do usufructuario e não dos deveres.

Uma cousa é direito, outra é dever Se o usufructuario tem o direito d reclamar e de empregar os meios d defesa, não quer isto dizer que tenha dever legal, porque este artigo não está inscripto no capitulo dos deveres, e sim no capitulo dos direitos.

Segunda consideração: o mesmo artigo tem um paragrapho no qual se diz que quando o usufructo não é gratuito - mas oneroso, quer dizer correlativo s um encargo imposto ao usufructurio n'esse caso cabe ao usufructuario mesmo direito que dá ao comprador direito de evicção.

Exposta assim a questão, chamo para ella a attenção do Governo, pedindo providencias concretas que ponham termo a este estado de cousas.

Pode o Sr. Ministro da Justiça fazer expedir instrucções especiaes aos agentes do Ministerio Publico.

Mas supponhamos que o Governo entende que não pode elle por si dar instrucções aos agentes do Ministerio Publico para procederem n'este assumpto Se assim tor, peço ao Governo que traga ao Parlamento a questão, para ser tratada pelo poder legislativo.

O que é preciso é providenciar de maneira a evitar que os parochos se arrastem pelos tribunaes a pugnar pelo direito de usufructo dos passaes que lhes pertence.

Uma tal circumstancia, alem de constituir um sacrificio para muitos parochos, tambem não está em harmonia com o logar que elles occupam na sociedade como ministros da igreja.

O que eu desejo é que se acabe com estes abusos, e se proceda de maneira que seja garantido aos parochos o usufructo dos seus passaes.

Se o Governo não o pode ou não o quer fazer, então seja o poder legislativo quem tenha o encargo de defender a integridade dos direitos e propriedades da classe parochial.

Responda o Governo com franqueza, diga o que pensa, mas resolva se a questão.

Espero que o Sr. Ministro das Obras Publicas, que me está ouvindo com attenção, transmittirá ao seu collega da Justiça o que acabo de dizer.

Para auxiliar a sua memoria tomo a liberdade de enviar a S. Exa. o jornal A Palavra, a que ha pouco me referi.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): — Ouvi com toda a attenção as reclamações feitas pelo

Digno Par, e transmittil-as-hei ao meu collega da Justiça.

Se fosse necessario juntar o meu empenho pessoal ás reclamações do Digno Par, eu não teria duvida em o fazer, para que o mais rapidamente possivel se ponha cobro aos inconvenientes tes apontados por S. Exa.

Mas o Sr. Ministro da Justiça tomará certamente na maior consideração este assumpto, de que lhe darei conhecimento.

(S. Exa. à não reviu).

O Sr. Costa Lobo: — Mando para ; mesa o seguinte requerimento:

«Requero que, pelo Ministerio do Negocios Estrangeiros, sejam enviada a esta Camara, com urgencia, todas a publicações impressas recebidas n'esse Ministerio, quer da nossa legação em Berlim, quer de qualquer outra entidade. = A. Costa Lobo».

Este requerimento precisa, porém de uma explicação.

Está-se discutindo no Parlamento na imprensa a questão dos sanatorios da Madeira. Eu não deseje tratar agora tal assumpto, nem para isso es tou habilitado; desejo, sim, ficar ao corrente de uma questão tão grave como importante.

Peço simplesmente no meu requerimento a remessa de publicações ou impressos que hajam apparecido na Allemanha e que tenham sido enviados ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros pela nossa legação em Berlim.

Não faço nenhum pedido de documentos de caracter confidencial; peço unicamente as publicações ou impressos que são conhecidos na Allemanha.

Refiro-me a jornaes ou quaesquer outros impressos, e sei ser costume os nossos cônsules enviarem ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros artigos que apparecem na imprensa estrangeira e com respeito a Portugal,

Alem dos consules procederem como indico, sei que o Ministerio dos Negocios Estrangeiros é assignante de uma ou duas agencias de informação destinadas a recortarem dos jornaes estrangeiros tudo que trata de Portugal, e que as referidas agencias enviam esses artigos áquelle Ministerio.

Direi de passagem que isto demonstra a importancia que a imprensa tem mi toda a parte, e que nas nações estrangeiras a opinião publica forma-se pelo que dizem os seus jornaes.

Com a satisfação do requerimento que acabo de apresentar, não são por forma alguma infringidos os segredos ias relações diplomaticas.

Alem de tudo o mais, havendo, como se affirma, uma decisão de um tribunal de Berlim, sobre um dos pontos da questão dos sanatorios da Madeira, desejo saber como pensa a magistratura allemã, que é conhecida em todo o mundo pela sua integridade e sciencia, e que ficou celebre pela seguinte phrase de um moleiro: — Ha juizes em Berlim.

Terminando, direi que a questão dos sanatorios da Madeira é devida a uma concessão leviana e imprudente.

Não pode ser contestada esta minha affirmação.

(O Digno Par não reviu).

Foi lido na mesa e mandado expedir o requerimento do Digno Par.

O Sr. Francisco José Machado: — Sr. Presidente: mais uma vez insto perante V. Exa. pelos documentos que requeri pelo Ministerio da Fazenda.

O Sr. Presidente: — Vae fazer-se nova instancia.

Tinham pedido a palavra alguns Dignos Pares para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho.

Segundo me consta, S. Exa. está na Camara dos Senhores Deputados. Quanto ao Sr. Julio de Vilhena, já inscrevi este Digno Par para quando o Sr. Presidente do Conselho comparecer.

O Sr. Julio de Vilhena: — O que deseja saber é se S. Exa. ou o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros poderão comparecer á nossa sessão de hoje.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão) : — O meu collega dos Negocios Estrangeiros não pode comparecer hoje á sessão por ter recepção do corpo diplomatico; e o Sr. Presidente do Conselho, acabo de saber que está na outra Camara, como declarou o Sr. Presidente, porque segundo julgo se discutirá ali um projecto que corre pela pasta de S. Exa.

O Sr. Julio de Vilhena: — Parece que em vista das declarações do Sr. Ministro das Obras Publicas não pode comparecer nem o Sr. Presidente do Conselho, nem o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): — Não asseguro que não possam comparecer, mas julgo que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros tem hoje recepção do corpo diplomatico: e a informação dada pelo Sr. Presidente, de que se encontra na outra Camara o Sr. Presidente do Conselho, faz-me presumir que entra em discussão um projecto que corre pela pasta do Reino.

O Sr. Julio de Vilhena : — Em vista as declarações do Sr. Ministro das

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Obras Publicas não sei quando terei aqui o Sr. Presidente do Conselho.

Peco, pois, a V. Exa. me continue a reservar a palavra para quando estiver presente o Sr. Presidente do Conselho ou o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Presidente : — Vae passar-se á ordem do dia, e tem a palavra o Digno Par Sr. Espregueira.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei (parecer n.°29), que auctoriza a administração do porto de Lisboa por conta do Estado.

O Sr. Manoel Affonso de Espregueira (relator): — Se pudesse responder unicamente á parte do discurso do Digno Par Sr. José de Azevedo que se referiu ao projecto em discussão, facil seria a minha tarefa e por pouco tempo occuparia agora a attenção da Camara, tanto mais que o Sr. Ministro das Obras Publicas, no seu proficiente discurso, respondeu de maneira clara e cabal ao Digno Par que encetou este debate.

Mas como tenho de referir-me a outros pontos do discurso do Digno Par e especialmente á parte relativa aos incidentes que se deram por motivo da adjudicarão das obras do porto de Lisboa ao empreiteiro Hersent, a minha tarefa torna-se mais difficil e demorada.

O Digno Par Sr. José de Azevedo achou justas é fundadas as razões aqui apresentadas contra o projecto, como achou fundadas e justas as razões apresentadas em defesa do Sr. Ministro das Obras Publicas, concluindo, por isso; que o projecto tem uma feição especial.

Disse mais S. Exa. que este projecto era uma ampla auctorização parlamentar e que seria melhor que o Governo se limitasse a pedir ás Côrtes consentimento para fazer tudo o que quisesse e como quizesse sobre a administração e exploração do porto de Lisboa.

Tambem S. Exa. aproveitou a occasião para se referir ao meu illustre amigo Sr. Beirão, por este distinctissimo parlamentar ter dito na Camara electiva que não mais votaria auctorizações aos Governos.

Mas pergunto : em que consiste este projecto?

O projecto que se debate representa apenas a continuação de auctorizações de que o Governo está de posse, havendo a mais a designação especial de uma taxa de estacionamento que virtualmente se podia considerar incluida n'aquellas que o Governo já estava auctorizado a estabelecer, e o que se refere á organização de serviços e pessoal.

Pela lei de 1893 o Governo, perante qualquer questão suscitada entre a empresa e o Estado sobre a fixação das taxas e regulamentação dos serviços de exploração, ficava subordinado á decisão de um tribunal arbitral, o que não figura no projecto actual.

O projecto que se debate dá ao Governo o direito ou a faculdade de approvar ou modificar as tarifas e todos os regulamentos dos serviços propostos pela administração do porto, o que constitue uma grande vantagem para o Estado.

Relativamente ás tarifas de estacionamento, o Governo não apresentou uma cifra certa, porque assim não podia proceder.

As tarifas de acostagem, de carga e descarga, e de tudo o mais relativo á exploração do porto, teem de ser revistas e estudadas, e só depois o Governo poderá saber qual é a tarifa nova a accrescentar, de modo a não prejudicar o movimento do porto.

Eu não tenho duvida alguma em votar o presente projecto, por isso que elle representa um grande melhoramento; e entendo que os ataques dos Dignos Pares da opposição não teem razão de ser, principalmente se se attender a que no conselho de administração ficarão representados o commercio e todos os interessados no movimento do porto, incluindo os proprios serviços publicos, como são a alfandega e a capitania do porto.

Quanto ao pessoal, o conselho de administração fixará os quadros com inteiro conhecimento das necessidades dos diversos serviços, de accordo com as circumstancias, e attenderá ás habilitações que devem ter os individuos que compuzerem esses quadros.

Tambem o Digno Par Sr. José de Azevedo se referiu ás officinas para reparação de navios, estranhando que para isso o Governo pedisse auctorização, visto taes officinas poderem causar despesas muito elevadas.

Devo observar que officinas para reparação de navios já existem no porto de Lisboa, e existem por iniciativa da empresa exploradora.

Taes officinas, como é notorio, teem prestado excellentes serviços, vindo já a Lisboa, para concertar e reparar, barcos de importante tonelagem.

Mas é necessario melhorar essas officinas, porquanto muitos navios que passam perto do Tejo vão a Cadiz em vez de vir a Lisboa, por ali haver todas as installações essenciaes para a reparação de barcos de grande e pequena tonelagem.

S. Exa., ao referir-se á importancia destinada no projecto para as obras e installações, disse que a quantia mencionada no projecto, 1:500 contos de réis, era insufficiente.

N'este ponto estou de acordo, não pelas razões que deu o Digno Par, mas por outras, e, se fosse Ministro da Fazenda, corcordaria no augmento da verba, visto achar convenientes e até indispensaveis todos os melhoramentos a introduzir no porto de Lisboa, cuja receita tem augmentado de anno para anno.

Sou inimigo de despesas inuteis, mas, se fosse Governo, consentiria em que a verba de 1:500 contos de réis, estabelecida no projecto, fosse augmentada, visto que a reputo insufficiente, e não recuaria, perante quaesquer difficuldades financeiras, para o augmento de tal verba.

O que se vê é que desde já ficam assentes as bases para o proseguimento das obras, que serão executadas á medida que as necessidades as reclamem.

Quanto ao movimento da navegação no porto de Lisboa, existem elementos publicados para se apreciar bem o progresso que tem havido.

Em 1883 a arqueação dos navios que demandaram o porto de Lisboa foi de 3.615:617 toneladas, sendo o total em todos os portos do reino, incluindo Lisboa, de 7.778:236 toneladas.

O movimento de Lisboa representou cerca de metade do movimento total.

Em 1905 o movimento de Lisboa foi de 10.230:234 toneladas de arqueação e o total, incluindo tambem Lisboa, foi de 29.574:757 toneladas.

O augmento para Lisboa é de toneladas 6.614:617, e de 21.796:521 para todos os portos.

Vê-se bem que se dá o contrario do que aqui se disse, isto é, não e ás obras do porto de Leixões que se deve attribuir o augmento da navegação nos nossos portos, porque em Leixões esse augmento foi muito inferior ao que se deu n'outros portos.

Leixões teve em 1905 um movimento de 2.272:023 toneladas.

Para se estudar este assumpto ha estatisticas muito completas, as quaes constam desde 1900 dos documentos apresentados á Camara com os relatorios de Fazenda.

É esta mais uma razão para se recommendar o proseguimento das obras do porto de Lisboa e a boa organização dos serviços de exploração.

Nos portos brasileiros teem-se feito trabalhos importantissimos, e não devemos ficar em circumstancias inferiores, a fim de não perdermos a nossa situação para o commercio com os nossos irmãos do Brasil.

Quanto a portos francos, a criação dos depositos geraes não provem do-

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decreto de 27 de setembro de 1894, mas sim do de 29 de dezembro de 1887, porque n'aquelle apenas se fez a compilação, com pequenas alterações, da legislação que já existia a semelhante respeito.

Qualquer artigo dos dois decretos pode mostrar a sua concordancia ou divergencia.

Ficará assim demonstrado que o estabelecimento das disposições essenciaes que regalam os chamados portos francos é de 1887, e não de 1894, como inexactamente se affirmou.

Creio ter dito o sufficiente para defender o projecto.

Depois o Digno Par Sr. José de Azevedo apresentou considerações sobre diversos assumptos, sendo notavel sob muitos aspectos o seu discurso, que a Camara ouviu com attenção e até agrado.

Não acompanharei o Digno Par em todas essas considerações; e apenas alludirei a algumas.

Recordou S. Exa. a dolorosa campanha de que foi victima Emygdio. Navarro.

Eu folgo por ver que, embora tardiamente, se presta justiça aos esforços que esse illustre estadista empregou na defesa dos mais caros interesses do paiz.

Foi dolorosa a campanha de descredito de que foi victima Emygdio Navarro, não só para elle, mas tambem para os seus amigos, principalmente para aquelles que, conhecedores de todos os factos occorridos, sabiam bem como era aleivosa e injusta a campanha que contra elle se fez.

O Digno Par disse que Emygdio Navarro fora victima dos engenheiros das obras publicas, no que foi absolutamente injusto.

Disse S. Exa. que as modificações ao projecto primitivo se fizeram depois da adjudicação.

Ora isto é absolutamente inexacto, como se prova por todos os documentos que existem publicados.

Antes, mesmo do concurso todos os engenheiros e corporações officiaes que intervieram no assumpto foram de parecer que se devia deixar ampla liberdade aos empreiteiros no que respeitava ás fundações e processos de construcção, sob sua inteira responsabilidade.

No artigo 8.° do decreto de 22 de dezembro de 1886, que approvou as bases e programma de concurso, diz-se expressamente que os concorrentes apresentariam com a sua proposta uma memoria descriptiva em que fosse indicada a construcção, e a natureza e processo dá fundação dos muros de cães.

Foi isto o que fez o empreiteiro, e depois de acceito esse systema de fundação é que se lhe adjudicou a obra.

Não houve, portanto, modificação nas fundações posteriormente á adjudicação, como erradamente se affirmou.

O Digno Par disse tambem n'outra parte do seu discurso que se haviam feito ligeiras sondagens, e que só muito tarde se reconheceram as difficuldades das obras, e a isso attribuiam a razão do contrato de outubro de 1894.

É um um outro erro em que caiu o Digno Par.

O novo contrato foi determinado pela necessidade de reduzir os encargos do Thesouro, fixando-se em 2:800 contos de réis a despesa a fazer com a continuação das obras.

D'ahi proveio a necessidade de se deslocarem as docas de reparação, porque somente a execução completa da doca de Alcantara, com a sua grande eclusa de accesso e docas de reparação na extremidade occidental, como fora projectado, custaria mais de 3:500 contos de réis, quantia superior á verba maxima fixada para a continuação das obras.

Foi essa a unica razão por que as docas de reparação tiveram de ser deslocadas para fora do recinto da doca de Alcantara, visto que para ali se construirem careciam absolutamente de que se fizesse a doca de Alcantara á profundidade prevista no projecto.

Em relação ás sondagens direi que nos documentos publicados existe a demonstração, feita muito anteriormente á adjudicação das obras, de que se encontraram profundidades de lodo superiores a 35 metros nos pontos situados no alinhamento dos muros, e que d'ahi vinham as grandes difficuldades.

Faço esta rectificação para que se faça justiça ao Ministro de 1886, e se não attribua a essas deficiencias dos projectos o motivo da campanha, que se reputa agora injusta e dolorosa.

Foi unicamente uma campanha politica, odiosa e mesquinha.

Pelo que respeita ao desmoronamento, não foi elle devido á imprevidencia dos technicos; occorrencias d'essa ordem são triviaes em paizes que se orgulham de ter uma administração rigorosa.

Referir-me-hei por ultimo ao que disseram os dois Dignos Pares que impugnaram o projecto, a respeito das subvenções dos pequenos emprestimos que o Governo tem realizado.

A verdade é que, havendo garantias diversas, impossivel é incluir n'uma mesma operação a collocação de obrigações de divida, que são diversamente garantidas.

Em todo o caso os emprestimos que eu realizei trouxeram menores encargos ao Thesouro do que os anteriores,

e a preoccupação do Ministro deve ser unicamente obter boas condições para o Thesouro, sem indagar o lucro que poderão ter os contratadores.

Assim, no emprestimo de 12 de outubro de 1903 collocaram-se 19:444 obrigações de 4 ½ por cento, obtendo-se a quantia de 1:000 contos de réis, sendo o encargo da operação para o Thesouro de 5,640 réis por cento e o juro real de 5,404 réis por cento.

No de igual quantia negociado por mim em dezembro de 1904 collocaram-se 18:175 obrigações de 4 ½ por cento com o encargo de 5,272 réis por cento e o juro real de 5,000 réis por cento.

No que se realizou para o caminho de ferro da Swazilandia para 2:000 contos de réis com obrigações de 3 por cento foi o encargo de 5,044 réis por cento e o juro real de 4,344 réis por cento.

É notavel a differença, sendo esta ultima operação a mais vantajosa que se tem realizado ha muitos annos.

Felicitarei o Sr. Ministro da Fazenda se elle conseguir iguaes condições para os novos emprestimos que ficará auctorizado a realizar.

Dou o meu voto ao projecto, porque elle se aproxima mais da solução que ao assumpto pretendi dar e os meus collegas no Ministerio e porque, a meu juizo, se attende devidamente ás justas necessidades e aos interesses do commercio e da navegação.

Vozes : - Muito bem.

(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).

O Sr. Jacinto Candido: — Ouvi com a attenção que merece a toda a Camara o Digno Par Sr. Espregueira, relator do projecto. Mas devo dizer a V. Exa. que depois do que tinha ouvido ao Digno Par Sr. José de Azevedo, o qual puzera nitidamente a questão de saber-se se conviria ou não ser administrada pelo Estado directamente a exploração do porto de Lisboa, esperava que o illustre relator do projecto, vindo a este campo, dissesse da sua justiça em abono do pensamento que o projecto traduz.

O que evidentemente se nota aqui não é uma funcção derivativa do Estado, no exercicio das suas attribuições soberanas, mas o exercicio de uma industria, qual é a exploração do porto de Lisboa.

Ora era preciso que nos dissessem qual a conveniencia que obriga o Estado a lançar-se n'este caminho, porque as industrias de exploração, tanto a do porto de Lisboa, como a dos caminhos de ferro, como qualquer outra, não são senão accidentalmente e por motivo de conveniencias publicas uma

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pertença ou uma funcção do Estado em determinados momentos historicos.

Pode o Estado entender que não deve demittir de si o exercicio d'essa funcção; mas o que é natural, o que é consentaneo com as suas attribuições, é que essa funcção pertença á industria particular, embora o Estado as fiscalize.

Sr. Presidente: sobre esta questão previa do. discurso do Digno Par Sr. José de Azevedo, na anterior sessão, o Digno Par relator não disse uma unica palavra.

E comtudo esta questão impõe-se nitidamente ao espirito, e tanto se impõe que ella já aqui foi posta como assumpto importante que é.

Tanto mais que a exploração do porto de Lisboa deve ser preparada de molde a satisfazer os legitimos interesses do commercio.

Desde que o porto de Lisboa é, como disse o Sr. Ministro das Obras Publicas, um factor, um orgão essencial para o desenvolvimento do commercio, a questão deve ser maduramente estudada ; mas a verdade é que ficaram de pé os argumentos do Digno Par Sr. José de Azevedo, ou, pelo menos, sem resposta.

O que se me afigura, o que eu posso dizer, é que os dados parlamentares que tenho e as informações que ao meu conhecimento chegaram sobre o assumpto mostram não haver elementos bastantes para apreciar devidamente o que se pode fazer com respeito á exploração do porto de Lisboa.

O que me consta é que o Governo não tinha dados para formar um juizo seguro, para abrir um concurso, para proceder a uma adjudicação, e para fixar o quantitativo do rendimento, de maneira a acautelar os interesses do Thesouro e de se preparar contra as possiveis fraudes.

O Governo não tinha elementos para poder saber como havia de proceder em determinadas condições, e como havia de resolver em termos as exigencias da opinião publica e dos interesses geraes.

Repito, o Governo não sabia os termos em que havia de abrir o concurso, ou em que podia ser feita a adjudicação a uma empresa particular.

As informações que me deram são que o Governo não tinha elementos seguros para poder orientar-se.

Ainda hoje o illustre relator do projecto, Sr. Conselheiro Espregueira, affirmou que dentro em pouco nos haviamos de occupar de novo d'este assumpto.

Assim, não posso deixar de lamentar que tão imprevidentemente se tivesse andado, de modo que, no momento actual, não haja elementos necessarios e indispensaveis para se fazer um juizo exacto e absoluto das condições em que se encontra a exploração do porto de Lisboa.

E, se não posso deixar de consignar esta declaração com respeito ao passado, não posso deixar de a consignar ainda com relação ao presente.

Sr. Presidente: eu quereria um projecto completo sob o ponto de vista da organisação das obras a fazer no porto de Lisboa.

Não falo, é claro, d'aquellas que de futuro o progresso ha de impor; não falo d'essas; mas, sim, das que no momento actual se devem realizar.

Onde é que está isso definido, constituindo um plano geral?

O que eu queria era um projecto que pudesse ser apreciado e discutido em boas bases por todos os membros tanto d'esta como da outra casa do Parlamento.

Pois o Governo não vae proceder agora a estudos em relação ao presente, e em seguida á auctorização parlamentar?

Porque não procedeu a priori, antes da auctorização parlamentar, e não submetteu ás Côrtes um projecto documentado, bem instruido, e completo, para sobre tal assumpto se poder fazer um juizo certo e seguro?

Eu creio, Sr. Presidente, que a Camara reconhece a falta de que enferma este projecto; que é a falta de que enfermam quasi todas as nossas cousas.

E mais um projecto de auctorizações para o Governo fazer tudo quanto quizer e deixar de fazer o que entender.

Com este projecto o Governo fica auctorizado a mandar construir aqui, a demolir acolá, emfim, a proceder em tudo como lhe parecer.

Entre todas as auctorizações consignadas n'este projecto, vem uma contra a qual, muito especialmente, lavro o meu protesto.

Refiro-me á auctorização para venda de terrenos.

Pelo projecto vê-se que o Governo fica considerando receita ordinaria da exploração do porto de Lisboa o producto da vendados terrenos que se julgarem dispensaveis.

Ora eu entendo que só se poderia auctorizar a venda dos terrenos em presença de um plano geral, por onde fosse possivel avaliar pouco mais ou menos os que eram dispensaveis, depois de fixado quanto houvesse de ser necessario para a exploração considerada no seu maximo desenvolvimento provavel a attingir.

Só d'este modo se poderia ver com mais ou menos exactidão quaes eram os terrenos que seriam dispensaveis e, que, portanto, podiam ser vendidos.

Ainda assim, seguindo-se esta orientação, eu difficilmente daria auctorização para a venda dos terrenos.

E por que?

Porque me lembro do que succedeu com o porto de Lourenço Marques.

A Camara, como todos os que se interessam pelas cousas publicas, sabe bem o sem numero de difficuldades que houve em adquirir terrenos marginaes no porto de Lourenço Marques para o estabelecimento de edificios do Estado.

E por que razão se deram essas difficuldades?

Pela razão simples e clara de se terem vendido ou arrendado terrenos, succintamente, sem attenção á falta que poderiam fazer n'um dado momento em que se desenvolvesse o trafego do porto.

Pois não obstante já ter havido taes difficuldades em relação ao porto de Lourenço Marques, nem o Governo, por este projecto que tem por fim — oxalá que o consiga — um largo fomento commercial para o paiz; nem o Governo, digo, devia ficar auctorizado a vender os terrenos dispensaveis á margem do Tejo, sem, previamente, submetter ao criterio da Camara um plano geral no qual, como já disse, se achassem marcados os terrenos indispensaveis para a exploração do porto, depois de attentas todas as probabilidades de um maximo desenvolvimento.

É legitimo á Camara declinar de si a sua funcção soberana e deixar que o Governo fique auctorizado a vender terrenos do Estado, de um grande valor real, e tambem de um grande valor estratégico? (Apoiados).

A resposta não pode deixar de ser negativa.

Por maior que seja a confiança que nos mereçam as pessoas que dirigem a administração do Estado, não podemos — eu, pelo menos, não posso — concordar com uma auctorização d'esta ordem.

Só depois de vir á Camara um plano completo, baseado em profundo estudo, de todas as obras e melhoramentos a fazer no porto de Lisboa para satisfazerem ao seu maior desenvolvimento provavel, é que se pode verificar se ha sobras de terrenos que sejam dispensaveis.

Approvado esse plano, eu daria então o meu apoio á auctorização para serem vendidos os terrenos que não fossem precisos á exploração do porto de Lisboa.

E, Sr. Presidente, ainda assim tal auctorização deveria ser dada com bastantes restricções, porque ha de ser difficil fazer-se a previsão exacta das necessidades de terreno para a exploração do porto, não direi já, ou d'aqui a dez ou doze annos, mas n'um periodo mais longo.

Não posso concordar em que se ponham em perigo os nossos interesses futuros; nem com a ganancia de ad-

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quirir agora alguns contos de réis pela venda de terrenos, que n'um periodo mais ou menos largo podem respresentar grande valor para o Estado.

Mas está estabelecida n'este projecto a auctorização.

O Sr. Ministre das Obras Publicas (Malheiro Reymão) : — O que o Digno Par encontra no projecto é tão somente a auctorização para o Governo dar applicação especial ao producto da venda de terrenos, considerada como receita do porto de Lisboa.

O Orador : — O que está no projecto é : que constitue receita o producto da venda de terrenos que não forem julgados necessarios para a exploração do porto de Lisboa.

Portanto, estabelecer-se uma cousa é admittir forçosamente a outra Como se ha de colher a receita da venda, quando se não esteja auctorizado a vender ?

Portanto, este projecto estabelece, como lei, que o Governo fica auctorizado a interpretar o que são terrenos necessarios para as obras, e o que não são. Os terrenos que são necessarios não pode vender, e os que não são, pode.

Desejaria saber quaes são as leis geraes que auctorizam a vender terrenos, porque se ha uma lei geral n'esse sentido, eu quero saber qual é essa lei.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão) (interrompendo): — São as proprias leis do paiz.

O Orador: — V. Exa. dá me licença? Isso não está aqui. Aqui, está: «terrenos que se conquistam ao Tejo». Mas esteja ou não esteja, o que se pretende é vender o que o Governo entender que é dispensavel para as obras do porto. O Governo fica, portanto, com a faculdade de entender o que é necessario ou não.

Quem é que diz o que é necessario' para a exploração do porto de Lisboa ?

O Governo.

Logo é o Governo que diz aquillo que ha de ser ou não vendido.

Ou então não ha logica.

Comprehende V. Exa., Sr. Presidente, que eu estou fazendo a critica do projecto, tal como elle está redigido.

O Sr. Mello e Sousa (interrompendo) : — O projecto não altera nada.

O Orador: — Eu é que altero concordo com essa doutrina. Sei as difficuldades enormes que resultaram da venda de terrenos em Lourenço

Marques, de accordo com o uso de auctorizações legaes.

Mas sabe V. Exa. o que houve?

É que quando se construiu o caminho de ferro foi preciso ao Estado comprar os terrenos por dez, vinte e cem vezes mais.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão) (interrompendo): — Receio que isso tenha de acontecer, que nós tenhamos de adquirir terrenos, não por causa d'este projecto, mas pela auctorização que existe.

O Orador: — Eu peço a attenção da Camara para este assumpto. Ha assumptos que são realmente para pensar.

Todos nós estamos aqui de boa fé, não para criar difficuldades ao Governo, simplesmente para salvaguardar interesses do Estado.

Ha uma lei nova, e por essa lei, disse S. Exa. que receia que n'um dado momento tenha que fazer acquisição de terrenos por preços elevados.

E nós, que somos representantes do paiz, vemos isto, e deixamos continuar isto!

Pergunto: isto é realmente sensato e patriotico?

Se o Governo toma perante o Parlamento o compromisso de não alienar quaesquer terrenos, sem previamente ser approvado o plano gera!, a que já me referi, nenhuma duvida terei em approvar o projecto n'este ponto especial.

O actual Sr. Ministro das Obras Publicas está, não contesto, animado de muito boas intenções, mas ámanhã pode enganar-se na melhor boa fé, e pode mesmo ser outro o titular da pasta que S. Exa. hoje tem a seu cargo.

Esse novo Ministro pode muito bem dizer: «Não ha agora dinheiro para isto ... vendam-se uns hectares de terreno á margem do Tejo»,

Essa possibilidade representa um grandissimo inconveniente, porque os terrenos que se vendam podem ser depois necessarios para o estabelecimento de qualquer armazem ou caes, e o Governo terá de os readcuirir por um preço naturalmente muito superior áquelle por que os alienou.

Emfim, eu varro por completo a minha testada n'este assumpto, que reputo importantissimo, e muito mais agora depois da revelação que acaba de fazer o Sr. Ministro.

Eu trouxe para parallelo na questão o que succedera com relação ao porto de Lourenço Marques; porem, o Sr. Ministro das Obras Publicas diz-nos que já hoje, quanto ao porto de Lisboa, o Estado poderá ter necessidade de comprar terrenos.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): — Eu disse apenas que pode ser que isso succeda.

O Orador: — Pode ser...

Basta-nos isso.

(Interrupção do Sr. Mello e Sousa, que se não ouviu).

Ha um processo para se evitarem os enganos.

Sabem V. Exas. qual é ?

É organizar-se um plano geral de todas as Cobras e melhoramentos, pelo qual se marque onde são es cães, onde devem ser os armazens, os estaleiros, as officinas, etc.

Depois de tudo marcado n'esse largo plano geral, se verá então, pouco mais ou menos, como já disse, mas com mais precisão, muito maior precisão do que com a ausencia de tal plano, o que pode sobejar de terrenos para venda.

Aqui está como a venda se poderia realizar em condições de relativa vantagem para o Estado.

O que é difficil é defender os interesses publicos, com auctorizações tão largas como as que consigna este projecto.

Digo isto porque tenho o exemplo do que se deu em Lourenço Marques, e porque já o Sr. Ministro disse que é possivel que aqui em Lisboa venha a succeder o mesmo.

Levantei esta questão porque me impressionou vivamente esta declinatoria que, de animo leve, o Parlamento concede, n'uma das suas mais augustas prorogativas, ao poder executivo.

Não gosto de declinar attribuições minhas para outrem as exercer como entender, sem que as condições estejam previamente estabelecidas, e a acção demarcada n'um circulo bem accentuado.

Chamei este ponto ao debate porque o Sr. relator não tinha demonstrado que o projecto assentava n'um plano geral de exploração do porto de Lisboa.

O Governo não pode trazer um projecto incompleto, porque assim ficamos n'uma situação anormal, indefinida.

Isto assim é um desprestigio; estamos depreciando o poder legislativo.

Eu tenho a convicção intima de que impensadamente nos vamos tornando escravos do poder executivo.

Hei de vir á estacada defender esta ideia que tem sido o meu Credo; faço o em virtude de um preceito legalista, que se impõe ao meu espirito e á minha consciencia.

O poder que eu mais respeito e acato é o poder da lei.

Esta é a doutrina do meu partido, consignada no seu programma.

Quero pois o respeito da lei, e as organizações autonomas, mas quero

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que se saiba bem a lei por que ellas hão de reger-se.

Esta é a noção politica do partido nacionalista.

Agora pergunto eu: é uma organização autónoma a que vae ter a exploração do porto de Lisboa ou é a continuação da organização actual?

Sendo uma organização autónoma, deve ter a sua acção livre dentro de uma 'orbita legal, deve exercer-se dentro de uma esphera demarcada pela acção da lei.

Pergunto: o conselho de administração que se cria tem a sua acção marcada, definida na lei?

Este projecto fixa precisa e nitidamente os limites da acção d'essa administração?

Dá-lhe uma liberdade de acção, de exercicio de funcções, compativel com essa demarcação ?

A meu ver, nem essa demarcação está feita, nem essa liberdade está concedida.

O pessoal para poucas cousas tem aqui attribuições autónomas, antes procede sempre sob a auctoridade do Ministro.

Eu friso e accentuo este ponto, e se emprego estas palavras é porque entendo que ellas teem um significado muito especial.

No projecto não se diz que a administração está sob a fiscalização ou inspecção do Ministro, mas sob a sua superintendencia, sob a sua auctoridade.

Quer dizer, tira-se ao conselho todo o relevo de autonomia com o emprego da palavra «auctoridade».

Não me agrada isto.

Creio, e é sempre o meu principio, que deve haver a maxima liberdade nas administrações, dentro de uma esphera de acção que lhes seja marcada.

Entendo que os conselhos de administração devem ter a maxima liberdade de acção, de accordo com os principios geraes de administração, a maxima liberdade connexa com a superintendencia do Governo; agora sob a auctoridade directa do Governo, não, porque então quem faz tudo é o Ministro.

Um conselho de administração n'esta situação pode não ser um conselho de administração.

Então quem é que vae tomar ou assumir o pesadissimo encargo, assumir as responsabilidades que resultam d'este projecto pela remuneração de 1,5 por cento sobre as receitas liquidas da exploração ?

Devendo, segundo os calculos feitos, ser o total da percentagem 2:400$000 a 2:500$000 réis, para dividir por todos os membros do conselho, caberá aproximadamente 200$000 réis a cada um!

V. Exa. comprehende que isto não pode ser.

E um systema que se não compadece com o peso do serviço que vae desempenhar este pessoal.

Eu peço á Camara que repare em que um membro d'este conselho, com as responsabilidades que dimanam do cargo, não pode ser remunerado por esta forma, com uma quantia igual á que tem um amanuense.

É esta a administração autónoma, é esta a paga aos homens que hão de tomar a peito a prosperidade d'esta empresa?

Estes homens, com tal vencimento, é que hão de tomar a peito, como sendo uma empresa sua, o desenvolvimento do porto de Lisboa?

Hão de dispender a sua energia intellectual, hão de ser uns verdadeiros carolas, como dizia o Sr. Ministro das Obras Publicas, no desempenho da sua missão, por 20$000 ou 25$000 réis por mez?

Tudo isto é para lamentar.

Eu venho tão somente dizendo o que penso e sinto, o que entendo a bem dos interesses publicos, sem nenhum proposito de agradar, nem de desagradar a quem quer que seja.

Com isto demonstro a mais viva, a mais intensa, a mais forte coragem de que pode dar prova um homem publico.

Estuda-se uma questão, chega-se á convicção intima, profunda, de que haveria grande vantagem em modificar, em certo e determinado sentido, qualquer disposição do projecto que se discute, mas o carro triumphal do Governo passa sobre a justiça e vence.

Assim pois, Sr. Presidente, que estimulo pode haver para quem se consagra ao estudo dos problemas mais vitaes da nação?

Nenhum.

No entanto eu vou seguindo a minha esteira, e o meu fim principal é, como já disse, varrer a minha testada, e deixar lealmente consignado o que sinto e penso sobre o assumpto que esteja na tela do debate.

As Côrtes resolvem em contrario do que eu penso?

Nada tenho com isso; a responsabilidade é das maiorias.

Passam as maiorias e eu cá fico no meu campo, com a minha Consciencia tranquilla, só, ou acompanhado do meu illustre amigo o Sr. Conde de Bertiandos.

Agora vou dar á Camara mais uma prova da minha sinceridade, dizendo-lhe que applaudo o n.° 2.° da base 3.ª

Não posso deixar de salientar este numero, que diz que o director da exploração será um engenheiro de reconhecida competencia, e que hão poderá accumular essas funcções com qualquer outro serviço particular ou publico.

Assim como rejeito umas disposições, assim approvo esta, com a qual concordo plenamente.

Na base 3.ª, penultima linha do n.° 1.°, ha um erro que me parece ser de revisão.

Onde se diz «caracter descentralizado», deverá dizer-se «descentralizado».

Descentralizador, não; descentralizado, sim. Não é um gerador de descentralização, é um effeito do systema de descentralizar.

Pedia, pois, a V. Exa. que mandasse eliminar o r.

Diz a mesma base 3.ª que Q conselho de administração tem o dever de submetter á approvação do Governo o documento de receita e despesa por annos economicos, para ser incluido no orçamento geral do Estado.

Permitta-me o Sr. Ministro das Obras Publicas dizer-lhe que mais convinha organizar um orçamento que fosse appenso ao orçamento geral do. Estado, para não sobrecarregar mais este cartapacio, tão volumoso, que são já precisos um guindaste para o collocar sobre a nossa mesa, e outro para virar as folhas. (Riso).

No n.° 9 da mesma base diz-se que as contas serão submettidas á approvação superior.

Eu desejava que se definisse bem qual é esta estação superior.

O Sr. Ministro das , Obras Publicas (Malheiro Reymão): — E o proprio Tribunal de Contas.

O Orador: — Eu noto que pela redacção não se entende perfeitamente isso.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): — A redacção não será muito perfeita, mas é claro que, fazendo-se tudo por intermedio da secretaria de obras publicas, as contas hão de ser presentes ao Tribunal respectivo.

O Orador : — A S. Exa., que é um purista, um esmerado cultor da lingua portugueza, d'aqui lhe peço que ponha todo o cuidado na redacção das leis de sua iniciativa.

Eu não sou dos mais antigos, mas venho d'aquelle tempo em que se empregava especial cuidado na redacção das leis e já não era esse o cuidado com que se procedia na legislação anterior. Para esses fim havia uma commissão especial de redacção, que tudo via, pesava e meditava, antes que as leis fossem submettidas á sancção regia.

Tambem a mesma base a que me es-

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tou referindo prescreve que para o fornecimento de artigos a adquirir se levará em conta o agio do ouro.

A que vem aqui o agio do ouro?

Isto é como quem dá a entender que havemos de tel-o eternamente.

Por certo que é um elemento a ponderar, mas consignal-o na lei parece me desprezivo ou pelo menos desanimador para a nossa confiança no credito publico.

A base 4.ª merece o meu apoio, por determinar que o pessoal, para todos os serviços de exploração será constituido pela parte dispensarei dos empregados addidos aos Ministerios da Fazenda e Obras Publicas, e pelo effectivo dos mesmos quadros que possa ser dispensado.

Esta base que se refere ao pessoal acho que está muito bem. O Sr. Ministro não quer crear ali um viveiro de funccionarios. Muito bem. Siga S. Exa. por esse caminho, n'esses principios e nessa orientação, que terá o meu sincero apoio. Quanto aos outros assumptos, não.

Termino aqui.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O Digno Par foi cumprimentado por alguns Dignos Pares).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente : — Está esgotada a inscripção e vae votar-se em primeiro logar a proposta do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.

A Camara resolveu affirmativamente.

Em seguida foi approvado o projecto.

(Durante o discurso do Digno Par Sr. Jacinto Candido entrou na sala o Sr. Presidente do Conselho).

O Sr. Presidente: — A deputação que tem de apresentar a Sua Majestade El-Rei algumas proposições de lei votadas pelas Côrtes Geraes é composta dos seguintes Dignos Pares:

Ernesto Hintze Ribeiro.
Francisco Beirão.
Julio de Vilhena.
Antonio de Azevedo.
Pimentel Pinto.
Sá Brandão.
Moraes Carvalho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco) : — Communico a V. Exa. que Sua Majestade El-Rei se digna receber ámanhã no Paçô das Necessidades a deputação que V. Exa. acaba de nomear, á 1 hora e 30 minutos da tarde.

O Sr. Presidente: — A hora está muito adeantada, o Digno Par o Sr. Julio de Vilhena pediu a palavra para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho, mas não sei se S. Exa. quererá usar d'ella.

O Sr. Julio de Vilhena: — Visto achar-se presente o Sr. Presidente do Conselho...

Vozes: — Fale, fale.

O Sr. Julio de Vilhena: — Eu aproveito o tempo que me resta, e se V. Exa. e a Camara consentem, uso da palavra.

Vozes: — Fale, fale.

Orador: — Sr. Presidente: o assumpto sobre o qual desejava apresentar uma proposta refere-se á questão dos sanatorios da Madeira.

Pedi a V. Exa. que considerasse urgente este assumpto, e pedi-lhe que communicasse ao Sr. Presidente do Conselho ou ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que se dignassem ouvir as considerações que eu entenda dever fazer n'este momento.

Não venho tratar largamente da questão dos sanatorios.

Essa questão é sufficientemente conhecida pela informação da imprensa, e pelo debate que ultimamente se levantou na Camara dos Senhores Deputados.

O paiz está, portanto, suficientemente esclarecido.

O meu fim é apresentar uma proposta que não tem caracter politico e que eu submetto á discussão e approvação da Camara.

A minha proposta diz o seguinte:

«Proponho que o Sr. Presidente seja autorizado a nomear uma commissão de nove ou mais membros escolhidos de entre os diversos agrupamentos politicos, a qual deverá inquirir dos factos occorrentes acêrca da questão dos sanatorios da Madeira, com o fim principal de habilitar o Governo com os meios necessarios de prova para na pendencia internacional defender os legitimos interesses do paiz. = J. Vilhena ».

A simples leitura d'esta proposta mostra claramente que ella não tem intuitos politicos de nenhuma especie.

Em primeiro logar, Sr. Presidente, está pendente uma questão internacional, e V. Exa. sabe que quando se tem a responsabilidade em actos passados de governo não é licito manifestar intuitos politicos em questões internacionaes.

A circumstancia de ser uma questão internacional a que está pendente inhibe-me de dar caracter politico ao assumpto, pretendendo criar difficuldades á acção do Governo.

Eu entendo, e entendi sempre, Sr. Presidente, que a organização actual da Camara dos Pares, sendo ella, como é, uma Camara fechada, não permitte a votação de moções de confiança ou censura politica.

Entendo que se esta Camara votasse moções de censura politica, converter-se-hia n'uma oligarchia, impondo a sua opinião ao Poder Moderador.

Emquanto a Camara se encontrar com numero limitado, não tem o Poder Moderador livre a sua acção na demissão dos Ministerios.

V. Exa. sabe que quando a Camara tinha um numero de Pares illimitado, a situação era outra, porque o Poder Moderador dispunha de recursos para resolver' o conflicto, sem que as resoluções da Camara tivessem, como agora teriam, o caracter de imposição de uma oligarchia.

Eu se fosse Governo não cairia nunca perante uma votação politica da Camara dos Pares emquanto ella fosse o que se chama uma Camara cerrada.

Portanto, Sr. Presidente, não só pela natureza da questão em si, por se tratar de materia diplomatica, mas ainda pela situação constitucional d'esta Camara, eu julgo que não é de boa e sã doutrina apresentar moções ou propostas de confiança ou desconfiança politica.

Não farei, pois, nenhuma especie de opposição ao Governo.

A minha proposta tem por unico fim habilitar o Governo com os meios de prova necessarios para defender o paiz nos conflictos que possa ter com quaesquer potencias estrangeiras no ponto de que nos occupamos.

Creio que todos nós temos obrigação de não criar difficuldades ao Governo n'uma questão d'esta natureza, embora tenhamos tambem de dizer ao paiz o que pensamos.

Reflecti sobre os argumentos que na outra Camara o Sr. Presidente do Conselho adduziu contra o inquerito, e declaro que não concordo com elles.

Como pretendeu o nobre Presidente do Conselho justificar à rejeição da proposta de inquerito?

Dizendo que se considerava robustecido solidamente por uma simples moção de confiança politica que fora votada na Camara dos Senhores Deputados.

Não basta isto.

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Essas moções servem apenas para os assumptos de politica interna.

Se as questões internacionaes pudessem ser resolvidas com moções de confiança, não nos teria succedido, por exemplo, o que nos succedeu em 1890. Nunca faltaram moções de confiança a qualquer Governo que as deseje, porque tambem nunca lhes faltou maioria nas duas casas do Parlamento.

Ha comtudo argumentos muito mais fortes, que podem resolver mais facilmente uma questão, do que a simples apresentação de moções a favor do Governo.

Disse tambem o Sr. Presidente do Conselho que o inquerito é inefficaz, porque não pode esclarecer factos passados lá fora.

Não estou de acordo com S. Exa., porque isso depende da maneira de dirigir o inquerito.

Temos é certo a prova moral — não me resta a mais pequena duvida — da existencia de um trama iniciado em Monte-Carlo por aventureiros. Mas falta-nos a prova juridica.

O Governo encontra-se em face de um conflicto internacional e todos nós sabemos por experiencia propria que as potencias estrangeiras defendem sempre os seus nacionaes. A tudo sobrepõem os seus interesses sem se deixarem influenciar por queixas mais ou menos sentimentaes.

Todos se recordam do que se passou entre nós em 1890. Porventura a Inglaterra, embora nossa alliada, deixou-se impressionar pelas nossas lastimas e até pelo luto com que cobrimos a estatua do nosso grande épico? Não. Tudo foi baldado e inutil.

Defendeu os seus interesses como costuma defender, e não se importou nada com o sentimentalismo dos seus alliados.

Nós podemos appellar para a lealdade das nações, para o cavalheirismo dos seus governantes. Não o contesto, mas precisamos antes de tudo levar-lhes provas, e só o inquerito as pode fornecer. Não ha nenhuma prova juridica de quem seja a quarta entidade que figura no contraio de Monte-Carlo. Presume-se quem seja, mas não é bastante invocar essa prova perante o Governo Allemão.

Pode affirmar-se em qualquer documento que tal facto se refere a determinada pessoa sem haver a prova de que realmente assim é?

Não sabemos nós que todo o Governo estrangeiro trata de defender os seus interesses, principalmente quando são tão importantes como no caso sujeito?

Na diplomacia não ha homens impressionaveis, ha só homens que tratam friamente de negocios.

Dir-se-ha: mas como é que o inquerito pode fornecer essa prova? O inquerito pode adquirir novas provas, pode completar provas imperfeitas, e pode consolidar as provas já feitas.

Nós não vamos, decerto, fazer um inquerito a Monte-Carlo. Mas V. Exa. sabe como se fazem os inqueritos nos paizes onde está reconhecida esta forma de processo parlamentar.

Na Inglaterra, por exemplo, um inquerito não se faz só na capital, faz-se na provincia, no local onde se passou certo e determinado facto, de cuja veracidade ou existencia é necessario averiguar.

Sabe V. Exa. como se fazem os inqueritos em França V Correm parallelamente á investigação judicial. O tribunal judicial auxilia o Parlamento nos seus inqueritos. O Parlamento manda os documentos ao tribunal judicial e, quando é necessario, a commissão respectiva solicita, reclama juizes de instrucção criminal, que são postos ao seu lado para verificar a existencia dos factos.

É assim que se procede em toda a parte. Por que não havemos nós de proceder da mesma maneira? Por que não ha de haver uma commissão de inquerito que vá á Madeira, ou mande lá um delegado, acompanhado dos necessarios juizes de instrucção criminal para aperfeiçoar por todos os modos a prova que temos de apresentar? A affirmação que fizermos, perante as nações estrangeiras, não ficará muito mais forte, quando, em vez de exhibirmos documentos de authenticidade duvidosa, tivermos a prova certa de que em tudo isto houve um conluio criminoso contra os interesses da nação portugueza?

Se eu fosse Governo, affirmo a V. Exa. que não procederia de outra forma.

Alem d'isso, a prova é feita perante as nações verdadeiramente parlamentares. Lá sabe-se muito bem o que pode significar uma investigação feita pelo Parlamento, que evidentemente tem uma força muito maior do que seria a de uma votação de confiança politica, facil de obter quando os Governos dispõem de maiorias parlamentares.

Aqui tem V. Exa. o que eu venho dizer á Camara.

Lembre-se o Governo de que pode deixar aos seus successores um legado difficil de resolver. Acceite o Governo todas as propostas que se lhe afigurarem boas para a consecução do verdadeiro fim que todos nós devemos ter em vista, que é manter os interesses legitimos da nação portugueza.

Tão convencido estou do que digo, como estou certo de que o Governo Portuguez ainda terá de recorrer a um inquerito para justificar os factos que hão de ser postos em duvida pelas

chancellarias dos paizes com que vae luctar, e se não for o Governo, que empregue esse processo, é possivel que lá lh'o indiquem, para que faça prova da authenticidade dos factos.

Diz-se: o inquerito em questões internacionaes é uma cousa original.

Original! ? É vulgarissimo na pendencia de questões internacionaes fazer-se um inquerito para as resolver. Inqueritos apresentaram-se nas conferencias reguladoras dos direitos das nações sobre os assumptos de territorio, inqueritos foram sempre as melhores provas para sustentação de direitos.

Não se trata pelo inquerito de verificar a responsabilidade do Governo nem de discriminar responsabilidades de homens ou de partidos; mas unicamente de apurar a verdade dos factos, de reunir e colleccionar todos aquelles em que pode assentar o direito que o Governo tem obrigação de defender.

V. Exa. vê que eu não lanço uma nota irritante no debate.

É de crer que a minha proposta seja rejeitada, tenho a certeza de que o é, mas tambem tenho a convicção de que presto um bom serviço ao paiz, apresentando-a e defendendo-a. Mando a proposta para a mesa.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Sr. Presidente: espero não tomar muito tempo á Camara. Forcejarei por combater a proposta do Digno Par, sem deixar duvidas no espirito d'aquelles que me dão a honra de ouvir-me.

Sr. Presidente: comprehendi na Camara dos Senhores Deputados a proposta de inquerito que ali foi apresentada; mas agora a que o Digno Par mandou para a mesa não chego a comprehendel-a.

Digo que comprehendi a proposta apresentada na Camara dos Deputados, comquanto não a pudesse acceitar por parte do Governo.

A que foi agora mandada para a mesa não chego a comprehendê-la, repito.

Sr. Presidente: as funcções do Parlamento são principalmente fazer leis e fiscalizar os actos do Governo.

Comprehende-se que o Parlamento, quando tenha de dar o seu voto a qualquer medida ou providencia que lhe é apresentada, trate de inquirir para determinar conscienciosamente o seu modo de votar.

Comprehende-se que para poder fiscalizar, para se poder julgar dos actos do Governo, ou de qualquer entidade cuja responsabilidade se trate de apurar, se proceda tambem a um inquerito com o fim de colher todos os elementos constitutivos d'essa responsabilidade.

Mas, Sr. Presidente, não se com-

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prebende uma proposta de inquerito parlamentar n'uma questão que depende de resolução do Governo, porque é attribuição sua, e para cujo exame e estudo elle tem a faculdade de reunir todos os elementos que julgue necessarios.

Por isso declarei que não chego a comprehender a proposta agora apresentada.

O que o Digno Par propõe é que o Parlamento desempenhe as funcções do Governo; isto seria uma inversão das espheras do poder.

Vir o Digno Par dizer ao poder executivo o modo como ha de exercer as suas funcções, querer ensinar-lhe os meios por que ha de defender os altos interesses que lhe estão confiados, permitia me S. Exa. que lhe diga que não entendo, nem comprehendo.

É possivel que seja preciso fazer um inquerito sobre qualquer questão n'um dado momento, para que o Governo possa estar ao facto de todos os elementos de informação a fim de bem resolver: mas isso é uma funcção do Governo.

Esse é o meu direito, do qual não cedo.

Eu posso vir pedir á Camara o seu auxilio em determinado assumpto, mas ha de esse facto partir de uma deliberação minha.

Imposições não as acceito.

Sei qual é o meu direito e o meu dever.

Procedendo assim, mantenho a faculdade que ao Governo pertence de direito.

Sr. Presidente : o assumpto é simples e não se presta a habilidades de qualquer ordem.

Ha uma questão pendente: é ao Governo que cumpre tratar e ao Parlamento julgar da responsabilidade do Governo.

Quer o Parlamento desde já antecipar-se no julgamento d'essa responsabilidade?

Pode o Parlamento fazel-o, mas eu hei de continuar no caminho que julgar mais conveniente aos interesses do paiz.

Isto disse eu já na Camara dos Senhores Deputados e repito-o agora aqui.

Nenhuma razão ha para se propor um inquerito.

O Sr. João Arroyo: — Eu desejava que o Sr. Presidente do Conselho me dissesse se a attitude do Governo perante a proposta que trouxe ao Parlamento é hoje a mesma que era no dia em que a apresentou.

O Orador: — A essa pergunta respondo precisamente.

Três factos occorreram e todos elles respondem nitidamente á pergunta do Digno Par.

Por um lado os pretendentes declararam que se desinteressavam da sua pretensão.

Por outro lado o Governo, pela minha boca, disse que, se tivesse conhecimento dos factos, que posteriormente á apresentação da proposta foram divulgados pela imprensa, não teria, entrado em negociações.

Por ultimo, a manifestação da Camara dos Senhores Deputados não deixa duvidas acêrca do seu pensar e sentir em relação ao assumpto.

O Sr. João Arroyo: — Pode então julgar se que o Governo retira a sua proposta?

O Orador: — O Governo apresentou-a como uma questão aberta, deu conhecimento á Camara dos factos que com ella se relacionavam e de que só teve conhecimento mais tarde, e procedendo assim procedeu correcta e lealmente.

Disse o Digno Par Sr. Julio de Vilhena que moções de confiança politica não dão nem tiram forca aos Governos em questões internacionaes.

A proposta do Digno Par, apesar das suas declarações, não é senão politica.

O que se votou na Camara dos Senhores Deputados não foi uma moção de confiança, mas uma moção em que se indicava que a Camara não só se satisfazia com as explicações do Governo, mas desejava que elle continuasse a proteger os interesses do paiz.

Quer dizer, a camara mostrou-se claramente identificada com o procedimento do Governo.

Mas, se as moções de confiança não dão confiança ao Governo nos conflictos internacionaes, as propostas de inquerito, como a do Digno Par, não só não lhe dão força, mas tiram-lha, porque significam manifestamente uma demonstração de incapacidade por parte do Governo para a resolução das questões.

E se a proposta do Digno Par fosse approvada, o Governo por sua parte demonstraria falta de dignidade se continuasse a occupar as cadeiras do poder.

O Digno Par ha muito que se preoccupa com a successão do Governo, quando isso é uma cousa que não lhe devia dar cuidado.

Eu por ora estou muito bem disposto em politica.

Fiz ante-hontem cincoenta e dois annos e espero chegar aos cem; mas se me encontro pessoalmente n'esta disposição, politicamente sinto-me ainda mais novo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Julio de Vilhena: — Poucas palavras direi, mas essas indispensaveis, em resposta ao Sr. Presidente do Conselho.

Se S. Exa. se tivesse limitado a discutir a minha moção, eu referir-me-hia unicamente aos dois argumentos com que S. Exa. procurou sustentar opinião contraria á minha; mas ha nas palavras do Sr. Presidente do Conselho uma ideia aggressiva que não posso deixar de repellir.

O Sr. Presidente do Conselho disse que a minha moção era encapotadamente politica, que a minha proposta, não representava realmente aquillo que eu queria, era, por outras palavras, uma proposta bypocrita, porque levava um pensamento reservado e occulto.

Eu poderia dizer ao Sr. Presidente do Conselho que o que é encapotado é trazer ao Parlamento uma proposta deixando ficar os documentos que a condemnam na respectiva secretaria, para que sobre ella se não faça uma discussão ampla e regular.

Desde que o Sr. Presidente do Conselho trouxe á Camara uma proposta e entregou a resolução d'esse assumpto ao Parlamento, a obrigação de S. Exa. era fazer acompanhar essa proposta de todos os esclarecimentos, não era pôr uma capa sobre os documentos que devem existir no Ministerio.

Isto é que é encapotado: a minha proposta não.

Sr. Presidente: eu falo francamente; preferia não ter que responder ao Sr. Presidente do Conselho, e de certo não teria respondido se S. Exa. houvesse comprehendido a sinceridade da minha proposta, se respeitasse as intenções e os intuitos com que a fiz.

Disse S. Exa. que não comprehendia a minha proposta, porque ella tendia a cercear as attribuições do poder executivo.

Ora este inquerito não tem por tira dizer qual é a solução a adoptar, não vem apresentar alvitres; esses alvitres é que são das attribuições do Governo ; se essa commissão de inquerito se tivesse de pronunciar sobre a maneira de resolver a questão, então ainda S. Exa. poderia ter razão, mas o inquerito não é para isso; elle deixa inteira e completa a liberdade de acção ao poder executivo, o inquerito o que faz é instruir, e dá apenas elementos ao Governo para proceder n'essa acção. É o que se faz em toda a parte.

Disse o Sr. Presidente do Conselho que são funcções do Governo, e não da Camara; desculpe me S. Exa.: os inqueritos são certamente funcções do poder executivo, mas são tambem da competencia do Parlamento.

Não nego que sejam essas as suas attribuições; o meu inquerito não separa o Parlamento do Governo; pelo

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contrario, reune-os na inteira defesa dos interesses do paiz.

Já V. Exa. vê que nenhuma das razoes apresentadas pelo Sr. Presidente do Conselho pode condemnar a minha proposta: primeiro, porque ella não invade as attribuições do poder executivo; segundo, porque é uma faculdade do poder legislativo o proceder a inqueritos de qualquer natureza.

Assim creio ter respondido ás reflexões do Sr. Presidente do Conselho, e dou por terminadas as minhas considerações.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Sr. Presidente : a argumentação que eu apresentei é em si tão verdadeira que, se eu a quisesse justificar, as palavras do Digno Par Sr. Julio de Vilhena seriam a sua melhor justificação.

Quando uma intelligencia tão clara, um jurisconsulto tão distincto, um homem de tão vasto saber não tem para apoiar as suas ideias senão o que a Camara acaba de ouvir, essa é a melhor defesa que o Governo poderia desejar.

Disse o Digno Par que nós apresentámos uma proposta encapotada, e falta de elementos que a esclarecessem.

Não é assim.

O Governo trouxe a sua proposta ao Parlamento por uma forma clara e nitida, e fel-a acompanhar d'aquelles documentos que melhor a pudessem instruir.

Não sonegou documento algum.

Ninguem pode dizer que o Governo deixasse de proceder com absoluta franqueza e com a maxima lealdade.

Tão grande é essa franqueza, tão evidente essa lealdade, que apesar dos esforços empregados nos ultimos dias para criar difficuldades ao Governo, teem sido contraproducentes, pois o Governo sae do debate mais forte do que estava antes.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Sr. Presidente: não posso deixar de aproveitar a proposta do Digno Par o Sr. Julio de Vilhena para dizer da minha parte, e da dos meus amigos politicos, qual o nosso pensamento e a nossa attitude a tal respeito.

N'esta questão dos sanatorios, como em todas as outras, declaro pela forma mais terminante que assumo a responsabilidade de tudo quanto fizeram os dois ultimos Governos a que tive a honra de presidir.

Quanto ao inquerito mantenho n'esta Camara a mesma attitude que na outra casa do Parlamento foi mantida pelos meus amigos politicos.

O meu maior desejo seria eu proprio propor um inquerito, pois em toda esta questão não só eu como todos os meus antigos collegas no Governo, temos só que nos aplaudir pela firmeza que pusemos na defesa dos interesses do paiz.

Não tomo, porem, sobre mim a responsabilidade, nem de provocar o inquerito, nem de o combater.

O Governo é que é o juiz das conveniencias e dos melindres internacionaes n'esta occasião.

Se o Governo declara que pode haver qualquer inconveniencia em que o inquerito se faça, pela minha parte não o votarei; se entende que o inquerito se pode fazer, eu desde já dou inteira approvação á proposta do Digno Par Sr. Julio de Vilhena.

Sei muito bem qual é o meu dever de homem publico e sei muito bem qual a deferencia que devo ter para com os interesses do paiz, muito superiores de certo aos interesses de um Governo, que aliás combato.

Por isso mesmo que tenho a comprehensão dos meus deveres n'este assumpto, tenho de attender á resposta do Governo, porque é o Governo que tem perante o paiz e as nações estrangeiras a responsabilidade immediata e directa dos actos que praticar.

É o Governo que representa o paiz e por isso lhe cabem as responsabilidades e o dever de dizer o que mais convem.

Se o Governo entende que ha qualquer inconveniente de caracter internacional que se opponha ao inquerito, seja esse inconveniente qual for, a minha opinião é contraria ao inquerito, e por consequencia votarei contra elle.

Se o Governo não vê qualquer inconveniente no inquerito, eu acceito-o e desejo que elle seja minucioso, largo e desenvolvido.

Tenho assim definido a minha attitude e a dos meus antigos collegas, porque não temos outro desejo que não seja o de attender aos superiores interesses do paiz.

Tendo a comprehensão dos meus deveres politicos, ponho de parte a minha opposição ao Governo, que é e continua a ser absolutamente intransigente; todavia n'este momento não se trata de fazer opposição ao partido que está representado no poder.

A questão vae mais longe, porque pode ser de consequencias graves.

Olhando para o Governo n'este momento, não me dominam preoccupações politicas.

Só vejo um Governo que representa a nação portugueza perante as nações estrangeiras.

É uma responsabilidade que ao Governo compete, e assim tenho o direito de perguntar ao Sr. Presidente do Conselho se sim ou não pode acceitar o inquerito.

Se S. Exa. vê n'elle quaesquer melindres ou difficuldades de caracter internacional, eu não o voto; se vê que não ha esses inconvenientes, eu voto-o com todo o gosto e com toda a minha boa vontade.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Sr. Presidente : na outra Casa do Parlamento disse eu nitidamente o que entendia a respeito d'este assumpto.

Creio que não preciso dizer mais nada.

O Governo declarou de uma forma bem clara e precisa que o inquerito não era opportuno, e que, para apurai-as responsabilidades do Governo, a todo o tempo era tempo.

Finda a questão, não tenho duvida em propor eu proprio um inquerito ou pedir aos meus amigos que o proponham.

Agora não o posso acceitar, até por que seria a maneira de impedir a marcha serena e rapida das negociações.

E este o meu modo de pensar sobre o assumpto.

Julgo não haver duvida alguma acêrca das minhas palavras; mas estou prompto, caso seja necessario, a dar todos os esclarecimentos.

(S. Exa. A não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: — Sr. Presidente: a sessão não está pró rogada, vae já muito adeantada a hora, e acham-se ainda inscriptos varios Dignos Pares.

Requeiro, gois, a V. Exa., que consulte a Camara sobre se entende que esta discussão continue na sessão seguinte.

(O requerimento do Digno Par foi rejeitado).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro : — Sr. Presidente: visto a Camara não consentir que este assumpto continue ámanhã, peço a V. Exa. se digne consultal-a sobre se consente que hoje prosiga a discussão até votar se a proposta do Digno Par Sr. Julio de Vilhena.

(O requerimento do Digno Par foi approvado).

O Sr. João Arroyo: — Confesso a V. Exa. e á Camara que não tinha a mais leve ideia de usar da palavra hoje sobre este incidente.

Mas o debate corre por tal forma, e as respostas dadas pelo Sr. Presidente do Conselho foram tão estranhas, que não pude deixar de pedir a palavra para explicar a minha situação politica.

Sr. Presidente: eu desconheço o Sr.

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236 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

João Franco. Desconheço-o. S. Exa., alem das qualidades eminentes que possue como orador, e sobretudo de orador parlamentar, outra possuia, e d’essa usava largamente: era a da latitude que dava ás suas affirmações.

Pedi a palavra, Sr. Presidente, quando o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro se referiu á possibilidade de haver melindres n'este assumpto de caracter diplomatico.

Pedi a palavra no momento em que o Sr. Hintze Ribeiro, dirigindo-se ao Governo, convidava o Sr. João Franco a declarar se havia qualquer inconveniente diplomatico em se votar a proposta de inquerito.

O Sr. João Franco levantou-se e, fazendo excepção ao seu habito parlamentar de ser claro e nitido, tudo fez menos responder á pergunta do Digno Par.

Nem eu nem ninguem ouviu ao Sr. João Franco alguma cousa de claro sobre o assumpto.

Da mesma forma, quando eu, interrompendo o illustre Presidente do Conselho, pedia a S. Exa. que me dissesse qual era a attitude do Governo sobre o assumpto, o Sr. Presidente do Conselho expoz considerações, das quaes eu havia de tirar uma conclusão, mas não foi capaz de me dizer em termos positivos se o Governo abandonava ou não o projecto.

Este procedimento revela que S. Exa. nem ousa defender hoje em dia a proposta ministerial que apresentou á outra Casa do Parlamento, nem tão pouco se atreve a assumir uma attitude, plena e inteira, de rejeição d'essa proposta, com receio de complicações diplomaticas.

D'esta forma a attitude do Sr. Presidente do Conselho é aquella que serve para destruir governos, para derruir situações, é a attitude da incerteza, da vacillação, da falta de nitidez nas respostas, e, permitia-me S. Exa. a palavra, da falta de coragem governamental para que n'um determinado momento, comprehendendo que o brio e a honra do paiz exigiam uma franca attitude governativa, a houvesse de tomar, embora isso lhe pudesse vir a causar ámanhã, d'aqui a quinze dias, d'aqui a tres semanas, o desgosto de ter de sair d'aquellas cadeiras. (Indicando as do Governo).

Conhecer o Sr. Presidente do Conselho e ao mesmo tempo observar o indeciso das suas phrases, sobre se abandona o projecto e ha possibilidade de quaesquer complicações diplomaticas, é reconhecer que o Governo se encontra n'uma situação grave, de fraqueza, de hesitação, de incerteza em relação a um assumpto cuja resolução pode affectar os interesses nacionaes. Escusamos de illudir-nos.

Assumptos d'estes — e eu faço plena justiça ás qualidades pessoaes do Sr. Presidente do Conselho — assumptos d'estes, postos no Parlamento, ignorando o Governo o que elles podem conter de absolutamente deshonesto e immoral (e repito mais uma vez, presto homenagem ás qualidades pessoaes e de hombridade politica e pessoal do Sr. João Franco), assumptos d'estes, trazidos ao Parlamento, já não direi em condições insufficientes, mas com uma falta, de apresentação, por parte da situação politica, de todos os elementos que os constituem; assumptos d'estes exigem absolutamente por parte do Governo que elle declare querer ter o apoio do Parlamento, e do paiz, para a sustentação dos direitos nacionaes, e que o Sr. João Franco confesse, com toda a sua hombridade pessoal e politica, que ignorava uns certos e determinados factos.

O Governo Portuguez não poderá amesquinhar-se, deprimir-se, infamar-se por querer e até defender a votação parlamentar do projecto.

O Sr. João Franco está no momento agudo da sua vida politica em que tem de corresponder ás exigencias do seu nome e ao appello do paiz.

Está no momento em que tem de pôr de parte os seus interesses respeitantes á possibilidade da sua morte politica, isto é, ao termo da sua existencia ministerial.

Serena mas firmemente devo dizer, e bem alto, que é uma vergonha que não pode merecer o mais pequeno apoio.

Sr. Presidente: eu fiz parte de um Governo, no qual durante um anno não tive senão desgostos pessoaes, contrariedades e difficuldades de toda a ordem, mas nem só um momento eu deixei de marchar firme e erecto, sem fraqueza nem hesitação.

O Sr. João Franco é chefe do Governo, e é mais do que isso, é um homem novo que tem que conservar com toda limpidez o seu nome, tem que corresponder á confiança do paiz.

Volto-me para S. Exa. e digo-lhe : não sacrifique os principios de boa administração a qualquer conveniencia de momento.

Creia S. Exa.: dada a actual situação politica da Europa, um Governo pode resolutamente dizer: não. E pode dizer não, tendo por seu lado a verdade, a justiça e a moralidade.

Puz nas minhas palavras toda a isenção como patriota, toda a imparcialidade de um homem que está afastado dos partidos politicos, mas que sentiria enthusiasmo ao ver arvorada pele Sr. Presidente do Conselho a bandeira da honra e da seriedade em uma manifestação que tem de se contrapor áquelles que julgaram poder transformar as nossas secretarias de Estado em agencias ou corredores de jogo publico. Isso não pode ser. Nem o Governo o pode admittir, nem o Parlamento o pode permittir.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco) : — Sr. Presidente: nós acabamos de ouvir o discurso do Digno Par Sr. Arrojo, eloquente como sempre, mas parece-me que deslocado.

Ou eu fui pouco claro, ou a S. Exa. faltou agora aquella argucia e engenho que lhe são proprios, porque todas as suas considerações caem pela base.

Parece-me que ao Sr. Arrojo respondi por uma forma precisa, citando factos, que até por si mesmos equivaleriam a uma resposta.

Eu disse, recordando o que se passara ha dois ou tres dias na Camara dos Senhores Deputados, que se tivesse tido conhecimento dos factos narrados pela imprensa não teria negociado.

Como é então que o Governo ainda hoje podia manter tal medida?

Eu podia ter respondido d'outra maneira, mas entendi que era preferivel responder-lhe com factos.

As palavras, por muito eloquentes que sejam, valem menos do que um simples facto.

Eu disse mais que a Camara dos Senhores Deputados se tinha manifestado unanimemente contraria á proposta.

Como é que o Governo podia apoiar uma medida que hoje ninguem quer?

Ainda não contente com isto accrescentei que os proprios interessados tinham declarado ao Governo que abandonavam a sua pretensão.

Seria uma grave responsabilidade como chefe do Governo deixar pairar uma duvida no espirito de alguem, se alguma duvida pudesse haver.

Eu tenho obrigação de defender a dignidade do Governo a que presido, mas tambem não quero que se faça um juizo diverso acêrca de qualquer Governo estrangeiro.

Ninguem fez pressão junto do Governo para que a proposta fosse approvada.

Era completamente impossivel que alguem conseguisse tal resultado.

O Digno Par enganou-se quando suppunha que a minha palavra era dubia.

Houve completo equivoco da parte do Digno Par.

A minha resposta foi bem clara.

Sr. Presidente: a moção que foi votada pela Camara dos Senhores Deputados recommenda-se pela circunstancia de demonstrar a confiança que ella tem no Governo para a defesa dos interesses do paiz (apoiados), e não se-

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na preciso dizer-se mais para a justificar ; mas, ou com a demonstração que a Camara fez ou sem ella, não descurava o Governo esses interesses, nem se conduziria melhor n'esta questão ou em qualquer outra.

O Digno Par está absolutamente seguro e certo d'isso e opportunamente, quando o Governo trouxer ás Camaras o resultado da questão, e possam ser avaliadas as nossas responsabilidades, então haverá ensejo para o Digno Par poder formar um juizo completo a respeito da obra do Governo, dos seus intuitos e actos, se elles são ou não proveitosos para o paiz, como eu espero que serão sempre.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Telles: — Dada a situação politica do partido progressista, escusado será dizer que, sobre o assumpto que se debate, elle apoia por completo a altitude do Governo.

Tendo sido o Governo anterior ao Sr. João Franco um Gabinete saido do partido progressista, este partido não toma a responsabilidade de negociações que lhe não pertençam, referentes aos sanatorios da Madeira; mas estimará e desejará que a questão possa ser tratada nas Camaras em qualquer occasião que o Governo não veja inconveniente para um tal debate.

O partido progressista tomará n'essa opportunidade a responsabilidade dos seus actos e dará plenas explicações, da maneira como procedeu.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Decerto não voltaria ao debate, se a resposta do Sr. Presidente do Conselho houvesse sido, como esperava, clara e precisa.

Não foi.

Cada um, Sr. Presidente, tem o seu ponto de vista, o seu terreno de acção, a sua attitude e deveres politicos e partidarios.

Eu não entrei na apreciação da proposta do Digno Par Sr. Julio de Vilhena no que respeita ao ponto de vista sob que a considera o Sr. Presidente do Conselho.

Sou estranho a esse debate.

Nada tenho com as susceptibilidades do Governo.

O meu ponto de vista é muito differente.

Eu abstenho-me de apreciar as condições e termos em que a proposta do Sr. Julio de Vilhena está feita, e colloco-me n'um terreno mais amplo, mais generico, mais absoluto.

Pergunto o seguinte, e parece-me que depois das declarações que fiz, tão cordatas, a ponto de querer regular pelas declarações do Governo o meu voto e o dos meus amigos politicos, devo ter uma resposta clara.

O que pergunto ao Sr. Presidente do Conselho é se S. Exa. julga conveniente0 ou inconveniente que a questão dos sanatorios da Madeira seja trazida desde já para a discussão e que n'esse sentido se faça qualquer inquerito.

É esta a minha pergunta.

Se o Sr. Presidente do Conselho entende que, sem melindres para as nossas boas relações internacionaes, se pode proceder a um inquerito sobre quaesquer factos que se prendam com os sanatorios da Madeira, eu voto o inquerito, porque é esse o meu desejo e o dos meus amigos.

A unica cousa que nos pode prender é a affirmação em contrario do Sr. Presidente do Conselho.

S. Exa. ha de responder-nos claramente.

Por emquanto abstenho-me de entrar na discussão, de apreciar os termos da proposta do Sr. Julio de Vilhena; n'esta occasião limito-me a perguntar ao Sr. Presidente do Conselho se acha ou não qualquer inconveniente de caracter internacional em que se vote o inquerito.

Se S. Exa. entender que é inconveniente, eu não voto a proposta do inquerito; mas se, pelo contrario, S. Exa. não esclarecer este ponto, eu sou levado a votar a proposta de inquerito.

Exposta a questão n'estes termos, que são os que me interessam e aos meus amigos, tenho o direito de esperar que o Sr. Presidente do Conselho responda por forma que não fiquem duvidas e que deixe tranquilla a minha consciencia e a dos meus amigos.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Não me parece que respondesse ao Digno Par por forma a deixar duvidas.

O que eu disse é que os inqueritos são para apreciar responsabilidades, e as que tem o Governo em todo o tempo ha occasião de liquidal-as.

Pela minha parte não só desejo, mas não prescindo de tal direito.

Sr. Presidente: se fosse preciso investigar factos por meio de uma commissão que pudesse auxiliar o Governo, era o Governo e não o Parlamento que deveria nomeai a.

Com isto respondo á pergunta do Digno Par.

S. Exa., que é um espirito muito lucido e experimentado em cousas diplomaticas, pode tirar das minhas palavras a devida illação.

Os poderes do Estado teem espheras de acção demarcadas e definidas e teem completa independencia e liberdade para resolver conforme entendem.

Portanto, qualquer outra resposta, que eu desse, limitava e subordinava a acção do Governo.

Se o que o Digno Par deseja saber é se o Governo julga conveniente ou inconveniente o inquerito, eu já disse o que tinha a dizer.

O Governo já declarou que julga inconveniente o inquerito parlamentar.

O poder executivo não precisa da intervenção do Parlamento, porque tem a faculdade de resolver, tendo em attenção a defesa dos superiores interesses do paiz.

Parece me, Sr. Presidente, ter respondido por uma forma bem nitida e precisa, definindo o meu modo de ver, e o meu campo de acção.

Claro está que o Parlamento tem o direito de resolver como entender qualquer proposta que lhe seja submettida.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Não ha duvida que o Parlamento tem attribuições que a Carta lhe confere, e que o seu procedimento é autónomo.

Não tem que se sujeitar a qualquer deliberação do Governo.

Pode o Sr. Presidente do Conselho declarar que julga inconveniente ou conveniente o inquerito por qualquer motivo, e o Parlamento, que é soberano, pode resolver o contrario.

Mas, Sr. Presidente, ainda que é assim, é Parlamento não quererá tomar uma solução que vá de encontro aos verdadeiros interesses do paiz.

Não se trata de uma questão de ca racter interno; mas de um assumpto grave e de melindres internacionaes.

E necessario que o Governo e o Parlamento procedam por forma a constituirem uma unica entidade perante as nações estrangeiras.

È por isso, Sr. Presidente, que eu, procurando por meu lado harmonizar a minha attitude, o meu voto e o voto dos meus amigos politicos, com a responsabilidade que ao Governo impende na decisão d'este assumpto internacional, é por isso que eu pergunto ao Sr. Presidente do Conselho se S. Exa. julga conveniente ou inconveniente que acêrca da questão dos sanatorios se proceda a uma investigação rigorosa dos factos que teem vindo á suppuração, e de outros que ainda não sejam conhecidos.

Se o Sr. Presidente do Conselho julga inconveniente esse inquerito, eu não tenho duvida nenhuma em votar contra a proposta, visto que se não trata de uma questão politica, mas de um assumpto que reveste melindres internacionaes.

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238 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Deprehendo das palavras que ha pouco proferiu o Sr. Presidente do Conselho que o Governo se reserva o proposito, como é seu direito, e seu dever, de proceder por maneira a defender os interesses do paiz, pela forma a mais consentanea com o nosso brio e dignidade.

Mas, Sr. Presidente, uma cousa posso e devo exigir do Governo: é que elle declare, responda, se, por melindres internacionaes, julga inconveniente o inquerito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Respondi já.

O Orador : — Acha inconveniente ou não?

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Já por duas vezes disse que o Governo entende que, se ha alguma cousa a inquerir, tem em si auctoridade para o fazer, e que inqueritos parlamentares n'este momento podem ser inconvenientes aos interesses do paiz.

O Orador: — Só agora estou satisfeito.

(O Digno Par não reviu).

(Em seguida é rejeitada a proposta do Digno Par Sr. Julio de Vilhena).

O Sr. Presidente: — A seguinte sessão é ámanhã, e a ordem do dia são as emendas á lei de contabilidade publica, e os projectos sobre responsabilidade ministerial e lei de imprensa.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 25 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 18 de fevereiro de 1907

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: Barão de Alvito, de Avila e de Bolama; Condes: de Arnoso, de
Bertiandos, do Bomfim, do Cartaxo, de Lagoaça, de Paraty, de Sabugosa, de Tarouca, de Villa Real; Viscondes : de Asseca, de Monte-São, de Tinalhas; Eduardo Villaça, Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Coelho de Campos, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco Medeiros, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa, José Dias Ferreira, José Lobo do Amaral, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pessoa de Amorim, Poças Falcão e Affonso de Espregueira.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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