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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 23 DE FEVEREIRO DE 1858.

Presidencia do ex.mo sr. Visconde de Laborim,

vice-presidente.

Secretarios, os Srs. Conde de Louzã

Visconde de Balsemão.

(Assistiam todos os Srs. Ministros, a excepção do da Guerra.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 35 Dignos Pares, declarou o Ex.ª Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde da Lousã (D. João) deu conta da seguinte correspondencia.

Um officio do Sr. Presidente do Conselho, Marquez de Loulé com dada de 22 do corrente, communicando á Camara que os officios funebres por alma de Sua Magestade a Rainha a SENHORA DONA MARIA SEGUNDA, que Deos haja em gloria, não podendo ter logar no dia 24 do corrente, seriam celebrados no dia 2 do proximo mez de Março. Inteirada.

O Sr. Presidente — Está terminada a correspondencia, e passâmos á

ORDEM DO DIA.

Discussão do parecer n.º 401.

A commissão de administração publica examinou com toda a attenção e madureza o projecto n.º 70, tendente a prorogar por tempo de um anno as disposições da lei de 3 de Junho de 1854, a fim de continuarem a ser exercidos por um só Magistrado superior os dois cargos de Governador Civil e Commandante Militar no districto administrativo do Funchal.

A commissão de administração publica está convencida de que a divisão das attribuições militares e administrativas é um principio que deve; ser mantido e conservado como garantia das liberdades publicas e individuaes, e que é contra a Índole da nossa organisação social o confundir as attribuições administrativas e militares.

A commissão não desconhece que, por excepção e em circumstancias muito extraordinarias se póde dispensar no rigor de taes principios e doutrina; mas, não existindo, nem sendo allegadas pelo Governo taes circumstancias extraordinarias, é a commissão de parecer que o projecto n.º 70 seja rejeitado.

Sala da commissão, em 12 de Fevereiro. = Conde de Thomar = Marques de Ficalho = Barão de Porto de Mos = Visconde de Algés. = Tem voto dos Srs. = Conde da Ponte = José Maria Eugenio d'Almeida

Projecto de lei.

Artigo 1.º São prorogadas por tempo de um

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anno as disposições da lei de 3 de Junho de 1854, a fim de continuarem a ser exercidos por um só Magistrado superior os dois cargos de Governador Civil e Commandante Militar no districto administrativo do Funchal.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes em de 1857 = Joaquim Filippe de Soure, Presidente. = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario. = D. Antonio da Costa, Deputado Secretario.

O Sr. Presidente — Visto que o projecto não tem senão um artigo, verdadeiramente essencial, está o parecer e o projecto em discussão na sua generalidade e especialidade.

(Pausa.)

O Sr. Presidente — Ninguém pede a palavra?

O Sr. Conde da Taipa — Eu peço a palavra, Sr. Presidente, se ninguem a pede.

O Sr. Presidente — Tem o Digno Par a palavra.

O Sr. Conde da Taipa

O Sr. Marquez de Ficalho — Disse não vêr no projecto da outra Camara, que alli se trate a Madeira por colonia, assim como não vê tambem, no caso della se considerar colonia, que se peça a mesma provisão para as outras, como era de justiça, por quanto devem militar para todas as mesmas considerações. Pergunta se estará hoje a Madeira, no caso de colonia, mais longe do que Bragança, e Algarve, quando para o Funchal, dentro em vinte e quatro horas ha correspondencia, não succede assim tão rapido para estes pontos que designou no continente. Se vamos administrar a Madeira, se vamos examinar as suas questões de pauperismo, estudar as suas urgentes necessidades para remediar o seu mal, entende que para tão amplo estudo, e tão vasta administração, se tornam necessarias habilitações, que será difficil encontrar reunidas n'uma pessoa; porque desengane-se o Governo, e em especial o Sr. Ministro da Fazenda, que não terá fazenda que administrar em quanto se não desenvolverem convenientemente as industrias, e se levarem os povos a um bom regimen adequado á riqueza particular, donde provirá a do thesouro. Acredite o Sr. Ministro, que podendo sem duvida viver de recursos extraordinarios, não poderá administrar, e não será como administração militar que o conseguirá. Se o Governo sinceramente deseja administração, póde encontrar uma cabeça bem organisada, que saiba estudar aquelles malles, e propôr o remedio; e não se cortar portanto a liberdade da escolha, quando um empregado civil póde apparecer, reunindo em si as necessarias condições para um bom governador civil. Que necessidade ha na Madeira de um general, quando só tem um pequeno destacamento? Não reconhece motivo para tal necessidade. Se está ameaçada, vote-se então juntamente com este projecto, a remessa de armas e munições, ordene-se que se levantem fortificações, envie-se-lhe uma força capaz de a defender, e dê-se-lhe um general. Ou não encontrando a Madeira neste estado, a commissão não viu motivo para a preferencia de administrar militar; e pelo que respeita a elle orador, não póde em consciencia concorrer para que continuem na Madeira estas administrações, e por isso votou na commissão pela regeição do projecto.

O Sr. Presidente do Conselho disse que lhe parecia ser esta a quarta vez que o Governo vem pedir ao parlamento auctorisação para continuarem a ser exercidos por um só magistrado superior, os dois cargos de Governador Civil e Commandante militar no districto administrativo do Funchal, que n'outras occasiões esta Camara não duvidou conceder esta auctorisação, parece-lhe pois que para ser rejeitado o projecto de lei, como o foi pela commissão, devia ella basear o seu parecer n'um motivo que explicasse, qual a razão porque entendia que não se devia agora conceder ao Governo a auctorisação que se pede.

O Sr. Ministro não vê qual seja esse motivo, antes pela contrario vê que a experiencia feita nos ultimos quatro annos tem provado a utilidade desta medida para a ilha da Madeira. Sem se referir a outros motivos, que auctorisam o que acaba de dizer, apenas lembrará as calamidades que soffreu aquella povoação durante o periodo em que alli reinou a choleramorbus. A Camara sabe quanto esta molestia foi alli intensa, e sabe tambem que bastantes milhares de vidas foram por ella infelizmente ceifadas (apoiados.) Se nessa occasião a auctoridade militar não estivesse reunida á administrativa, seguramente o Governador Civil ver-se-hia em grandes embaraços para tomar todas as providencias que as circumstancias exigiam em tão grave conjunctura, por quanto achou-se a ilha sem auctoridades administrativas, sem administradores de concelho, e sem regedores de parochia, uns porque foram victimas da epidemia, e outros porque abandonaram os seus logares, a auctoridade superior porém, remediou tudo isto nomeando militares para irem exercer aquelles logares, e por esta providencia continuou o serviço publico sem interrupção.

É verdade que esta medida é uma excepção á regra geral, mas é precisa, mesmo para remediar as causas que apontou o Digno Par membro da commissão que precedeu a elle Sr. Ministro, e é tambem por isso que se torna indispensavel augmentar o ordenado a esse funccionario, a fim de podér viver alli decentemente. Sendo certo tambem, que com a reunião dos dois logares, mais facilmente póde o Governo escolher um individuo habilitado para administrar aquella ilha conveniente.

Acha pois o Governo, que não se tendo dado nenhum inconveniente até agora no emprego desta medida, e pelo contrario, que della tem resultado vantagens para aquelles povos, não tem duvida por isso de a propôr de novo como uma necessidade justificada, e está convencido de que a Camara dos Dignos Pares, que n'outras occasiões não tem duvidado prestar a sua annuencia a iguaes pedidos, hoje não deixará tambem de approvar este.

O Sr. Visconde de Balsemão — Eu não fazia tenção de tomar parte neste debate, mas não posso deixar de o fazer depois do que ouvi dizer ao Digno Par, o Sr. Conde da Taipa. Observarei antes de tudo, com relação á opinião adduzida pelo Digno Par Sr. Marquez de Ficalho, que S. Ex.ª confundiu o exercicio da auctoridade militar com as funcções que vai exercer o militar, reunindo a si a parte administrativa, havendo grande differença entre umas e outras. Esse individuo que fôr nomeado para á ilha da Madeira não a vai governar militarmente, mas vai sim reunir o exercicio das funcções militares com as funcções civis.

Ora, disse o Digno Par Sr. Marquez de Ficalho, que um militar não podia estar ao facto das cousas administrativas, como o estaria um outro individuo que tivesse as precisas habilitações para conhecer desses assumptos. Eu não sou desta opinião, e para provar a S. Ex.ª o contrario basta citar Mr. Odier, insigne escriptor de administração. Eu não vejo que um individuo militar não possa ter os principios necessarios para administrar a ilha da Madeira convenientemente, reunindo as funcções militares com as administrativas: e note-se que não é este o primeiro exemplo que se tem visto em Portugal. O governo militar dos Açôres já foi exercido por um individuo civil: e é dito por toda gente imparcial, que esse governo foi reputado um dos melhores governos possiveis. E a pratica tem mostrado, com relação á ilha da Madeira, que desde que ella está governada por um individuo militar não se tem suscitado nenhum inconveniente, antes pelo contrario a acção tem sido muito mais energica e vantajosa, não só pelo lado do serviço publico, como tambem pelo da economica para o Estado.

Seja-me licito observar por esta occasião, que eu estou convencido de que, com os ordenados que actualmente se dão aos Governadores civis, não póde haver empregados capazes, nem é possivel obter bom serviço de taes funccionarios com o pequeno ordenado que se lhes dá: nem é possivel tambem ser bom Governador civil o individuo que não visitar o seu districto muitas vezes, mas como essas visitas trazem comsigo despezas, é claro que elles o não podem fazer com os tenues ordenados que vencem: e se assim é em geral, muito peior o é com relação á ilha da Madeira, por quanto aquella ilha está n'um caso excepcional. Sendo ella frequentada por muitos estrangeiros de distincção, é obrigado o Governador civil a recebel-os, e bem, mesmo por honra do Governo que alli representa; mas é facto verdadeiro que o individuo que o fôr não póde fazel-o convenientemente só com o ordenado de Governador civil.

Ora, eu não sei se o Digno Par Sr. Marquez de Ficalho quer que se augmentem já os ordenados a todos os Governadores civis? (O Sr. Marquez de Ficalho — Quero.) Tambem eu o desejo, não só para o ultramar, como para todo o paiz; mas vendo eu que todos os dias se está gritando contra o grande deficit que ha, e dizendo-se que não temos meios para as cousas mais urgentes, reconheço então que se não póde na actualidade levar por diante o desejo do Digno Par, que tambem é o meu.

Concluo portanto votando contra o parecer da illustre commissão, salvo se apparecerem novos argumentos que me façam mudar d'opinião, mas os que até agora se tem apresentado não me convencem.

O Sr. Conde da Taipa....

O Sr. Conde de Thomar a discussão vai-se tornando muito instructiva, mas parece-lhe que sahindo tambem um pouco do ponto em que deve ser mantida (ao menos é essa a sua opinião, com perdão dos Dignos Pares que tem usado da palavra), e parece-lhe isto assim porque muitas das cousas que se disseram no tem relação alguma com o projecto em discussão.

A commissão encarou esta questão unicamente pelos principios, e foi, conformando-se com elles, que deu o seu parecer: foi buscar aos differentes pareceres das commissões que nos annos anteriores approvaram a medida, e aos discursos dos Ministros que a sustentaram, as razões com que fundamentou o seu pareceu. A commissão estava bem longe de prever que havia de sustentar hoje nesta Camara os principios da verdadeira liberdade (sendo os seus membros pela maior parte do partido conservador) em opposição aos principios d'absolutismo, proclamados por aquelles que tem constantemente seguido o partido progressista. (O Sr. Marquez de Vallada — Apoiado. — O Sr. Conde da Taipa — Peço a palavra.) O orador crê que no que disse não offendeu pessoa alguma, mas tem muito prazer por ser dos bancos dos progressistas que sabe a opinião de que em garantias de liberdade temos demasiado, e que portanto convem mesmo que a governação do paiz seja entregue aos militares! Sentindo que esta medida em logar de provisoria não seja permanente, e não só para a Madeira, mas para todo o reino!... Para isto não estava o orador preparado, mas é o que a Camara acaba de observar, sendo ainda mais notavel que os impugnadores do parecer são ao mesmo tempo aquelles que tem ministrado os melhores argumentos para á commissão se firmar cada vez mais no parecer que apresentou á Camara, rejeitando a medida proposta pelo Governo.

O Sr. Conde observa, que este projecto é um daquelles que tem no Parlamento uma historia, que é necessario consultar, para bem se podér conhecer se a commissão teve ou não razão para rejeitar actualmente esta medida, que foi apresentada pela primeira vez em 1854. Então, nas circumstancias extraordinarias em que se achava a ilha da Madeira pensou-se muito, sobre o que conviria adoptar para obstar ao incremento dessas circumstancias, e remedial-as quanto fosse possivel. O governo, para assim se explicar, sahiu a final por uma porta, e entendeu que, reunindo as funcções administrativas, com as militares n'um só Magistrado, podia entregar a governação daquella ilha a quem provesse de remedio ao mal; a medida foi approvada; e note-se bem, que n'essa occasião o Governo não dava outra razão para ella ser approvada senão a da necessidade de ter um melhor ordenado quem fosse encarregado do Governo e administração da ilha da Madeira; mas esta razão não a considerou boa o Parlamento; e as commissões, tanto d'uma como da outra Camara entenderam que era melhor fundamentar a medida com as circumstancias extraordinarias em que se achava a ilha da Madeira.

O orador não esperava ouvir agora, que não era conforme á indole da nossa organisação a separação das attribuições administrativas e militares, nem que as razões tão amplamente desenvolvidas pelos outrora defensores da medida, haviam de ser apresentadas agora insignificantes para a sustentação da doutrina do parecer; e menos lhe parecia, que podesse carecer de demonstração a doutrina que a commissão expendeu neste parecer. Todavia sem se fazer cargo de desenvolver esta materia que julga muito clara e impossivel de ser combatida com razões sólidas, disse que se occuparia unicamente dos argumentos apresentados pelo Sr. Conde da Taipa, para mostrar que S. Ex.ª foi o primeiro que, parecendo desconhecer os verdadeiros principios, no desenvolvimento das suas razões, reconheceu que eram boas e sãs as doutrinas sustentadas pela commissão, dizendo que só por excepção, é que se podia admittir a accumulação destas funcções. Logo a regra e o principio é a separação! Disse S. Ex.ª, que o Bispo do Algarve foi um bom general, e lord Beresford um bom bispo. Ora, se esta razão podesse valer de alguma cousa, seria para se dizer, que em regra um Bispo não póde ser bom militar, assim como um General não póde ser bom Bispo (O Sr. Conde da Taipa — que novidade!) Se a regra é que o Bispo deve ser um ecclesiastico, e o General deve ser um militar, ha de convir que mal trazidos foram esses factos historicos a favor da medida! As circumstancias de então não são as de hoje.

Não está no podér de ninguem dizer, que a ilha da Madeira ou os Açôres são colonias, pela simples razão, de que entre ellas e o continente está o mar. É necessario saber se existe alguma disposição legislativa, que por essa simples razão as considere, como colonias, para lhe ser applicada a legislação das colonias, mas isso é que não ha, porque a legislarão, geralmente fallando, é a mesma quer para o continente, quer para os Açôres e ilha da Madeira, porque estas estão consideradas provincias do continente, para esse fim. Isto não admitte a menor dúvida.

Observou, que o Sr. Presidente do Conselho explicara o pensamento do Governo, adduzindo tres razões: primeira, « que é esta a quarta vez, «que uma similhante medida vem ao Parlamento, e não ha razão para hoje se rejeitar aquillo «que já se approvou por tres vezes; segunda é «que existe a necessidade de dar um maior ordenado ao empregado que governar aquella ilha; «terceira, que os serviços prestados na occasião «da cholera-morbus, pela auctoridade que então «governava a ilha da Madeira, accumulando as «funcções civis, com as funcções militares, toaram tão importantes e extraordinarios, como «eram essas circumstancias; e conveiu que aquelle Governo esteja constituido da mesma fórma, «por isso que é possivel, que alli appareça uma «nova epidemia ou novo contagio!» Taes são as razões pelas quaes S. Ex.ª entende, que o projecto deve ser approvado. Estas razões ainda que pouco concludentes, são faceis de comprehender.

Que o Sr. Conde da Taipa pelo contrario entende que em projecto de garantias e liberdade, temos de mais; e que o que é necessario é dar força á auctoridade, e para isso entende, que o melhor modo de o conseguir, é confiar a administração da ilha da Madeira, e do paiz a militares!

O orador põe de parte as qualidades dos militares, e não admitte que se argumente com a circumstancia, de que já houve em administração um grande escriptor militar, para os considerar como os mais aptos para exercer os cargos administrativos, porque a par desse grande escriptor militar em administração podiam notar-se duzentos escriptores paisanos. Isto não são argumentos. Pois, por que houve um militar, que foi grande escriptor em administração, segue-se que devam estar accumuladas as funcções administrativas com as funcções militares? Não póde tirar-se uma tal consequencia, nem julga a proposito consumir tempo em responder a taes argumentos.

O que é pois necessario é entrar na questão pelo modo como a collocou o Sr. Presidente do Conselho; e vêr se as razões, que S. Ex.ª apresenta, para sustentar o projecto do Governo, podem levar a Camara a votar esta medida, em vez de rejeital-a.

A primeira razão não colhe; porque, o ter-se votado tres vezes uma medida, não obsta a que seja rejeitada pela quarta vez, e com muito bons fundamentos: e com effeito, se as circumstancias extraordinarias, em que se achou a ilha da Madeira foram a razão principal e unica, para se propôr e votar similhante medida; é necessario demonstrar, que as circumstancias são hoje as mesmas de então (muitos apoiados). Este ponto que devia ser desenvolvido pelo Sr. Ministro do Reino, não foi, nem podia sel-o, porque ninguem se atreverá a dizer, que as circumstancias são hoje as mesmas. Ora, se não são as mesmas, a consequencia até para os que votaram nos annos anteriores pela adopção da medida, é, que ella hoje não se torna necessaria. E o orador, se lhe dissessem que eram ainda as mesmas, tiraria de ahi tambem argumento contra o projecto; pois isso mostraria que a medida pelos factos, e pela experiencia de alguns annos se provava, que é inefficaz (O Sr. Visconde de Algés — Apoiado). A razão portanto, não colhe.

Quanto á segunda razão, á do ordenado: é sabido que de toda a parte se clama que os empregados publicos não tem hoje os meios necessarios; o mesmo Sr. Conde da Taipa clama contra a pequenez do ordenado dos Governadores civis, e acrescenta que os Governadores civis são obrigados a viver n'um pequeno quarto; e sem serem ladrões, não obstante serem muito boas pessoas, não podem viver com a decencia que é conveniente; e o resultado é que não se podem achar para taes logares bons empregados!

Tudo isto, diz o Sr. Conde, é incontestavel, mas pede licença para perguntar: porque motivo se ha de estabelecer a excepção para a ilha da Madeira esquecendo todo o reino? Porque ha de ter" ella esse privilegio? Pois só ahi se ha de curar o mal, reconhecido por todos, deixando-o ficar ainda subsistindo nas outras ilhas, e no proprio continente do reino? (apoiados.) Isto não póde ser, acha neste procedimento grande injustiça, que qualifica de atroz (muitos apoiados).

Da terceira razão se occuparia mais tarde.

Resumindo-se disse, que a doutrina que tem combatido é insustentavel por todos os modos; e por isso não esperava que o Digno Par o Sr. Conde da Taipa, que na verdade mostra em todas as questões grande independencia, viesse nesta occasião mostrar tão grande fundo de ministerialismo, e dizia isto sem nenhum animo offensivo. S. Ex.ª mostra effectivamente um ministerialismo terrivel! Porque S. Ex.ª nem mesmo se conforma com as razões do Governo; vai mais longe em procura de argumentos para sustentar a medida, e chega a confundir a questão para chegar ao seu fim.

O orador considera-se o mais fraco membro da commissão para sustentar o seu parecer, mas tem nella e na Camara collegas que a hão de esclarecei mais cabalmente (O Sr. Conde da Taipa — Eu peço a palavra. — O orador — Tambem eu peço a V. Ex.ª a palavra segunda vez).

A terceira razão é singular. Diz-se — houve cholera na ilha da Madeira, as auctoridades civis administrativas abandonaram o seu logar; mas o Governador civil, accumulando as funcções militares, mandou administradores militares para todas as partes: o que não teria logar se não estivessem reunidas as funcções militares ás administrativas.

É bem singular esta ilha da Madeira! Apparecem nella factos que não se vêm em nenhuma outra parte do paiz. Houve a cholera morbus e a febre amarella em muitas parte da monarchia; nenhum empregado administrativo abandonou os logares, todos cumpriram com os seus deveres, não foi necessaria a accumulação das atribuições militares e civis para adoptar medidas com o fim de obstar ao progresso daquellas molestias, quanto cabe ao podér humano; mas na ilha da Madeira não é assim! Desapparecem na occasião do perigo todos os madeirenses, que são empregados administrativos, estes não tem humanidade; não cumprem com o sou dever, e é necessario que os militares vão salvar o resto dos habitantes do contagio!... Não esperava o nobre orador que isto fosse adduzido pelos Srs. Ministros na Camara, pois é uma grande offensa aos habitantes daquella ilha; não sabe mesmo se póde julgar-se auctorisado a pôr em duvida estas asserções tão offensivas para os habitantes da Madeira (apoiados. Pelo menos não esperava que o Governo desse razões destas para justificar a sua proposta...

O Sr. Presidente do Conselho — O Digno Par dá licença que o interrompa?...

O orador — Sim senhor.

O Sr. Presidente do Conselho — Não citei esse facto para justificação da medida, mas para notar os inconvenientes que havia naquella occasião; e que a junção das duas funcções era proficua, pois com ella se obstava ao abandono dos logares de algumas auctoridades; de que a maior parte foi victima da cholera morbus, que attacou em differentes pontos, mas em nenhum foi tão mortífera, em razão do grande numero de casos, de que houveram mais de 200 por dia.

O Sr. Ministro pondera mais que o que disse não foi para justificar a medida para o futuro, mas para mostrar que até agora não tinham della vindo inconvenientes, mas que até tinham resultado muitas conveniencia.

O Sr. Conde de Thomar (continuando), applaude-se de que o Sr. Presidente do Concelho desse uma explicação mais agradavel para os habitantes da Madeira. Comtudo por ella vê que o Governo propoz esta medida, porque não havia nella inconveniente, não por ser de necessidade; de modo que vai fazer-se um transtorno e introduzir uma excepção na organisação administrativa, não pelos grandes beneficios que podem resultar della, mas porque até agora não se lhe achou inconveniente! E que inconveniente se tinha achado antes, quando as attribuições civis estavam separadas das militares? O orador appella para o Sr. Ministro da Justiça e para os argumentos que S. Ex.ª apresentou na outra casa; e sendo certo que S. Ex.ª desempenhou as funcções de Governador civil naquelle districto, com satisfação geral independente das funcções militares.

O Sr. Ministro da Justiça — Peço a palavra. O orador — O nobre Ministro combateu esta medida, quando era Deputado, com toda a valentia; facto que antes de passar adiante, pede licença para oppôl-o ao argumento do Sr. Conde da Taipa, quando disse, que no parecer da commissão passada havia dois membros da commissão actual approvando. os quaes agora votavam em sentido contrario. O orador já tinha dito que este procedimento resultaria de terem julgado aquella medida necessaria então, vistas as extraordinarias circumstancias que se allegavam, e agora não, por terem cessado essas circumstancias, e que vinha a proposito dizer aqui, que nos bancos do Governo ha dois Srs. Ministros que assignaram o parecer da commissão vencidos e que. outro se conformara com os seus collegas, declarando-o assim na discussão do projecto, distinguindo-se o Sr. Ministro da Justiça, o qual como campeão valente, combateu a proposta do Governo por muitas razões; uma das quaes não póde admittir em tão pouco tempo total mudança de opiuião!... Disse que este projecto era anti-constitucional, e que destruia pela base o Governo representativo (apoiados). Aqui a mudança de opinião não é possivel. E quando nos bancos mi-

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nisteriaes se sentam Ministros que sustentaram e defenderam as doutrinas do parecer da commissão, quando ahi se senta um Ministro que ainda ha pouco tempo sustentou que o projecto do Governo é inconstitucional, e que destroe pela base o Governo representativo, quando esse Ministro appellou para o pundonor da Camara, a fim de conseguir a rejeição de um tal projecto, como destruidor das liberdades publicas, deve haver mais cuidado em accusar dois membros da commissão por terem assignado o parecer em discussão (apoiados)! Que os seus collegas hão de explicar devidamente é seu procedimento, e que não se fez cargo de entrar extensamente nesta questão, porque os dois Dignos Pares a quem se referiu o Sr. Conde da Taipa, o farão melhor do que elle orador, mas que diria que se julgava auctorisado pelos argumentos do Sr. Conde da Taipa, a pedir estreitas contas ao Ministerio, pela sua inexplicavel contradicção. Entre os quaes até existe um que tem sustentado, que a medida era contraria á Carta Constitucional, e destruia o systema representativo. (O Sr. Conde da Taipa — Esta medida?!) Sim: foi um dos Srs. Ministros, e os outros concordaram. (O Sr. Ministro da Fazenda — Não eu.) V. Ex.ª assignou vencido o parecer da commissão de administração, approvando igual medida.

Continuando com a historia do projecto disse, que o Sr. Ministro da Justiça, na outra Camara, metteu em grande aperto o Ministerio de então, e obrigou uma das personagens que o compunham, e cuja ausencia desta Camara elle orador muito lamenta, principalmente pelo motivo que é; obrigou, ia dizendo, essa personagem que então occupava o Ministerio do Reino, a recorrer a uma razão, que não se achava nem no relatorio da proposta do Governo, nem no parecer da commissão, e isto para responder ao sr. Ministro da Justiça, que realmente destruíra todas as razões antes delle produzidas a favor da medida. O mencionado Sr. Ministro do Reino, teve de procurar um argumento novo, e esse encontrou-o nas boas qualidades de um homem, desse homem que o Governo tinha nomeado, e que possuia todas as qualidades precisas para podér desempenhar bem a alta missão de que ia ser encarregado; comtudo chegou quasi a ser ridicularisado pelo Sr. Ministro da Justiça, e não sem alguma razão para isso, porque o facto veio provar que não dependia só desse homem o desempenho de tão alta missão pois que após elle appareceu logo outro, que ainda fez cousas mais importantes. Será com este fundamento que S. Ex.ª pede e approva agora esta medida, quando a rejeitou então com tão boas razoes? Quem sabe, se assim como appareceu um segundo homem, parente daquelle primeiro homem, que o substituiu, e dizem fez tão importantes serviços, apparecerá agora um terceiro, tambem parente? E que estejamos discutindo uma lei para uma familia (liso, capotados)? E, com quanto este argumento seja de pouca força, serve para mostrar a prespicacia do Sr. Ministro da Justiça, que combateu todas as razões a que recorreu o Ministerio de então; o nobre Ministro das Justiças asseverou então que o argumento do homem nada valia, porque atraz delle estavam outros muitos homens tambem capazes. O Ministerio em 1854 podia justificar a sua proposta pelas circumstancias extraordinarias em que estava a Madeira naquelle tempo (apoiados). Muitos membros desta casa e da outra, votaram pela medida do Governo em attenção a essas circumstancias; mas declararam que os principios não admittiam nem admittem a accumulação; a commissão vai de accôrdo com elles neste ponto; porque reconhece que não é da indole da nossa organisação social, accumularem-se aquellas funcções (apoiados); reconhecendo ao mesmo tempo que póde haver circumstancias extraordinarias em que seja necessaria a excepção. Mas quaes são essas circumstancias extraordinarias agora? O nobre orador podia fazer tambem interrogações, como fez o Sr. Ministro da Justiça naquella occasião; dizendo: estará a Madeira em guerra, para que seja necessario que as attribuições civis e militares sejam reunidas n'um só homem para adoptar medidas mais rapidas e energicas? Estará aquella ilha em sedição? isso dizia o Sr. Ministro é improprio dos seus habitantes, são os mais dóceis e amáveis cidadãos da monarchia. Estará a Madeira em anarchia, para que seja necessaria esta medida? Não. Mas diz em logar de tudo isto o Sr. Presidente do Conselho: póde haver a choleramorbus.

O Sr. Presidente do Conselho — Não disso isso. O orador observou que já S. Ex.ª se tinha explicado a esse respeito, reportando-se ao facto da fugida dos Administradores paisanos e á substituição destes por militares, sem o que pereceria toda a população; e disso tambem que era necessario maior ordenado para o primeiro empregado da ilha: razão a que já lhe parece que respondeu, como a todas as outras, de maneira cabal, que se acaso o Sr. Ministro intende que é necessario um ordenado maior para que haja boa administração e zêlo pelo serviço publico, então deve estender essa medida um pouco mais, e não a limitar só a um districto administrativo (apoiados).

Ainda outra razão se dava para a approvação desta medida, a necessidade de um homem que possuisse conhecimentos technicos para as obras, cujo fim naquella época era dar emprego a braços que estavam morrendo de fome, por isso que o mal das vinhas continuava, e aquelles individuos não achavam meios de subsistencia. Só para exercer similhante cargo na ilha da Madeira fosse necessario um homem com conhecimentos technicos, o orador pediria ao Sr. Ministro das Obras Publicas um homem de grande talento, mas que não possuo os conhecimentos technicos da sua repartição, que desse immediatamente a dimissão de Ministro.

Depois pediria ao Sr. Ministro do Reino que demittisse todos os Governadores civis do continente, aonde ha obras importantes. Não é necessario que essas auctoridades tenham aquelles conhecimentos technicos, porque a direcção das obras publicas pertence aos engenheiros que as dirigem, e que são os competentes para tractar de taes objectos. Se são necessarios taes conhecimentos technicos para bem administrarem um districto (apoiados); com mais razão poderia exigir 0« conhecimentos technicos em legislação, e administração civil aos militares nomeados para essas funcções, pelos muitos, mui variados e importantes negocios a seu cargo, e com licença dos senhores militares affirma que elles não tem taes conhecimentos. (O Sr. Marquez de Ficalho — É verdade.) E não devem os militares offender-se do que acaba de dizer o orador, que é o primeiro a confessar que tambem não possue conhecimentos militares.

Não são necessarios os conhecimentos da legislação civil e administrativa para fazer um bom Governador, civil e serão elles tão pequenos que se possam aprender com a recepção do Decreto que. nomeia um homem Governador civil? Não ha duvida nenhuma de que lia militares capazes de desempenhar estes logares tão importantes, mas só por excepção; e por isso deve haver toda a cautella nessas nomeações, para que elles confundidos com a multiplicidade dos assumptos, e a novidade e a especialidade delles não se tornem simples instrumentos nas mãos de Secretarios, que, sem terem a responsabilidade legal que resulta dos seus actos, podem comprometter muito quem a elles se entregue cegamente.

Não quer cançar mais a Camara, mesmo por que se ha de vêr na necessidade de fallar segunda voz em resposta a quem impugnar o que acaba de dizer; e por isso resumindo as suão idéas observe, que não se póde contestar que é da indole das nossas instituições a separação destas funcções. Se porventura o individuo que fôr Governador civil da ilha da Madeira carece de um maior ordenado para exercer com dignidade aquelle logar, dê-se-lhe, pondo de parte a razão de que isso é preciso para jantares, e funcções de prazer, por que os povos da ilha nada lucram na opinião do proprio Sr. Ministro das Justiças com jantares e bailes que der a auctoridade; o que elles querem é uma boa e paternal administração. (Apoiados.) Não tendo sido combatidos com razões solidas, os argumentos dados pela commissão, parece-lhe que a Camara não poderá deixar de approvar o parecer.

O Sr. Marquez de Ficalho disso, que tendo assignado o parecer, e explicado a significação da sua assignatura, pelo que ouvira a alguns Dignos Pares, entendia que fora bem comprehendido. Não disse que excluia os militares, sendo capazes, mas tambem não podia excluir os empregados civis, porque não devia consentir no monopolio de que a administração da Madeira ficasse sempre na mão de um militar.

Explicando-se que as auctoridades na maior parto se tinham portado bem na occasião á choleramorbus, devia declarar que não foram só as militares, foram tambem as civis, foram todos os madeirenses que prestaram nossas épocas relevantissimos fénicos. Repete, portanto, que o que não quer é que se confunda a necessidade do momento com a permanencia. Discrimine-se bem o seu voto: se o Governo quer propôr um ordenado conveniente a um Governador civil, a fim de o podér nomear para alli, conte neste caso com o seu voto; mas se não quer, e só deseja mandar um militar para que continuo o systema ultimamente adoptado de concentrar as diversas attribuições na mão desse militar, então vota contra.

O Sr. Visconde de Castro — Na situação em que me cabe a palavra, talvez eu devesse ceder della, porque vejo que alguns dos Srs. Ministros a teem pedido; no entretanto o que eu pretendo é unicamente dar a razão por que approvo o projecto de lei em discussão. Quando tenho de votar em sentido contrario ao dos meus dignos collegas deste lado da Camara, julgo sempre um dever de lealdade o dar a explicação do meu Voto, e por isso, por maior que seja o meu desejo de não alongar esta discussão, não posso dispensar-me de fazer algumas breves observações.

Sr. Presidente, eu reconheço que esta medida sae fóra dos principios ordinarios: reconheço igualmente que este estado não póde ser permanente, e que devemos voltar á Lei, que é geral para todo o continente e ilhas: nesta parte estou de accôrdo com a opinião dos meus collegas, e confesso que os argumentos apresentados pelos Dignos Pares deste lado da Camara, que sustentam o parecer, teem para mim mais força do que os dos Dignos Pares que o combatem; confesso tambem que a respeitabilidade, e os conhecimentos dos Dignos Pares, membros da commissão, são para mim de muito peso; mas permittam-me SS. Ex.ªs o observar, que sobretudo nos cumpre considerar e attender ao estado em que se acha a ilha da Madeira, estado que tornou necessaria a excepção de que se tracta.

Sr. Presidente, eu não creio que tenha passado já o estado afflictivo dos habitantes daquella ilha, supponho que grandes males pesam ainda sobre elles; e em vista disto digo eu, que se não attendermos sériamente ao facto que se está passando diante de nós, talvez commettamos um grande erro.

É um facto que desde 1854 para cá alguma cousa se tem feito na ilha da Madeira em sou beneficio: não quero com isto dizer, que nada se tivesse feito antes; mas é verdade que pela acção resultante da centralisação da auctoridade militar com a civil, ajudado isso pelas boas disposições dos habitantes, se leis executado obras ao longo tempo reclamadas, e se tem excitado uma certa energia naquelles povos, som a qual impossivel lhes seria vencer todas as calamidades de que têem sido victimas: seja como fôr, o facto verdadeiro é, que a ilha da Madeira vai caminhando para uma grande prosperidade, o eu receiaria que nós hoje fossemos tomar uma medida que tolhesse o augmento dessa prosperidade.

E, pergunto eu, haverá algum perigo em se votar por mais um anno esta medida? Affirma-se que é um ataque ás liberdades publicas, mas eu entendo que os primeiros que deviam ressentir-se dessa infracção eram os madeirenses. Acaso a ilha da Madeira, ou pelos seus representantes em Côrtes, ou por meio do representações das Camaras municipaes, tem-se queixado desta providencia que, por espaço de quatro annos, alli tem estado em execução? Não me consta, e é essa uma circumstancia para mim de muito peso; e com quanto eu confesso que adhiro perfeitamente á opinião que aqui tenho ouvido emittir contra o projecto, pelos oradores que querem o cumprimento da Lei geral, seja-me comtudo permittido o dizer, que não devemos levantar mão da excepção, sem adquirirmos a certeza de que ella se tornou absolutamente desnecessaria. ' Já aqui se disse, que os nossos Governadores civis têem estado reduzidos a meios agentes de policia; mas isto só não é o que precisa a ilha da Madeira, aquella ilha carece de ter um Governador civil ou militar, que a percorra em todas as direcções, que se mostre aquelles povos, que os anime, que lhes faça conhecer que naquelles bellos terrenos se podem cultivar mil outros pro-ductos além do vinho, que se informe de todos os obstaculos locaes, que seja emfim um governo de acção o verdadeiramente paternal. É necessario, Sr. Presidente, attender a estas circumstancias: convenho com os meus illustres collegas, que em nada disto influo a escolha de um militar ou do mi civil, convenho n'isso; mas sou neste ponto um pouco fatalista; não queria que neste momento fossemos interferir com a Madeira, alterando naquelle estado do cousas, a que se não póde negar que se devem beneficios. E Sr. Presidente, a Lei tambem não diz que ha de ser precisamente um militar; ou eu estou enganado, ou o projecto diz, que ha de ser uma auctoridade que reuna as duas funcções civil e militar: ou eu estou enganado, ou ha exemplos do outras provincias do reino, e da propria Madeira, onde tom havido empregados civis accumulando tambem as funcções militares. Em Macio, por exemplo, quantos empregados civis não têem accumulado os dois ramos de serviço? Em Gôa tem acontecido o mesmo; e note-se, que não vou buscar estes exemplos só ao tempo passado, são anteriores e posteriores ao regimen constitucional. Não houve um Governador geral da India, que a governou por seis annos, e que era lente da Universidade?

O Sr. Conde da Taipa — Até era um Tenente.

O orador — É verdade.

O Sr. Conde de Thomar — Mas não accumulava os ordenados.

O orador — Essa rasão tenho-a eu por pequena.

O Sr. Conde de Thomar — Mas o Sr. Ministro serviu-se della...

O orador — Sinto muito.

Não renego os meus principios liberaes, mas para os provar não careço de ir alterar já o que se acha excepcionalmente estabelecido desde 185:, e com resultados que se não contestam.

Sr. Presidente, a Camara me perdoará de lhe haver tomado tempo, mas eu quiz declarar francamente qual é a rasão porque hei-de votar contra o parecer da commissão, com muito sentimento meu, e porque entendo que devo approvar o projecto do Governo.

O Sr. Conde da Taipa —

O Sr. Presidente — Tem a palavra sobre a ordem o Digno Par o Sr. Visconde do Algés.

O Sr. Visconde de Algés manda para a Mesa quatro parecei os da commissão de fazenda sobre I projectos muito importantes que vieram da outra (Camara.

Como teem de se imprimir talvez a Camara dispense agora a leitura, o que já se tem feito muitas vezes; mas se a não dispensar da Mesa se dirá se o orador ha-de lêl-os, ou se lêem nella.

Dispensou-se a leitura, e foram a imprimir.

O Sr. Ministro da Fazenda (sobre a ordem) pede que sejam considerados urgentes estes projectos, para sei em impressos quanto antes, e dados para ordem do dia logo que seja possivel.

O Sr. Presidente — Mandam-se imprimir com urgencia os pareceres com os projectos respectivos.

Tem a palavra o Sr. Conde de Thomar.

O Sr. Conde de Thomar — Visto que os Srs. Ministros pediram a palavra, e é provavel que seja para se justificarem, fallarei depois se fôr possivel.

O Sr. Ministro das Obras Publicas antecipou-se a pedir a palavra antes do sr. Ministro da Justiça, porque tom assim mais occasião de podér fazer justiça ás qualidades e serviços, que o sou collega desenvolveu no cumprimento das attribuições que lhe foram conferidas quando esteve Governador civil do districto do Funchal.

Ainda que ninguem estabeleceu a these, nem está neste projecto, que é indispensavel que a ilha da Madeira fique permanentemente sujeita á direcção do auctoridades superiores administrativa. que reunam as funcções militares com as civis, pede venia para dizer, que lhe parece que se perde una grande parte da solida argumentação, quando se não conhece que isto não é principio que contrarie a regra, mas sim uma excepção, e se é verdade o que sempre ouviu, o lhe ensinaram, que a excepção longe do contrariar a regra a fortifica, melhor se conhecerá o que acaba de observar.

É muito vulgar esta discussão da distincção entre these e hypothese, e tão vulgar que até se tom ridicularisado; mas quando se tracta della, não póde deixar de considerar-se como Aqui.

Por ventura o projecto diz, que não é util á separação do exercicio das funcções militares e administrativas? Não: logo para que se ha de confunda?

Que o Sr. Conde de Thomar combatêra tanto as disposições deste projecto, que mais derrotou a these do que se fez cargo de impugnar a hypothese, porque elle mesmo (com perdão de S. Ex.ª) combatendo o projecto, disse que era necessario que se demonstrasse que existiam precisamente as circumstancias extraordinarias q,:e se deram nos annos anteriores, para se fazer igual proposta: e, se voltando o argumento, elle orador pedisse ao Digno Par que lhe demonstrasse, que as circumstancias actuaes não eram analogas ás que tem havido successivamente nos diversos annos em que esta medida tem, sido votada, por ambas as Camaras, parece-lhe que o Digno Par se acharia em difficuldades.

O Digno Par tambem fallou nas contradicções dos Ministros em relação a esta mesma medida, olhando aos votos que alguns tinham dado nus annos anteriores, e ao que davam agora. Pela sua parto crê o Sr. Ministro que, na occasião da apresentação deste projecto, da primeira vez que elle 'se apresentou, votou contra elle, como Deputado: tem quasi a certeza de que não fallou, mas votou contra: mas se reduzir esta questão a uma questão de confiança, torna-se muito simples e natural o voto que dou. Quem está na opposição vota contra, sem lho importar mesmo que estes principios estejam adoptados em todos os Parlamentos, o seguidos em todas as nações. É claro que ninguem póde desconfiar de si mesmo, e todavia elle Sr. Ministro não se atreve a dizer, que o Governo escolherá melhor pessoa do que a Administração anterior; mas declara solemnemente que, depois da experiencia feita, não acha á medida os inconvenientes que se poderiam achar, e tem por isso a convicção de que esta medida é ainda hoje indispensavel para a ilha da Madeira, que se tem realmente achado ha annos n'um estado excepcional, vendo perdido o principal producto da sua riqueza, e a braços com o terrivel flagello da cholera-morbus, que devastou immensamente aquella população. Não será possivel (o que Deos tal não permitta) que venha a ser victima de outro flagello como, por exemplo, o da febre amarella? hypothese que traz sómente para dizer que, se foi de grande conveniencia que alli houvesse esta auctoridade, na occasião em que se desenvolveu a cholera-morbus, é muito provavel que se daria a mesma conveniencia, se por ventura lá fora tambem a febre amarella. A prova de que uma similhante medida tem dado bons resultados, são os elogios tecidos pelos estrangeiros; pois teve a satisfação de vêr n'um jornal estrangeiro, que se louvava muito o governo daquella ilha depois que elle foi estabelecido desta maneira.

Lembrou que já o Sr. Ministro do Reino disse, que as circumstancias em que aquella ilha se acha não são iguaes á do resto do reino'; e muito menos o eram na occasião da choleramorbus, que fez alli estragos de muito maior importancia, incomparavelmente maiores que em nenhum outro ponto do reino. E ha ainda outra cousa a considerar: que, quando proximo de nós ha uma povoação afflicta por qualquer calamidade, ha logo a esperança de que as povoações mais proximas lhe acudam, e que logo partam soccorros do resto do paiz, o que não se dá com a ilha da Madeira pela sua situação topographica.

O Sr. Ministro suppõe, que para se sustentar esta excepção, que já teve por tres vezes a annuencia expressa do Parlamento, não vale a pena gastar tanto tempo para a impugnar. Se não se tractasse do excepção como é que o Governo havia de pedir a prorogação da medida por mais um anno?

A commissão diz, que por excepção não desconhecendo, etc... (lendo). A discordancia, pois, está só em que o Governo considera que se dão ainda hoje essas circumstancias.

Não vem para o caso questionar competencias de paizanos ou militares, mas o que vem tudo para o caso é a necessidade da prorogação de uma medida, já concedida por circumstancias que todos reconheceram, e que hoje se dão tambem por isso que não cessaram ainda inteiramente.

Sobre a questão dos vencimentos disse o orador, que na Madeira ha magistrados consulares que teem ordenados iguaes aos que teem Ministros estrangeiros em diversas côrtes, o que mostra a razão de augmento de vencimentos não é uma circumstancia tão indifferente como á primeira vista póde parecer.

A necessidade de augmento de ordenados é conhecida, mas as circumstancias do paiz são tambem igualmente reconhecidas; talvez porém que com relação aos Governadores civis alguma cousa se possa fazer, sem prejuizo da attenção que se deve dar a essas circumstancias em que o paiz se acha, talvez que possam supprimir-se alguns governos civis, e que isso dará logar h algum melhoramento.

Não quiz demorar-se mais na sustentação do projecto; e concluiu pedindo aos Dignos Pares que o combatem que reflictam que só se tracta de uma excepção, que já foi concedida, e só a prorogação della por mais um anno.

O Sr. Visconde d'Athoguia (sobre a ordem) vinha preparado para votar sobre este projecto affirmativamente, como dirá quando fallar sobre a materia; mas, ou entendia mal, ou o Sr. Ministro, que acaba de fallar, collocou a questão em outro ponto, porque declarou que era uma questão de confiança, no qual caso não sabe se deve fallar debaixo desse novo ponto de vista. Talvez entendesse mal a S. Ex.ª...

O Sr. Aguiar — Entendeu bem.

O Sr. Ministro das Obras Publicas — Se o Digno Par me dá licença, eu me explico.

O Sr. Visconde d'Athoguia — Tenho muito gosto nisso.

O Sr. Ministro das Obras Publicas disse, que quando se tractava de dar aquelle voto de confiança não sabia qual era o uso que o Governo fazia desse voto, e então podia haver duvida em o conceder, o votou contra; mas que depois que viu a nomeação feita pelo Governo a este respeito, entendeu que devia votar pela prorogação desta medida.

O Sr. Visconde d'Athoguia — O illustre Ministro, se o orador o entendeu bem, explicou a razão do seu voto então, e essa razão é que então o voto foi de confiança (O Sr. Aguiar — Mas agora?) Está o Digno Par muito longe de querer obrigar o

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Sr. Ministro a explicar melhor o que expendeu aqui; mas tem obrigação rigorosa de perguntar ao Governo como esta questão é apresentada ao Parlamento? Se é como questão de confiança, ha de encaral-a de um modo; mas se e méramente administrativa, como entende que é, ha de approvar o projecto; como pelo contrario ha de rejeital-o se fôr uma questão de confiança.

O Sr. Visconde de Algés — Peço a V. Ex.ª que me inscreva sobre a materia, e pergunto se a sessão está prorogada, e até quando?

O Sr. Ministro da Justiça — Eu digo só duas palavras....

O Sr. Secretario Visconde de Balsemão — Peço a palavra para uma declaração.

O Sr. Presidente — Tem a palavra.

O Sr. Secretario Visconde de Balsemão — É para dizer que ha uma resolução da Camara para que as sessões durem tres horas depois da abertura; e a sessão de hoje começou perto das tres horas.

O Sr. Visconde de Algés — Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que marque pelo relogio que a sessão dure até perto das seis horas, porque á vista da declaração do Sr. Secretario, a sessão começou perto das tres horas, e então ha de acabar perto das seis. Eu aqui estou no meu logar.

O Sr. Presidente — Tem o Sr. Ministro da Justiça a palavra.

O Sr. Ministro da Justiça — Sr. Presidente, direi sómente duas palavras.

O Digno Par, o Sr. Conde de Thomar entendeu que eu mudei de opinião sobre o assumpto de que se tracta. Não mudei de opinião, conservo ainda o mesmo modo de encarar as cousas; mas entendi que não era este objecto, a tal ponto momentoso e grave, que devesse occasionar uma dissidencia ministerial. Appello nesta parte para a consciencia da Camara.

É, porém, da minha lealdade declarar que as circumstancias da Madeira são hoje as mesmas, se não mais aggravadas ainda, do que na occasião em que se tomou pela primeira vez a providencia de que se tracta. Continua ainda a fatal molestia das vinhas; houve depois a cholera-morbus, que tantos estragos e victimas fez naquella ilha.

E a este proposito direi que a auctoridade, que então accumulava as funcções civis e militares, fez serviços relevantissimos, e taes, que não cabe nas expressões engrandecel-os condignamente.

As circumstancias são hoje mui difficeis na Madeira; demandam uma auctoridade energica; occorreram alli acontecimentos graves depois que se ausentou o Governador civil e militar, e o povo está um tanto insubordinado; de sorte que se necessita de uma auctoridade que restabeleça a ordem, e evite a repetição daquelles acontecimentos.

O Sr. Ministro da Fazenda disse que se lhe tinha feito uma allusão (c o Digno Par que a fez estava no seu direito) por ter assignado vencido o parecer da commissão de administração publica na Camara dos Srs. Deputados, de que tinha a honra de fazer parte em 1854, sobre o projecto apresentado pelo Governo, pedindo esta mesma auctorisação. Era então Ministro o Sr. Visconde d'Athoguia, aqui presente; e sente o Sr. Ministro que não esteja tambem presente (principalmente pelo motivo que é) o Digno Par, o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, porque S. Ex.ª daria testimunho da verdade dos factos que vai narrar á Camara; mas se infelizmente não póde invocar o seu testimunho, é ouvido por pessoas que sabem que o que vai expôr é verdade (apoiados).

O Governo, quando apresentou esta grave medida em 1854, queria fazer uma experiencia, e por isso elle orador tinha direito de duvidar da efficacia della, e ao mesmo tempo os principios se oppunham aquella concessão; por consequencia, como membro da commissão, e não fazendo parte da maioria da Camara assignou esse parecer vencido. Mas nem tomou parte na discussão, nem votou contra o projecto na outra Camara; entendeu mesmo que esta questão não tinha as proporções que lhe parece se lhe querem dar nesta Camara.

Nesse mesmo parecer, que assignou vencido, concorreu para que a commissão desse uma opinião favoravel á proposta do Governo, e declarou então ao Sr. Ministro do Reino, que, se por ventura dependesse do seu voto, havia de approvar o projecto; mas o Governo não necessitava desse voto. Que o facto era, que não tinha rejeitado a medida. Que depois veiu o Governo de novo pedir ao Parlamento a prorogação da lei. A experiencia estava feita; e como viu tambem que teve bons resultados, votou por ella em 1856, porque em 1855 não estava na Camara dos Srs. Deputados; e hoje dá a sua palavra de honra ao Digno Par, o Sr. Visconde d'Athoguia, que se elle orador em logar de ser membro do Gabinete, fosse mero Deputado, havia votar pela medida. O Sr. Ministro sabe quaes são as opiniões do Digno Par, mas crê que esta explicação ha de mostrar a S. Ex.ª as proporções que o Governo dá a esta proposta. É uma proposta economica, que julga necessaria e conveniente pelo estado em que ainda está aquella provincia; mas pede a sua prorogação por um prazo curto, por um anno, o que lhe parece que a Camara não terá duvida em approvar. Têem-se feito varias observações, a que não responde, porque o seu objecto principal é dar esta explicação á Camara para que ella veja que no seu procedimento não havia a menor contradicção. Para a haver era necessario que o seu procedimento de 1854 fosse contrario ao de 1856, mas não é assim; é o mesmo de hoje, porque só não approvava a medida quando se tractava de fazer uma experiencia, mas não duvidou approval-a depois a um Ministerio, que não tinha a fortuna de sustentar; e portanto hoje faz o mesmo que se estivesse nas circumstancias de 1856.

Ha ainda uma circumstancia a que lhe parece que se não tem dado toda a importancia que reclama o objecto. Disse-se: se o Governo pretende com esta medida melhorar a situação particular do Magistrado, que ha de governar o districto do Funchal, porque não ha de fazer o mesmo a respeito de todos os outros empregados publicos? Pois poderá apresentar-se algum facto que mostre não serem estes os desejos do Governo? Não está ahi o orçamento em que elle Sr. Ministro continua a propôr a diminuição da deducção das decimas nos ordenados dos empregados do Estado? Aqui está uma prova da sinceridade do Governo a este respeito; mas pede aos Dignos Pares que lhe digam com a mão na sua consciencia se o Governo póde actualmente melhorar não só os ordenados dos Governadores civis, mas tambem os de todos os outros empregados. Se é certo que não póde faze-lo ha de sacrificar-se uma medida, que além de outras razões, tem mais esta a seu favor? Assim não vê o Sr. Ministro que haja motivo para rejeitar o projecto apresentado pelo Governo.

Não continua porque seria repetir o que já está dito, mas se algum novo argumento se apresentar, tornará a pedir a palavra.

O Sr. Presidente = O Sr. Conde de Thomar tinha pedido a palavra depois do Sr. Conde da Taipa; agora póde S. Ex.'1 usar della.

O Sr. Conde de Thomar — Eu devo declarar a V. Ex.ª e á Camara, que estou já algum tanto cançado; e por tanto, se algum Digno Par quer tomar a palavra nesta sessão, eu fallarei depois (apoiados).

O Sr. Presidente — Então segue-se o Sr. Visconde d'Athoguia. Tem a palavra o Digno Par.

O Sr. Visconde d'Athoguia — Se no fim de eu fallar a Camara fecha a sessão.... Peço a V. Ex.ª que declare se a sessão deve ficar para ámanhã. Já mesmo vejo saír alguns Pares....

O Sr. Presidente — Eu consulto a Camara se quer que se reserve a discussão desta materia para outra sessão (apoiados).

Então será ámanhã a ordem do dia a continuação desta discussão. Está fechada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão de 23 de Fevereiro de 1858).

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Pombal, e de Vallada; Condes: das Alcaçovas, da Arrochella, da Azinhaga, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: de Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, de Castro, de Fonte Arcada, da Luz, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Silva Carvalho, Aguiar, Larcher, e Silva Sanches.

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