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CAMARA DOS DIGNOS PARES

Em virtude da resolução da camara dos dignos pares do reino se publica a seguinte representação

Dignos pares do reino. — Quando esta camara está proxima a pronunciar o seu voto sobre uma questão importantissima, e que demanda séria attenção, porque prende com uma industria que é a principal do nosso paiz; não deve estranhar-se que a associação de agricultores do Douro, venha por este meio emittir a sua opinião ácerca de um assumpto que é da sua competencia, já que não mereceu a consideração de ser consultada, uma vez que sé tratava dos interesses de uma classe a quem de certo representa.

A lavoura do Douro, sempre descuidosa do futuro, não obstante as vicissitudes porque tem passado, ha tido confiança de mais na justiça da sua causa, principalmente, desde que o poder da intriga e da ambição tratam de promover-lhe constantemente a sua ruina, buscando para isso todos os meios ainda os menos decorosos.

Nem todos os paizes são para todas as industrias, assim como nem todas as industrias se podem aclimatar em todos os paizes. A exploração vinicola no Douro não é de origem tão obscura que não possa fixar-se a sua data. Começou ella nos fins do seculo decimo sexto, e já nos principios do seculo decimo setimo os vinhos do Douro eram conhecidos dos inglezes, apesar de não haver conhecimento official da exportação dos vinhos do Douro pela barra do Porto senão do anno de 1678 em diante.

A reputação que os vinhos do Douro adquiriram nos mercados inglezes é bem notoria.

E quando o não fosse, bastava consultar as estatisticas da exportação, para nos convencermos da verdade do facto; se acaso não quizermos recorrer a uma prova de outro genero, qual a depreciação dos mesmos vinhos, motivada pela adulteração, que a ambição do lucro despertavam no animo dos propriamente especuladores, e que só tinham por fim negociar para multiplicar os seus capitães. A carta escripta aos commissarios do Douro em 1754, e a resposta d'estes aos commissarios veteranos, são dois documentos que bem mostram o definhamento" do commercio de vinhos n'aquella epocha pela rasão ponderada. As adulterações faziam-se em grande escala. Foi então que esse grande vulto politico, o Napoleão portuguez, verdadeiro mantenedor dos interesses d'este malfadado paiz, soube pela legislação promulgada em 1756 rehabilitar o nosso commercio de vinhos, e tornar grande a nossa principal industria, elevando-a ao auge a que jamais voltará. Nem se diga que não é á companhia geral de agricultura das vinhas do Douro que se deve o engrandecimento e a prosperidade do nosso paiz vinhateiro, e que fica entre uma e outra margem d'esse rio, cuja livre navegação é tão invejada por estrangeiros.

A feitoria ingleza, cuja instituição data de 1727 e traz a sua origem dos sobrecargas que acompanhavam as fazendas inglezas, desmontada pela companhia do seu immenso poder, trabalhou sempre para reassumir a sua antiga importancia, e continuar no seu monopolio com os nossos vinhos, sem se importar da sustentação do credito dos mesmos. Baldados foram todavia os esforços empregados pela feitoria ingleza; se algumas esperanças concebeu em 1810 com a promulgação do tratado de commercio celebrado entre Inglaterra e Portugal, essas esperanças foram de pouca duração, porque os commerciantes britannicos e que eram correspondentes da companhia, se encarregaram de defende-la e mostrar a necessidade da sua conservação, por -ser uma solida garantia da pureza e genuidade dos vinhos do Douro.

Assim se conservaram as cousas até 1822, epocha em que começa a decadencia do nosso commercio, motivada pelas dissenções politicas e pela relaxação que pouco a pouco se foi introduzindo na legislação vinicola, a qual augmentava na proporção do desmazelo a que era votada aquella legislação. Os factos que aqui ficam consignados são bastante expressivos; e não menos o são os que se succederam desde 1834 até nós.

O decreto de 30 de maio de 1832 veiu fazer as delicias dos ambiciosos, que tinham por fim levar a effeito especulações menos licitas, promovendo a ruina dos bons commerciantes e da pobre e malfadada lavoura do Douro, que tem sido a unica victima dos caprichosos ensaios porque havemos passado com relação ao commercio dos nossos vinhos. O direito de saída então estabelecido como garantia unica da pureza dos vinhos do Douro, não fez mais que abrir a concorrencia dos vinhos baratos que necessariamente affluiam aos depositos do Porto e Villa Nova de Gaia, porque n'isso ia o interesse do commercio contrabalançando por esta fórma as consequencias de tão pesado direito, 1$200 réis em pipa.

Desde 1834 até hoje são de todos conhecidas as oscilações da praça commercial do Porto, bem como as suas causas. Os annos de 1839 e 1857 devem occupar na historia do Douro uma pagina bem pungente. Abstem-se esta associação de entrar na analyse de factos especiaes, porque não é seu intento depreciar ninguem; seja-lhe porém licito tornar saliente uma verdade palpavel. Em todas as crises a lavoura tem sido victimada porque as desastrosas consequencias das especulações arrojadas sobre ella -tem recaído. Por vezes o commercio se tem rehabilitado á custa dos sacrificios da lavoura, e não consta que succedesse ainda o contrario.

Tudo isto são provas sufficientes para acautelar os incautos, e que bem mostram que é impossivel a sustentação da industria vinicola do Douro sem ama protecção que a ponha a salvo de certos caprichos e de certas ambições precoces que já se vão manifestando.

Produzirá o projecto que a camara dos dignos pares tem de discutir tão salutares effeitos? Será uma salva guarda efficaz contra as adulterações do vinha do Douro o irrisorio projecto sobre marcas? Será propicia a occasião para se declarar livre a industria e comercio dos vinhos do Douro?

Se a experiencia nos mostra que o Douro foi infeliz, eu quando gosou da mais ampla liberdade de commercio, ©u quando a relaxação tornou frouxas as leis protectoras, claro é que a industria vinicola do Douro não póde subsistir e prosperar lançada ao abandono. E se os defensores da ampla liberdade de commercio para os nossos vinhos a querem para combater nos mercados estrangeiros a concorrencia dos vinhos que nos disputam a primazia, «orno é -que essa liberdade, sem promover entre nós a abundancia do vinho do Douro ha de reduzir o seu preço, se a liberdade não é remedio contra o oidium?

Ou os defensores da ampla liberdade hão de confessar, que a epocha não é propria para se estabelecer a livre industria, attento o estado anormal do Douro, ou que esse mesmo estado os favorece por ser uma desculpa que julgam airosa, para levar aos mercados estrangeiros vinhos com uma procedencia e um nome que não tem.

E porém manifesta a menos boa fé com que os defensores da preconisada liberdade tem andado neste negocio. A franquia da barra do Porto decifra perfeitamente o enygma. Similhante pretensão manifesta sobejamente, que o fim principal que se tem em vista é fazer introduzir nos depositos do Porto vinhos de todas as procedencias do reino: e para que? De certo, que não é para saírem a barra como sendo do territorio d'onde para ali vieram, porque não é admissivel que o commercio faça convergir vinhos a uma barra para por ella os exportar sómente como taes, quando tinha outras por onde a saída desses vinhos se tornava menos despendiosa.

Parece a esta associação, que tem dito o bastante para mostrar a inconveniencia do projecto que a camara dos dignos pares tem de discutir; não esquecendo a livre navegação do Douro para os vinhos hespanhoes, que embora tenham só direito de armazenagem no Porto, é isto bastante para que a concorrencia d'esses vinhos venha competir com os do Douro em nossa propria casa pelas transacções simuladas que hão de existir.

Isto posto: não sendo de vantagem para o Douro a ampla liberdade de commercio, deverá subsistir a legislação actual? Entende esta associação que a legislação existente precisa ser modificada, mas essa modificação não é cousa que se faça momentaneamente por ser necessario ruminar toda a legislação vinicola. Considerando, porém, que o ponto mais combatido é o das provas, não duvida esta associação lembrar á camara dos dignos pares, que o considere como entender mais conveniente, tirando-se ao commercio os embaraços que d'ahi lhe resultam, sem menoscabo dos interesses da lavoura.

D'este modo tudo se conciliava, ficando para depois o mais que ha a fazer, e sobre o que esta associação não duvida esclarecer o governo e as camaras, quando consultada, visto que ainda o não foi.

Aqui conclue a associação dos agricultores do Douro, solicitando a attenção da camara dos dignos pares para o que deixa exposto; porque no que leva dito não transluz o sophisma, e só a expressão da verdade, auctorisada pela longa experiencia.

Peso da Regua, em sessão de 5 de março de 1861. = O presidente da direcção e representante da camara do Peso da Regua, Antonio Pereira Carneiro Canavarro = O vice-presidente, e representante da camara de Lamego, Francisco de Mello Peixoto Coelho = o representante da camara de Mesãofrio, e secretario, Antonio Montez Champalimaud = o representante pela camara de Santa Martha de Penaguião, Pedro Guedes Correia de Sequeira Pinto = O representante da camara de Sabrosa, José Pinheiro de Azevedo de Carvalho Almeida = o representante da camara de Alijó, Antonio Pinto de Queiroz Leite = O representante da camara de Carrazeda de Anciães, João Pereira Mathias = o representante da camara de Villa Real, Antonio Guedes de Carvalho e Vasconcellos = o representante da camara da Pesqueira, Manuel Pinto de Araujo = o representante da camara de Armamar, Luiz Ramos Borges Pinto.

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