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liberdade com ordem (muitos e repetidos apoiados). Declaro bem alto e muito solemnemente, que não entendo o que é liberdade sem ordem (apoiados). (O sr. Conde de Thomar: — Muito bem.)
O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, eu pedi a palavra mais para explicar o meu voto do que para entrar n'esta questão.
Eu fui um dos que votaram que passássemos á ordem do dia, porque julguei a questão acabada (O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado). Depois do que tinha dito o sr. visconde de Algés e o sr. presidente do conselho, não havia mais questão; e o que eu vejo é que o digno par o sr. visconde de Balsemão, que eu tenho sempre muito gosto de ouvir, quiz aproveitar a occasião para dar um voto de agradecimento ao sr. presidente do conselho, pela maneira por que procedeu por occasião d'esse tumulto (O sr. Visconde de Balsemão: — Pela resposta que deu). Pois se o sr. presidente do conselho respondeu de uma maneira que tinha satisfeito completamente o digno par, eu entendo que o dever da camara era acabar esta questão, e passar á ordem do dia (apoiados); comtudo, a camara já ouviu as expressões do digno par, em agradecimento ao sr. presidente do conselho, e agora parece que não havendo nenhum outro digno par que tenha a palavra, é occasião de se passar á ordem do dia.
O sr. Visconde de Gouveia: — Eu pedi a palavra unicamente para explicar o meu voto para que se não passasse á ordem do dia.
Tendo eu ouvido pedir a palavra o sr. visconde de Balsemão, e sendo s. ex.ª o ultimo que estava inscripto, entendi que se não devia passar á ordem do dia sem ouvir quaesquer explicações que o digno par quizesse dar.
O sr. Visconde de Algés: — Por igual motivo pretende, a exemplo dos dignos pares, dar tambem a rasão porque votou que não se passasse á ordem do dia.
Teve a honra de ser o auctor d'essa resolução a que o sr. presidente se referiu, e seria contradictorio se não votasse n'essa conformidade, mas como lhe pareceu que já se tinha passado essa meia hora, muito antes que coubesse a palavra ao digno par, entendeu tambem que tendo-se dado a palavra aquelles que a pediram, se não devia privar d'ella a um, que estava nas mesmas circumstancias, e acrescendo que demais a mais elle, orador, era um dos que tinham faltado, pareceu-lhe que deveria votar para que s. ex.ª tambem fallasse. Foi esta a rasão porque votou que se não passasse á ordem do dia.
O sr. Presidente: — Passamos á
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade, o parecer n.º 113 sobre o projecto de lei n.º 100, e tem a palavra, que havia pedido na sessão antecedente o sr. Ferrão.
O sr. Ferrão: — Eu peço a V. ex.ª queira ter a bondade de me dizer qual é a ordem da inscripção?
O sr. Presidente: — A ordem da inscripção na sessão antecedente, era: o sr. marquez de Vallada, o sr. visconde de Podentes, e depois V. ex.ª; aconteceu o facto que toda esta camara sabe e deplora, e por isso ficou V. ex.ª com a palavra, pois era V. ex.ª justamente que se seguia ao sr. visconde de Podentes.
O sr. Ferrão: — Não ha mais algum digno par inscripto?
O sr. Presidente: — Não, senhor, é V. ex.ª só.
O sr. Ferrão: — Eu declaro a V. ex.ª que não me recordo de ter pedido a palavra.
O sr. Presidente: — Muito bem: se V. ex.ª não a pediu, não tem a palavra. (Riso.)
Vozes: — Votos, votos.
O sr. Ferrão: — Eu reservo tomar a palavra por parte da commissão, quando julgar conveniente.
O sr. Presidente: — Continua a discussão do parecer. (Pausa.)
O sr. Conde de Thomar: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Conde de Thomar: — Resolvi-me a pedir a palavra porque não se acha nenhum digno par inscripto para continuar a discussão do projecto importante que nos occupa, e que não póde deixar de merecer ainda por algum tempo as attenções da camara; confesso porém francamente, que depois do triste caso que se deu na ultima sessão (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado), em que um dos nossos amigos, e distincto membro d'esta camara, passou por um acontecimento desagradavel, por um acontecimento perigoso, e que ainda põe hoje em risco uma vida tão preciosa, quasi me faltam as forças para seguir n'esta discussão, assim como me vejo embaraçado para continuar n'ella, porque a sua materia é na realidade difficil, comquanto muitas pessoas se julguem auctorisadas a trata-la de leve, como tenho observado, principalmente, e com muita magua o digo, em parte da nossa imprensa, que, em geral, a tem arrastado para fóra do verdadeiro campo em que deve ser tratada, envolvendo-a unicamente em banalidades, e, ainda mais, aproveitando a occasião para dirigir insultos aos homens que não pensam como os redactores d'esses jornaes onde se escrevem taes artigos! Quando chegará o tempo em que haja tolerancia de opiniões entre nós?... (apoiados). Quando chegará o tempo em que qualquer membro d'esta camara, qualquer representante da nação, possa sustentar livremente, em plena liberdade, aquillo que a sua consciencia e a sua intelligencia lhe dictam?... Quando chegará o tempo, sr. presidente, em que os partidos extremos deixarão liberdade aos homens collocados entre esses extremos, para livremente emittirem as suas opiniões?... Parece que depois de tantos annos de governo representativo entre nós, deviamos ter aprendido alguma cousa, e que se devia deixar o campo livre para uma questão em que a propria commissão, composta de homens que não podem ser suspeitos á camara ou á nação, nem pelo lado da liberdade, nem pelo lado da independencia, nem pelo lado do saber, julgára que devia apresentar á camara esta materia desenvolvida em grande escala, mas começando por declarar que ella póde effectivamente ser considerada em differentes hypotheses, que é o mesmo que dizer, que differentes opiniões se podem estabelecer sobre o principio fundamental do projecto que se acha em discussão; e foi naturalmente por isto que o sr. cardeal patriarcha, fundando-se no proprio parecer da commissão, entendeu que devia propôr o adiamento deste projecto, porque julgou que uma das hypotheses figuradas, ou uma das opiniões formadas pela commissão, o auctorisava a apresentar aquelle adiamento; e vinha a ser uma d'essas opiniões, que uma medida d'esta ordem não póde ser adoptada pelo poder temporal senão de accordo com o poder espiritual. '
Não temi eu que uma proposta d'estas tendesse a pôr a corôa de Portugal e as côrtes portuguezas aos pés de sua santidade; não, senhores, respeitei a consciencia do digno prelado, entendi que elle, como nós, tem direito de ter uma opinião sobre este objecto, e entendi tambem que elle, conformando-se com as doutrinas, e com as opiniões de homens muito importantes, attenta mesmo a sua posição, não podia talvez deixar de apresentar aquelle adiamento; comtudo, sr. presidente, a camara rejeitou-o, e eu tambem votei que se rejeitasse, porque n'esta parte sou um pouco divergente da opinião do digno prelado.
S. em.ª entende que a desamortisação não se póde levar a effeito sem o concurso da santa sé, e eu como s. em.ª tambem entendo que é de grande conveniencia que esse accordo se realise, e tudo quanto eu disser sobre esta materia ha de, em conclusão final, tender a mostrar que a medida póde executar-se sem esse accordo, mas que o governo não deve poupar-se a meio algum para o obter.
É facil, sr. presidente, demonstrar as vantagens que d'ahi provirão, não só para socego das consciencias dos que têem uma opinião opposta á nossa, mas até porque estou persuadido que desde que esse accordo for estabelecido ha de haver maior numero de compradores d'esses bens, e conseguintemente o governo ha de ganhar com esta medida por que, com a concorrencia, elles obterão um preço mais subido na praça.
Sr. presidente, felizmente não é preciso entre nós tratar a questão da propriedade ecclesiastica, a respeito da qual o digno par, o sr. marquez de Vallada, fez um longo discurso: confesso porém que não sei para que s. ex.ª se demorou tanto com essa demonstração, porque o principio da propriedade ecclesiastica não é contrariado entre nós, nem mesmo é contrariado pela commissão, pois que ella o admitte na fórma, e nos termos das leis do reino. Na verdade, a commissão desenvolvendo toda a nossa legislação antiga e moderna até á epocha em que foi tomada uma medida importante pelo immortal duque de Bragança, para a extincção das ordens religiosas, disse quanto era possivel dizer sobre este ponto, e quem não tiver conhecimento destas materias, leia o parecer da commissão aonde tudo se acha muito bem desenvolvido.
Sr. presidente, a commissão reconhece o direito de propriedade, mas entende que aquelles bens estão sujeitos ás íeis do reino, para os effeitos que no projecto se estabelecem, O que eu sinto, é, que n'uma occasião tão solemne como esta, n'uma occasião em que se trata de tomar uma medida tão importante, relativamente aos bens dos seminarios, dos cabidos, das mitras e das religiosas, assista unicamente entre nós um pastor da igreja (apoiados). Sinto deveras que os prelados do reino que têem uma cadeira n'esta casa, deixassem de concorrer aqui n'uma occasião d'estas, e que assim deixem correr a sua causa á revelia, não sustentando os direitos da igreja e os seus. Não se tem uma cadeira no parlamento só para os gosos e privilegios, tem-se para cumprir os deveres para com a causa publica, deveres que são inherentes ao exercicio do par do reino. Comtudo, se muitas luzes nos podiam vir de conspicuos pastores que aqui faltam, e que bastante podiam dizer sobre esta materia, essa falta é compensada pela parte que n'ella toma o sr. cardeal patriarcha. S. em.ª no seu discurso mostrou, que não se oppunha aos effeitos que por este projecto de lei se pretendem tirar, e concluiu declarando, que votava pela desamortisação; porém acrescentou que entendia na sua consciencia, que ella se não_ podia levar á execução sem o consentimento da santa sé. E de esperar que a opinião dos outros prelados do reino esteja de accordo com a de s. em.ª
Vê-se agora, sr. presidente, que tudo quanto por ahi se tem escripto n'esses jornaes a respeito de reacção religiosa não passa, n'este ponto, de serem miseraveis idéas que se inventam para fins que ignoramos, mas que a pouco e pouco se irão conhecendo e apparecendo, como hontem já succedeu pelo tumulto que houve na capital (apoiados).
Eu não temo a reacção religiosa, como muita gente a teme, porque não vejo possivel que n'este paiz, depois das medidas tomadas pelo imperador, e em presença da liberdade, possam vir as idéas ultramontanas ganhar terreno (apoiados). Mas sé não temo a reacção d'essas idéas, temo muito a anarchia que póde precipitar a corôa, póde precipitar as instituições, e as nossas fortunas e propriedades (apoiados). D'isso é que eu tremo, e folguei de ver que o governo está decidido a embaraçar por uma vez decisivamente que continue esse systema de ter-se a capital em alarme, porque se esses tumultos não têem tido consequencias desagradaveis até agora, ninguem póde asseverar por isso que as não possam ter ámanhã, nem assegurar-se que milhares de pessoas reunidas, e sem chefes, não possam ser conduzidas á anarchia. Digo sem chefes, porque esse povo, que eu amo, e que todos nós amamos, e que foi reunido hontem n'esse ajuntamento que teve logar, foi desvirtuado,
por quanto, sendo convidado para formular um agradecimento ao governo, por uma portaria que publicou, e cuja doutrina eu combato com todas as minhas forças, esse povo, disse, foi desviado e levado a um fim inteiramente differente, indo deitar-se aos pés de um homem! Isto não quer dizer senão que se entrou num movimento de sedição, porque outra, cousa não é o proclamar-se a idéa de que tudo está perdido, e que n'este paiz ha só um homem capaz de dirigir os destinos da nação, e conseguintemente era a esse homem que se devia ir offerecer o poder! Isto é verdadeiramente proclamar a sedição, porque esse facto nada menos importa do que querer impor ao chefe do governo a vontade de meia duzia de homens que assim se reuniram, a maior parte dos quaes não são chamados pelas leis a votar.
E necessario que nos entendamos: se o que chamam povo vem a ser as classes inferiores da sociedade, aquelles que se acham n'uma posição mais humilde, mais infeliz e até desgraçada, dae-lhe o pão barato, diminui-lhe os impostos, dae-lhe trabalho, n'uma palavra; collocae essa gente em posição de procurar os commodos necessarios, ou pelo menos os indispensaveis para a vida, a fim de que todos se possam bem sustentar a si e a suas familias. E isto o que esses podem e têem direito a desejar; mas a ingerencia nos negocios do estado não póde de maneira nenhuma pertencer-lhes; não têem direito a tanto; prohibe-o a lei (apoiados). O direito de interferir indirectamente nos negocios publicos, não é concedido pela lei a esta classe de povo, é pela mesma lei concedido sómente aquelles que têem direito de votar nos representantes da nação; é pelo exercicio d'este direito que elles podem interferir nos negocios publicos, escolhendo homens da sua confiança. Não se confunda esse povo com a nação, porque se esse povo fórma tambem parte da nação, esta se compõe tambem dos artistas, dos lavradores, dos commerciantes, dos homens de letras, etc... A estas classes intelligentes, e ás suas demonstrações é que póde dar-se o nome de opinião publica, mas nunca ás demonstrações d'aquelles que, convocados para um fim, são, pela sua ignorancia, arrastados a outros.
Não é possivel continuar o systema de attribuir a pessoas que estejam n outras circumstancias muito inferiores o direito sobre a ingerencia nos negocios publicos e do estado. (Vozes: — Muito bem).
A nação, sr. presidente, está legal o constitucionalmente representada n'esta e na outra camara. É no parlamento que se deve tratar das medidas que são mais ou menos convenientes ao paiz: é aqui que se decide da politica do mesmo paiz; mas não, sr. presidente, sobre um monumento começado, e desgraçadamente ainda não acabado (apoiados do centro e de ambos os lados da camara), desvirtuando-se assim todas as idéas e todos os pensamentos n'uma praça publica para os fins de um chamado meeting que a final abortou completamente (Muitos apoiados, com repetição).
Sr. presidente, desculpe V. ex.ª, e desculpe a camara a divagação que fiz (Vozes: — Foi muito bem), mas eu realmente achei que vinha a proposito, depois do incidente que hoje tinha aqui precedido a ordem do dia. (O sr. Barão de Porto de Moz: — E verdade—O sr. Marquez de Vallada: — Muito bem)..
Agora, sr. presidente, continuando na discussão da materia direi, que entendo que na questão de que se trata não se póde realmente negar ao poder temporal o direito de regular os termos em que as associações e corporações religiosas podem adquirir e possuir bens de raiz ou immoveis, e sendo esta a nossa legislação desde o principio da monarchia, não posso contrariar estes principios que aprendi na universidade, e de cuja conveniencia estou altamente convencido; pois alem dos muitos factos que a commissão apresentou sobre este objecto, eu poderia ainda dar conhecimento á camara de um outro que não se acha impresso nos livros, mas que encontrei n'um documento manuscripto entre outros papeis na cidade de Thomar, e que devo á officiosidade de um amigo meu: é o discurso dos embaixadores de Portugal mandados a Roma em 1318, por occasião da extincção dos templários.
Todos sabem, sr. presidente, que apenas se fulminou uma sentença de extinção contra os templários em todo o mundo, e por consequencia em Portugal, o governo d'este paiz reconheceu essa sentença, e adheriu a esse julgado. Todos sabem igualmente, que sua santidade, em virtude do poder mais amplo que n'aquelle tempo se julgava assistir-lhe para poder dispor de tudo que pertencia á igreja, sem a menor difficuldade fez divisão dos bens dos templários, dando uma grande parte á ordem do hospital de Jerusalém, chegando inclusivamente a dividir parte d'esses bens por alguns dos cardeaes e outras pessoas. Este facto chegou ao conhecimento do sr. D. Diniz, que mandou dois embaixadores a Roma, os quaes foram admittidos a fallar em consistório na presença de sua santidade, e dos seus cardeaes, onde declararam muito positivamente, que reconhecendo el-rei o sr. D. Diniz, como tinha reconhecido, a sentença de extincção dos templários, não podia comtudo reconhecer o decreto de sua santidade, que ia tocar com os bens dos mesmos templários, pois que esses bens na maior parte tinham sido doação da corôa, e eram situados n'este paiz; pelo que não podiam deixar de volver á corôa, não havendo por consequencia direito de dispor d'elles; sendo certo, como na realidade era, que a legislação do paiz tinha disposições claras e terminantes a tal respeito. E qual foi o resultado, sr. presidente? Foi reconhecer-se o direito que allegámos, na conformidade das leis do reino. Mas o sr. D. Diniz não quiz enriquecer a sua corôa com esses bens, pelo que pediu então a instituição da ordem de Christo, para a qual elles passaram: conseguintemente é fóra de toda a duvida que isto é um direito de que não temos prescindido, e do qual não podemos deixar de gozar n'este momento. A questão está em