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144 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

e custava menos a governar com uma camara assim composta. Talvez seja este o ideal do governo; tenha pois a coragem civica de o apresentar.

Eu vejo n'este volume que tenho diante dos olhos providencias que appareceram sem serem precedidas nem de preambulo nem de relatorio, nem finalmente de uma simples explicação dos motivos que levaram o governo a propo-los a El-Rei: por exemplo, a reforma do deposito publico, que vem completamente privada de preambulo e relatorio de especie alguma que a justifique. Não sei realmente como hei de votar aquella reforma nem porque, visto que pelas disposições d'este decreto não posso deprehender as rasões que levaram o governo a faze-lo, e como eu na o estou perfeitamente versado na especialidade do serviço, não conheço os pormenores d'aquelle ramo de publica administração, não posso de certo saber qual deve ser o meu voto. Eu quizera que se me dissesse o motivo por que se fez aquella reforma, os abusos que existiam e que era forçoso cohibir, as vantagens que trazia o novo systema o qual a economia que d'elle resulta, desejava saber quaes eram os documentos de que eu poderia tornar conhecimento para me guiar no estado da questão e poder votar com conhecimento de causa.

Sr. presidente, uma coincidencia singularissima tenho eu a notar que se deu entre o decreto que extinguiu a engenheria civil, e o decreto que reformou o conselho de saude. No primeiro vejo que o governo se reportou a um celebre alvará de 1812, e que fundado nas suas disposições planeou a notavel organisação da engenheria que ora é vigente entre nós. É forçoso confessar que é acertadissima e engenhosa a escolha d'aquelle alvará para reorganisar a ergenheria. Desde 1812 até hoje as descobertas scientificas e innovações praticas que dizem respeito á engenheria são na verdade insignificantes, e nem sequer vale a pena menciona-las. A applicação do vapor á locomoção, e da electricidade á telegraphia, os progressos das sciencias physicas e chimicas são de minimo valor, e o governo andou sem duvida mui avisadamente, determinando que um engenheiro em 1869 póde sem inconveniente, antes com muita vantagem, ser assimilhado a um engenheiro de 1812, tanto no ponto de vista dos estudos, como das vantagens pecuniarias que devem ser-lhe concedidas. Seja porém como for, o facto é que o alvará de 1812 serviu ao governo de norma e base para a reorganisação do serviço da engenheria. Seria pois licito suppor, que em todos os serviços publicos voltariamos áquelle bom tempo, e já eu esperava novas e rasgadas medidas n'este sentido, quando vi com pezar que tratando-se por sua vez do conselho de saude, se achou obsoleta, antiquada e fóra de moda uma lei de 1837, que regulava o serviço da saude publica. Singular coincidencia! Por um lado entendeu o governo que para o decreto a respeito de engenheria era util o decreto de 1812, e muito apreciavel pelo outro lado acha desaproveitavel e retrogrado o de 1837 para a reforma do conselho de saude. Não dou importancia a esta singular coincidencia; mas noto-a como capitulo curioso da historia da dictadura do actual ministerio.

No decreto com força de lei, que reforma a instrucção publica, vejo a cada passo medidas inaceitaveis ou inconvenientes; vejo a creacão de um imposto desnecessario; noto que se não procedeu a um inquerito, que se não consultou escola alguma, e finalmente, que se não tomaram as disposições que, segundo o sr. ministro do reino, tornavam indispensavel aquella chamada reorganisação.

Sr. presidente, lastimo tantos e tão repetidos erros; lastimo tanta leviandade, tanta pressa de legislar.

Em Inglaterra, quando se faz uma reforma, não se procede assim. Outros são os tramites; ouve-se o paiz, consulta-se a opinião, e espera-se que essa se pronuncie. O governo não apresenta qualquer medida de reforma á camara sem as cautelas necessarias e convenientemente tomadas para que o assumpto vá perante o parlamento bem esclarecido e amadurecido.

V. exa., sr. presidente, que tão dignamente tem representado por muitos annos o nosso paiz em Ingiaterra, sabe perfeitamente, e muito melhor do que eu, o systema d'aquella nação.

Nasce uma idéa, um plano, um projecto de reforma; antes de tudo discutem-o os jorraes; e logo se vê até que ponto a opinião o aceita ou repelle.

N'este segundo caso, a questão nasceu e morreu logo depois; mas se pelo contrario o paiz toma interesse no assumpto, a discussão na imprensa é seguida, aviva-se; não faltam polemicas; o espirito publico agita se; organisam-se meetings, assignam-se representações ao parlamento, e este, discutindo-as, manda abrir um inquerito, se o caso o pedir.

N'estes inqueritos estuda-se de novo a questão, e com toda a proficiencia; ouvem-se as pessoas versadas no assumpto, recebem-se todas as informações que possam esclarecer; impresso o relatorio e as respostas das pessoas que depozeram no inquerito, apresentam-se estes documentos ás côrtes, e a questão volta perante o publico por meio nas discussões, que os jornaes commentam, analysam e estudam.

Então e só então, depois de esgotados todos os meios possiveis de derramar luz sobre o assumpto e de bem conhecer a opinião do paiz, é o projecto formulado e levado ao parlamento. D'esta fórma, sr. presidente, póde esperar-se uma legislação conveniente e duradoura, e não falsa e ephemera.

Entre nós não se procede assim. A experiencia ahi está para attestar qual dos dois methodos é mais util.

Poderia ainda fallar do decreto de 8 de abril, que diminuiu o subsidio aos srs. deputados; mas bastará notar quanto é singular que o governo fizesse este decreto, depois de ter havido uma camara como a dissolvida, que talvez só tivesse peccado por excesso quando tratou de reduzir o subsidio dos srs. deputados, e que propoz muito menos do que o governo concedeu. Não era melhor ter apresentado um projecto á camara, que se achava em tão boas disposições?

Sr. presidente, eu queria terminar, porque não desejo que este debate se prolongue, e porque temos depois a importante questão de fazenda, na qual devemos entrar em poucos dias; mas não posso concluir sem chamar a attenção da camara sobre uma medida dictatorial muito importante, porque vae offender as prerogativas das camaras. Fallo do decreto de 15 de abril, no qual se faz uma profunda reforma no quadro dos empregados das duas casas do parlamento. O governo, sr. presidente, não se lembrou que esta camara, em que tenho a honra de estar fallando, tinha tomado a iniciativa de proceder a uma reforma dos seus serviços, e que já tinha levado os seus escrupulos a ponto de, por uma lei aqui nascida, acabar com o abuso de por meio de uma resolução da camara augmentar o seu orçamento. Foi ella propria que determinou que não se podesse augmentar a dotação da camara sem uma lei. Com este honroso precedente não se contou. Receiou-se a opposição acintosa n'uma camara que havia dado áquelle exemplo, e sem consideração alguma pelas antigas e respeitadas praxes, sem rasão que justificasse áquelle excesso de poder, veiu este decreto mostrar mais uma vez quanto póde o prurido das reformas, em tudo e por tudo.

O paiz ha de pedir serias contas ao governo, que a pretexto de reformas desorganisa todos os serviços, destroe a administração, e não sabe sobre as ruinas que de todos os lados accumula, levantar um só padrão sequer da sua capacidade governativa. Reforme-se, economise se, simplifique-se. Exige-o o estado da fazenda, reclama-o o paiz; todos o desejam, todos são unanimes em o recommendar, mas proceda-se com prudencia e com acerto, e não se difficulte a situação com o pretexto de a melhorar.

Tenho concluido.

1:206 - IMPRENSA NACIONAL - 1869