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SESSÃO DE 16 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte

(Não assistia nenhum dos srs. ministros.)

Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Oorrespondencia

Um officio do deposito geral da guerra, remettendo sessenta e tres exemplares do relatorio ácerca da arborisação geral do paiz, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Teve o competente destino.

O sr. Presidente: - Declarou á camara que a commissão de fazenda estava reunida, e esperava em breve, dar conta dos trabalhos que lhe eram commettidos.

Julgava portanto, que se devia aguardar o resultado da commissão, para se passar á ordem do dia.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Disse que pois não era presente a commissão, e lhe constava não ser possivel apresentar hoje o resultado dos seus trabalhos, presumia conveniente levantar-se a presente sessão, tendo logar a seguinte na proxima sexta feira, continuando a ordem do dia designada para hoje (apoiados).

N'esta conformidade levantou a presente sessão.

Eram quasi tres horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 16 de junho de 1869

Os exmos. srs.: Condes de Lavradio, de Castro; Duque de Palmella; Condes, das Alcaçovas, d'Avila, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres, de Louzã, da Ponte, de Rio Maior, de Samodães, de Thomar; Viscondes, de Condeixa, de Monforte, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Villa Nova de Foscôa; Mello e Carvalho, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Barreiros, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Miguel Osorio, Menezes Pita, Fernandes Thomás.

Discurso pronunciado pelo digno par o exmo. sr. marquez de Sousa Holstein na sessão de 2 de junho, e que se publicou em extracto a pag. 95, col. l.ª do Diario das sessões da camara dos dignos pares.

O sr. Marquez de Sousa Holstein: - Sr. presidente, desde o começo d'esta discussão que eu desejava tomar a palavra, ainda que não fosse se não para explicar em breves considerações a rasão do meu voto. Parece-me que n'uma questão politica tão grave, como na verdade se deve considerar a questão do bill de indemnidade, era meu dever ponderar os motivos que haviam determinado o meu voto, e ou eu o negasse ao governo ou lh'o concedesse, devia apresentar as rasões que tinham influido no meu modo de proceder.

Negando-o cumpria-me expor em que me fundava, para na minha consciencia contestar ao governo o direito de permacer n'aquellas cadeiras, porque, sr. presidente, a conclusão logica, immediata e infallivel da rejeição do bill era a queda do governo. Se pelo contrario eu entendesse dever votar a favor do projecto em discussão, afigurava-se dever tambem imprescriptivel apresentar com toda a franqueza os motivos que tinham influido no meu espirito para dar um voto de confiança á politica dos srs. ministros, para applaudir o caminho que tinham seguido, excita-los a proseguir n'aquella senda e a permanecer, para honra e proveito do paiz, nos logares que occupam.

Era pois meu intento que esta discussão se não encerrasse sem eu dizer algumas palavras; reputava obrigação minha, dever da posição que tenho a honra de occupar n'esta casa do parlamento, não me limitar a dar voto silencioso, no fim d'esta discussão em que examinâmos a politica do ministerio.

Estava n'este proposito, desejoso de não protrahir uma discussão da qual a camara já se acha cansada, e que não tem, ainda mal, a fortuna de attrahir as attenções do paiz; estava, digo, n'este proposito, quando hontem o sr. ministro do reino, na oração com que quiz esclarecer-nos ácerca da sua politica, soltou algumas proposições de tanta gravidade, tão attentatorias, a meu ver, dos verdadeiros principios liberaes, norma e pharol por onde se deve guiar quem aspira a dirigir um paiz livre, que no primeiro momento de admiração, permitta-se-me empregue só este termo para exprimir o meu sentimento, pedi a palavra mais cedo do que tencionava, e antes de ver que estava encerrada a inscripção.

Referir-me-hei mais tarde a estas proposições do sr. ministro, e espero provar que as não qualifiquei exageradamente.

S. exa. a par d'estas reflexões politicas desenhou em largos traços um quadro da nossa situação, que não deixa de ser exacto, ainda que talvez conviesse empregar cores um pouco menos negras, e sobretudo expressões menos desanimadoras para representar o estado do paiz e da fazenda publica.

Este quadro, sr. presidente, é mister dize-lo bem alto, não é novo; ha muitos annos, ha pelo menos bastantes, que todos os governos, todos os parlamentos, é o paiz inteiro, reconhecem que o nosso estado, longe de ser lisonjeiro, carece de immediatas e energicas reformas, e todos os annos, todos os mezes que se adiam estas reformas tem por consequencia forçada peiorar a situação, difficultar-lhe o remedio. Por exemplo, lembrarei o relatorio apresentado em fevereiro de 1867 pelo sr. ministro da fazenda, o sr. Fontes Pereira de Mello, no qual se diz a verdade bem clara e terminantemente, sem exagerações atterradoras.

Aprecia-se ali o estado da fazenda publica, e demonstra-se a impreterivel necessidade das medidas propostas, e que tão combatidas foram por aquelles mesmos que hoje as apresentam quasi sem modificações.

Não é pois novidade o que o governo hoje nos diz; não posso contar-lhe como merecimento repetir o que todos reconhecem ha muito, e instar para que se acuda com o remedio que todos desde annos reclamam com viva insistencia.

Sr. presidente, todos nós sabemos a historia d'estes ultimos mezes, todos assistimos ao singular espectaculo que a nossa politica interna offerece desde o meado de 1867; sabemos como se formou a opinião, hoje dominante no paiz, de economias a todo o custo, em todos os ramos do serviço publico, mesmo n'aquelles em que a economia se póde considerar desperdicio. A nenhum de nós é desconhecido o systema que hoje se pretende impor, como sendo o unico que póde salvar o paiz nas apertadas circumstancias em que se acha. A seu tempo buscarei estudar este systema, cuja analyse seria aqui deslocada, e espero mostrar á camara que longe de nos evitar a ruina, a póde precipitar.

Sr. presidente, desejo que se entenda claramente o meu pensamento; não combato a diminuição da despeza, antes a

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aconselho, e votarei com prazer qualquer que não tenha por consequencia estancar fontes de receita, ou fazer parar repentinamente o paiz nos melhoramentos moraes e matoriaes, que são a condição indispensavel do progresso da civilisação. O que eu combato é a economia a todo o transe, vá onde for, tenha os resultados mediatos que tiver, comtanto que produza no presente um cerceamento de despeza, e allivie o orçamento de alguns algarismos. Não desejo porém deter-me actualmente em considerações d'esta ordem. A camara está impaciente de ver terminar esta discussão, e por isso passarei de leve sobre os diversos factos que tenho a apreciar.

Todos nós sabemos como depois de janeiro de 1868 se apoderou do paiz, ainda mais do que até ali, este desejo, este prurido de fazer economias, este pensamento que eu não posso negar que é o pensamento geral do paiz, e que determinou a politica do gabinste, e a auctorisação de setembro de 1868, levando tambem o governo a tomar algumas providencias legislativas depois de caducada aquella auctorisação, em virtude da dissolução das cortas, d'este incidente parlamentar, na phrase elegante e muito apropriada do discurso da corôa.

Lançando a vista para o complexo de medidas que se comprehendem neste livro, que foi distribuido ha pouco, e no qual se contêem não só as medidas que e governo tomou, usando d'aquella auctorisação, mas tambem as outras filhas propriamente da dictadura, creio que se podem classificar em tres grandes grupos: medidas propriamente economicas, sem nenhum ou com pouco alcance administrativo; medidas que tinham por base principal ou por pretexto, e por motivo, a realisação de economias, as quaes comtudo podem causar uma certa perturbação mais ou menos profunda, mais ou menos completa em diversos ramos de serviço, e para coroar o edificio, como fecho e remate da obra finalmente uma medida de grande alcance politico, embora o seu pretexto fosse ainda a realisação de economias.

Sr. presidente, as medidas do primeiro grupo sendo principalmente economicas, isto é, tendendo sobretudo a produzir diminuição de despesa, vão comtudo em alguns casos lançar ou aggravar impostos, e por este lado podem causar uma certa perturbação nalguns serviços publicos, por isso que pela sua parte se resumem em reduzir ordenados de empregados.

Entre estas medidas deve classificar-se o decreto de 11 de dezembro de 1868 da reforma do Diario do governo, medida que talvez pareça pouco importante, mas que póde de algum modo atacar as susceptibilidades do parlamento; já a este respeito tive occasião de expressar a minha opinião quando n'esta casa se tratou de providenciar ácerca da publicação das nossas sessões, que por aquelle decreto eram excluidas do Diario. Ha tambem o decreto de de novembro e 15 de dezembro que se referem ás quotas de certos empregados; é esta uma medida d'onde resulta certa diminuição de despeza, que não sei se será compensada pela perturbação que no serviço publico não póde deixar de originar-se da má remuneração dos empregados. Temos finalmente o decreto de 27 de janeiro de 1869, que determina as deducções nos ordenados dos empregados publicos. O meu amigo o digno par o sr. Rebello da Silva, no eloquente discurso que n'esta camara pronunciou na penultima sessão, provou bem claramente que se por um lado d'esta medida resultava economia, pelo outro se originavam d'ella inconvenientes de não pequena monta.

Taes são, sr. presidente, os principaes decretos que me parece pertencerem ao primeiro grupo. Não teria grande escrupulo em os approvar, se os sacrificios que elles pedem a uma classe de cidadãos fossem tambem impostos ás outras.

Não sou d'aquelles que votam ás feras os empregados publicos, e que dão o paiz por salvo, quando se onera com decimas e imposições a tenue remuneração com que o estado paga os que o servem. Se os sacrificios são indispensaveis dividamo-los em devida proporção, de modo que todos igualmente supportem o peso dos tributos que o paiz reclama.

Poucos empregados, mas bem pagos, é doutrina mais verdadeira do que muitos empregados escassamente remunerados. Encetar as reformas da fazenda publica pela imposição de um tributo exagerado e iniquo, por não ser acompanhado de outras que distribuam o sacrificio proporcionalmente, não me parece de boa e sã politica.

E não sã diga, sr. presidente, que tal se não podia exigir do governo, porque era demasiada exorbitancia do poder executivo a imposição de novos tributos sem o consenso das camaras; diga-se antes, que é a verdade, diga-se que este tributo, lançado aos empregados, era de facil execução e de prompta realisação, e constituia um expediente financeiro, de que era commodo lançar mão.

O segundo grupo é o das medidas dictatoriaes que tiveram por pretexto a economia, mas que vieram na realidade alterar os serviços publicos, e mesmo em alguns casos desorganisa-los; n'esta parte devo declarar que não posso dar a minha approvacão ao projecto que se discute.

Para não estar a cansar a cornara prolongando uma discussão que eu vejo quasi terminada, e para não impedir que se vote ainda hoje a lei, apenas me referirei a dois decretos que pertencem a este grupo.

O primeiro é o que diz respeito á reforma de alguns ministerios. Seria facil analysar os inconvenientes que estas reformas trouxeram, e demonstrar que esses inconvenientes não são compensados pelas economias que se pretextam. É o segundo o que reformou a instrucção publica. E aqui cabe uma pergunta ao sr. ministro do reino. Em quanto orça s. exa. a economia que d'este decreto ha de provir? Apesar de haver procurado esclarecer-me a este respeito, não encontrei documento algum que podesse elucidar-me. O que sim encontrei foram geraes clamores contra as disposições d'aquelle decreto, severas analyses nos jornaes, e criticas acerbas que não vi respondidas. N'esta mesma camara affirmou ha poucos dias um illustre orador, cuja competencia n'estes assumptos é reconhecida por todos, que a reforma nem sequer obstava a que os professores que têem e ser examinadores nos estabelecimentos publicos de instrucção, se dessem ao ensino particular; e comtudo, sr. presidente, e sr. ministro do reino assegurava-nos ha pouco ser aquelle um dos principaes fins do decreto.

O sr. ministro, querendo defender esta reforma, disse que tinha por fim fazer algumas economias, e evitar certos abusos, e citou, entre outros, o abuso que menciono.

Mas, sr. presidente, onde estão estas economias? Qual é a sua cifra, e porque se não indicaram n'um relatorio? Quanto á cessação dos abusos permitta-se duvidar que o decreto o consiga; veremos se a experiencia confirma a previsão do sr. ministro. Como s. exa. prometteu, e eu espero que o nobre ministro ratifique a sua declaração, que esta questão tão importante da instrucção publica mais tarde havia de vir a esta camara, e seria largamente tratada, reservo-me para n'essa occasião me occupar extensamente d'este assumpto.

A ultima medida de que pretendo occupar-me é do decreto com força de lei, pelo qual o governo, no uso do seu poder dictatorial, entendeu dever alterar profundamente a divisão dos circulos eleitoraes, modificando assim a lei de 1859. Parece-me tão importante e de tão grande alcance esta medida, que sinto realmente que os estreitos limites que me impuz n'esta discussão, não me dêem logar a mais extensamente discutir a materia.

Lamento que infelizmente o paiz tenha dado tão pouca attenção a esta questão, assim como á questão do bill, já approvado na outra camara; e digo, infelizmente, porque desgraçado é o paiz em que uma medida de tanta importancia póde passar quasi despercebida, sem que ao menos os comicios populares reclamem contra a invasão das attribuições legislativas pelo poder executivo.

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Creio que esta camara não póde ir provocar um conflicto desagradavel e perigoso, qus se manifestaria immediatamente se fosse por nós rejeitado o bill que discutimos. A outra Casa do parlamento approvou-o, a existencia legal da camara dos senhores deputados provém de um dos decretos submettidos ás côrtes com este bill rejeita-lo podia trazer graves consequencias; mas isso não impede que a camara dos pares manifeste o seu acatamento e respeito profundo pelos principios constitucionaes, e que proclame bem alto que o governo exorbitou, e exorbitou sem necessidade alguma. Exerceu um luxo de dictadura, não se contentou de a usar, abusou dos poderes que lhe eram confiados. Tivemos hontem occasião de ouvir ao sr. ministro do reine a apologia do acto que condemno, e confesso, sr. presidente, que me maravilharam as explicações de s. exa. O nobre ministro referindo-se ao estado do paiz e ás circumstancias em que o governo assumiu a dictadura, disse que elle se sentia escudado pela opinião publica, pela opinião de todo o paiz, o qual unanimemente applaudia a politica que o governo tinha inaugurado; e mais ainda no relatorio que precede o decreto que reduziu a circumscripção eleitoral, diz-se que essa medida era altamente reclamada pelo paiz, que todo desejava que ella fosse adoptada.

Eu, sr. presidente, confesso que não vi essas manifestações que o paiz fez, nem li as representações sobre tal assumpto, nem tão pouco ouvi que fosse reclamada tal reforma, nem vi um só meeting para tal fim; mas não deixando, de acreditar o que se diz no relatorio a que me referi, declaro que acho incomprehensivel que sendo esta medida tão reclamada por todos, o sr. ministro do reino declarasse hontem que a tinha promulgado em dictadura, porque receiava que o parlamento a não approvasse.

Temos portanto um facto singular, isto é, um ministro que confia tão pouco no governo parlamentar, que suppõe possivel uma camara que não sanccione o que a opinião publica reclama; uma camara em manifesta opposição com o paiz. Se a opinião publica realmente reclamava a medida, era impossivel suppor que a camara dos senhores deputados, ha pouco constituida, quando dominava essa opinião, eleita quando o paiz era, no dizer do governo, unanime n'aquelle voto, negasse a sua saneção a similhante medida. Mas se colhe a argumentação do sr. ministro, concluo logicamente que no systema de s. exa. não representa a camara a verdadeira opinião do paiz.

Estranha defeza, sr. presidente, e talvez sem precedentes nos annaes parlamentares! Similhantes doutrinas não podem deixar de soar pessimamente aos ouvidos dos homens que têem como credo os principios constitucionaes; e é na verdade lastimoso ouvir dizer, depois de quarenta annos de regimen parlamentar, que se toma uma medida em dictadura, por se receiar que a camara a não approve!

Então para que servem os parlamentos? D'este modo é muito facil legislar! Ouço que s. exa. procedeu assim nas melhores intenções, e por amor do seu paiz; não o duvido, mas não se trata agora de apreciar intenções mas sim actos. Se o principio por s. exa. estabelecido se admittir, é facilimo o legislar, pois quando um governo receiar apresentar uma lei no parlamento, assume a dictadura, promulga-a assim, e depois juntando-a com um saco de medidas, cuja discussão se abafa a bem da causa publica, e porque ha outros projectos muito importantes que apresentar, consegue-se que o parlamento vote um bill, approvando tudo, bom e mau quasi sem discussão, porque o tempo urge, porque a fazenda publica reclama a nossa attenção, e o abysmo nos espera se se não tratar quanto antes do deficit e do imposto. Destroem-se os principios para salvar o paiz.

Confesso, sr. presidente, que me maguou sobremodo ouvir tal proposição ao sr. ministro do reino, e não sei como classifica-la.

Pois sr. presidente, n'uma dictadura, que é sempre mais ou menos um mal, que é sempre uma interrupção das funcções harmonicas da vida constituional, uma interrupção do parlamentarismo, póde ou deve proceder-se de similhante maneira? Não devem os homens que a assumem ser altamente cautelosos nas medidas que adoptam durante esse interregno. Pois por esta economia de 40:000$000 réis, seria prudente, seria de verdadeira conveniencia tomar uma medida tão importante, e de tanto alcance como esta foi? Não creio. Se ainda se cobrisse o deficit, poderiamos talvez calar os escrupulos constitucionaes, e posto que não sem custo, approvar o proceder do governo. Tratava-se da salvação do paiz, era um remedio heroico, uma cura violenta, mas radical.

Sr. presidente, ha momentos tão importantes na vida das nações que desculpam certos actos extraordinarios que os governos possam praticar; mas realmente por uma economia de 40:000$000 réis fazer uma reforma tão profunda, é cousa que não se justifica. O paiz aceitou, é verdade, a medida, e não reclamou, mas o que prova isto? Prova porventura que o paiz applaudiu esta violação dos poderes constitucionaes? Não prova. O paiz estava preoccupado de outras questões praticamente mais importantes, tinha diante de si o deficit enorme, e receiava-se o não extinguisse males irremediaveis, receiava, porque não o direi! receiava a perda da nossa independencia. Absorvido com estes pensamentos, não podia prestar ao decreto que analyso toda a consideração politica que ella tem, por isso que lhe não tocava tanto na sua algibeira e na sua vida como as outras. Por não ter o paiz apreciado esta medida, por a ter aceitado, nada obsta a que esta camara a aprecie, e que manifeste sobre ella o seu juizo. Pelo menos assim o julgo e assim o hei de fazer.

Seria facil, estudando alguns actos dictatoriaes do governo, encontrar algumas provas de quanto são convenientes as dictaduras. Citarei alguns exemplos. Revela-se um profundo instincto democratico, um perfeito conhecimento da sociedade moderna, e das suas aspirações liberaes em alguns decretos. Eu já aqui me referi ao decreto, que a pretexto de economias veiu ordenar que cessassem as publicações de documentos importantissimos, que nos têem servido muitas vezes para estudar e conhecer o estado do paiz. Esses documentos são os relatorios dos governadores civis e das juntas geraes dos districtos. Realmente n'um systema representativo, que vive da publicidade, decretar em dictadura que ha de cessar a publicação de tão importantes documentos, que são os unicos dados, por assim dizer, que nos revelam o estado da administração das provincias, e as reformas de que carecem, os abusos que ha, e os meios de os remover, é um facto que se não póde qualificar.

Sr. presidente, alem d'isto, no preambulo do decreto da reforma eleitoral, vejo tambem uma proposição que me parece reaccionaria, segundo o termo adoptado hoje. O governo n'esse preambulo cita como motivo para aquella reforma a economia. Esta economia é de 40:000$000 réis; já a apreciei, e já disse francamente o que julguei conveniente; mas não se trata só de economias. Ha mais; o governo invoca outro pretexto para fazer a reforma, e é este a que eu agora me vou referir. O governo diz claramente n'aquelle relatorio, que estava fóra de proporção com os habitantes do paiz o numero dos deputados. E qual é esta proporção? Quem auctorisou o governo a designa-la? Pois não consiste n'esta proporção uma das garantias importantes do regimen parlamentar? Fixada a proporção, ao governo cumpre examinar se os deputados são quantos devem ser, mas nunca lhe compete fixar esta proporção, determinar dictatorialmente quantos mil habitantes dão um deputado, qual a relação que deve haver entre a população e a camara. Se n'estes assumptos é permittido ferir pelo ridiculo um systema insustentavel e perigosissimo, mas que se refere tão de perto a interesses tão serios, aconselharia eu ao governo que não parasse no caminho tão brilhantemente encetado, que nos concedesse um deputado por provincia do reino e do ultramar; era mais economico, sete ou oito deputados,

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e custava menos a governar com uma camara assim composta. Talvez seja este o ideal do governo; tenha pois a coragem civica de o apresentar.

Eu vejo n'este volume que tenho diante dos olhos providencias que appareceram sem serem precedidas nem de preambulo nem de relatorio, nem finalmente de uma simples explicação dos motivos que levaram o governo a propo-los a El-Rei: por exemplo, a reforma do deposito publico, que vem completamente privada de preambulo e relatorio de especie alguma que a justifique. Não sei realmente como hei de votar aquella reforma nem porque, visto que pelas disposições d'este decreto não posso deprehender as rasões que levaram o governo a faze-lo, e como eu na o estou perfeitamente versado na especialidade do serviço, não conheço os pormenores d'aquelle ramo de publica administração, não posso de certo saber qual deve ser o meu voto. Eu quizera que se me dissesse o motivo por que se fez aquella reforma, os abusos que existiam e que era forçoso cohibir, as vantagens que trazia o novo systema o qual a economia que d'elle resulta, desejava saber quaes eram os documentos de que eu poderia tornar conhecimento para me guiar no estado da questão e poder votar com conhecimento de causa.

Sr. presidente, uma coincidencia singularissima tenho eu a notar que se deu entre o decreto que extinguiu a engenheria civil, e o decreto que reformou o conselho de saude. No primeiro vejo que o governo se reportou a um celebre alvará de 1812, e que fundado nas suas disposições planeou a notavel organisação da engenheria que ora é vigente entre nós. É forçoso confessar que é acertadissima e engenhosa a escolha d'aquelle alvará para reorganisar a ergenheria. Desde 1812 até hoje as descobertas scientificas e innovações praticas que dizem respeito á engenheria são na verdade insignificantes, e nem sequer vale a pena menciona-las. A applicação do vapor á locomoção, e da electricidade á telegraphia, os progressos das sciencias physicas e chimicas são de minimo valor, e o governo andou sem duvida mui avisadamente, determinando que um engenheiro em 1869 póde sem inconveniente, antes com muita vantagem, ser assimilhado a um engenheiro de 1812, tanto no ponto de vista dos estudos, como das vantagens pecuniarias que devem ser-lhe concedidas. Seja porém como for, o facto é que o alvará de 1812 serviu ao governo de norma e base para a reorganisação do serviço da engenheria. Seria pois licito suppor, que em todos os serviços publicos voltariamos áquelle bom tempo, e já eu esperava novas e rasgadas medidas n'este sentido, quando vi com pezar que tratando-se por sua vez do conselho de saude, se achou obsoleta, antiquada e fóra de moda uma lei de 1837, que regulava o serviço da saude publica. Singular coincidencia! Por um lado entendeu o governo que para o decreto a respeito de engenheria era util o decreto de 1812, e muito apreciavel pelo outro lado acha desaproveitavel e retrogrado o de 1837 para a reforma do conselho de saude. Não dou importancia a esta singular coincidencia; mas noto-a como capitulo curioso da historia da dictadura do actual ministerio.

No decreto com força de lei, que reforma a instrucção publica, vejo a cada passo medidas inaceitaveis ou inconvenientes; vejo a creacão de um imposto desnecessario; noto que se não procedeu a um inquerito, que se não consultou escola alguma, e finalmente, que se não tomaram as disposições que, segundo o sr. ministro do reino, tornavam indispensavel aquella chamada reorganisação.

Sr. presidente, lastimo tantos e tão repetidos erros; lastimo tanta leviandade, tanta pressa de legislar.

Em Inglaterra, quando se faz uma reforma, não se procede assim. Outros são os tramites; ouve-se o paiz, consulta-se a opinião, e espera-se que essa se pronuncie. O governo não apresenta qualquer medida de reforma á camara sem as cautelas necessarias e convenientemente tomadas para que o assumpto vá perante o parlamento bem esclarecido e amadurecido.

V. exa., sr. presidente, que tão dignamente tem representado por muitos annos o nosso paiz em Ingiaterra, sabe perfeitamente, e muito melhor do que eu, o systema d'aquella nação.

Nasce uma idéa, um plano, um projecto de reforma; antes de tudo discutem-o os jorraes; e logo se vê até que ponto a opinião o aceita ou repelle.

N'este segundo caso, a questão nasceu e morreu logo depois; mas se pelo contrario o paiz toma interesse no assumpto, a discussão na imprensa é seguida, aviva-se; não faltam polemicas; o espirito publico agita se; organisam-se meetings, assignam-se representações ao parlamento, e este, discutindo-as, manda abrir um inquerito, se o caso o pedir.

N'estes inqueritos estuda-se de novo a questão, e com toda a proficiencia; ouvem-se as pessoas versadas no assumpto, recebem-se todas as informações que possam esclarecer; impresso o relatorio e as respostas das pessoas que depozeram no inquerito, apresentam-se estes documentos ás côrtes, e a questão volta perante o publico por meio nas discussões, que os jornaes commentam, analysam e estudam.

Então e só então, depois de esgotados todos os meios possiveis de derramar luz sobre o assumpto e de bem conhecer a opinião do paiz, é o projecto formulado e levado ao parlamento. D'esta fórma, sr. presidente, póde esperar-se uma legislação conveniente e duradoura, e não falsa e ephemera.

Entre nós não se procede assim. A experiencia ahi está para attestar qual dos dois methodos é mais util.

Poderia ainda fallar do decreto de 8 de abril, que diminuiu o subsidio aos srs. deputados; mas bastará notar quanto é singular que o governo fizesse este decreto, depois de ter havido uma camara como a dissolvida, que talvez só tivesse peccado por excesso quando tratou de reduzir o subsidio dos srs. deputados, e que propoz muito menos do que o governo concedeu. Não era melhor ter apresentado um projecto á camara, que se achava em tão boas disposições?

Sr. presidente, eu queria terminar, porque não desejo que este debate se prolongue, e porque temos depois a importante questão de fazenda, na qual devemos entrar em poucos dias; mas não posso concluir sem chamar a attenção da camara sobre uma medida dictatorial muito importante, porque vae offender as prerogativas das camaras. Fallo do decreto de 15 de abril, no qual se faz uma profunda reforma no quadro dos empregados das duas casas do parlamento. O governo, sr. presidente, não se lembrou que esta camara, em que tenho a honra de estar fallando, tinha tomado a iniciativa de proceder a uma reforma dos seus serviços, e que já tinha levado os seus escrupulos a ponto de, por uma lei aqui nascida, acabar com o abuso de por meio de uma resolução da camara augmentar o seu orçamento. Foi ella propria que determinou que não se podesse augmentar a dotação da camara sem uma lei. Com este honroso precedente não se contou. Receiou-se a opposição acintosa n'uma camara que havia dado áquelle exemplo, e sem consideração alguma pelas antigas e respeitadas praxes, sem rasão que justificasse áquelle excesso de poder, veiu este decreto mostrar mais uma vez quanto póde o prurido das reformas, em tudo e por tudo.

O paiz ha de pedir serias contas ao governo, que a pretexto de reformas desorganisa todos os serviços, destroe a administração, e não sabe sobre as ruinas que de todos os lados accumula, levantar um só padrão sequer da sua capacidade governativa. Reforme-se, economise se, simplifique-se. Exige-o o estado da fazenda, reclama-o o paiz; todos o desejam, todos são unanimes em o recommendar, mas proceda-se com prudencia e com acerto, e não se difficulte a situação com o pretexto de a melhorar.

Tenho concluido.

1:206 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

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