DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 163
nomeações, como é que hoje não póde prevalecer a mesma doutrina em que se inspirou essa minoria?
Toda a gente sabe que a generalidade das disposições da carta constitucional não póde ser interpretada na extensão em que ellas estão estabelecidas, e que os principios mesmo que só podem tomar por mais constitucionaes estão sujeitos a leis regulamentares.
Sendo isto assim, está claro que o uso da prerogativa concedida pela constituição ao poder moderador de nomear pares póde ser regulado, sem que por esse facto se possa considerar atacado o principio estatuido na carta.
Mas disse-se que esta questão era importante e muito grave, porque o estabelecimento de categorias póde concorrer para que se limite, fóra das attribuições que possam competir ao corpo legislativo, o uso de uma prerogativa, a qual exercida convenientemente pôde, em muitos casos, ser de grande vantagem para o paiz.
Não desconheço a gravidade da questão; todavia devo dizer que ás categorias têem-se estabelecido sempre como uma garantia necessaria á importancia que precisa ter uma primeira camara.
É isto o que vemos em todos os paizes onde existem corpos politicos d'esta natureza.
Aquelles que entendem, que podem ter inconvenientes as categorias, devem reffectir que é necessario attender ás exigencias da opinião, quando ella é fundada.
Em França, em 1830, havia muito quem não estivesse persuadido da conveniencia de haver camara hereditaria, e Cazimiro Perrier, que era um dos homens de mais energia d'aquelle tempo, foi declarar á camara que apresentava a proposta para a abolição da hereditariedade, apesar de ser muito contra a sua opinião; mas cedia ás exigencias do paiz.
Por consequencia, é conveniente sempre attender á opinião publica, como já disse, e n'esta questão da reforma da camara parece-me que é já um progresso o projecto que discutimos, e póde considerar-se como uma satisfação a essa mesma opinião.
O que resta é tratarmos de ver se por acaso as categorias, que se estabelecem n'este projecto, são as indispensaveis para a conservação d'esta camara.
Esta questão, como digo, é importante e grave.
O auctor do projecto e a illustre commissão não querem estas garantias senão para dar importancia a um corpo politico; mas ellas podem ser estabelecidas de modo que limitem a escolha do poder moderador de fórma tal, que haja grande difficuldade em encontrar pessoas para o desempenho das altas funcções de legislador.
Eu tencionava mandar para a mesa uma emenda, porém abstenho-me de o fazer, porque me conformo inteiramente com uma que foi apresentada pelo sr. visconde de Seabra, e que diz respeito ao artigo das categorias.
Essa emenda é para que seja permittida a escolha de pares entre as pessoas de reconhecida capacidade litteraria e scientifica e de serviços relevantes ao paiz.
Sr. presidente, em todos os paizes onde ha camaras analogas á nossa camara dos pares, e onde está estabelecido o principio das categorias, não esqueceu esta disposição.
Na Prussia ha uma categoria para as summidades nacionaes.
Na camara dos senadores da Austria ha categorias especiaes para o merecimento litterario e scientifico.
Na Italia, onde o senado é composto de numero limitado do membros, são chamados para exercer os logares de senadores os individuos que tenham mais de quarenta annos, que exerçam altos cargos, ou tenham merecimento litterario, etc.; n'uma palavra; em todas as nações se tem attendido ao merecimento litterario e scientifico.
Se acaso esta idéa não prevalecesse, poderiamos correr um grande risco. Um homem podia ter um merecimento muito distincto, ser um dos primeiros historiadores da sua epocha, ser um ornamento do seu paiz, ser um Alexandre Herculano, e não poder estar na camara dos pares. (Apoiados.)
Ora, está longe das idéas da commissão não introduzir esta modificação no projecto.
A emenda apresentada pelo sr. visconde de Seabra presta-se facilmente a ser tomada em consideração, salva a redacção que a commissão julgar dever dar-lhe.
Tambem vou mandar para a mesa uma proposta, que tem por fim um additamento, e vem a ser: que, emquanto houver pares hereditarios, não gosem da hereditariedade do pariato os descendentes dos pares nomeados depois da promulgação da presente lei.
Sr. presidente, eu entendo que se podem modificar as condições da hereditariedade, porque, se a lei de 11 de abril de 1845 as póde limitar, não ha motivo algum para que hoje não procedamos do mesmo modo; por consequencia, desde que se legisla sobre o principio da hereditariedade, aproveitando-me da opinião d'aquelles que entendem que, segundo a carta, ha pares vitalicios e pares hereditarios, creio conveniente fazer esta modificação; a qual julgo tanto mais necessario estabelecer, quando não foi só o governo em 1872 que condemnou o principio da hereditariedade, mas a illustre commissão, que deu parecer sobre este projecto, manifesta a sua opinião, relativamente ao assumpto, de uma maneira bastante clara; o peço á camara tenha a bondade de ouvir.
(Leu.}
É quasi a opinião de Cazimiro Perrier.
Não devo desconhecer que no projecto da commissão, assim como no que foi originariamente apresentado pelo sr. conde do Casal Ribeiro, já se tomam precauções coarctando a hereditariedade nos pontos em que se viam inconvenientes, e se procura tornar mais clara a lei de 1845, por quanto algumas disposições d'essa lei, por serem ambiguas, têem soffrido interpretação que decerto não estava em harmonia com o espirito do legislador.
Digo, pois, que esses limites impostos já, de alguma fórma, são homenagem prestada ao principio tão formalmente reconhecido pela illustre commissão; mas julgo que não ha inconveniente em aproveitar o pensamento por mim indicado.
Em conclusão, dirigindo-me ao sr. visconde de Seabra, que no seu excellente discurso disse parecer-lhe mal escolhido o momento de uma tão profunda quietação para se emprehender uma refórma d'esta ordem, notarei a s. exa. que eu supponho que é exactamente nas epochas de grande quietação que as reformas como essa devem ser effectuadas. (Apoiados.)
Não querendo cansar mais tempo a camara, peço desculpa de lhe ter tomado o tempo.
(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)
(S. exa. não reviu este discurso.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Carlos Bento.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
"Artigo 9.° Em quanto houver pares hereditarios, não gosarão da hereditariedade do pariato os descendentes dos pares nomeados depois da promulgação da presente lei.
"Sala das sessões, 22 de março de 1878. = Carlos Bento do Silva."
O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de levantar-se.
Foi admittida.
0 sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem, que acaba de chegar da camara dos senhores deputados.
(Leu-se.)
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo a proposição de lei, que tem por fim approvar, no que depende da sancção legislativa, o projecto regulamentar geral do serviço de pilotagem dos barcos e portos do continente e ilhas adjacentes.
Á commissão de marinha.