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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 169

ou não offendido pelo projecto; o segundo refere-se á opportunidade, e eu entendo que a reforma não é opportuna, porque a corôa até hoje não praticou acto algum, que mereça que lhe seja imposta uma grave restricção no uso da sua prerogativa.

Quem não votar a minha proposta, acceita a restricção, como necessaria o urgente, e eu não vejo. como disse, acto algum do poder real, que nos leve a considerar urgente o cerceamento d'um direito que pela carta lhe assiste.

Peço á camara que attenda bem ás rainhas palavras, rejeitar a minha proposta é ir dizer ao rei "a camara dos pares entende que a realeza tem exorbitado das suas attribuições."

Tenho dito.

O sr. Marquez de Ficalho: - Eu começo por declarar já o meu voto. Approvo a generalidade do projecto, e reprovo-o na especialidade. Se não fóra para justificar o meu voto, eu não teria tomado a palavra, tive grande tentação em disistir d'ella, mas eu que tenho sido soldado velho entendi não dever retirar, e aqui estou no meu posto.

Já disse que approvava o projecto na generalidade, e não posso deixar de louvar o auctor do projecto, o sr. conde do Casal Ribeiro, pela sua iniciativa, assim como tenho satisfação em ver que muitos dignos pares estudaram profundamente a questão, e se esmeram em por todos os meios chegarmos a fazer a reforma a mais perfeita.

Porém, sr. presidente, como eu tenho o meu caminho livre, por isso que não estou de accordo com os oradores que me precederam, vou pois seguir o caminho que eu conheço e mais antigo. Direi apenas poucas palavras, não sei fazer discursos, como os dignos pares muito bem o sabem, e deligenciarei dizer a minha opinião muito breve.

Sr. presidente, eu não tenho duvida em dizer que para conseguir o resultado que desejava apurar nomeei uma commissão de inquerito, fiz mais, fiz o relatorio, constituo-me relator. Fui mais alem, procedi ao exame de consciencia da camara dos pares. Já se vê que tomei sobre meus hombros uma grande quantidade de encargos, o que póde inspirar receio de que o meu discurso seja de um comprimento correspondente, mas creia a camara que, como adestrada é muito minha conhecida, hei de percorrel-a com velocidade espantosa.

Sabe v. exa. o que me lembrou? Foi abrir uma conta corrente dos males, das desgraças, dos prejuizos, que da camara dos pares têem vindo a este paiz, e por um sentimento de compaixão para com ella procurei ver se achava alguns beneficies. Quando cheguei ao resultado da minha conta, tive immenso prazer: o saldo é favoravel a esta camara.

Vou percorrer o meu caminho, começarei em 1828.

N'esse anno fez-se uma grande revolução n'esta terra; houve um unico protesto, não me consta outro; partiu da camara dos pares. Foram os srs. condes de Linhares e de Lavradio.

Estes pares emigraram e continuaram a protestar com a sua penna e a sua espada.

Veiu o anno de 1834; tornou a reunir-se a camara, e operou então a revolução mais radical que tem havido. Dizia-me um homem de estado italiano:

"Não só fizeram uma revolução radical, mas fizeram-na em um só dia; aliás tambem não eram capazes de a realisar."

Seja-me licito lembrar-me dos dignos pares que n'essa occasião revelaram o seu patriotismo, e escolho de entre elles o mais esquecido, escolho o sr. marquez de Ponte de Lima, que nunca foi lembrado n'esta nação senão nó dia 29 de agosto em que se lhe deu a medalha da Torre e Espada.

N'essa occasião, em que se tratava de lhe eliminar um rendimento de 60:000 cruzados, o sr. marquez de Ponte de Lima dizia - voto. (Apoiados.)

Tenham paciencia, deixem-me dizer o que está passando pelo meu espirito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Orador: - N'essa epocha o sr. conde da Taipa, homem de grande espirito e graça, escreveu um pamphleto" Esse pamphleto desagradou ao sr. D. Pedro IV, que mandou prender o conde.

A camara que julgava assim atacadas as suas immunidades, atacada a liberbade de imprensa, protestou immediatamente. Apresentaram esse protesto ao monarcha o sr. duque Loulé, cunhado de Sua Magestade Imperial; e o conde de Ficalho, seu ajudante de ordens; o conde da Taipa não foi preso.

Estaria a camara sujeita a alguma influencia do poder moderador?

N'esse tempo, habituados ás lutas, todos nós exaltados, todos nós, deixem-me dizer a verdade, amigos da desordem, faltando-nos os inimigos, e sequiosos de combates, dividimo-nos para brigarmos uns com os outros; procurámos differentes bandeiras, opiniões mais ou menos exageradas, e então a camara dos pares tambem entrou na luta.

E dizia se tambem então que havia pontos negros. Lembro-me d'essa epocha. Isto não é da actualidade. Lembro-me que tambem se dizia - que era necessario grande contemplação com a opinião publica.

Quando ouvi o sr. Barros e Sá apresentar este argumento, quando ouvi isto ao meu amigo, com quem me entendo quasi sempre, com quem muitas vezes converso, e temos uma grande unidade de opiniões, pareceu-me que estava nos meus vinte e cinco annos.

N'essa epocha havia tambem os taes pontos negros, e era necessario acompanhar a opinião publica. E a camara dos pares soffreu uma reforma mais radical e brilhante. Foi condemnada á morte, e morreu.

Sobre as suas cinzas levantou-se o senado, e n'elle entraram muitos homens que não tinham sido dignos de entrar na camara dos pares, e aquelles que eram dignos d'isso ficaram de fóra, como aconteceu com o meu illustre amigo, o sr. visconde de Fonte Arcada, que não póde ter assento n'aquella camara, e o sr. marquez de Fronteira.

O que aconteceu depois áquelle senado? Sumiu-se! Não agradou, não se sabe bem por que; a camara dos pares resuscitou mais gloriosa, mais liberal e mais energica!

Eu lembro isto aos homens moços, que não são d'aquelle tempo, e é dos velhos contar historias.

Quem se não lembra de ver Lisboa completamente despovoada e a camara dos deputados deserta, porque todos corriam para a camara dos pares.

Ali é que havia uma luta de gigantes, era ali que se degladiavam Costa Cabral, visconde de Algés, conde da Taipa, conde de Lavradio, duque de Palmella, Sá da Bandeira e muitos outros. Ali é que se ía aprender o que era o desafogo, a coragem, a independencia; e nós entravamos n'aquella camara no meio dos tumultos, umas vezes condemnados, ameaçados, outras vezes gloriados.

N'esse tempo havia centro, direita e esquerda. Os pares procuravam as suas cadeiras com receio de se enganarem, e ninguem se resolvia a não acertar com as suas cadeiras, porque eram logo suspeitos de desertores.

Tenho saudades d'esse tempo.

Da historia moderna sei pouco, mas sei que os morgados aqui se extinguiram, e muitas outras medidas importantes aqui tambem se têem approvado. E lembro-me igualmente, sr. presidente, que ainda não vi um só acto pelo qual esta camara deixasse do mostrar-se independente.

Ainda um outro ponto; um symptoma pequeno; mas eu, como medito sobre as cousas, não posso deixar de o notar, e por isso admiro-me de que n'esta camara nunca se pedisse a materia discutida emquanto ha oradores para fatiar

Já se vê, sr. presidente, que uma camara de pares que, mesmo nas pequenas cousas, procede d'este modo, não póde deixar de ser considerada como liberal.

Não pretendo tratar do projecto do sr. conde do Casal Ribeiro, nem agora é occasião de tratar da questão consti-