170 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tucional; mas sempre direi que o que eu considero constitucional na carta não preciso que ninguem m'o diga, sinto-o.
E eu não hei de ser mais mesquinho do que a carta.
Quantas vezes, sr. presidente, ella tem visto os filhos ingratos despenhar-se por declives escorregadios, e ella, rindo-se, dizer apenas: São os pequenos que estão brincando; Deus queira que não cáíam. E passados tempos, como o filho prodigo, voltam a conchegar-se a ella e a abrigar-se no seu seio.
A carta tem visto isto muitas vezes, e se ella é assim benevolente, porque o não havemos nós ser tambem?
Eu, sr. presidente, com as minhas idéas de ordem, que todos me reconhecem, sou tambem um pouco desordeiro. Parece um absurdo ou um paradoxo, mas é a verdade. Na vida agitada dos meus primeiros annos habituei-me ao movimento e gosto d'elle. Vou, pois, concluir.
Peço perdão á camara o concluo.
(O orador foi muito comprimentado ao terminar o seu discurso.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa mesa uma mensagem que acaba do chegar.
(Leu-se.)
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição que tem por fim ampliar e alterar algumas das disposições da lei sobre o imposto do sêllo.
Á commissão de fazenda.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Pediu novamente a palavra e combateu o projecto em discussão.
(O discurso do digno par, proferido n'esta sessão, será publicado quando s. exa. o devolver.}
O sr. Visconde de Bivar: - Sr. presidente, tenho de entrar n'esta discussão, depois de haverem tomado parte n'ella os principaes oradores d'esta casa. Em que posição fico eu? Como poderei eu, que sou um dos mais humildes membros d'esta camara, alcançar a attenção dos meus collegas, depois de terem ouvido os discursos que precederam, para o que eu vou apresentar?
Mas eu entendi, desde que esta discussão começou, dever dar a rasão do meu voto, o foi unica e simplesmente em obediencia ao preceito que a mim proprio impuz, que não hesito em acceitar a palavra que v. exa. acaba de me conceder.
Sr. presidente, tem-se fallado muito em artigos constitucionaes, e todos os oradores que têem impugnado o projecto têem decidido ex cathedra, que os artigos 30.° e 74.° da carta têem esta natureza, e que nós, poder constituido, não lhes podemos tocar.
Aquelles mesmos, que mais insistem pela reforma da carta, dizem - Não toquem n'estes artigos! Não o podemos fazer. É só pelo poder constituinte que a sua alteração se póde alcançar.
Sr. presidente, se nós formos compulsar documentos parlamentares de tempos passados, ahi encontraremos decisões tomadas por homens que foram grandes ornamentos d'esta casa, as quaes bem mostram que regular a faculdade que tem o poder moderador de nomear pares, pela creação de categorias, dentro das quaes essa faculdade só conservo liberrima, não é procedimento que fira disposições constitucionaes do nosso codigo fundamental.
E note-se que os argumentos de auctoridade valem mais pelas rasões em que se fundam, do que pelos nomes que os firmam; mas, n'este caso, aquellas são tão solidas, quanto estes são respeitaveis.
As constituições estabelecem os preceitos quaes por que se regem as sociedades politicas que ellas são destinadas a governar, e as leis organicas é que as desenvolvem e regulamentam.
Os artigos 39.° e 74.° da carta dizem que a camara dos pares é filha da prerogativa da corôa, e hereditaria. Ora a lei ordinaria já regulou a hereditariedade; porque não ha de regular tambem o exercicio da prerogativa? Nos poderes politicos ha elementos, que, alterados ou destruidos, mudam a sua constituição; e se nós estabelecermos categorias dentro das quaes a corôa possa livremente nomear pares, ficará o poder moderador em condições mais acanhadas do que lhe marca o artigo 74.° da carta, e o segundo ramo do poder legislativo organisado por modo diverso do que ordena o artigo 39.° da mesma carta? De certo que não.
Nos governos livres não ha poderes politicos com faculdades illimitadas, e quando as leis as não regulam, regulam-as os principios, que não é licito contrariar.
A camara dos pares tem uma missão politica importantissima na constituição do estado, e as qualidades, que se devem dar nos que são chamados a fazerem parte d'ella, não podem deixar de ser subordinadas ao desempenho d'essa missão, porque, quem quer os fins, tambem quer os meios. Ora se a limitação de prerogativa se deriva da propria carta, como só póde dizer que traduzil-a em lei é um ataque á mesma carta?
Mas affirma-se que os artigos citados estão regulados pelo § 13.° do artigo 145.°, e que o projecto não só fere aquellas disposições da carta, mas tambem esta. Creio, porém, que tal não succede, ainda quando o alludido § 13.° desempenhe o papel que lhe se attribue.
Sr. presidente, o § 13.º do artigo 145.° da carta constitucional manda que todo o cidadão tem direito a ser nomeado para qualquer cargo publico, civil, politico ou militar, sem outra differença que não seja o seu merecimento. Mas, não poderemos nós estabelecer regras e preceitos para regular o modo como esse merecimento tem de ser avaliado? De certo que sim.
O sr. Visconde de Alves de Sá: - Apoiado.
O Orador: - Em resposta ao áparte que acaba de me dirigir o meu antigo amigo o sr. Vaz Preto, permitta-me elle que lhe pergunte: - quando na carta se estabelece o preceito de que ao poder executivo, que é como o poder moderador exercido pelo rei, compete o direito de nomear os magistrados, os generaes de todas as armas, e os demais empregados publicos, marcam-se porventura as regras pelas quaes se deve regular o exercicio d'esse poder? Não; e todavia não o fizeram as leia ordinarias? De certo que sim.
Não é necessario, julgo eu, dizer mais para demonstrar ao meu amigo que nós, se approvarmos o projecto, não exorbitaremos das faculdades que temos na constituição. E em reforço d'este meu parecer, alludirei ao argumento apresentado pelo sr. conde de Cavalleiros, tirado do artigo 105.° do regimento interno d'esta camara, quando determina que uma commissão seja encarregada de verificar a carta regia da nomeação do novo par, a sua idade, naturalidade, e mais circumstancias, e não havendo reclamação em contrario ao parecer da mesma commissão, elle seja admittido, o que tambem quer dizer que, havendo reclamação em contrario, elle não seja admittido.
Pois se nós temos o direito de apreciar a nomeação de pares feita pelo poder moderador, se pelas faculdades do nosso regimento interno até os podemos excluir de tomar assento n'esta casa; como é que não temos na legislatura ordinaria o direito de estabelecer as regras e preceitos pelos quaes o mesmo poder se deve regular na escolha de membros do pariato?
Porém não temos que attender sómente ao artigo 145.°, temos tambem de olhar para o artigo 10.° da carta; ahi se diz que a divisão e harmonia dos poderes politicos é o principio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a constituição offerece.
Combine-se este com aquelle artigo, que dispõe, que e só constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos, é aos direitos politicos e individuaes dos cidadãos; e ver-se-ha, que a nomeação por categorias não enfraquece qualquer dos poderes a que ella se refere, não destroe a harmonia que entre elles