206 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO
pelas opiniões que proferirem no exercicio das suas funcções.»
Note a camara. A constituição do estado diz- inviolavel; mas não diz - irresponsavel. Somos inviolaveis pelas opiniões que proferimos, mas não somos por ellas irresponsaveis; temos a responsabilidade das idéas que sustentamos e dos principies que professâmos e defendemos n'esta tribuna; e eu, pela minha parte, não decimo essa responsabilidade; mas, por isso mesmo que a não declino, é que desejo liquidal-a, para que não seja maior, nem menor do que a de direito me deve caber.
Sr. presidente, a palavra que accusa a inspiração de momento, que se deixa impressionar por todas as circumstancias de occasião, é muitas vezes incorrecta na fórma, e não menos tambem exagerada na idéa que affirma, ou no sentimento que traduz.
D'essa incorrecção e d'essa exageração é, porém, responsavel o orador.
O regimento... aqui o tenho, sr. presidente, já o não largo da mão, será o meu vade mecum e o pára-raios que me ha de defender, quando formos assaltados por estas tempestades sonoras, que rebentaram na ultima hora da sessão passada, e que a minha consciencia me diz não haver provocado.
O regimento, dizia eu, prohibe os discursos lidos, mas não prohibe os discursos pensados e reflectidos. Quem trouxer do remanso do seu gabinete coordenadas as suas idéas, e, tanto quanto possivel, pensada a fórma por que as ha de definir, está no sou direito, faz muito bem, e é de certo menor a responsabilidade que tem a temer, por isso que a palavra lhe traduzirá sempre fielmente o pensamento, o que aliás póde deixar de acontecer facilmente a quem pede á inspiração do momento a significação das suas idéas.
Ora, sr. presidente, com franqueza o declaro: eu digo sempre o que penso, mas nem sempre penso o que digo; quero dizer, não estou reflectidamente calculando a fórma por que hei de expressar o meu pensamento. A opinião sáe tal qual a minha convicção a define, embora a fórma devida á inspiração de momento a traduza muitas vezes menos correcta e menos fielmente.
Tudo isto vem a pêllo para dizer a v. exa. o seguinte: Eu tinha tomado a palavra, na discussão da especialidade do projecto que se discute, tendo na discussão na generalidade dado sobejas provas de que não queria tomar longo tempo á camara, apesar do regimento me dar o direito de fallar duas vezes, eu só tinha usado uma vez da palavra; e quando justifiquei a minha moção de ordem, sem que o meu espirito tenha a qualidade de ser conciso, consegui, por obediencia de certo ao preceito que v. exa. me impoz, sel-o essa vez, e occupei de facto por muito pouco tempo a attenção da camara.
N'estas condições surprehendeu-me bastante que v. exa., inspirado de certo dos seus deveres, dos deveres que lhe impõe a rigorosa observancia do regimento, me chamasse á ordem.
Desejo, portanto, que v. exa. me diga se procedeu assim para commigo por eu ser prolixo e difuso, ou por deixar de guardar o respeito devido ao decoro da camara a que tenho a honra de pertencer.
O sr. Presidente: - Vou responder á pergunta que v. exa. acaba de formular, com a verdade e com a moderação que tenho tido sempre no desempenho dos meus deveres.
A minha consciencia não me accusa, durante os oito annos que tenho occupado esta cadeira, de ter faltado á consideração que devo á camara, e ao respeito e estima que me inspiram os meus collegas. (Apoiados,)
Ha uma inexactidão no que disse o digno par, que de certo é filha da confusão que havia na sala. Este ponto é essencial, e chamo para elle a attenção de s. exa.
Eu não chamei o digno par á ordem, pedi-lhe apenas que attendesse ao que diz o artigo 53.° do regimento, por me parecer que s. exa. estava comprehendido nas disposições d'esse artigo.
Póde ser que interpretasse [...] palavras do digno par, porque sou o primeiro a fazei justiça á sua educação, mas pareceu-me que o digno par tinha dirigido algumas expressões pouco agradaveis aos membros da camara, que tinham votado no sentido opposto áquelle em que s. exa. tinha votado; expressões que me impunham o dever de lembrar-lhe as disposições regimentaes.
Torno a dizer que é possivel, pela confusão que havia na sala, que eu não comprehendesse bem as expressões do digno par; mas a verdade é que eu limitei-mo á leitura d'este artigo, e não chamei o digno par á ordem, como nunca chamei á ordem qualquer outro digno par. O que algumas vezes tem acontecido é ter pedido a algum memoro d'esta camara, que explique qualquer phrase que possa ter parecido menos apropriada aos seus collegas. Chamar qualquer digno par á ordem é uma cousa muito seria; é uma especie do censura, e eu não desejo nunca por fórma alguma censurar nenhum dos membros d'esta casa do parlamento. Se na sessão passada li o artigo 53.° do regimento, foi por me parecer que as expressões do digno par envolviam uma especie de censura aos seus collegas que tinham votado em sentido opposto ao de s. exa., e sobretudo aos dignos prelados que têem assento n'esta camara. Essas phrases não estavam em harmonia com as disposições do artigo 53.° do regimento, e foi isto o que observei ao digno par, sem comtudo, repito, o ter chamado á ordem.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Agradeço a v. exa. as explicações que acabo, de dar-me, as quaes, todavia, não satisfazem o meu pedido. V. exa. referiu-se ao
Artigo 53.º do regimento...
O sr. Presidente: - Devo notar ao digno par, que a minha intenção não foi senão explicar o motivo por que me tinha referido áquelle artigo do regimento.
Sai d'aqui no sabbado, convencido de que aquelle desagradavel incidente tinha terminado, e ainda hoje me persuado que não ha vantagem alguma em que elle se renove, (Apoiados.) sobretudo depois do eu ter declarado terminantemente ao digno par que não o tinha chamado á ordem.
Creio que posso dizer com ioda a verdade, que os factos se passaram como os descrevi. (Apoiados.) Portanto, parece-me que era de interesse para nós todos que entrassemos mansa e pacificamente na discussão do artigo 1.° do projecto, (Apoiados.) e que não renovassemos uma questão, que, por maiores que sejam os desejos e esforços do digno par para que ella se trate com placidez, e os meus para lhe corresponder, póde dar logar a alguma expressão que seja mal interpretada.
Peço, pois, ao digno par, como mais velho que s. exa. e como presidente da camara, que ponha termo a esta questão, (Apoiados.) não fazendo allusões aos factos que se deram na ultima sessão, e que continuemos no desempenho das nossas funcções.
Se queremos, e queremos de certo, que esta camara seja respeitada, procedamos da fórma que acabo de indicar, até porque nós não ganhamos nada, pelo contrario perdemos muito em contribuir para a pouca consideração que ella possa ter. Devemos honrar a camara dos pares, porque honrando-a, honramo-nos a nós e ao paiz; honrando-a, honrâmos um dos ramos do poder legislativo, que tem dado inconcussas provas de cordura, que tem estado sempre á frente dos melhoramentos materiaes e moraes do paiz, e que tem demonstrado exuberantemente o seu espirito liberal. É, portanto, do interesse de nós todos concorrer para que esta reputação, que a camara dos pares tem adquirido, continue.
Concluindo, peço á camara que desculpe o desalinho das observações que acabo de fazer, pedindo-lhe ao mesmo tempo que me faça a justiça de acreditar que ellas são fi-