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N.º 25

SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Conde da Ribeira Grande

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da antecedente sessão. - A correspondencia teve o devido destino. - Requerimentos do digno par Vaz Preto. - Ordem do dia: Discussão na especialidade do projecto de lei n.° 5. - Continua a discussão do artigo 1.° - Troca de explicações entre o digno par visconde de Chancelleiros e o sr. presidente da camara. - Considerações dos srs. Carlos Bento, Mello Gouveia (relator.), e ministro da fazenda. - Approvação dos artigos 2.º e 3.° - Os artigos 4.° e 5.° são remettidos á commissão. - Approvação dos artigos 6.° e 7.° - O sr. bispo de Bragança fundamenta os additamentos que apresentara ao artigo 3.°

Ás duas horas e um quarto da tarde, estando presentes 40 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição, que tem por fim fixar a força do exercito no anno corrente.

Á commissão de guerra.

Outro da mesma procedencia, que tem por fim relevar o governo da responsabilidade em que incorreu, pelas disposições legislativas contidas no decreto de 30 de julho de 1879, e permittir que continuem vigorando os preceitos dos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° do mesmo decreto.

Á commissão de fazenda.

Um officio do ministerio da justiça, remettendo nota de todas as gratificações:, por servidos extraordinarios, distribuidos aos empregados do mesmo ministerio durante o anno economico do 1878-1879, satisfazendo assim o requerimento do digno par Manuel Vaz Preto Geraldes, apresentado em sessão de 21 de fevereiro proximo passado.

Para a secretaria.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho e ministros da fazenda, obras publicas e marinha.)

O sr. Vaz Preto: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me informar se pelo ministerio das obras publicas, e outros ministerios, já foram enviados a esta camara os documentos que requeri ainda em janeiro.

O sr. Presidente: - Na mesa receberam-se varios documentos dos requeridos pelo digno par o sr. Vaz Preto, e peço a s. exa. o favor de os vir., examinar, e declarar se lhe faltam alguns.

O sr. Vaz Preto: - Recebi já pelo ministerio dos negocios da justiça e pelo dos estrangeiros alguns dos documentos que requeri, pelos outros ainda não obtive o mais leve esclarecimento.

Se, pois, já foram enviados á mesa pelos outros ministerios alguns documentos, peço a v. exa. que só sirva mandar-mos entregar. Preciso d'elles para apreciar projectos que brevemente serão aqui discutidos.

Mando para a mesa mais dois requerimentos, um pedindo copia da proposta do sr. Burnay com relação ao caminho de ferro- ida Figueira, e outro para que me sejam fornecidos alguns esclarecimentos pelo ministerio da guerra.

Leram-se na mesa, e approvou se que fossem expedidos.

Requerimentos

Requeiro pelo ministerio da guerra:

1.° Copia de toda a correspondencia trocada entre a direcção geral de engenheria e o ministerio da guerra, sobro a proposta do promoção feita em principios do novembro do anno proximo passado;

2.° Copia dos officios expedidos pela direcção geral de engenheria para o ministerio da guerra com respeito aos alferes que terminaram no ultimo anno lectivo o curso de engenheria militar, e que estão a completar o seu tirocinio na mesma direcção geral;

3.° Nota dos tenentes da arma de engenheria e dos alferes com o curso da mesma arma, que estão em tirocinio na direcção geral de engenheria;

4.° Relação dos officiaes superiores das quatro armas e do corpo de estado maior, com designação da data da sua ultima promoção, da sua situação e serviço em que estão empregados, devendo-se indicar com respeito áquelles que figurarem em commissões as datas das ordens do exercito em que tal se determinou;

5.° Relação dos aluirmos que foram matriculados na escola do exercito no corrente anno lectivo sem terçai todos os preparatorios exigidos pela lei, indicando-se quaes os que lhes faltavam;

6.° Nota das habilitações que tinham as praças de pret que foram promovidas a alferes aluirmos nas ordena do exercito n.° l, do 10 de janeiro; n.° 2, de 21 do mesmo mez; e n.° 4, de 23 de fevereiro, todas do corrente anno. = Vaz Preto.

Requeiro que, pelo ministerio das obras "publicas, seja enviada a esta camara uma copia da proposta do sr. Burnay para a construcção do caminho de ferro ca Figueira. = Vaz Preto.

O sr. Camara Leme: - Peço o v. exa. o favor de me informar se os esclarecimentos que eu pedi pelo ministerio da justiça já foram enviados a esta camara. São documentos muito simples os que requeri, e a sua remessa não póde offerecer demora.

No caso de não terem vindo os referidos documentos, rogo a v. exa. tenha a bondade de instar pela sua remessa.

O sr. Presidente: - Os documentos que vieram, a requerimento do digno par, já foram entregues a s. exa.

O sr. camara Leme: - Posteriormente á remessa dos documentos a que v. exa. se refere, fiz segundo requerimento.

O sr. Presidente: - Não vieram outros documentos, alem d'aquelles que foram entregues ao digno par.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na especialidade do projecto de lei n.° 5, sobre que recáe o parecer n.º 23

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1,° e continua com a palavra .º sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - A carta constitucional diz no artigo 20.°:

«Os membros de cada uma das camaras são inviolaveis

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pelas opiniões que proferirem no exercicio das suas funcções.»

Note a camara. A constituição do estado diz- inviolavel; mas não diz - irresponsavel. Somos inviolaveis pelas opiniões que proferimos, mas não somos por ellas irresponsaveis; temos a responsabilidade das idéas que sustentamos e dos principies que professâmos e defendemos n'esta tribuna; e eu, pela minha parte, não decimo essa responsabilidade; mas, por isso mesmo que a não declino, é que desejo liquidal-a, para que não seja maior, nem menor do que a de direito me deve caber.

Sr. presidente, a palavra que accusa a inspiração de momento, que se deixa impressionar por todas as circumstancias de occasião, é muitas vezes incorrecta na fórma, e não menos tambem exagerada na idéa que affirma, ou no sentimento que traduz.

D'essa incorrecção e d'essa exageração é, porém, responsavel o orador.

O regimento... aqui o tenho, sr. presidente, já o não largo da mão, será o meu vade mecum e o pára-raios que me ha de defender, quando formos assaltados por estas tempestades sonoras, que rebentaram na ultima hora da sessão passada, e que a minha consciencia me diz não haver provocado.

O regimento, dizia eu, prohibe os discursos lidos, mas não prohibe os discursos pensados e reflectidos. Quem trouxer do remanso do seu gabinete coordenadas as suas idéas, e, tanto quanto possivel, pensada a fórma por que as ha de definir, está no sou direito, faz muito bem, e é de certo menor a responsabilidade que tem a temer, por isso que a palavra lhe traduzirá sempre fielmente o pensamento, o que aliás póde deixar de acontecer facilmente a quem pede á inspiração do momento a significação das suas idéas.

Ora, sr. presidente, com franqueza o declaro: eu digo sempre o que penso, mas nem sempre penso o que digo; quero dizer, não estou reflectidamente calculando a fórma por que hei de expressar o meu pensamento. A opinião sáe tal qual a minha convicção a define, embora a fórma devida á inspiração de momento a traduza muitas vezes menos correcta e menos fielmente.

Tudo isto vem a pêllo para dizer a v. exa. o seguinte: Eu tinha tomado a palavra, na discussão da especialidade do projecto que se discute, tendo na discussão na generalidade dado sobejas provas de que não queria tomar longo tempo á camara, apesar do regimento me dar o direito de fallar duas vezes, eu só tinha usado uma vez da palavra; e quando justifiquei a minha moção de ordem, sem que o meu espirito tenha a qualidade de ser conciso, consegui, por obediencia de certo ao preceito que v. exa. me impoz, sel-o essa vez, e occupei de facto por muito pouco tempo a attenção da camara.

N'estas condições surprehendeu-me bastante que v. exa., inspirado de certo dos seus deveres, dos deveres que lhe impõe a rigorosa observancia do regimento, me chamasse á ordem.

Desejo, portanto, que v. exa. me diga se procedeu assim para commigo por eu ser prolixo e difuso, ou por deixar de guardar o respeito devido ao decoro da camara a que tenho a honra de pertencer.

O sr. Presidente: - Vou responder á pergunta que v. exa. acaba de formular, com a verdade e com a moderação que tenho tido sempre no desempenho dos meus deveres.

A minha consciencia não me accusa, durante os oito annos que tenho occupado esta cadeira, de ter faltado á consideração que devo á camara, e ao respeito e estima que me inspiram os meus collegas. (Apoiados,)

Ha uma inexactidão no que disse o digno par, que de certo é filha da confusão que havia na sala. Este ponto é essencial, e chamo para elle a attenção de s. exa.

Eu não chamei o digno par á ordem, pedi-lhe apenas que attendesse ao que diz o artigo 53.° do regimento, por me parecer que s. exa. estava comprehendido nas disposições d'esse artigo.

Póde ser que interpretasse [...] palavras do digno par, porque sou o primeiro a fazei justiça á sua educação, mas pareceu-me que o digno par tinha dirigido algumas expressões pouco agradaveis aos membros da camara, que tinham votado no sentido opposto áquelle em que s. exa. tinha votado; expressões que me impunham o dever de lembrar-lhe as disposições regimentaes.

Torno a dizer que é possivel, pela confusão que havia na sala, que eu não comprehendesse bem as expressões do digno par; mas a verdade é que eu limitei-mo á leitura d'este artigo, e não chamei o digno par á ordem, como nunca chamei á ordem qualquer outro digno par. O que algumas vezes tem acontecido é ter pedido a algum memoro d'esta camara, que explique qualquer phrase que possa ter parecido menos apropriada aos seus collegas. Chamar qualquer digno par á ordem é uma cousa muito seria; é uma especie do censura, e eu não desejo nunca por fórma alguma censurar nenhum dos membros d'esta casa do parlamento. Se na sessão passada li o artigo 53.° do regimento, foi por me parecer que as expressões do digno par envolviam uma especie de censura aos seus collegas que tinham votado em sentido opposto ao de s. exa., e sobretudo aos dignos prelados que têem assento n'esta camara. Essas phrases não estavam em harmonia com as disposições do artigo 53.° do regimento, e foi isto o que observei ao digno par, sem comtudo, repito, o ter chamado á ordem.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Agradeço a v. exa. as explicações que acabo, de dar-me, as quaes, todavia, não satisfazem o meu pedido. V. exa. referiu-se ao
Artigo 53.º do regimento...

O sr. Presidente: - Devo notar ao digno par, que a minha intenção não foi senão explicar o motivo por que me tinha referido áquelle artigo do regimento.

Sai d'aqui no sabbado, convencido de que aquelle desagradavel incidente tinha terminado, e ainda hoje me persuado que não ha vantagem alguma em que elle se renove, (Apoiados.) sobretudo depois do eu ter declarado terminantemente ao digno par que não o tinha chamado á ordem.

Creio que posso dizer com ioda a verdade, que os factos se passaram como os descrevi. (Apoiados.) Portanto, parece-me que era de interesse para nós todos que entrassemos mansa e pacificamente na discussão do artigo 1.° do projecto, (Apoiados.) e que não renovassemos uma questão, que, por maiores que sejam os desejos e esforços do digno par para que ella se trate com placidez, e os meus para lhe corresponder, póde dar logar a alguma expressão que seja mal interpretada.

Peço, pois, ao digno par, como mais velho que s. exa. e como presidente da camara, que ponha termo a esta questão, (Apoiados.) não fazendo allusões aos factos que se deram na ultima sessão, e que continuemos no desempenho das nossas funcções.

Se queremos, e queremos de certo, que esta camara seja respeitada, procedamos da fórma que acabo de indicar, até porque nós não ganhamos nada, pelo contrario perdemos muito em contribuir para a pouca consideração que ella possa ter. Devemos honrar a camara dos pares, porque honrando-a, honramo-nos a nós e ao paiz; honrando-a, honrâmos um dos ramos do poder legislativo, que tem dado inconcussas provas de cordura, que tem estado sempre á frente dos melhoramentos materiaes e moraes do paiz, e que tem demonstrado exuberantemente o seu espirito liberal. É, portanto, do interesse de nós todos concorrer para que esta reputação, que a camara dos pares tem adquirido, continue.

Concluindo, peço á camara que desculpe o desalinho das observações que acabo de fazer, pedindo-lhe ao mesmo tempo que me faça a justiça de acreditar que ellas são fi-

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lhas do sentimento que me anima a bem d'esta camara, e a bem do paiz, de que ella é um dos representantes.

Espero que o digno par terá em consideração estas reflexões que acabo de fazer, e se limitará a discutir o artigo 1.° do projecto, sem fazer referencias ao incidente da ultima sessão.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, sinto não poder acceder aos desejos de v. exa., mas usando da palavra, sob a inspiração dos mesmos sentimentos, que inspiraram a v. exa. os conselhos paternaes, e o aviso prudente com que acaba de me honrar, direi, em primeiro logar, que não quero levantar nenhuma questão de ordem.

Repugna isso ao meu espirito, e desdiz dos habitos e tradições da minha vida parlamentar, que já não é curta, infelizmente.

A camara comprehenderá que eu não posso deixar de insistir em me justificar de não haver concorrido para que se d'esse na ultima hora da sessão passada o triste incidente que todos lamentamos se tenha dado, e cuja rasão convem conhecer, para que elle se não dê outra vez.

V. exa., sr. presidente, leu-me o artigo 53.°, que diz o seguinte:

«O presidente deverá interromper o orador, se este se desviar da questão, infringindo o regimento, ou por qualquer modo offender as considerações de civilidade e de respeito devidas á camara.»

Já v. exa. vê que eu conheço, e sei agora todos os artigos do regimento, e aquelle que eu acabo de citar, tinha-o de memoria, quando na passada sessão me submetti á advertencia que v. exa. me dirigiu. Interrompi então o meu discurso, entendi que v. exa. me chamara á ordem, submetti-me, mas reclamei da decisão de v. exa. para a camara. É o direito que me confere o artigo 54.° do regimento, que diz:

«Todo o par chamado á ordem pelo presidente, deve immediatamente submetter-se, mas tem direito de reclamar para a camara d'esta decisão do presidente.»

V. exa. assegura-me agora, que me não chamou á ordem; muito bem. Na opinião de v. exa., advertiu-me apenas que eu ia insensivelmente saindo d'ella, porque não era rigorosamente parlamentar a minha referencia ao episcopado portuguez.

Devo notar, porem, a v. exa., que eu fui interrompido pela presidencia, quando já havia entrado na discussão da especialidade.

E a respeito da referencia ao episcopado permitta-se-me ainda uma explicação.

Eu pedi a palavra depois da votação. Estavamos todos ainda com aquelle recolhimento de espirito, com aquella serenidade de animo, com aquella gravidade magestatica das occasiões solemnes. Disse eu que a votação não dera ao governo apoio moral de uma grande maioria, e referindo-me ao que dissera antes o digno par, o sr. Barros e Sá, affirmando que esta camara era, uma restauração, na ordem de idéas que o digno par sustentou, dos tres estados, affirmei que, a ser assim, o clero tinha votado contra nós. Não disse mais do que o que todos sabiamos, porque a votação foi nominal.

Disse tambem, e isso sustento ainda agora, que era triste ver no ultimo momento do debate entrarem n'esta sala absolutamente estranhos á discussão alguns pares, que não sabiam definir o seu voto, e um até que deixou de votar, como v. exa. sabe o viu.

Sr. presidente, não me lembro de ter feito referencia a pessoa alguma n'esta casa do parlamento, e não mo lembro tão pouco, apesar de ser parlamentar velho, de haver nunca feito referencia alguma a qualquer jornal; mas aproveito esta occasião para dizer que um jornal de hoje affirma, que v. exa. me chamara á ordem quando eu me estava referindo a sua eminencia o sr. cardeal patriarcha.

Repito, não o fiz. Pedia porém ter dito, sem offensa a sua eminencia, e respeitando a verdade dos factos, que sua eminencia não votou. Toda a camara viu isso, e v. exa. sabe-o igualmente, e nem o seu nome foi lido entre os dos dignos pares que, votaram.

Ora, sr. presidente, nem nas palavras a que me refiro, nem n'aquellas que eu estava pronunciando quando v. exa. me fez a leitura do artigo do regimento, me parece que eu estivesse fóra da ordem. E sinto devéras que a advertencia que v. exa. me fez, e cuja rasão conheço agora, me não fosse dirigida quando eu pronunciava as phrases, que a v. exa. pareceram menos parlamentares, e cujo sentido eu explicaria immediatamente.

Estranhei realmente a advertencia por parte da mesa, e tanto mais quanto a suppuz devida a v. exa. ter julgado que eu divagava em considerações estranhas ao assumpto em discussão, e poucos momentos depois de haver permittido ao digno par, o sr. marquez de Vallada, que vem sempre acompanhado de uma volumosa bagagem litteraria a referencia a factos historicos e a citações de auctores gregos e latinos que não vinham muito para a discussão.

O sr. Marquez de Vallada: - Peço a palavra.

O Orador: - Eu creio que o digno par não julga ferida a sua susceptibilidade por eu fazer referenciai ás provas que aqui nos dá repetidas vezes da sua erudição. Creia que com isto não quero fazer injuria ao digno par, mas celebrar devidamente a illustração do seu espirito.

Nada mais direi, sr. presidente, sobre este incidente. Fico de sobre-aviso, e desde já declaro que quando v. exa. ao menor aceno me inculcar que estou fóra da ordem, em vez de interpor recurso para a camara, sento-me. E não é porque receie tempestades que não provoco, e que de certo me não assoberbam o espirito, é apenas porque me é desagradavel este genero de discussões.

Sr. presidente, vou entrar na materia se v. exa. mo permitte, e começarei por apresentar e justificar em breves termos um additamento ao artigo 1. Este artigo diz: «É auctorisado o governo a cobrar por arrematação o imposto do real de agua», O meu additamento é o seguinte:

(Leu.)

V. exa. sabe que no considerando do parecer que eu já indiquei á camara, apparece definida a seguinte idéa:

(Leu.)

A minha moção de additamento restringe o arbitrio da auctorisação, mas não limita o pensamento d'ella. Julgo justificado este additamento, porque os relatorios das commissões não alteram em nada a força das prescripções das leis. Estas promulgam-se taes quaes aqui as votámos; e as suas disposições são executadas sem que se procure saber o que as commissões definiram e consideraram nos respectivos relatorios. Acceitando, pois, o testemunho da commissão, e a declaração que perante ella o governo fez, nenhuma duvida posso ter em que elle acceite a minha proposta de additamento, que é textualmente copiada do texto do parecer, e que não tem outro fim senão definir na lei o que está expresso no parecer do projecto em discussão de accordo com o pensamento do governo.

Eu oppuz-me com toda a força e energia do meu espirito a que fosse approvada a generalidade d'este projecto, mas uma vez que o foi, tenho obrigação impreterivel de acceitar o facto, e de concorrer, tanto quanto possa, para que a lei sáia d'esta casa o mais perfeita possivel. É isso o que procuro fazer com o meu additamento, o qual, alem de tornar explicita na lei a declaração formal que o governo fez no seio da commissão, salvaguarda a responsabilidade d'elle. O governo não arrematará o real de agua senão nas localidades onde reconhecer que este imposto administrado pelo estado dá um rendimento proporcionalmente inferior ao que dá o mesmo imposto cobrado pelas camaras municipaes. Por isso eu digo que este additamento restringe o arbitrio da auctorisação, mas não limita o pensamento d'ella.

Desejava, pois, que o sr. ministro da fazenda me dis-

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sesso, ou o relator da commissão por parte do governo, se acceitava ou não este additamento.

Torno a proposta sinceramente que o meu unico intuito é fazer com que fique mais perfeita a redacção da lei, é salvaguardar os interesses do paiz, e pôr o governo a coberto de toda a suspeita com relação ao intuito que elle teve pedindo esta auctorisação para cobrar de arrendamento o imposto do real de agua.

Limito aqui as minhas observações, e mando para a o additamento que proponho.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Additamento ao artigo 1.°:

É auctorisado o governo a cobrar por arrematação o imposto do real do agua nos concelhos onde o rendimento d'esse imposto for proporcionalmente inferior ao realisado pela cobrança municipal sobre o imposto correspondente.

Sala da camara dos dignos pares, 8 do março de 1880.= Visconde de Chancelleiros.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão a proposta do sr. visconde de Chancelleiros, para ficar em discussão conjunctamente com o artigo 1.°, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

C sr. Carlos Bento: - Pedi a palavra, por pó o assumpto é importante; mas, a dizer a verdade, os que impugnam e os que defendem o projecto estão mais de accordo do que parece.

O digno par que me precedeu, o sr. visconde do Chancelleiros, por quem tenho a consideração devida ao merito e elevados talentos que o distinguem, mandou para a mesa uma emenda que não é senão uma precaução para se tornar effectiva a doutrina contida no relatorio da commissão de fazenda d'esta camara a respeito do projecto que se discute.

A primeira vista parece que não podo servir para a execução de uma lei o relatorio de uma commissão, e que para essa execução bastam exclusivamente as disposições contidas na propria lei. Isto era exacto quanto á logica, mas em contraposição temos a historia.

Nós não podemos esquecer-nos do que acontecer, ha dois annos n'esta mesma camara em relação ao mesmo assumpto.

Essa precaução seria indispensavel se não houvesse a experiencia de que as recommendações feitas nos relatorios das commissões não são indifferentes para a execução de uma lei.

Posto isto, devo declarar que, sendo tão importante a questão de fazenda, ha uma cousa em que estou inteiramente de accordo com o governo: e sobre a importancia da questão de fazenda, e sobre a inconveniencia de se ter adiado durante tantos annos a sua resolução.

É possivel que eu tenha tambem culpa d'esta demora, mas essa culpa não torna menos urgente a necessidade de procurar obter a solução d'essa questão.

Estou de accordo com as opiniões consignadas no relatorio apresentado ás côrtes, em 1872, polo ministro da fazenda d'aquella epocha.

N'esse relatorio dizia-se, que o nosso precario estado financeiro não era só devido aos encargos que tinham resultado dos melhoramentos materiaes, mas tambem á hesitação dos homens publicos em procurarem os meios do evitar a prolonga cão do uma situação tão inconveniente.

Póde ser, repito, que eu seja tambem um dos culpados d'essa hesitação, mas no momento actual ella é menos justificada, porque os encargos provenientes da divida não tem diminuido nos ultimos annos, antes, pelo contrario, tem augmentado.

E quando se diz que o governo não faz bem em chamar a attenção do paiz, com um modo austero, sobre a nossa situação financeira, parece-me que ha engano, porque o effeito produzido pelas declarações em vez de ser o de terror, e de mostrar quanto é [...] acudir desde já ao estado da fazenda, tem [...] que nenhuma das medidas augmentadas [...] mesmo cem modificação!...

Sr. presidente, sem querer tomar demasiado tempo á camara, sempre direi que por mais explicações que se têem dado para rectificar os calculos apresentados pelo sr. ministro da fazenda ácerca da progressão da nossa divida, não se conseguiu demonstrar que não fosse grave a proporção dos encargos da divida em relação á importancia da receita.

Eu bem sei que alguns cavalheiros entendem que o artigo l,° não é a generalidade, mas eu entendo que n'este artigo ha muita generalidade. Permittam-me por conseguinte algumas reflexões sobre finanças.

Creio que todos estão de accordo em que os encargos da nossa divida são superiores a metade da nossa receita. Um illustre cavalheiro que tomou parte n'este debate, disse, com relação á importancia da nossa divida, que a amortisação não devia ser mettida em linha de conta, porque ía avolumar os encargos da mesma divida com uma cifra que se não dispende. Acceito esta emenda, que, todavia, infelizmente só tem limitado alcance; mas acceitando-a, ainda assim perguntarei: em que nação, a não ser nas menos bem administradas, se dá uma proporção igual á que se dá entre nós na relação da receita com os encargos da divida publica? Nós que todos os dias estamos a procurar lá fóra exemplos, e a citar o que se faz nas nações estrangeiras, n'esta parte não nos occupâmos em as imitar. Ao contrario do que n'ellas succede, nós temos constantemente tratado de augmentar esses encargos, tornando-os cada vez menos proporcionados aos nossos recursos ordinarios. Em Inglaterra os juros da sua divida representam a terça parte da receita publica; em França, depois dos encargos enormes determinados por circumstancias extraordinarias que occorreram n'aquella nação, que depois conseguiu ganhar nas suas condições economicas o que havia momentaneamente perdido nos campos da batalha, a relação dos encargos da divida publica para com a receita é representada pela quarta parte d'ella; e assim em outras nações, com pequenas differenças. E não se pense que me retiro só áquellas que se chamam de primeira ordem, se bem que nós estamos no costume de nos querer comparar sempre com os grandes estados. Vejo, por exemplo, com respeito á Hollanda, que os encargos da sua divida são a quanto parte da sua receita. N'este ponto fica ella muito [...] de nós, não tem sabido, como Portugal, seguir no augmento da divida uma progressão que ameaça absorver em juros a totalidade dos rendimentos do nosso thesouro. Nós deviamos 20.000:000 libras esterlinas em 1852, e a Hollanda devia mais de 100.000:000. Pois esta nação apesar de tudo apenas tem o encargo, que já disse, de um quarto da sua receita em relação á divida publica, que é hoje muito menor que a nossa, facto que me parece muito digno de se considerar e tanto mais quanto aquelle estado não deixou de fazer despezas em obras publicas. Ainda ha mais. A Hollanda n'estes ultimos trinta annos passou sem fazer emprestimos, pelo que realmente não me parece que deva merecer a consideração de muitos financeiros, aliás distinctos mais partidistas do deve, do que do ha de haver; mas a verdade é que não os fez, durante aquelle periodo que se não póde chamar curto, e de 1860 a 1872 gastou réis 30.000:000$000 réis em obras publicas, tendo a singularidade de os realisar em epocha tão recente, e de ficar com uma divida inferior á nossa!

A Belgica tambem devo menos que nós, o encargo da sua divida é um quarto da sua receita. A Baviera despende no mesmo encargo um quinto do seu rendimento. Nós não queremos citar nunca a Allemanha, mas eu creio que ella não foi riscada do mappa da Europa. Não sei se por um lado ha muita affeição para com ella, e por outro

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lado não se apreciam com justiça os factos economicos que lhe dizem respeito.

A Dinamarca despede menos de um sexto da sua receita com a divida publica. Nada mais natural que nós devemos mais que a Dinamarca, nós que temos a pretensão da necessidade de muitas despezas de ostentação, se bem que aquelle paiz tenha exercito e marinha não inferiores aos nossos.

Em 1866, depois de uma guerra era que perdeu duas provincias com 600:000 habitantes, devia a Dinamarca 15.000:000 libras esterlinas. Pouco tempo depois tinha a habilidade de só dever 10.000:000 libras.

A Suecia, paiz menor de que o nosso em superficie, e igual em população, deve em encargos de divida menos de um setimo da receita.

A Prussia, com 24.000:000 habitantes, deve um decimo do encargos da divida em relação á receita. E não se póde dizer que a indemnização financeira da Franca concorreu para esse estado financeiro, porque essa indemnisação no total, ou na quasi totalidade, concorreu para novas militares que teve de fazer o imperio allemão.

Sabe-se, alem d'isso, que a receita da Prussia, superior em mais de dez vezes aos encargos da sua divida, é devida, em 50 por cento da sua importancia, ao rendimento annual de bens nacionaes. E todas as nações citadas têem occorrido aos gastos de importantes obras publicas.

Parece-me, pois, sr. presidente, que se poderá divergir um pouco do sr. ministro da fazenda, mas não se póde negar que as palavras com que s. exa. trata de apontar as causas dos nossos apuros financeiros, são do uma grande logica.

Será tambem verdade, sr. presidente, que o augmento da nossa receita provenha exactamente das causas que agora nos apontam? Não será tambem verdade que alguns generos de consumo pagam actualmente do direitos mais de 30 por cento, como, por exemplo, o café, o arroz e o bacalhau? Não representará um imposto tão elevado uma importante verba de receita para qualquer paiz? Não será entre nós o imposto de transmissão da propriedade, por titulo oneroso, um dos mais elevados que existam?

Ora, tudo isto mostra tambem que os nossos impostos não têem ainda uma elasticidade, que não tenha já sido muito explorada.

Portanto, sr. presidente, não me parece que se possa divergir muito dos calculos do nobre ministro.

Eu sinto-me cansado, e vou concluir.

Recordarei, pois, que já em 1860 se dizia que os encargos do thesouro eram muito superiores ao que comportavam os recursos do estado. Alem d'isso, com a verdade póde-se aggredir seja quem for, e nenhum partido póde deixar de acceitar as responsabilidades que lhe cabem. Nos factos allegados não ha de certo, o intuito de desfigurar a verdade. O que, de certo, todos nós queremos é cooperar para uma solução favoravel da questão de fazenda, e o desejo do encontrar os meios de a obter leva-nos naturalmente a investigar as causas do nosso deficit.

Quem é o homem que tem concorrido para o nosso déficit? Têem sido muitos. Mas isso não resolve a questão, nem concorre para ella ser resolvida. Dizer-se que as theorias de impostos não estão resolvidas, que cada um rende de certa fórma, que é necessario conhecer a existencia do imposto, tudo isso é verdade, mas nós não estamos n'uma sociedade de economistas, não se procura achar a melhor das theorias.

Aqui trata-se de resolver as questões de uma outra fórma, pelos meios proprios para as resolver.

Sr. presidente, esta situação não póde continuar. Nós devemos reconhecer que ou os recursos que o governo apresenta ou outros mais proprios devem ser adoptados para que esta questão seja resolvida.

Eu ouvi dizer n'esta camara, que este projecto ia causar terror nos paizes estrangeiros. Nós temos um deficit grande, chronico, permanente, mas isto sabe-se não só aqui, como tambem no estrangeiro.

Houve um homem que escrevendo um livro sobre as dividas nacionaes, mr. Baxter, ácerca de Portugal disse que este paiz por causa da permanencia dos deficits tinha augmentado constantemente a sua divida, sem nenhuma desculpa de uma guerra. Ora, eu muito sinto, que não tenha os outra desculpa, porque a da guerra não attemos tido, vantagem esta que em finanças nos impunha certas obrigações.

Em todo o caso, sr. presidente, voto este projecto, convencido que o sr. ministro da fazenda ha de seguir as indicações que foram apresentadas no relatorio da commissão, e com as quaes s. exa. no seio d'ella, declarou concordar.

Creio que o nobre ministro se decidiu pelos dados apresentados pelo sr. Mello Gouveia, e que são a unica cousa que póde justificar o principio d'esta lei, que supponho dará grandes recursos ao governo.

Se não se poder levar a effeito em condições vantajosas a arrematação de que se trata, a qual ha de ter contra si muitas cousas, e eu não combato a opinião dos dignos pares que consideram mau, em these, aquelle systema, parece-me que não se poderá attenuar os inconvenientes d'essa arrematação sem se mostrar que os recursos que d'ella devem provir, se podem conseguir de outra fórma.

Estou certo que o sr. ministro da fazenda ha de executar esta lei de accordo com as indicações a que já me referi, e que ha de fazer com que as condições d'essa arrematação dêem o resultado importante que se deseja, sem o que o recurso a similhante arbitrio não póde ser aconselhado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se a proposta do sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Mello Gouveia: - Cumpre-me declarar á camara, que- a commissão, de accordo com o governo, acceita a moção do sr. visconde de Chancelleiros, sem prejuizo da approvação do projecto.

O sr. Presidente: - O sr. visconde de Chancelleiros mandou para mesa uma proposta, que diz o seguinte. (Leu.}

Vou, portanto, pôr á vota cão. o artigo 1.° do projecto, e depois o additamento apresentado pelo digno par.

Posto á votação o artigo l.°, foi approvado.

O sr. Presidente: - Agora vae votar-se o additamento do sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Mello Gouveia: - Peço perdão a v. exa. para tornar a dizer que a commissão declara que, de accordo com o governo, acceita o additamento para examinar detidamente, sem prejuizo do projecto.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Por minha parte, sem querer por fórma alguma intervir na maneira por que a camara entenda dever regular os seus trabalhos, opinarei que o que me parece melhor e serem as emendas e additamentos remettidos á commissão de fazenda, para ella dar sobre elles o seu parecer. (Apoiados.}

O sr. Presidente: - O digno par, relator da commissão, creio que está auctorisado a declarar que a commissão se não oppõe a que o additamento mandado para a mesa, com relação ao artigo 1.° do projecto, vá á commissão. (Apoiados.)

S. exa. está de accordo com isto?

O sr. Mello Gouveia (relator): - Apoiado.

Consultada a camara, resolveu que o additamento proposto ao artigo, 1.° fosse enviado á commissão para dar parecer sobre o elle.

Approvado sem discussão o artigo 2.°

Leu-se o artigo 3.°

O sr. Presidente: - A este artigo propoz o digno par, o sr. bispo de Bragança, dois additamentos, que passo a ler.

(Leu.}

Consultada a camara sobre a sua admissão á discussão, resolveu affirmativamente.

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210 DIABIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Não havendo ninguem pedido a palavra, e tendo o artigo 3.° sido approvado sem discussão, disse

O sr. Presidente: - Segundo as declarações do sr. ministro da fazenda e do sr. relator da commissão, que a camara apoiou, parece-me que s. ex. concordarão em que estes additamentos sejam mandados á commissão, para ella dar sobre elles o seu parecer.

A camara assim resolveu.

Leu-se o artigo 4.°

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Proponho que seja modificada a redacção d'este artigo, em harmonia com a minha proposta de additamento ao artigo 1.° É claro que se ficar definida a opportunidade do artigo 1.°, caduca esta redacção do artigo 4.°

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, propõe que, em conformidade com o que a camara resolveu ácerca do seu additamento ao artigo 1.°, remettendo-o á commissão para sobre elle dar parecer, o artigo 4.° volte tambem á commissão para que a sua redacção se harmonise com a resolução que se tome a respeito d'aquelle additamento.

O sr. Mello Gouveia: - A commissão parece que se ella tiver de acceitar o additamento proposto pelo digno par ao artigo 1.°, o qual ella tem de estudar, terá igualmente que propor a alteração do texto do projecto.

O sr. Presidente: - Parece-me effectivamente melhor que o artigo 4.° volte á commissão, para ella lhe dar uma redacção em harmonia com o parecer que adoptar com referencia ao additamento proposto ao artigo 1.°

É um meio que dará o mesmo resultado que pretende o sr. relator da commissão. (Apoiados.)

A camara resolveu que o artigo 4° voltasse á commissão.

Leu-se o artigo 5.°

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, póde ser, mas eu não tenho idéa, que em qualquer pedido ide auctorisação por parte do governo se encontre uma disposição igual á do artigo 4.°:

«A auctorisação concedida por esta lei só caduca por força de outra que a revogue.»

Parece-me que uma auctorisação assim pedida é contraria ás praxes estabelecidas.

Ora, eu ainda me recordo do que nos ensinou na universidade o meu honrado mestre, que agora tenho o prazer de aqui ver ao meu lado.

Dizia s. exa., citando o pensamento de Bentham: «as palavras da lei devem ser pesadas como os quilates do diamante».

É claro que a auctorisação concedida ao governo por esta lei só caduca pelo uso d'essa auctorisação ou por outra lei que a revogue.

O sr. Mello Gouveia: - Sr. presidente, se eu podesse guiar-me só pela minha opinião no que respeita á observação que o digno par acaba de fazer ao artigo 5.° do projecto, concordaria desde já com s. exa. em que este artigo é um verdadeiro pleonasmo, uma redundancia legislativa, porque, ao meu parecer, as leis não caducam senão por effeito de outras que as revogam, ou pelo desapparecimento dos factos de natureza transitoria a que ellas se applicavam.

A idéa, que talvez d'esse origem a este artigo, de que o regulamento de uma lei, que por circumstancias especiaes lhe obliterou certas disposições, é eterno e immutavel, ficou feito de uma vez, e, por assim dizer, substituido á lei, é inadmissivel em administração publica.

A lei que estabelece direitos e obrigações póde durar longo tempo, e tanto quanto decorrer até que seja revogada, mas o processo da sua execução é da sua natureza variavel com o organismo official que a executa, e com muitos accidentes sociaes que seria demasiadamente prolixo enumerar.

Se isto não fosse já de si uma idéa intuitiva, bastaria a faculdade constitucional que tem o poder executivo do regulamentar as leis, para se lhe não poder contestar a permanencia d'essa faculdade.

Este reparo não escapou á commissão quando examinou o projecto que se discute, mas vendo que o artigo, só era redundante e inutil, podendo ser supprimido, não prejudicava por isso nenhum interesse publico nem privado, e não dava, portanto, rasão sufficiente para fazer retroceder o projecto á camara dos senhores deputados com qualquer alteração, deixou-o passar como cousa inoffensiva. Agora, porém, que outras alterações são propostas ao texto da lei e vão á commissão, para as considerar, não póde ella oppor-se a que este artigo seja tambem recommendado á sua revisão, para d'elle fazer o que for conveniente, conforme o que for vencido sobre as outras alterações.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Eu não venho sustentar a redacção do artigo, nem destruir o que acaba de dizer o illustre relator da commissão, venho apenas dizer em poucas palavras e que já tive occasião de dizer outra vez n'esta mesma camara. Em materia de imposto, e quando se trata de alterar o modo da cobrança do real do agua, existindo uri regulamento que ainda não está ensaiado, é mister que as leis sejam claras, e devemos attender a que é possivel que n'este anno se não possa levar a effeito esta auctorisação, e se não faça , portanto, uso d'ella; mas o que eu desejo é que fique bem claro que, embora se não use n'este anno, se possa usar para o seguinte ou seguintes; porque ha jurisconsultos que entendem esta auctorisação por diversas fórma, por exemplo, ha auctoridades de grande valor e saber, como é o sr. Mártens Ferrão, que entendem que esta auctorisação não caduca, mas outras ha que sustentam que sim. Isto é uma questão muito secundaria que a commissão avaliará, mas eu o que pretendi foi explicar os motives por que o governo entendeu dever pôr este artigo n'esta lei.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, eu deseje saber bem o que se vão votar; se é e artigo tal e qual está, voto contra. O sr. relator da commissão já declarou que concorda em que elle volte á commissão; parece-me, portanto, não haver n'isso inconveniente. O sr. ministro da fazenda póde expender as suas rasões na commissão.

O sr. Mello Gouveia: - A opinião da commissão, sr. presidente, é que o artigo deve ser votado para voltar á commissão, e então o sr. ministro expondo no seio da mesma commissão as suas rasões, ellas serão devidamente apreciadas, e a commissão dará o seu parecer. (Apoiados.)

O sr. Presidenta: - Vou, pois, propor á camara a votação sobre o artigo 5.° para voltar á commissão.

Consultada a camara assim se resolveu.

Leram-se na mesa o artigo 6.° e seus paragraphos, que foram em seguida approvados sem discussão.

O mesmo succedeu com o artigo 7.°

O sr. Bispo de Bragança: - Sr. presidente, durante a discussão na generalidade do projecto que acaba de ser votado, tive a honra de apresentar n'esta camara uma proposta com relação ao artigo 3.° do mesmo projecto, a qual a camara decidiu mandar á commissão que havia dado parecer sobre o projecto, a fim de ella a considerar.

Subordinei a apresentação da minha proposta determinadamente ao artigo 3.°, por ser aquelle em que no projecto fica terminada a materia propriamente dita - arrerematação e sublocação-.

Esta minha proposta foi talvez extemporaneamente apresentada por mim antes da votação na generalidade, sendo sem duvida que o seu cabimento mais regular era na discussão do respectivo artigo 3.°

D'essa irregularidade pedi logo desculpa á camara e a v. exa. A rasão que sobre mim imperou para assim praticar foi a de ter a minha proposta um caracter não limitado só ao artigo 3.°, mas sim antes influir em todo o assumpto da lei, porque ella estabelece incompatibilidades

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que affectam o assumpto do projecto era geral; e eu entendi que antes de votar a generalidade, devia, apresentando a minha proposta, indicar bem a fórma como eu votava a generalidade; isto é, tal como na minha proposta eu julgava que deveria ser completada.

Ouvi com toda a attenção o largo debate que tem corrido n'esta camara durante toda a discussão do projecto, e reflectindo sobre a doutrina mui douta e largamente expendida pelas elevadas e competentissimas intelligencias que magistralmente sobre o assumpto discutiram, impugnando umas, e sustentando outras o projecto; e meditando eu igualmente o pensamento da illustre commissão bastantemente revelado na doutrina do respectivo parecer, que antecede o projecto, considero n'elle com toda a clareza dois aspectos distinctos; o primeiro, puramente economico, tem relação com os seus resultados financeiros; o segundo diz respeito ás conveniencias de moralidade publica.

Sobre aquelle aspecto financeiro não sou competente para emittir parecer, nunca appliquei o tempo ou as attenções a este ramo de estudos; observei, porem, durante a discussão da generalidade do projecto, que opiniões todas muito competentes divergiam entre si: e ainda mais me quiz bem. parecer, que não havia sobre quaesquer dellas um testemunho seguro de completa e absoluta certeza da parte dos cavalheiros que as emittiam; e um d'elles, com a nobre lucidez e leal franqueza que tanto o distingue, confessou essa perplexidade, asseverando que não duvidaria prestar seu voto ao projecto, se argumentos bastante fundamentados encontrasse para modificar a sua opinião: e bem natural é esta oscilação de opiniões todas plausiveis e de boa fé, pois que se trata de um futuro contingente sobre o qual oscilante é sempre a base de certeza. Uma cousa, porém, me parece incontestavel em favor do aspecto financeiro do projecto, é a economia de pessoal para a fiscalisação.

Por esta ordem de apreciação minha entendi eu que devia para commigo prevalecer a opinião do governo; porque, pesando sobre elle a responsabilidade da gerencia publica, e considerando elle para si, e em seu conselho, ser a materia do projecto um dos meios para bem se poder desempenhar, não permittia o meu caracter de cidadão negar ao governo do meu paiz meios de elle gerir a administração dos negocios que sobre sua responsabilidade pesam: nunca eu proferirei com meu voto uma tal negação a governo legalmente constituido.

Tanto importou, pois, a força moral do meu voto sobre a generalidade do projecto: votação minha individual, e que não póde ser lançada em responsabilidade á classe que por meu caracter eu represento.

Mas, sr. presidente, para apreciar o outro aspecto, pelo qual o projecto póde e deve ser considerado, não posso eu julgar-me tão estranho.- E aquelle aspecto o das conveniencias de moralidade publica; e quem ha de nós que não seja competente para as apreciar? Se nós todos tanto prezamos aquella moralidade como a nós mesmos!

Ella é toda nós; e nós todos só somos dignos de nós mesmo quando somos ella.

A illustre, commissão soube de antemão completar muito melhor do que eu este nobre sentimento no seu parecer emittido sobre o projecto.

Ali se lê:

«Considerando que as condições sociaes que fizeram em outro tempo possiveis e odiosas as violencias dos contratadores das rendas publicas desappareceram com a legislação contemporanea, que protege a liberdade e a fazenda dos cidadãos, e tem a opinião por implacavel vingadora de todas as oppressões.»

Mas, sr. presidente, esta salvaguarda da moralidade publica, (pois outra cousa não quer significar o ser invocada a opinião implacavel vingadora de todas as oppressões) póde succeder frequentes vezes que no conjuncto de condições que se possam agrupar e ter mutua collisão, não esteja completamente ao abrigo de garantia expressa e determinado em lei escripta.

Que ao caracter de arrematador das rendas publicas corresponda um consideravel agrupamento d'aquellas condições, creio bem que não haverá quem o desconheça; se essas condições haverão de soffrer collisão, e mutuamente offender-se por mingua de garantias, que mantenham a integridade das espheras respectivas, não se póde afiançar, porque depende de occasionalidade.

A minha proposta de additamento tem por objecto prevenir as collisões, e reforçar as garantias; consigna ella a incompatibilidade dos empregados publicos e pessoas do estado ecclesiastico, para se proporem como licitantes nas arrematações e sublocações do imposto do real de agua.

Em verdade, sr. presidente, a condição peculiar de empregados publicos não se coaduna com a de arrematador das rendas publicas. A preponderancia do emprego póde influir para a pressão sobre os contribuintes, a ganancia do lucro póde influir sobre o desempenho do cargo.

A classe ecclesiastica não póde nem deve ter facultativa para suas pessoas, a compatibilidade de exactora do fisco, quer por encargo, quer em proveito individual; as leis canonicas lh'o vedam, e seu caracter o repelle, a moralidade soffre, a opinião escandalisa-se; na mesma lei que faz crear a occasião, deve encontrar-se a previsão contra estas collisões.

Comprehende mais a mesma proposta a inelegibilidade dos arrematantes ou sublocatarios para os cargos municipaes, e para deputados ás côrtes. Devo observar que esta inelegibilidade deve subentender-se nos respectivos circulos; é uma lacuna que se encontra na proposta, e que desejo e peço que se entenda preenchida por esta minha declaração.

Esta materia acha-se predisposta já na nossa legislação.

O decreto de 30 de setembro de 1852, no artigo 13.°, n.° 11, diz: «É incompativel o logar de deputado com o logar de arrematante de qualquer contrato de rendimentos do estado». E no n.°. VII do mesmo artigo, acrescenta: «Com os logares de delegados, do thesouro, thesoureiros pagadores e escrivães de fazenda». Acha-se, pois, assim creada a incompatibilidade, mas fica a descoberto a elegibilidade.

É, porém, a elegibilidade o que mais excita as pressões para extorquir os votos dos contribuintes, que dependentes ficam dos arrematantes e sublocatarios do real de agua; o aquelles são, não só os vendedores dos generos tributados, mas não menos todos quantos se fornecerem a fiado de generos dos seus estabelecimentos.

Sei que a incompatibilidade já assim estabelecida parece ser bastante para. baldar as pressões, pois que não podendo os arrematantes largar o contrato, de nenhum effeito seria a eleição.

Deve, porém, advertir-se, que poderá muitas vezes succeder que as eleições tenham logar no ultimo periodo do contrato; e eleito o contratador ou arrematante fica deputado, porque na occasião de lhe ser julgada a incompatibilidade já esta não existirá, porque o eleito já então não é é arrematante. Mas é, comtudo, certo que a eleição prevaleceu com o auxilio das dependencias creadas em resultado da preponderancia do arrematante sobre os contribuintes, e d'estes sobre todos quantos dependerem d'elles.

Esta occasião de condições favoraveis á collisão da preponderancia dos arrematadores com a espontaneidade e liberdade moral dos votantes, é creada pela força do projecto de lei do real de agua, dado por meio de arrematação; e deve por isso ficar prevenida na mesma lei a garantia contra essas collisões. Se assim não, for achar-se-ha offendida n'este ponto uma condição de moralidade publica; ao legislador incumbe, ser para tudo previdente.

A igualdade de condições fica profundamente ferida entre os funccionarios a que se refere o citado n.° 7.° do art. 13.° do decreto de 30 de setembro, e a classe dos novos arrematantes e sublocatarios , aquelles, tendo sido elei-

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tos acham-se incompativeis, e hão de tomar inutil a eleição ou perder os cargos; o arrematante, eleito no ultimo periodo do seu contrato, negoceia a eleição sendo ainda arrematante, e a sen salvo acha-se deputado, quando o contrato tem já findado. Pois, creio bem, que um arrematante está em condições de exercer muito maior pressão do que um thesoureiro pagador.

Pelo que diz respeito á elegibilidade para os cargos municipaes não são menos importantes as condições para exercer pressão, e as discordancias com as disposições e espirito da legislação vigente.

O artigo 269.° n.º 10.º da carta de lei de 6 de maio de 1878, codigo administrativo actual, estatue que «não podem ser eleitas para cargos municipaes as pessoas que tiverem cargos de arrematação de rendimentos... com a corporação de cuja eleição se trate». Fica, pois, a descoberto para o nosso caso o arrematante ou sublocatario do real de agua, porque este imposto não é rendimento particular de uma ou outra corporação; sim, porém, do todo da fazenda nacional.

Os inconvenientes são os mesmos, não só no bem determinado caso de sublocação obtida das camaras respectivas, mas ainda mesmo no de arrematação, pois que, pelo artigo 3.° do projecto, os particulares podem licitarem concorrencia com as camaras. Fica assim ao abrigo da lei, e facultativo a qualquer vogal da camara municipal concorrer com ella na arrematação, ou com ella negociar a sublocação, pois que o imposto, de que se trata não é municipal.

Não ha duvida, porém, que o pensamento da lei vigente soffre manifesta illusão.

Por todas estas rasões e circumstancias, e porque é incontestavel que os arrematantes ou sublocatarios num grupo de concelhos tomam condições muito azadas para poderem exercer1 pressão e desviarem para seu interesse o dictame das consciencias, e o exercicio da liberdade dos contribuintes, que debaixo da sua dependencia se acharem, pareceu-me apresentar a minha proposta de additamento, pela qual serão obviadas algumas das occorrencias que acabo de ponderar.

Não pedi a palavra, para sustentar a minha proposta quando estava em discussão o artigo.3.°, a que ella se refere, porque não quiz embaraçar o andamento regular, da votação do projecto, mas julgava do meu dever fundamentar esta proposta, conforme o regimento prescreve.

De não haver desde logo cumprido este dever peço a v. exa. e á camara a necessaria desculpa; e agora assim fica elle cumprido, antes que a illustre commissão haja de se occupar do exame da minha proposta.

O sr. Presidente: - Conforme a camara resolveu foram já remettidos á commissão de fazenda os additamentos mandados para a mesa pelo digno par.

O si. Mello Gouveia: - A commissão de fazenda ouviu com toda a attenção o discurso do digno par, que tanto respeito merece pelas suas distinctas qualidades, e ha de examinar e apreciar detidamente as propostas de s. exa., a fim de poder sobre ellas tomar uma resolução adequada.

O sr. Presidente: - Está extincta a ordem do dia, e se por parte das commissões não têem de ser agora mandados para a mesa alguns trabalhos, vou levantar a sessão, dando para ordem do dia de sexta feira, 12, a apresentação de pareceres de commissões.

Porém se, n'este intervallo, forem mandados á secretaria alguns d'esses pareceres, estão ciadas as ordens necessarias para serem impressos, com urgencia, e distribuidos por casa dos dignos pares, a fim de poderem discutir-se no mesmo dia que indiquei para a seguinte sessão.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de março de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Alvito, de Angeja, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, dos Arcos, de Avilez, de Cabral, de Castro, do Farrobo, da Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, do Paraty, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Samodães, da Torre, de Valbom; Bispos, eleito do Algarve, de Bragança; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, do Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, de Ovar, do Portocarrero, da Praia, de S. Januario, do Seisal, da Silva Carvalho, de Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Martel, Braamcamp, Andrade, Castro, Costa Cardoso, Mello Gouveia, Reis e Vasconcellos, Mattoso, Mexia Salema, Camara Leme, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Castro Guimarães, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Ferreira de Novaes, Ferrer, Seiça e Almeida, Thomás de Carvalho.

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