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SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1887 369

glorioso na minha terra. Declamar contra a Santa Sé, é de tudo o mais popular e o que menos custa. Mas lembro-me que já fui executor de tratados, e que tambem, negociei alguns. Conheço de perto a mesa da diplomacia. Sei os tormentos que ali se passam, os dissabores que nos assaltam, as contrariedades que nos perseguem, as difficuldades que nos assoberbam. Conheço as exigencias dos nossos compatriotas, que acham mau tudo quanto se faça, depois de estar feito. Conheço as criticas acerbas que se levantam, os epithetos que escolhem para applicar aos que melhor e mais utilmente trabalham a favor da patria, e por isso, sr. presidente, antes de criticar, reflicto, estudo, compulso os documentos, medito e avalio as provas, e quando chego a pronunciar-me, procuro ser modestamente o menos injusto possivel. (Apoiados.)

Portugal foi sempre ingrato com os seus servidores. Não os celebra, senão depois de vel-os prostrados na sepultura, e, a não poucos d'elles, até mesmo a derradeira homenagem tem recusado. É sempre tarde quando faz justiça, e não poucas vezes tem sido injusto para os que melhor o ser virara. (Apoiados.)

É d'estes exemplos perniciosos que eu busco fugir.

O digno par não tem bagagem, dizia-me o sr. Fontes, quando eu o combati n'esta camara. Pois, muito bem, sr. presidente, quero continuar a não ter bagagem, como o sr. Fontes dizia, embora na concepção vulgar da politica portugueza a falta d'ella seja um obstaculo para as grandes emprezas. O meu discurso não agradará a todos. Bem pouco me importa que assim venha a acontecer, se tiver a fortuna de não escandalisar a verdade, nem tão pouco o bom senso. Quando fallo, não olho exclusivamente aos applausos, nem fallo para me tornar cortezão da popularidade.

Tres affirmações farei desde já, no começo d'este discurso. Se estivesse no logar do sr. ministro dos negocios estrangeiros, approvava a concordata. Não prescindiria, em caso algum, da collaboração do parlamento, para ser ratificada. Emquanto houvesse uma christandade reclamando, mesmo depois de terminadas as negociações, não deixaria de apoial-a junto da Santa Sé. (Apoiados.)

E aqui entraria desde já na materia, investigando o que se fez, discutindo o que se póde obter, se os deveres da minha situação especial me não levassem a quebrar o fio logico dos meus pensamentos.

A camara não ignora quem foi o orador que me precedeu, na discussão da concordata. Foi um homem moderno, em toda a extensão da palavra. Uma illustração medica do nosso paiz, um homem de sciencia, dos mais graduados, um especialista distincto e um caracter sympathico, enaltecido de virtudes. Um espirito delicado, fino, amoravel, digno da admiração de nós todos. Esse homem, que hontem era já um vulto na sociedade portugueza, manifestou uma nova aptidão das suas faculdades brilhantissimas. Hoje, alem do que era - é um orador parlamentar de subido merito; - facil, agradavel, correcto, original, nervoso, febril, extremamente febril, pathetico, convicto e aberto a todos os boas sentimentos de uma alma bem formada, quando se toca no ponto especial dos seus estudos e canceiras.

Saudando a sua brilhante apparição, não posso comtudo passar adiante e entrar logo na exposição dos meus raciocinios. Por isso que elle é o que é, temos que lançar a vista pelo vastissimo campo do seu discurso, que eu applaudo sinceramente, mas com cuja doutrina nem sempre concordo. Faltaria, emfim, aos deveres triviaes da simples delicadeza e aos usos vulgares do parlamento se não me referisse a esse discurso, e escondesse os reparos que me suscitou a notavel oração com que fomos deliciados.

Vou tentar a lucta, mas ficarei vencido.

Eu, sr. presidente, encontro-me, n'uma inferioridade bastante sensivel. Não sou theologo, nem estudei theologia como o sr. dr. Senna nos declarou no seu brilhante discurso. Afigura-se-me a theologia um estudo ingrato e complicado, e actualmente, dada a orientação especial da nossa epocha, um estudo de pouco proveito. Mas apesar do digno par ser theologo, não hei de por isso fugir do debate e acceitar as proposições que s. exa. defende. Por outro lado sr. presidente, parece-me que a questão do padroado póde ser discutida sem muita theologia, e que talvez nem mesmo seja necessario o ser theologo para a comprehender.

Quer v. exa. saber o que se me afigura.

O padroado foi-nos concedido in perpetuum pelos Santos Padres da Igreja. O padroado não caducou com o desapparecimento do dominio territorial. O padroado póde ser mais restricto n'uma epocha do que n'outra, quando o padroeiro venha n'isso a concordar, com o Summo Pontifice. Tudo quanto sabia fica aqui condensado.

Gosto das questões expostas claramente e sem grande refolho de phrases. Exponho com simplicidade os meus pensamentos. Ora o digno par parece-me que asseverou exactamente o contrario. Se são verdadeiras as proposições do sr. dr. Senna, escusâmos de continuar a discutir. Nós não temos direito a cousa nenhuma, e o Summo Pontifice não tem era boa logica que se inquietar comnosco. O sr. Mártens Ferrão esteve a perder o seu tempo em Roma, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros, assim como o sr. Bocage, não o aproveitaram melhor.

Mas será isto verdade sr. presidente? De que theologia tiraria o digno par a sua convicção? Para tão pouco não julgo necessario altos estudos. O bullario nos diz ser perpetuo o direito do padroado. Nada mais é preciso do que consultar as bullas, para que cheguemos a esta conclusão. - E eu desde já pedirei desculpa á camara, se uma ou outra vez tiver que fazer alguma citação em latim. Se chegar a esse extremo, sr. presidente, não é por gosto meu que o praticarei. Não tenho, porém, a sufficiente auctoridade na materia sujeita para que me devam acreditar, sem os textos á vista.

O padroado foi-nos concedido, como disse, perpetuamente, e sem a condição de exercermos o dominio territorial. Ainda mais, nem mesmo a falta de dotação parece constituir facto que prejudique o nosso direito.

A perpetuidade do padroado não soffre com isso, ficou e está definida historicamente com a maior clareza possivel nas ditas bulias. A Santa Sé sempre reconheceu o padroado e Paulo IV, já que é preciso citar Papas e textos latinos, no momento em que se erigiu o bispado de Cochim, na bulla de 4 de fevereiro de 1557, o declarava por sua bôca, inspiração e sciencia - «jus patronatus... ex meris fundatione et dotatione competere (Regi Sebastiano) nec illi ullo unquam tempore quacumqite ratione derogari posse.

O direito do padroado, sr. presidente, é tão certo, justo e firme, que nem a propria Santa Sé o poderia derogar em tempo e por motivo algum.

Acrescentarei mais, o direito ao padroado portuguez não póde ser alterado ou derogado em tempo algum e sob algum pretexto, nem mesmo consistorialmente, sem sancção ou accordo de Portugal. É perpetuo, conserva-se integralmente. São nullos, irritas, e inefficazes quaesquer actos attentatorios da sua integridade e existencia. É este o direito constante que se encontra determinado em bullas successivas, breves e cedulas consistoriaes.

V. exa. bem sabe como é fastidioso ler documentos. Limitarme-hei ás datas. Indico ao digno par que consulte as bullas de 25 de fevereiro de 1550, de 4 de fevereiro de 1557, de 23 de janeiro de 1575, de 20 de maio de 1595, de 4 de agosto de 1600, de 16 de novembro de 1676, de 30 de agosto de 1677.

Uma Voz: - Já tem ahi bullas de mais.

O Orador: - Não tenho. Agora hei de cital-as todas. Ha ainda a bulla de 10 de abril de 1690, a de 4 de março de 1719, o breve de 22 de setembro de 1670, e as cedulas consistoriaes de 19 de fevereiro de 1588 e de 9 de ja-