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SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1887 371

auctoridade reforça os meus argumentos. E vejo pelos movimentos que faz, o seu assentimento completo ás minhas palavras.

Mas não terminam aqui os meus argumentos contra a caducidade do padroado por falta de dominio territorial, segundo a expressão do sr. dr. Senna.

Se o padroado não póde existir sem dominio territorial, como é que a concordata de 1857 no seu artigo 1.°, e a concordata de 1886 no seu artigo 4.°, reconhecem a Portugal o direito do exercicio do padroado? Como se explicará este phenomeno, sr. presidente. A theologia do digno par é differente da theologia da curia romana. Infelizes de nós se fôra o digno par o cardeal Jacobini. Com verdade então poderiamos dizer: o padroado está morto. Com certeza sr. presidente, se s. exa. fosse a Roma em logar do sr. Mártens Ferrão, vinha com certeza da cidade eterna sem vestigios de padroado. (Apoiados.) A curia não precisaria ouvir mais ninguem sobre esta materia. E como esta não folgaria com a opinião do digno par, tirando-nos o padroado por não exercermos dominio territorial, para o entregar á propaganda fide, aqui vae subir de ponto a admiração de todos, que tambem não possue esse dominio! (Apoiados.)

Os portuguezes precisam para dilatar a fé christã, de serem possuidores dos territorios em que dilatam essa mesma fé. Os propagandistas podem dilatar a fé christã á sua vontade em toda a parte, tenham ou não tenham senhorio directo, sejam ou não sejam possuidores das terras em que estabeleceram as suas missões. O padroado caducou para nós, porque nos falta a terra que não possuimos; já não caducou, porém, para a propaganda fide que tambem a não possue! Pelo mesmo principio que nos considerâmos sem direito ao exercicio do padroado, reconhecemos o direito dos outros que foram muito depois de nós, quando a conquista já estava feita! O nosso valor, o nosso sangue, a nossa abnegação valem menos que a tenacidade alheia e a intriga perpetua! (Muitos apoiados.) Rua com os padroadistas, que não estão em sua casa. Entrem os propagandistas que não possuem casa no mesmo senhorio, nem um palmo de chão que nunca o tiveram. Bem disse eu que de muitos modos se podia discutir a questão do padroado. Aqui está, sr. presidente, um modo original de o discutir phantasiosamente. Nunca os nossos inimigos nos esbulharam dos nossos direitos tanto sem cerimonia. Corta-se no padroado como quem faz a amputação de um membro ou a extracção de um osso do corpo humano! O padroado, diz-se, sem que se possa provar, que não vale nada, é melhor deixai o acabar o mais brevemente possivel. Ficamos sem o cuidado de pensar mais n'elle para o futuro! Com o meu voto, sr. presidente, não se perderá tão facilmente o padroado, porque se não sou bastante chauvinista para pensar hoje que ainda podemos, como outr'ora, sustentar o antigo padroado em toda a sua extensão, ainda me sobeja o sufficiente amor da patria para não me deixar expoliar do que se alcançou com tanta abnegação e heroismo. (Muitos apoiados.) Aquelle direito foi a paga dos nossos sacrificios, e o seu exercido ainda póde servir em nossas mãos e em nossos dias, não só para evangelisar e alargar os verdadeiros dominios da fé christã, senão para dar pão a ganhar aos nossos compatriotas! A doutrina do sr. dr. Senna apesar de ser theologo, é inacceitavel e inadmissivel. Perdoe s. exa. que lh'o diga com toda a franqueza, sem que deixe de respeitar as suas virtudes, seu honesto caracter e profunda illustração. Labora s. exa. n'um erro, que é preciso desfazer, antes que alguem se possa aproveitar d'elle e dos seus argumentos menos exactos. O padroado portuguez é perpetuo. Não póde ser diminuido nem cerceado, sem annuencia do padroeiro, e não depende nem nunca dependeu do dominio territorial. E tudo isto é assim sem que por isso tenhamos necessidade de rejeitar a nova concordata de 1886. Os principios são o que são, e nenhumas considerações os revogam. Não nos expoliemos a nós proprios, por nosso livre alvedrio, basta que os outros nos guerreiem e offendam.

Mas não param aqui as inexactas doutrinas do digno par, contra os nossos direitos ao padroado. O digno par foi ainda mais longe.

Se os catholicos da India, que estavam sujeitos á jurisdicção dos padroadistas e agora passaram para a jurisdicção dos propagandistas, querem voltar á sua primitiva jurisdicção, recorram ao governo inglez, exclamou s. exa.. Mais uma vez o digno par mostrou, não obstante o seu vasto saber, que ignorava os factos que se passam na India. S. exa. esqueceu-se de que a Inglaterra, que hoje exerce ali o seu dominio territorial, é completam ente neutra nas questões religiosas, e não intervem como nós fazemos igualmente na India portugueza, em materia de cultos. A Inglaterra acata o principio da mais larga tolerancia. A liberdade de consciencia não é para ella uma simples ficção. Mantem por esse modo facilmente o seu dominio. Exerce a sua força com maior proficuidade, e não o encubramos, tambem poupa assim ao seu thesouro centenas de laques de rupias. Os hindus, budhistas ou brahmanes, os musulmanos, os parses, os catholicos, os judeus, os jesuitas, em menos palavras, todos os sectarios das variadissimas religiões que ainda hoje se reconhecem no oriente, vivem nos seus estados na mais perfeita tranquillidade e no mais largo exercicio dos seus cultos.

Ninguem é perseguido pela religião que professa, e qualquer religião é professada publicamente. O que eu vejo é que o digno par nunca esteve na India, mas quem a percorreu quasi toda, como me succedeu a mim, não póde encobrir a s. exa. o que viu com os seus proprios olhos. Se ámanhã os musulmanos estiverem descontentes com a jurisdicção espiritual a que estão sujeitos, a serem seguidos os conselhos do digno par, teriam de dirigir se á Inglaterra para lhes desfazer os attritos. A Inglaterra n'esse caso seria obrigada a dirigir-se ao sultão da Turquia para lhes resolver as contendas. (Muitos apoiados.)

Se os parses por qualquer circumstaecia, tivessem a dirimir algum pleito religioso, a Inglaterra lá iria entender-se com o Shah da Persia para lhes alcançar satisfação. (Muitos apoiados.) A Inglaterra não teria na India outra cousa a fazer senão accommodar as differentes seitas religiosas estabelecidas no seu territorio, e a cada passo emprehenderia negociações com os chefes das differentes igrejas para acalmar os espiritos! (Muitos apoiados.) Os catholicos da India sabem isto melhor do que o digno par, e por isso recorreram agora a Portugal.

Só na cidade de Bombaim, sem duvida uma das mais formosas e pittorescas do universo, o governo inglez não lhe sobejaria o tempo para tratar d'estes assumptos.

O digno par tem idéas originaes ácerca da India. Só na cidade de Bombaim eu vi ao lado dos pagodes da raça indiana, os templos christãos dos nossos padroadistas. A par d'estes as mesquitas dos musulmanos e os templos dos parses. Aqui levanta-se o cemiterio dos mouros, onde se escondem os cadaveres dos musulmanos, debaixo da terra, como fazemos habitualmente na Europa; mais adiante, era formosos jardins, cujo perfume das flores inebria os sentidos, encontram-se as magestosas torres do silencio, sarcophagos gigantescos em que os parses offerecem á voracidade dos abutres a carne palpitante dos seus mortos queridos; pouco distante d'estes logares procede-se á incineração dos cadaveres dos hindus com as cerimonias complicadas das suas crenças religiosas.

E tudo isto presenceiam os inglezes, sem se opporera a nenhuma manifestação de liberdade de consciencia!

Famoso povo este na realidade, quasi sempre odiado pelas suas virtudes.

Nos templos, nas proprias ruas, nos pagodes e nas mesquitas, e em toda aparte que se julga logar proprio para similhante fim, pregam os sacerdotes das diversas religiões os dogmas dos seus differentes credos. Ninguem os affronta,