O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

495

dente uma interpellação sobre objecto analogo ao de que agora se tracta, e então reservo-mo para essa occasião, o fazer as observações que eu julgar opportunas: entretanto como o digno Par o Sr. Conde de Thomar dirigiu uma pergunta ao Governo que tem relação com o objecto da minha interpellação; sempre direi alguma cousa nesta occasião.

Sr. Presidente, quando estava fallando o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e da Marinha, eu pedi a palavra na occasião em que S. Ex.ª disse, que era muito doloroso para o coração do Soberano, o ter que mandar executar uma sentença de morte.

O Sr. Ministro dos Estrangeiros — O que eu disse foi, que era para todos os Ministros muito doloroso, e tambem o era para o Chefe do Estado, quando tinham que assignar uma sentença de morte.

O orador — Muito bem, isso é uma questão de palavras, e concordo com S. Ex.ª

Direi tambem ao nobre Ministro, que reputo sempre melhor previnir o mal a tempo, do que ter de castigar o delido, que aliás se podéra evitar. Quando se deseja curar uma molestia, é necessario primeiro que tudo conhecer qual é a causa, e conhecida ella melhor se poderão applicar os remedios para destruir os effeitos.

Disse o digno Par Chefe do Estado-maior, que os soldados accusados eram do regimento n.° 13, e que este regimento 6 um dos melhores do nosso Exercito. Concordo. Mas, Sr. Presidente, o facto é que a corrupção penetra em os melhores gremios, o lavra depois nelles de maneira tal, que metamorphoseia a habitação da virtude em covil do vicio, o homem virtuoso e obediente, em homem impio e insubordinado. Parece impossivel que os Srs. Ministros não saibam quem tem a culpa de similhantes crimes. Pois eu lho digo: SS. Ex.ªs mesmos: não são os homens, são os Ministros, porque seguem um systema obnoxio ao paiz; e essa virtude chamada tolerancia, a que eu chamarei antes impunidade, é que é a causa de se praticarem similhantes crimes. Riam embora como ria Demócrito, que o paiz chorará como chorava Heraclito! Um dia virá, porém, em que o paiz e a posteridade avaliarão desapaixonados e desprevinidos o bello systema dos Srs. Ministros (apoiados), essa tolerancia de que tanto se ufanam (apoiados).

Disse eu, quando n'uma das ultimas sessões annunciei nesta casa uma das minhas interpellações, que tinha muita pena de ter que dirigir perguntas sobre certos factos, ao meu particular amigo o nobre Duque de Saldanha; porque estou certo de que não é elle que póde ser censurado por todos esses vicios e faltas de subordinação que presentemente ha no Exercito. O nobre Marechal infelizmente está doente, e por isso não podo ver com os seus olhos: se elle podesse avaliar similhantes factos como effeitos de certas causas, estou persuadido de que havia de dar remedio a ellas. O facto verdadeiro é, que se quer fazer do Exercito um instrumento, para fins determinados, e então não se poupam meios para que os soldados, que devem ser subordinados aos seus chefes, sejam obedientes a outros chefes, e não aos seus superiores legitimos, mas a authoridades estranhas ao Exercito, a influencias obnoxias e terriveis para o paiz. Ainda bem que a par de insubordinados soldados se erguem altivos, militares honrados, e briosos; ainda bem que o brio e o pondunor militar não desamparou ainda o brioso Exercito portuguez; alli vejo eu Officiaes assentados (apontando para os diversos lados da Camara aonde se sentam os Generaes) alguns militares dignos e probos, aos quaes eu não posso deixar de prestar o testimunho do meu respeito: mas, repito, que é esse systema mofino de criminosa tolerancia, de impunidade (exclamou com vehemencia o orador) que é a causa desses não direi centenares, mas milhares de casos de indisciplina que diariamente sé manifestam em differentes e ate nos mais disciplinados corpos do nosso Exercito, mofina tolerancia lhe chamarei eu, ridicula epigraphe para a taboleta do governo deste desgraçado paiz.

Todos sabem, o nobre Presidente do Conselho tambem o sabe, e eu posso affirma-lo, que S. Ex.ª tem por varias vezes recebido participações de que alguns militares pertencem a sociedades secretas, a lojas maçónicas, ou como lhe queiram chamar. Hoje já ninguem quer ser maçónico, porque está isso conhecido por uma caturrice, e é preciso ser caturra para ser maçónico, e enfeitar-se com um avental (riso). Mas a verdade é, que ha muitos militares que estão nessas taes sociedades, embora não sejam maçónicas propriamente ditas, mas que são sociedades secretas. Ha um plano para chegar a certos fins, e este meio de corromper os milita res é um daquelles que mais parece convir, e que mais adequado é para se chegar a esse fim. Acabe-se com a obediencia, façam do soldado um instrumento de facção; e terão conseguido os fins a que tendem e para que trabalham com esperança do certo e bom ajustado triumpho.

Aproxima-se uma grande época, que deve ser memoravel na nossa historia: as facções preparam-se, as cohortes organisam-se, e tudo se aprompta para dar golpe tremendo, mas forte e decisivo; canta-se a victoria, que pouco importam os horrores do certame, as victimas do sanguinolento certame.

É o dia 16 de Setembro para o qual se preparam as facções; é preciso, segundo ellas dizem, metter medo a alguem para que o triumpho possa ser ganho com mais certeza. lançam-se já as vistas sobre os caracteres mais fracos e mais faceis de serem ganhos para a grande obra, para a façanha tremenda, que as facções premeditam.

Sr. Presidente, direi sempre aos homens que governarem o meu paiz que tractem de grangear a benevolencia do paiz, que pratiquem a verdadeira tolerancia, mas que não comprem caracteres para lhes servirem de degráos; direi, como disse aqui outro dia dirigindo-me ao Sr. Ministro da Fazenda, que não comprem a plausibilidade do Governo com grande desbarato da fazenda publica; e accrescentarei agora com grave e sírio prejuizo do paiz

Ne quid detrimenti capiat respublica.

Não se queira sustentar o poder a todo o trance; é mais nobre sacrificar a propria ambição no altar da patria em beneficio da mesma patria (numerosos apoiados); é mais nobre, repito, largar o poder quando se conhece que elle não se póde sustentar com dignidade, do que conserva-lo com prejuizo do paiz (apoiados). Repito pois, que se prepara o golpe, e que se tentam todos os meios de corromper; porque o dia 16 de Setembro está breve a chegar.... É preciso que se conserve tudo como está, e então todos os meios são licites; façam-se os males, com tanto que se consigam os fins: põe-se de parte a bem conhecida maxima, a antiga sentença = Non sunt facienda mala ut venient bona. = Mas diga-se uma verdade, e seja dita para honra do exercito portuguez, que alguem já se recusou, e muitos se recusarão, senão todos, como firmemente creio, a serem instrumentos do tenebroso plano.

Sinto deveras todos estes acontecimentos, especialmente por ver que á frente da situação se acha o meu nobre amigo o Sr. Duque de Saldanha, que de certo ignora tudo, porque a sua doença o impede de previnir muita cousa má. O nobre Marechal, infelizmente para elle, cerca-o uma nuvem immunda, da qual elle não póde verso livro, nuvem contra a qual elle já desembainhou a sua espada, mas da qual agora não póde sair.

Desejo-lhe sincera melhora do mal que o apoquenta; desejo-lhe ainda mais, que possa desembaraçar-se daquelles que o compromettem, e que outr'ora o calumniaram para hoje o affagarem, e sempre para o perderem e o arruinarem. O Marechal tem um coração bondoso e animo recto, e bom seria que alguns homens politicos e amigos do Marechal, que por a larga experiencia dos negocios publicos poderiam ajuda-lo com o seu apoio e com a sua influencia, não fossem affastados delle, por as intrigas das facções que, ora por embustes e boatos falsos, ora por artigos calumniosos, assignados ou anonymos, procuram sempre affastar do Marechal alguns dos seus amigos verdadeiros e sinceros. Para prova do que tenho dito recordarei á Camara o que disse um jornal do Porto alludindo a alguma visita já ha tempos feita pelo meu nobre amigo o Sr. Visconde de Algés ao Sr. Duque de Saldanha.

Niguem duvida, e o Marechal o reconhece, que o Sr. Visconde de Algés é um dos seus melhores, e talvez o mais amigo, por tanto não é extraordinario que S. Ex.ª tenha relações com o nobre Marechal, e que tambem as tenha com os amigos daquelle. O Sr. Visconde de Algés, do quem eu tambem sou particular amigo, e admirador do seu talento, foi visitar o Marechal; esta visita, de certo innocente e muito natural, deu logar a escrever-se n'um jornal do Porto, que as pessoas da rua de Santo Ambrósio procuravam reunir-se com a gente da rua Formosa (mas não é a rua Formosa de outro tempo): Santo Deos! quando se falla da rua Formosa cumpre ser bem explicito para evitar confusões de certo desagradaveis; fallo da rua Formosa de hoje (riso). O Sr. Visconde de Algés mora naquella rua; e dá-se a intender no artigo que eu era a pessoa que tractava desta aproximação! O Sr. Visconde de Algés não necessita de cerineos, nem o Sr. Duque de Saldanha. O Sr. Visconde de Algés conserva a sua posição, e lá lhe chagará a sua vez de subir a alto logar a que será elevado, não por intrigas mesquinhas, mas sim por o seu elevado genio e magnifico talento, e sem duvida grande em sciencia dos negocios publicos. Disse isto para mostrar, que quando alguem peneira naquella região, logo a intriga tracta de espalhar que é para máo fim. Deixemos este episodio, e prosigamos na demonstração da minha proposição que avancei, de que se tracta systematicamente de corromper o exercito, para o que se não poupam quaesquer meios, ainda os mais extraordinarios.

Ora aos corpos mandaram-se folhetos incendiarios; fazem-se prelecções de socialismo na presença dos soldados, e digo isto por ser publico e notorio, e até mesmo porque o proprio Sr. Duque de Saldanha o disse diante de mim e de muita gente, queixando-se de que em certos quarteis se liam taes folhetos de Proudhon, e de escriptores de igual jaez. Além disto mandam-se jornaes incendiarios, e que excitam á desobediencia e á insubordinação para serem lidos nos quarteis aonde não deveriam ser permittidas similhantes e tão perigosas leituras: esses jornaes conteem artigos os mais infames, e os mais ridículos; tanto, Sr. Presidente, que até um destes dias li um artigo, que longe de stigmatisar o procedimento de um subalterno que linha attentado contra o seu superior, pelo contrario dizia o jornal que esse soldado tinha sido um homem de bem, porque procurava desaffrontar-se da offensa que lhe fizera o seu superior!

Ora aqui está o que é a tolerancia (apoiados), tolerancia criminosa, impunidade mofina (apoiados). E cuida V. Ex.ª que esta tolerancia se manifesta sómente para os actos que acabo de expôr á Camara? Pensa V. Ex.ª que o Governo, longe de previnir a corrupção, a fomenta por todos os meios ao seu alcance? Eu o irei demonstrando. Não é só o exercito que se procura corromper, são todas as classes da sociedade, todos os seus membros. O encarregado mais solicito desta missão, e que nella trabalha com empenho grande, é o Sr. Ministro do Reino, é o litterato do Ministerio, o cultor das boas letras (digo-o com sinceridade); creiam-me, é um homem que não só assigna as peças officiaes, mas que lê, que compõe essas peças que assigna, e que as não assigna de cruz; que não encarrega a ninguem essa tarefa: não, S. Ex.ª nunca fez similhante cousa, nunca se soccorreu a ninguem, nem mesmo ao Sr. Visconde de Almeida Garrett para similhante fim. S. Ex.ª compõe tudo, tudo dita, tudo escreve, e tudo assigna sempre com a mesma boa fé, sempre com a sua apregoada e proverbial sinceridade (apoiados).

Ora, Sr. Presidente, quando um homem do lettras desta ordem assigna uma Portaria no Diario do Governo, que me parece que é tambem assignada pelos outros membros da Administração, na verdade admira que assignasse aquelle documento um dos grandes litteratos do Ministerio. Era uma circular dirigida aos Governadores civis, em que se lhes indicava como uma das melhores obras para ser lida nas escolas, um tal embroglio, a que chamavam, se bem recordo, bibliotheca economica, obra esta que continha a traducção de varios escriptos de Eugenio Suo, e do Paulo de Rock, tambem se bem recordo, a de outros que taes escriptores. E fez S. Ex.ª isto para moralisar, e para civilisar os povos? Mas o Sr. Ministro do Reino assignou esta circular, sendo reconhecido como um dos litteratos da nação, e disse aos Governadores civis, como Christo aos apóstolos—Ide, e ensinai por todo o mundo. — Mas o que? Jesus Christo mandava annunciar o Evangelho, o christianismo em nome de Deos; e o Sr. Ministro do Reino manda annunciar a doutrina do inferno, em nome do diabo: faz dos Governadores civis apostolos seus, e do seu collega Belzebuth (riso). E seria tal Portaria dictada e inspirada por amor das lettras? Oh! Santo Deos! pobres lettras, pobre lingoa portugueza; não, senhor; o Sr. Ministro do Reino approva traducções em lingoagem mascavada e impura, e recommendo-as como modelos de estylo.

O Sr. Ministro do Reino (exclamou o orador) que se ufana de ir procurar, desentulhar mesmo os litteratos aonde quer que estejam, e de os affagar, e exaltar de maneira que todos os vejam; o Sr. Ministro do Reino, que encontrando um litterato, ébrio de prazer, o mostra ás turbas, enternecido, e exclama —Ecce homo — (riso), é o mesmo Sr. Ministro, que manda evangelisar com Eugenio Sue, e pregar ao povo o evangelho em lingoagem mascavada e impura. S. Ex.ª quer moralisar com Eugenio Sue, e Paulo de Rock, e outros escriptores de igual jaez; mas quando uma insignificante creatura, como eu, porque S. Ex.ª é um gigante, e eu um pygmeu, e estamos muito distantes; quando uma insignificante creatura, como eu, dirigi ao Sr. Ministro do Reino uma representação, para estabelecer uma associação para a publicação de bons livros, e S. Ex.ª negou logo a permissão, e foi justissimo, quando me negou a permissão para que tal sociedade se estabelecesse, porque havia grande risco de compromettimento da publica tranquilildade, e de mais a mais os estatutos não estavam regulares: S. Ex.ª escreveu-me um officio, ponderando os inconvenientes que havia em estabelecer similhante sociedade que era má, sobretudo porque eu era um daquelles que a procurava estabelecer; e essa sociedade não se estabeleceu, e os bons livros que ella publicaria nao appareceram, porque o Sr. Ministro, sempre sincero, temia algum transtorno social; mas os livros escriptos em estylo mascavado, e impregnados de doutrinas subversivas e immoraes, esses podem correr, e são proprios para moralisar, e deleitar: são uteis e agradaveis. S. Ex.ª, e os seus apostolos, dirão talvez em relação á obra a que alludi—«Omne tulit punctum qui miscuit utile dulci.»

Ora, Sr. Presidente, depois de uma desmoralisação desta natureza, o que se ha-de esperar do exercito, e das outras classes da sociedade? No districto de Coimbra, S. Ex.ª não póde negar este facto, foi dito na minha presença por um respeitavel lente da Universidade, não é só o testimunho deste cavalheiro, mas sei tambem de alguem que veio de Coimbra, e encontrou o famigerado José Brandão, com os individuos que compõem os seus carabineiros, e entre elles estavam alguns soldados do regimento 14; e então não hei-de insistir na minha proposição, que o Governo protege, e systematicamente o punhal do assassino? Esse regimento, em logar de servir de obstaculo ás tentativas de João Brandão, fornece-lhe soldados para o coadjuvarem nos seus crimes, na devastação do paiz, que elle percorre, assolando-o com os seus satélites, soldados do exercito portuguez. Não nos extasiemos diante destes acontecimentos: procuremos investigar as causas que os determinam, e preparam o exercito, que deveria ser um elemento de ordem; procuram torna-lo, desmoralisando-o, o esteio do crime, a egide dos criminosos. É necessario, é urgentissimo atalhar tamanho mal. Esta protecção aos criminosos data de ha mais tempo. Já estranhei em uma occasião, e a primeira vez que fallei nesta Camara, o procedimento do Governo, em relação ao famigerado Major Christiano; lamentei a sua fuga da prisão, pedi a respeito della estreitas contas ao Ministerio; mas como eu ainda ora novato, veio logo o gigante da tribuna, o sapientíssimo Sr. Ministro do Reino, dar-me lições de procedimento parlamentar, quiz ser meu mestre, mas o discipulo não foi docil, e renegou a doutrina do mestre: foi rebelde a elle, e ainda bem que fui, não me arrependo, consolo-me.

A primeira vez que fallei nesta casa chamei a attenção do Governo sobre os horrorosos crimes do major Christiano, de horrorosa memoria; mas S. Ex.ª estranhou o que eu disse a este respeito, e o Sr. Presidente do Conselho tambem se admirou da minha insistencia sobre similhante e tão grave negocio — pois quando se não commetteram crimes, pois quando não houveram fugas das prisões?! exclamaram SS. EE.: o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros disse até—que o actual Imperador dos francezes tambem tinha fugido de uma prisão. Mas

o que dizia eu então senão o que digo agora. Esse major Christiano fugiu de uma prisão fortissima, como é a do castello, e que vergonhosa protecção lhe não valeu para effectuar tão difficultosa fuga, é porque esse homem carregado de horrorosos crimes e assassinatos, e coberto das maldições até dos seus, era um homem que podia servir para certos fins, e então fugiu, e a policia é tão boa que nunca o póde apanhar. Espantei-me então, assim como me espanto hoje. A protecção que se deu a este major era a mesma que se dá hoje a outros assassinos: os fins e os meios a que se tende, e por que se manobra são os mesmos. Fugiu um criminoso, é verdade, sempre assim aconteceu; mas o que nem sempre aconteceu foi não se descubrir o culpado neste attentado, o desapparecer sem poder cair sobre elle a vara da lei e da justiça o criminoso perpetrador de tão horriveis attentados; foi-me preciso repetir esta historia para reforçar os meus argumentos, para provar que a memoria da administração do Sr. Ministro do Reino ha-de ser recordada pela posteridade com horror, e coberta de maldição. Mas S. Ex.ª é um gigante e póde fazer o que quizer, porque é similhante ao gigante Golliat, e ainda não achou um David que o combatesse com a sua funda; alguma occasião virá em que a flecha do gigante seja inutilisada por a funda do pigmeu.

Perguntarei agora aos Srs. Ministros, e a todos aquelles que os defendem, se o ser gigante consiste unicamente em ser apregoado como tal? Creio que não. Sr. Ministro do Reino, fizeram de vós um novo Cyro, achastes alguns novos Xenofontes, a quem pagastes o trabalho para diariamente escreverem a vossa Cyropedia, ridicula em lingoagem nojenta em que vos elevam ás nuvens, mas nuvens de poeira, que o mais leve sopro destroe e arruina. Novo Cyro da nossa época, recebei os nossos parabens por terdes descoberto os Xenofontes, que ninguem conhecia, para chronistas das vossas façanhas, que tambem ignoravamos. Sois grande, porque o annunciam os vossos pregoeiros, a quem pagais; mas os grandes engenhos denunciam-se pelas suas obras, as grandes concepções do genio dão em resultado as grandes medidas, que immortalisam os heroes. O Marquez de Pombal ficaria desconhecido se não fosse o auctor de leis tão uteis a este paiz. Sir Roberto Peel não seria abençoado pelo seu paiz senão se tivesse feito conhecer e admirar pelas sabias medidas que adoptou, não seria senão fosse o seu genio, traduzido nas grandes reformas do seu paiz; apregoado como o homem grande da sua época, respeitado pela posteridade como uma intelligencia fecunda e util para o mundo social e politico. Deos nos livre destas intelligencias, que para nada servem, ou que só servem para propagadores do mal.

Sois proclamado o gigante? E por quem? Por aquelles a quem pagais; duvido da competencia de taes censores vou pôr-lhe embargos, ou para melhor dizer os seus autos de competencia, já então embargados na chancellaria da opinião publica, appellem para outro tribunal, mas este parece-me que é de ultima instancia. É o tribunal da opinião publica que já resolveu, e é competentissimo.

Sr. Presidente, eu já estou habituado a ler as diatribes dos jornaes e os artigos de fundo dos jornaes ministeriaes, que dizem sempre a mesma cousa; mas é notavel que se occupem só do Sr. Ministro do Reino e do Sr. Ministro da Fazenda, e a respeito dos outros não dizem nem uma palavra em seu elogio. Portanto, eu peço tambem algumas palavras laudatorias para os Srs. Visconde de Athoguia e Frederico Guilherme, mas todos os elogios dos apostolos do Ministerio são só para os fomentos do Sr. Ministro da Fazenda; é preciso mudar de scena desta comedia, ou antes tragedia, porque já enfastia, e devemos mudar para outra ao menos; e peço ao Sr. Ministro do Reino, e peço-lhe com empenho grande algumas palavras de elogio de vez em quando para os seus dois collegas Frederico o Athoguia, peço-lhe que não queira tudo para si, seja generoso para quem o ajuda a levar a cruz ao calvario.

Eu tencionava hoje guardar silencio se o Sr. Conde de Thomar não tivesse chamado a attenção do Governo sobre os factos a que alludiu; eu tinha-me conservado calado, e reservava-me para votar pró ou contra os projectos dados para ordem do dia; mas ferve-me o sangue quando vejo este systema hypocrita; é preciso acabar por uma vez com os calumniadores, é necessario fazer conhecer a todos quem são os traidores, e os meios que empregam para poder a salvo perpetrar os seus horrorosíssimos crimes. Digam pois o que quizer, ou analysem o meu proceder como quizerem, que eu sustentarei sempre a dignidade de representante da nação, ainda que indignissimo, bem sei que se aqui estou não é de certo por vontade de alguem; e agora explicarei ao Sr. Ministro da Marinha o que já disse a S. Ex.ª fora daqui. É notavel que os diversos partidos fizessem opposição á minha entrada nesta Camara, o primeiro foi o Sr. Conde de Thomar, que fallou contra mim, creio que dez vezes, depois os outros dignos Pares tambem no mesmo sentido; finalmente saiu o Sr. Conde de Thomar do Ministerio, e appareceu um Decreto do Sr. Duque de Saldanha que me abriu as portas desta casa. Apresentaram-se depois o Sr. Conde da Ponte e o Sr. Conde de Peniche, que estavam nas mesmas circumstancias em que eu estava; mas aconteceu uma cousa notavel, eu estava naquella tribuna quando se apresentou o requerimento do Sr. Conde de Peniche, e a Camara então dispensou o regimento a seu respeito, por julgarem que S. Ex.ª era menos tenaz do que eu, e havia votar com o Governo,; mas o digno Par tem sempre votado com a opposição, e honra lhe seja que sabe sustentar com dignidade a posição que nobremente occupa. Porém em relação a mim nada se dispensou, todas as formalidades se guardaram, e ainda bem, porque posso dizer que não tenho.