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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1858.
Presidencia do ex.mo sr. Visconde de Laborim,
Vice-presidente.
Secretarios, os Srs. Conde da Louzã (D. João),
Visconde de Balsemão.
(Presentes desde o começo da sessão, os Srs. Ministros da Fazenda e Justiça.)
Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presente o numero legal, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente, que foi approvada na fórma do regimento, por não haver reclamarão em contrario.
Deu-se conta da seguinte correspondencia: Officio do Ministerio do Reino, declarando que a Deputarão que deve apresentar á sancção de Sua Magestade os authographos das Leis approvadas pela Camara, seria recebida na dia immediato pela hora do meio dia.
O Sr. Presidente nomeou a Deputação, que se compunha dos Dignos Pares: Ex.mos Srs. Vice-presidente Conde de Mello Conde de Peniche Conde da Ponte de Santa Maria Conde do Sobral Conde de Thomar Conde da Taipa. O Sr. Secretario continuou dando conta da correspondencia:
Um officio de J. Fradesso da Silveira, na qualidade de Secretario da commissão de pesos e medidas, remettendo 30 exemplares do Jornal Mercantil, em que vem publicado um relatorio da mesma commissão.
- dito, do Sr. Visconde de Fornos de Algodres, participando, que em consequencia de ter fallecido seu irmão, o Arcediago da Sé de Vizeu, não podia comparecer.
- dito, enviando exemplares da exposição feita sobre um concurso da Escóla Medico-Cirurgica de Lisboa.
O Sr. Conde de Thomar disse que se havia annunciado a distribuição de um papel de alguns interessados nos concursos da Escóla Medico-Cirurgica de Lisboa, e que sendo este negocio um dos que estão pendentes na commissão de instrucção publica ahi se exigem alguns documentos, que já foram pedidos. Não censura o Governo por não os ter mandado até agora, mas aproveita a occasião para repetir que se tornam indispensaveis, e roga ao Sr. Ministro da Justiça peça ao seu collega do Reino, que quando lhe fôr possivel os envie.
O Sr. Secretario Visconde de Balsemão declara á Camara que o Sr. Conde de Mello lhe pedíra fizesse constar, que não podia comparecer á sessão de hoje por estar incommodado.
(Entraram os Srs. Presidente do Conselho, e Ministro da Fazenda.)
O Sr. Ministro da Justiça declara que tendo pedido a palavra antes de ser presente o Sr. Ministro do Reino, fóra no intuito de dizer que tomava nota da declaração do Sr. Conde de Thomar, para prevenir o seu collega, que ordene a remessa desses documentos a que o Digno Par alludiu.
O Sr. Marques de Vallada aproveita a occasião para annunciar uma interpellação ao Sr. Ministro da Guerra.
Disse que recebêra uma carta do Presidente da Camara municipal de Guimarães, e outra assignada pelos membros da mesma Camara, nas quaes, empregando-se expressões muito cortezes, e pelas quaes se mostra sobejamente grato, faziam recahir sobre elle orador a culpa da ordem expedida pelo Governo para que o 7 de caçadores fosse removido para Valença. Parece-lhe que a censura que dirigiu ao commandante daquelle corpo não podia tornar responsavel o mesmo corpo; mas tendo lido n'um jornal da capital, affecto ao Governo, expressões que não póde deixar de notar, e vinham a ser: — «a necessidade de castigar os fanáticos» se poderia presumir que os homens catholicos, amantes da justa liberdade de consciencia, e observantes das leis da Igreja, reclamando contra os abusos da auctoridade, pediam o castigo dellas. O Sr. Ministro da Guerra, como se induz, depois da interpellação que elle orador lhe dirigira, ordenou que o mencionado corpo fosse removido para Valença. Já lá está. Não sabe se foi por castigo, ou resultado do que expozera na Camara dos Dignos Pares, e por isso deseja uma explicação sobre o facto, para se desencarregar desta especie de accusação feita em Guimarães. Mandaria por tanto para a Mesa a sua nota de interpellação.
O Sr. Barão de Porto de Mos envia para a mesa o seguinte requerimento:
(Requeiro que pela repartirão competente se remetta a esta Camara a relação dos bens que andam annexos á fabrica da Marinha Grande, pertencentes á Fazenda, e quem actualmente se acha no usufructo desses bens.»
Requer a urgencia, porque tendo de ser apresentado nesta Camara um contracto sobre o arrendamento da fabrica da Marinha Grande, e sabendo que ha bens consideraveis hoje em usufructo do actual arrendatário, se faz necessario que a relação a que allude o seu requerimento seja presente para nessa occasião bem se podér avaliar o referido contracto.
Consultada a Camara foi approvada a urgencia.
O Sr. Presidente declara que se passa á ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer n.º 101.
O Sr. Conde de Thomar expõe que no fim da anterior sessão não poderá usar da palavra, porque, cansado já da resposta que déra a alguns defensores do projecto, e vendo a hora muito adiantada hão poderia tractar a questão nos devidos termos; e tanto assim fóra que a Camara o reconhecera depois, que concedida a palavra ao Sr. Visconde d'Athoguia, pela mesma razão o dispensara de orar, adiando a discussão para este dia. Verá nesta occasião elle orador se póde passar em revista os argumentos apresentados pelos defensores do projecto, quer membros da Camara, quer os Srs. Ministros, e demonstrar que esses mesmos argumentos devem confirmar a Camara na idéa de que a commissão seguiu os Verdadeiros principios.
Além deste intuito, tem igualmente de dar uma satisfação aos Srs. Ministros, para os convencer de que se tractou a questão da sua situação politica, com relação a este Ministerio, foi mais em opposição de argumento a argumento, do que por desejo de collocar SS. EE. em difficuldades; porque ao contrario estimaria que SS. EE. tivessem occasião de explicar a situação, talvez, um pouco falsa, em que alguns dos Srs. Ministros se collocaram neste negocio, sentindo ao mesmo tempo ter de demonstrar aos Srs. Ministros, que nas explicações que deram não foram muito felizes.
Entrando no assumpto diz que o parecer da commissão é impugnado por algumas razões, que infelizmente foram tão contradictorias, que dão margem a dizer-se, que a consequencia dellas é a approvação do mesmo parecer. Se bem se recorda, o unico orador que defendeu este projecto, de modo a podér inclinar a Camara a approval-o, foi o Sr. Visconde de Castro. Apesar disso pede licença a este seu nobre amigo para lhe dizer que as suas razões são aparentemente sólidas.
Se bem se lembra, disse não haver duvida que os verdadeiros principios estão no parecer da commissão, porém ella propria reconhecia haver casos em que extraordinariamente se podesse adoptar esta medida; nem ser possivel duvidar de que a Madeira ia n'uma continuação de prosperidade de 1854 até hoje, e que por isso não queria a responsabilidade da suspensão desse prospero progresso, devido em parte á medida adoptada, ou a uma certa coincidencia que não sabia bem explicar.
Julga que não altera aforra da argumentação, mas entende que sendo este um modo coherente da defeza do projecto, se caiu na infelicidade de ser logo contradicto pelo proprio Ministerio, pois foi o Sr. Ministro da Justiça quem asseverou, que longe de haver na Madeira tal progresso de prosperidade, continuava alli o mal das vinhas, o receio da choleramorbus, e mais que tudo havia a insubordinação dos habitantes da Madeira!
Pois se esta medida, segundo as informações officiaes do Sr. Ministro da Justiça — o homem mais competente para dar esclarecimentos—tem dado em resultado a continuação do mal das vinhas, e a insubordinação dos cidadãos que outr'ora foram pacificos: pergunta como poderá ser approvada? Entende que preferentemente se deve acreditar nas informações dos Srs. Ministros, nem o Sr. Visconde de Castro lhe poderá levar a mal que de mais credito ás informações saídas dos bancos dos Srs. Ministros, do que ás suas. Por esta informação do homem mais competente no Ministerio — daquelle que tem mais conhecimento das circumstancias em que se acha a Madeira, a medida proposta dá em resultado, depois de quatro annos de execução, os factos que se acabam de apontar, e quando os Srs. Ministros se explicaram, disseram (note-se bem) ter sido a experiencia que lhes servira de guia para approvarem esta mesma medida que n'outro tempo rejeitaram!
Desgraçada experiencia que leva o Ministerio a ser incoherente, e os Srs. Ministros a mudarem de opinião, approvando o que n'outras circumstancias rejeitaram.
Tracta-se de prorogar por mais um anno uma lei que, na opinião dos Srs. Ministros, tem apresentado estes resultados! Que lei é essa? A que permitte a accumulação das funcções militares e administrativas no mesmo magistrado, podendo elle accumular os dois ordenados. Qual o fundamento da lei? Lêa-se o artigo, e vejam as circumstancias em que se achava a Madeira em 1854. É necessario, para se marchar logicamente, elevar a convicção á Camara, que se mostre que as circumstancias extraordinarias em que se achava aquella ilha em 1854 existem hoje.
Ainda nesta parte (continuou o orador) não estão muito de accôrdo os Srs. Ministros, porque já se disse tambem dos bancos do Ministerio — que se não póde sustentar serem as circumstancias da Madeira as mesmas que em 1854.
Se fossem as mesmas, ainda assim a medida não poderia ser approvada, porque seria consequencia a inefficacidade do remedio, acontecendo além disso ferirem-se os principios — principios incontroversos, sustentados pelos defensores e oppositores do parecer, que não combatem os Srs. Ministros, nem o podiam fazer. SS. EE. foram os primeiros que prestaram homenagem aos principios emittidos pela commissão. Só ha dois Dignos Pares que os combatem — os nobres Conde da Taipa, e Visconde de Balsemão.
Repete portanto que para se sustentar esta medida será necessario mostrar-se em que consistem hoje as circumstancias extraordinarias que a exigem! Não é isto o que se mostra, e era o que convinha provar.
Allude o orador a ter o Sr. Ministro da Justiças, para justificar sua mudança de opinião, recorrido ao mal das vinhas, o que entende muito extraordinario (apoiados); e pergunta, quem póde admittir, que a accumulação das funcções militares com as administrativas no mesmo individuo, e mais alguns centos de mil réis, por esse exercicio, possam destruir esse mal que manda a Providencia? Deduz portanto deste augmento, que o Governo só deseja uma auctoridade energica, que vá castigar a insubordinação dos povos da ilha da Madeira, d'ahi infere mais, que o Digno Par o Sr. Conde da Taipa estava senhor do pensamento ministerial, quando na anterior sessão S. Ex.ª deu a entender a necessidade do paiz ser governado por Governos militares. Comparadas tão espontaneas revelações, esperava que o Digno Par viesse a esta sessão, vestido de sacco, e com a cabeça coberta de cinza, pois asseverára S. Ex.ª na anterior sessão, que se tivesse proferido tal heresia, assim viria pedir perdão á Camara (riso.)
Allude ater dito igualmente o Digno Par, que havia em liberdade garantias demais, e que só era preciso crear a auctoridade; e dar-lhe força. Dissera tambem, que o projecto de lei em discussão continha uma medida, que não só dava maior força e maior acção á auctoridade, como era tambem mais economico, circumstancias que se deviam ter em vista, para se não negar a approvação ao projecto; accrescentando igualmente sentir, que a proposta medida não fosse permanente. De tudo isto inferia elle orador, que o Digno Par a que se reportava, entendia ser necessaria na ilha da Madeira a reunião das funcções e dos ordenados, sem o que não poderá haver alli auctoridade; e que estimaria vêr generalisada esta medida.
O Sr. Conde da Taipa rectifica ser engano do orador, e que unicamente se referira ás colonias.
O Sr. Conde de Thomar insiste em que S. Ex.ª quando fallou, entendeu ser colonias tudo que está separado da metropole por um braço de mar, e assim é claro que, pelo menos, e Digno Par deseja, que a ilha da Madeira e os Açôres, sejam governados por esta fórma. Declara, porém, que elle orador entendeu, e mais alguns Dignos Pares, que das palavras empregadas por S. Ex.ª se deprehende serem seus desejos, que a medida fosse geral (apoiados.)
Tira portanto da argumentação do Digno Par consequencia de que para a ilha da Madeira, e os Açôres S. Ex.ª quer esta medida.... Não se admira. de que assim pense o Digno Par, porque S. Ex.ª que tem uma intelligencia por todos reconhecida, e grande independencia em presença de todos os Ministérios, (facto por todos confessado), só tem um unico defeito o vem a ser que convencido de que taes e taes pessoas são convenientes no Ministerio, se deixa levar de tal modo arrastado, que muitas vezes sustenta medidas que não estão nas suas idéas, nem se ajustam com as opiniões muitas vezes emittidas por S. Ex.ª (apoiados), e tanto é assim, que nesta mesma occasião S. Ex.ª se deixou arrastar desse pensamento ministerial, por estarem na Administração pessoas com quem sympathisa.
Se acaso se deseja uma auctoridade militar para governar a ilha da Madeira, parece, que, em vista da insubordinação em que se acham os ha